Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3529/10.9TBMTS-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÁLVARO MONTEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
Nº do Documento: RP202507103529/10.9TBMTS-E.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Estando nós perante uma notificação que visava informar da data, hora e local para a concretização do acto notarial de compra e venda em execução e não qualquer acto de prática pessoal do executado, a notificação em causa tem um carácter informativo, pelo que podia ser feita ao mandatário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 3529/10.9TBMTS.E.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 3

*

Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro.
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Vieira
2º Adjunto: Juiz Desembargador António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos

*



Sumário:
…………………………….
…………………………….
…………………………….

*




I – RELATÓRIO

No âmbito da presente ação executiva para pagamento de quantia certa que Banco 1..., S.A. moveu contra AA foi penhorada a fracção autónoma referente ao primeiro andar frente centro, do prédio urbano sito na Praceta ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ...09....

Os autos prosseguiram os seus ulteriores termos, sendo que, em 27-2-2018, foi determinada a venda da identificada fração autónoma por negociação particular.
Em 23-2-2022, foi decidido pelo agente de execução aceitar a proposta de aquisição “(…) apresentada por BB, com o NIF ...32, casado em regime de comunhão de adquiridos com CC, com domicílio na Rua ... Porto, e A..., Ldª, NIPC: ...58, com sede social na Rua ..., ..., Lote ..., ... ... – Aveiro, pelo valor oferecido de €87.500,00”.
No dia 9 de junho de 2022 foi realizada a escritura pública de venda, que teve lugar no Cartório Notarial do Notário DD, sito à Rua ..., em Lisboa e pelo preço de € 87 500,00, sem que, no entanto, o executado tenha sido notificado da data, hora e local para a realização desse ato notarial.
No dia 22 de junho de 2022, o agente de execução juntou aos autos o título de transmissão do bem imóvel em causa, datado de 9-6-2022, de cujo teor foram notificados todos os intervenientes processuais.
No dia 27 de junho de 2022, veio EE, filha do executado, manifestar a intenção de exercer o direito de remição.
Por decisão datada de 7 de novembro de 2023, o agente de execução indeferiu esse pedido de remição com fundamento que essa pretensão foi intempestivamente formulada, por ter sido apresentada já após a concretização da venda aos adquirentes A..., Ld.ª e BB.
O executado e a remitente reclamaram desse acto do agente de execução sustentando, em síntese, que: (i) o executado não foi (como tinha de ser) notificado que a escritura de compra e venda do seu imóvel seria realizada no dia 9 de junho de 2022, a uma determinada hora, no Cartório Notarial do Notário DD, sito à Rua ..., em Lisboa e pelo preço de € 87 500,00; (ii) a remitente não teve, por isso, conhecimento da data limite até onde podia exercer o seu direito, sendo, nessa medida, tempestivo o exercício do direito de remição que lhe assiste enquanto filha do executado.
Conclusos os autos foi proferido despacho que indeferiu a reclamação.
Não se conformando com o assim decidido veio o executado e a requerente EE interpor recurso.
Em 09.04.2024 o Tribunal da Relação proferiu decisão sumária julgando procedente a apelação, “revogando-se o despacho recorrido, dando-se consequentemente sem efeito a venda formalizada, devendo ser designada nova data para a realização da venda por negociação particular, observando as formalidades legais impostas, mormente a notificação ao executado da data, hora e local para a concretização desse acto notarial.”
Na sequência da decisão sumária do Tribunal da Relação os autos seguiram os seus termos na 1ª instância para proceder a nova venda, a qual veio a ser realizada em 18.10.2024.
Em 06.11.2024 o Executado veio requerer a nulidade da venda, invocando não ter sido notificado da data, hora e local para a concretização de tal acto notarial, violando o direito de remição, requerendo-se a sua imediata anulação, com suspensão da tramitação dos autos até que o executado se mostre notificado “da data, hora e local para a concretização desse ato notarial.”
Em 26.02.2025 incidiu despacho sobre tal requerimento, declarando improcedente a nulidade invocada, indeferindo-se a pretendida anulação da venda.
*

