Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ NUNO DUARTE | ||
Descritores: | PENHORA DE CRÉDITO NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR TÍTULO EXECUTIVO | ||
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Nº do Documento: | RP202506043000/12.4TBGDM-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/04/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O título executivo que se forma nos termos do disposto no artigo 777.º, n.º 4, do Código do Processo Civil apenas pode servir de base à execução dos bens do devedor, ou seja, do debitor debitoris, a pessoa/entidade tida como devedora do executado que foi notificada nos termos do artigo 773.º do CPC e que se encontra vinculada ao cumprimento da obrigação que, por via de declaração expressa ou de ficta confessio, foi reconhecida. II – O administrador da insolvência não é a pessoa cujos bens devam responder pelo cumprimento das obrigações de natureza patrimonial do devedor insolvente e, por isso, quando se verifica a penhora de um crédito da insolvência, independentemente de ter sido ele o destinatário da notificação dessa penhora e de ser também ele quem, em termos práticos, deve assegurar o depósito ou a entrega da prestação devida, não pode ser considerado o debitor debitoris e, por isso, apenas pode responder por eventuais actuações erróneas em conformidade com as regras gerais da responsabilidade civil extracontratual e após essa sua responsabilidade ser reconhecida ou declarada em acção própria. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 3000/12.4TBGDM-A.P1
Relator: José Nuno Duarte; 1.º Adjunto: Manuel Fernandes; 2.º Adjunto: Jorge Martins Ribeiro.
Acordam os juízes signatários no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO AA, por apenso aos autos da execução para pagamento de quantia certa que foram movidos contra si, nos termos do artigo 777.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pela exequente A..., S.A., (em cumulação com a execução que esta mesma exequente instaurou contra B..., S.A., BB e CC), veio deduzir embargos de executado, alegando, em suma, que inexiste título executivo válido que possa servir de base à execução que é movida contra si e que não mantém qualquer dívida para com a exequente, pois não violou os deveres a que estava adstrito como administrador da insolvência e, no que diz respeito ao quantitativo monetário que entregou ao executado CC, actuou sempre em conformidade com aquilo que, devido à força de caso julgado da sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência dos titulares da dívida, lhe era imposto. O executado requereu também a intervenção principal passiva da seguradora C... S.A., ou, subsidiariamente, a intervenção acessória, como sua associada, dessa mesma seguradora, mais tendo peticionado que o prosseguimento da execução fosse suspenso sem prestação de caução, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, al c), do Código do Processo Civil. Os embargos do executado foram admitidos liminarmente e, após disso ser notificada, veio a embargada/exequente, A..., S.A., apresentar contestação, pugnando pela improcedência dos embargos. Realizou-se audiência prévia, tendo, no âmbito da mesma, sido indeferida a intervenção na lide da seguradora C... S.A., mas deferida a “[s]uspensão da execução até à decisão dos presentes embargos nos presentes termos requerido pelo embargante…”. No final da diligência, foi concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões suscitadas nos autos e sobre a possibilidade de ser, desde logo, conhecido o mérito da causa, ordenando-se após que fosse lavrado termo de conclusão dos autos para prolação de decisão. Nessa sequência, em 26-06-2024, foi proferido despacho saneador, no qual, depois de ser afirmado que as questões a dirimir para o conhecimento do mérito da causa eram duas, uma relativa à “validade do título executivo”, e a outra relativa à “existência e exigibilidade da obrigação exequenda, se concluiu que “os documentos juntos não preenchem os requisitos legais para poderem configurar título executivo à luz dos artigos 703º, nº 1, d) e 777º, nº 3, do Código de Processo Civil” e que, por via disso, ficava “totalmente prejudicada” a segunda questão, sendo decidido, a final, o seguinte: - «Pelo exposto, julgo os presentes embargos totalmente procedentes e consequentemente determino a extinção da execução, quanto ao embargante. Condeno a embargada nas custas do processo. Fixo o valor da acção em 68.172,91 € (…)» - A embargada/exequente, A... S.A., veio recorrer desta decisão, apresentado alegações, motivadas nos termos legais, com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da Sentença que julgou procedentes os embargos, por inexistência de título executivo, e determinou a extinção da execução quanto ao Embargante AA. 2. A A..., S.A. intentou ação executiva contra AA para a cobrança da quantia exequenda de € 68.172,91, considerando que o Executado primitivo, CC, era titular de um crédito sobre DD e EE, os quais foram declarados insolventes no processo n.º 8061/16.4T8VNG, onde o Embargante foi nomeado como Administrador de Insolvência e o qual foi notificado, nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC, para penhora do referido crédito, tendo o mesmo efetuado o pagamento desse crédito ao Executado CC, ao invés de o entregar à ordem dos autos de execução. 3. O Executado AA deduziu oposição à Execução, mediante embargos, onde, entre outros fundamentos, invocou a inexistência de título executivo face ao teor da notificação efetuada pela Senhora Agente de Execução e ao facto de não ter reconhecido a existência da obrigação. 4. O Douto Tribunal a quo entendeu que o Embargante AA não é o devedor, nem nunca informou ou reconheceu que era devedor, tendo apenas informado que existia um crédito reconhecido sobre a insolvência e, como tal, a notificação para a penhora do crédito do Executado CC devia ter sido feita ao processo de insolvência e não ao Embargante. 5. A Exequente não pode aceitar a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo uma vez que a notificação para penhora do crédito titulado por CC tinha de ser remetida ao Embargante AA, enquanto Administrador de Insolvência e entidade competente para efetuar os pagamentos. 6. No processo de insolvência n.º 8061/16.4T8VNG, foi reconhecido ao Executado CC, por sentença transitada em julgado de junho de 2019, um crédito no valor de € 250.958,90 de natureza comum. 7. No referido processo, em fevereiro de 2022, foi elaborado o mapa de rateio final cabendo ao Executado CC o montante de € 68.172,91, o qual foi pago ao Executado, por transferência bancária, em março de 2022. 8. Nos presentes autos, em março de 2018, foi efetuada uma notificação ao Embargante AA, na qualidade de Administrador de Insolvência no processo n.º 8061/16.4T8VNG, de que, nos termos do artigo 773.º do CPC, se consideravam penhorados os créditos detidos pelo Executado CC sobre a respetiva massa insolvente. 9. Em fevereiro de 2019, o Embargante AA respondeu à Sra. Agente de Execução informando que o Executado CC é detentor de um crédito reconhecido de € 250.958,90 e que o processo de insolvência de encontrava na fase de liquidação do ativo; 10. Em novembro de 2022, o Embargante AA informou a Sra. Agente de Execução que o processo de insolvência já havia sido encerrado e que havia sido pago ao credor CC a quantia que lhe coube em rateio. 11. O Tribunal a quo entende que a notificação efetuada pela Agente de Execução para penhora dos créditos titulados pelo Executado CC no referido processo de insolvência devia ser dirigida ao próprio processo de insolvência e não ao Embargante, enquanto Administrador de Insolvência. 12. A penhora de créditos pressupõe o incumprimento da obrigação por parte do respetivo devedor, o qual deixa de cumprir voluntaria e espontaneamente a obrigação, sendo que, nos termos do disposto no artigo 817.º do CC, nesse caso, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo. 13. No âmbito desta garantia geral de execução do património do devedor, podem dele fazer parte créditos que o devedor detenha sobre terceiros, estando legalmente consagrada a possibilidade da penhora de créditos, de que um devedor seja credor sobre terceira pessoa. 14. Verificado o incumprimento voluntario da obrigação originária pelo devedor, o respetivo credor pode executar o património daquele, onde se podem inserir os tais créditos sobre terceiros, por exemplo, se o devedor executado for uma empresa, e essa empresa tiver créditos sobre clientes por receber, o credor pode penhorar esses créditos. 15. O n.º 1 do artigo 773.º do CPC dispõe que a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução. 16. O Executado CC, devedor originário, detinha créditos no valor global de € 250.958,90 sobre DD e FF, sendo estes os terceiros devedores do Executado CC e cujos créditos a lei admite a respetiva penhora pela Exequente, enquanto credora do Executado CC. 17. A notificação prevista no nº 1 do artigo 773.º do CPC teria de ser feita a DD e FF na qualidade de devedores do executado CC, os quais tinham o dever de entregar à ordem do Sr. Agente de Execução os créditos penhorados e titulados pelo Executado ao abrigo do n.