Não se conformando com a decisão em causa, veio o Executado interpor recurso de apelação, assente nas seguintes
CONCLUSÕES:
I. NOS TERMOS COMBINADOS DOS ARTIGOS 719.º, N.º 1, 157.º, N.º S 1 E 6 E 191.º N.º 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, AOS ACTOS PRATICADOS PELO AGENTE DE EXECUÇÃO DEVE SER DADO O MESMO RESPALDO QUE É DADO AOS ACTOS PRATICADOS PELAS SECRETARIAS JUDICIAIS.
II. SE O AGENTE DE EXECUÇÃO PRATICAR UM ACTO QUE EXCEDA O DIREITO QUE O JULGADOR ENTENDE CABER À PARTE, ESTE DEVE, AINDA ASSIM, ANTES DE FAZER OS AUTOS RETORNAREM AO RITO PROCESSUAL QUE ENTENDE COMO CORRECTO, PERMITIR QUE SE COMPLETO O DIREITO QUE AQUELE INICIOU OU CONCEDEU.
III. POR ISSO, O JUIZ “A QUO” DEVE, EM PRIMEIRO LUGAR, ANALISAR A LEGALIDADE DOS ACTOS PRATICADOS PELO AGENTE DE EXECUÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DE OS MESMOS COINCIDIREM, OU NÃO, COM A INTERPRETAÇÃO QUE O JULGADOR FAZ DA LEI.
IV. A DEFESA DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTECÇÃO DA SEGURANÇA, PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES DO ESTADO DE DIREITO, OBRIGA O JULGADOR A PERCORRER, AINDA QUE CONTRARIADO NA SUA CONVICÇÃO PESSOAL, ESSE CAMINHO.
V. AO NÃO APRECIAR ESSA CONDUTA A DECISÃO RECORRIDA É ILEGAL PORQUE VIOLA NÃO SÓ OS CITADOS ARTIGOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (157.º, N.ºS 1 E 3, 191.º, N.º 3 E 719.º, N.º 1) E INCONSTIRTUCIONAL POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 20.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
VI. O AGENTE DE EXECUÇÃO ESCOLHEU O CAMINHO DE NOTIFICAR PESSOALMENTE O EXECUTADO, PARA EFEITOS DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMIÇÃO, COMO DEMONSTRA O ENVIO DE NOTIFICAÇÃO PARA A RESIDÊNCIA DESTE NO GRÃO DUCADO DO LUXEMBURGO.
VII. ESSA CORRESPONDÊNCIA POSTAL FOI DEVOLVIDA POR “MORADA INCORRECTA”, SITUAÇÃO QUE APENAS OS SERVIÇOS POSTAIS LUXEMBURGUESES PODEM EXPLICAR, EMBORA OS AUTOS SAIBAM QUE A MORADA É A CORRECTA POIS FOI NESSA MORADA QUE SE CONCRETIZOU A CITAÇÃO DO EXECUTADO.
VIII. O AGENTE DE EXECUÇÃO NÃO PODERIA ABANDONAR ESTE CAMINHO E TER ESCOLHIDO UMA OUTRA FORMA DE NOTIFICAÇÃO, TENDO QUE PRATICAR ALGUM ACTO EM RESPOSTA À INDICAÇÃO DOS SERVIÇOS POSTAIS LUXEMBURGUESES.
IX. DEVERIA OU TER ENVIADO A NOTIFICAÇÃO PARA OS SERVIÇOS CONSULARES, NOS TERMOS DO ARTIGO 239.º, N.º 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL OU, SIMPLESMENTE, REPETIDO A NOTIFICAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 228.º DO MESMO CÓDIGO.
X. O AGENTE DE EXECUÇÃO OPTOU POR REALIZAR UMA CITAÇÃO COM HORA CERTA, NOS TERMOS DO ARTIGO 232 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SITUAÇÃO QUE A LEI NÃO LHE PERMITE DE APLICAR AO CASO EM CONCRETO.
XI. EM PRIMEIRO LUGAR, PORQUE O AGENTE DE EXECUÇÃO DEVERIA TER REALIZADO ACTOS PARA APURAR QUE O EXECUTADO RESIDIA NA MORADA DE MATOSINHOS ONDE PRETENDIA CONCRETIZAR ESSA NOTIFICAÇÃO, O QUE, NO CASO NÃO OCORREU.
XII. EM SEGUNDO LUGAR, PORQUE NÃO SERIA POSSÍVEL APURAR QUE O EXECUTADO RESIDIA EM MATOSINHOS, PORQUE SABE-SE NOS AUTOS QUE O EXECUTADO RESIDE NO LUXEMBURGO.
XIII. ALÉM DA VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL ACIMA REFERIDA, A DECISÃO RECORRIDA, AO NÃO APRECIAR ESTA ACTUAÇÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO VIOLA, IGUALMENTE, OS ARTIGOS 228.º, 232.º E 239.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