º 1 do artigo 777.º do CPC. 18. Os devedores DD e FF foram declarados insolventes no âmbito do processo n.º 8061/16.4T8VNG, o qual seguiu os seus termos para a liquidação do ativo. 19. Nos termos do n.º 1 do artigo 81.º do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, o qual assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. 20. Nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRE, incumbe ao administrador de insolvência preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram. 21. O administrador de insolvência dos devedores DD e FF, o Embargante AA, passou a representar aqueles em todos os atos de administração e disposição dos respetivos bens, recaindo sobre si a obrigação de efetuar o pagamento das dívidas dos insolventes. 22. À data da penhora dos créditos detidos pelo Executado CC sobre os devedores DD e FF, em março de 2018, estes devedores DD e FF já se encontravam insolventes no processo n.º 8061/16.4T8VNG e, como tal, representados pelo Embargante AA. 23. Naquela data, os ali Insolventes DD e FF estavam desprovidos dos poderes de administração e disposição dos respetivos bens e representados pelo Embargante AA pelo que a notificação prevista no n.º 1 do artigo 773.º do CPC tinha de ser remetida, como foi, para o Embargante. 24. Era o Embargante AA que tinha de receber a notificação prevista no n.º 1 do artigo 773.º do CPC, uma vez que era o Embargante que representada os devedores insolventes DD e FF. 25. Era o Embargante AA que tinha a obrigação de efetuar, como fez, os pagamentos das dívidas reconhecidas dos insolventes, nomeadamente, do crédito reconhecido ao Executado CC. 26. O administrador da insolvência é nomeado pelo juiz e tem um papel central no processo de insolvência, competindo-lhe: examinar, verificar e contestar os créditos reclamados; preparar o pagamento das dívidas do insolvente; elaborar uma proposta de plano de reestruturação, em colaboração com o devedor e os credores; promover a venda dos bens que integram a massa insolvente, com o objetivo de distribuir o respetivo dinheiro daí resultante pelos credores; assegurar os direitos do insolvente e a continuação da exploração da empresa, se existir, evitando, o mais possível, o agravamento da situação económica. 27. O Tribunal, no processo de insolvência, tem essencialmente um papel de fiscalização, competindo-lhe, fundamentalmente, declarar a insolvência, depois de apresentado o processo; homologar o plano de insolvência ou o plano de pagamento; reconhecer a hierarquia dos créditos, ou seja, de quais devem ser pagos primeiro e a ordem que se segue. 28. É o Administrador de Insolvência que efetua os pagamentos aos vários credores, o que se compreende considerando que é o administrador da insolvência que passa a deter os poderes de disposição e de administração dos bens dos insolventes. 29. Por todo o exposto, a notificação para penhora dos créditos titulados pelo Executado CC sobre os devedores/Insolventes DD e FF, prevista no artigo 773.º, n.º 1 do CPC, tinha de ser, como foi, emitida ao Embargante AA, enquanto representante dos Insolventes. 30. Não é o Tribunal da insolvência que tem poderes de administração e disposição dos bens, nem é o Tribunal que efetua os pagamentos dos créditos, ainda que seja o Tribunal a proferir a sentença de verificação e graduação de créditos e a mandar pagar os créditos da insolvência. 31. Os direitos do Executado, ali credor, CC estavam sempre salvaguardados, uma vez que estamos perante um ato judicial, efetuado por um Agente de Execução no âmbito de um processo executivo, tendo o mesmo a possibilidade de, querendo, deduzir oposição à penhora após a entrega das quantias pelo Administrador de Insolvência à ordem da execução. 32. Pelo exposto, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo que julgou procedentes os embargos, com fundamento na inexistência de título executivo pelo facto do Embargante não ser o devedor do crédito cuja penhora se pretendia. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso devendo ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedentes os embargos por inexistência de título executivo contra o Embargante, com todas as consequências, conforme é de JUSTIÇA - O embargante AA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, formulando, no final, as seguintes conclusões: 1. O título executivo discutido no caso em apreço está previsto no artigo 777.º, n.º 3, do CPC: “.Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito 2. A validade desse título executivo tem como requisitos: a) que se haja procedido validamente à penhora de um crédito do executado; b) que o devedor tenha reconhecido, expressa ou tacitamente a existência do mesmo; c) que tal esteja documentado, com a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito. 3. Ao contrário do que sustenta a recorrente, o título executivo não é válido, dado que a Exma. Agente de Execução, na notificação enviada ao aqui recorrido, refere que “(…) se consideram penhorados os créditos, que o executado CC, NIF ..., detém sobre aquela massa insolvente”. 4. O primitivo executado não detinha qualquer crédito sobre a massa insolvente; detinha um crédito sobre a insolvência. 5. O recorrido nunca reconheceu a existência do crédito identificado pela a Exma. Agente de Execução: informou, pelo contrário, que existia um crédito reconhecido sobre a insolvência. 6. Sem prejuízo, ainda que o crédito identificado na notificação de penhora manifestamente não exista, a Exma. Agente de Execução sempre deveria ter notificado a penhora de créditos ao processo de insolvência, pois não é o administrador da insolvência que reconhece e manda pagar os créditos da insolvência, é o Tribunal. 7. O sr. A.I. apenas paga na estrita medida do julgado pelo Tribunal na sentença de verificação e graduação de créditos, bem como no respectivo mapa de rateio, sendo que qualquer alteração subjectiva da lista de credores depende de decisão judicial. 8. Em suma, quer por o crédito do primitivo executado sobre a massa insolvente inexistir, quer pelo facto de o Sr. AI apenas ter cumprido com a sentença de verificação e graduação de créditos, cabe concluir pela manifesta e absoluta falta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá a apelação ser julgada improcedente e, em consequência, ser confirmada integralmente a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais. - O recurso foi admitido por despacho, que, correctamente, o classificou como sendo de apelação e lhe atribuiu efeito meramente devolutivo, ordenando a sua subida imediata a este Tribunal da Relação nos próprios autos. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. *** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), as questões a tratar são as seguintes: *** III – FUNDAMENTAÇÃO A matéria de facto a considerar, nesta sede, é aquela que foi fixada na decisão recorrida pelo tribunal a quo e que não foi objecto de qualquer impugnação. A mesma é a seguinte: - Não há Factos Não Provados. A primeira questão a abordar diz respeito ao facto de existir ou não nos autos título executivo que possa servir de base à execução que foi movida contra o embargante Como se sabe, decorre do artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que a acção executiva não pode ser intentada sem o demandante estar munido de um título executivo, pelo qual são determinados os fins e os limites da execução. Apresentando-se o título executivo como o documento que importa a constituição ou o reconhecimento da obrigação cuja prestação se pretende obter pela via coactiva, discrimina o artigo 703.º, n.º1, do Código de Processo Civil quais os documentos que se revestem de força executiva; são eles: Uma das disposições especiais a que alude esta última alínea é o artigo 777.º, n.º 4, do Código do Processo Civil, no qual se estabelece que, quando, numa execução, é penhorado um direito de crédito do executado, nos termos do disposto no artigo 773.º do mesmo código, e o devedor, depois de reconhecer a existência da dívida, não cumpre a respectiva obrigação de, logo que esta se vence, depositar ou entregar a prestação correspondente ao agente da execução, “[p]ode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.”. Para a formação deste título executivo, face ao disposto nos artigos 773.º a 777.º do Código do Processo Civil, é, portanto, necessário: Centrando a nossa atenção no caso dos autos, resulta dos factos provados que, no âmbito da execução movida por A..., S.A., contra B..., S.A., BB e CC, o ora executado AA, em 3-04-2018, foi notificado (com observância das formalidades da citação), na qualidade de administrador da massa insolvente de DD e FF, da penhora, nos termos do 773.º do Código do Processo Civil, dos créditos “… que o executado CC, NIF ..., detém sobre aquela massa insolvente em consequência de fornecimento de bens, prestação de serviços ou quaisquer outras transacções comerciais, presentes e futuras, ficando estes penhorados à ordem do presente processo até ao montante de 166.226,21 euros…”. Mais resulta que, nesse mesmo acto, AA foi informado de que devia declarar, no prazo de 10 dias, “… se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução”, bem como que o mesmo foi advertido, entre o mais, de que, se nada dissesse, seria entendido “… que reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora”. Resulta ainda da matéria de facto assente que, na sequência dessa notificação e de uma subsequente insistência a solicitar resposta, AA, em 29-02-2019, respondeu, entre o mais, que “[o] indicado CC … é detentor de um crédito reconhecido no valor de €250.958,90 …, de natureza comum” e que, “[r]elativamente ao processo de insolvência no qual este credor está devidamente relacionado, o mesmo ainda se encontra em fase de liquidação, prevendo-se o seu encerramento parafinais de 2019, atendendo a liquidação de bens (fundos imobiliários) em curso.”. Face a estes factos, afigura-se-nos claro que a notificação que foi dirigida ao ora embargante, em termos formais, respeitou o disposto no artigo 773.º do Código do Processo Civil, bem como que a mesma foi remetida para quem, desde a declaração da insolvência do primitivo devedor, tinha poderes para administrar e dispor dos bens integrantes da massa insolvente e assumia a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (cf. artigo 81.º, n.ºs 1 e 4 do do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE). AA era o administrador da insolvência de DD e FF e foi, nessa qualidade, que recebeu a notificação de que os créditos de CC sobre o património autónomo por si representado, resultantes do fornecimento de bens aos insolventes, da prestação de serviços aos mesmos ou de quaisquer outras transacções comerciais com eles havidas, ficavam estes penhorados à ordem do processo de execução movido pela ora recorrente A..., S.A., contra o referido CC e deviam ser entregues à respectiva agente de execução. Não obstante o que se acaba de afirmar, admite-se que existe alguma margem para se questionar se o ora executado AA, na resposta que remeteu para a sra. agente de execução, reconheceu a existência do crédito cuja cobrança coerciva está agora a ser reclamada de si, já que – reconhece-se – a notificação que recebeu foi bastante imprecisa quanto aos elementos descritivos do crédito sob penhora. Perfilha-se, porém, da opinião de que essa imprecisão não invalidou a possibilidade de a notificação operar a almejada penhora, pois, apesar de tudo, foram comunicados ao destinatário os elementos suficientes para que ele pudesse identificar o crédito [1] que, como se apreende pela resposta havida, o ora embargante efectivamente identificou. Assim sendo, e atentos os termos da mencionada resposta, consideramos que AA reconheceu realmente, na qualidade de administrador da insolvência de DD e FF, que existia um direito de crédito do executado CC sobre a insolvência, ou seja, de um crédito de natureza patrimonial cujo fundamento é prévio à declaração de insolvência, mas que se encontra garantido pelos bens da massa insolvente (cf. artigo 47.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE). Desta forma, o crédito em causa ficou penhorado, sem prejuízo de, devido à insolvência dos primitivos devedores, o exacto valor da obrigação a ser cumprida pelo debitor debitoris (ou seja, pela pessoa/entidade tida como devedora do executado que foi notificada nos termos do artigo 773.º do Código do Processo Civil) não estar determinado, porque dependente da graduação dos demais créditos garantidos pela massa insolvente e do rateio final a ser efectuado após a conclusão das operações de liquidação da massa insolvente. Independentemente disso, a penhora estava consumada, o que implicava não só que fosse inoponível à execução a extinção do crédito por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor (cf. artigo 820.° do Código Civil), como também que coubesse ao debitor debitoris, logo que possível, cumprir o disposto no artigo 777.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, sob pena de ser executado a partir do título executivo judicial impróprio constituído pela certificação da anterior notificação da penhora do crédito e da declaração de reconhecimento da existência deste (cf. artigo 777.º, n.º 3, do Código do Processo Civil). Face ao que se acaba de expor, afigura-se-nos que, efectivamente, no caso sub judice, o quantitativo monetário que coube em rateio ao executado CC (68.172,91 euros) não devia ter sido canalizado para este, mas, antes, devia ter sido entregue à sra. agente da execução movida contra ele pela sociedade A..., S.A.. Não obstante, importa ter em atenção um facto que se nos afigura ser decisivo para a solução do presente caso: o título executivo que se forma nos termos do disposto no artigo 777.º, n.º 4, do Código do Processo Civil apenas pode servir de base à execução dos bens do devedor, ou seja, do sujeito que tem a obrigação de cumprir a obrigação e cujos bens, conforme o princípio geral do artigo 601.º do Código Civil, garantem esse cumprimento. No caso do crédito do executado CC que foi penhorado, esse sujeito era, primitivamente, DD (e a sua esposa FF), mas, devido à insolvência destes, o crédito passou a estar garantido pela respectiva massa insolvente, património autónomo que, embora não tenha personalidade jurídica, se encontra dotado de personalidade judiciária (cf. artigo 12.º, al. a), do Código do Processo Civil) e é sujeito dos direitos e das obrigações que lhe são próprias dentro do quadro legal do processo de insolvência. Desta forma, quando se verifica – como aconteceu no caso dos autos – a penhora de um crédito da insolvência, o debitor debitoris não é o administrador da insolvência, sendo, sim, a massa insolvente, enquanto património autónomo criado pela declaração de insolvência e que aglutina todos os bens e direitos do insolvente. O administrador da insolvência, ainda que seja a entidade que, em substituição do devedor, assegura o exercício dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, assumindo também a representação do devedor insolvente para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (cf. artigo 81.º, n.ºs 1 e 4 do CIRE), não é – manifestamente – a pessoa cujos bens devam responder pelo cumprimento das obrigações de natureza patrimonial do devedor insolvente e, por isso, quando se verifica a penhora de um crédito da insolvência, independentemente se ser ele a pessoa que, em termos práticos, deve assegurar o depósito ou a entrega da prestação que seja devida, não pode ser considerado o debitor debitoris. Assim, aplicando-se estes princípios à situação dos autos, temos como certo que, independentemente do juízo que se faça sobre a actuação do administrador da insolvência e ora embargante AA, não se formou título executivo contra ele devido ao facto de não ter entregue o quantitativo monetário que coube em rateio ao executado CC à agente da execução que o havia notificado da penhora. O título executivo do artigo 777.º, n.º 4, do Código do Processo Civil apenas se pode formar contra o devedor, ou seja, contra a pessoa cujo património garante o cumprimento da obrigação sob penhora, já não (por falta de previsão legal) contra quem esteja investido da função de representar essa entidade, ou contra quem, eventualmente, possa ter sido responsável pelo incumprimento da obrigação. Estes últimos não são debitor debitoris e, logo, apenas poderão responder por eventuais actuações erróneas em conformidade com as regras gerais da responsabilidade civil extracontratual. Para esse efeito, no entanto, dada a falta de título executivo que sirva de prova da existência e validade da obrigação a seu cargo, mostra-se indispensável a prova, através da acção própria, dos pressupostos da sua responsabilidade, ou seja, de que o agente em causa, com dolo ou mera culpa, violou ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios e que, por via disso, ficou obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (cf. artigo 483.º do Código Civil). Isso mesmo, de resto, emerge do disposto no artigo 59.º do CIRE, preceito legal que, ao estatuir, entre o mais, que o administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem, remete a responsabilização do administrador da insolvência, por actos cometidos no exercício das suas funções [2], para o âmbito geral da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos [3]. Concluindo-se, por tudo o exposto, que os autos não dispõem de título executivo que possa servir de base à execução instaurada contra o embargante AA, terá que haver lugar à confirmação da decisão recorrida, ficando também prejudicada a apreciação da segunda questão enunciada aquando da delimitação do objecto do processo. Quanto às custas da apelação, o seu pagamento deve ficar a cargo da recorrente A..., S.A., atento o seu decaimento (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil). *** IV – DECISÃO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em: Notifique. *** SUMÁRIO (Elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.) ……………………………… ……………………………… ……………………………… ______________________ Acórdão datado e assinado electronicamente (redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990) |