XIV. O MANDATÁRIO DO EXECUTADO NÃO DISPÕE DE PODERES PARA RECEBER NOTIFICAÇÕES EM NOME DO EXECUTADO.
XV. A NOTIFICAÇÃO A REALIZAR AO EXECUTADO É PESSOAL, POIS OS TERMOS DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMIÇÃO DEPENDEM DE UM ACTO DE VONTADE DO EXECUTADO QUE, A SEU LIVRE ARBÍTRIO, PODE IMPEDIR O EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMISSÃO OU PERMITI-LO A TODOS OS REMIDORES OU BENEFICIAR ALGUNS EM PREJUÍZO DE OUTROS.
XVI. A NOTIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMIÇÃO AO EXECUTADO DEVE SER REALIZADA PESSOALMENTE AO MESMO, NOS TERMOS DO ARTIGO 247.º, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
XVII. A DECISÃO RECORRIDA É ILEGAL PORQUE VIOLA ESTE DISPOSITIVO LEGAL.
XVIII. POR ÚLTIMO A DECISÃO RECORRIDA É AINDA ILEGAL, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 613.º, N.º 3 E 615.º, N.º 1, ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E TAMBÉM DO ARTIGO 154.º DO MESMO CÓDIGO, POR ABSOLUTA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
XIX. SENDO AINDA INCONSTITUCIONAL POR DESRESPEITO DO ARTIGO 205.º, N.º 1 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
XX. EM VIRTUDE DA NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO, O EXECUTADO NÃO FOI NOTIFICADO DO DIA, HORA, LOCAL E PREÇO DA VENDA DO IMÓVEL SUA PROPRIEDADE.
XXI. E, POR ISSO, NÃO PODE TRANSMITIR À REMIDORA ESSES DADOS.
XXII. A VENDA DO IMÓVEL FOI REALIZADA SEM INFORMAR O EXECUTADO DO DIA, HORA, LOCAL E PREÇO DA VENDA DO IMÓVEL SUA PROPRIEDADE, SENDO QUE ESSA NOTIFICAÇÃO É ESSENCIAL POIS MARCA O FIM DO PRAZO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMIÇÃO.
XXIII. A POSTERGAÇÃO DESTA NOTIFICAÇÃO TEM COMO CONSEQUÊNCIA QUE SEJA IMPEDIDO O EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMIÇÃO, POIS NÃO ERA POSSÍVEL SABER O PRAZO EM QUE O MESMO TERIA DE SER EXERCIDO.
XXIV. O ACTO DE VENDA DEVE SER ANULADO, DEVE SER
XXV. MARCADO NOVO DO DIA, HORA, LOCAL PARA A VENDA DO IMÓVEL PROPRIEDADE DO EXECUTADO, DEVENDO SER O MESMO NOTIFICADO EM CONFORMIDADE.
Conclui pela revogação da decisão recorrida.
*

A A..., Ldª, adquirente de ½ do imóvel, objecto de venda nos autos, apresentou contra-alegações com as seguintes
CONCLUSÕES:
i As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, nos termos do disposto no artigo 247º, nº 1, do C.P.C, por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no nº 2 do artigo 132º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação.
ii. Ora, no caso em apreço, o Recorrente está representado por mandatário e, por isso, a notificação ao Executado, da nova data, hora e local da escritura de compra e venda do imóvel penhorados nos autos, veio a ser realizada (e bem) na pessoa do seu mandatário sendo que, por força do estatuído no nº 1 do citado artigo 247º, não tinha de ser feita pessoalmente ao Executado.
iii. Isto porque, o nº 2 do referido art.º 247º apenas exige a notificação da própria parte quando se visa a comparência desta para a prática de acto processual a praticar pessoalmente, o que, manifestamente, não ocorre no caso dos autos.
iv. Havendo mandatário judicial constituído, as notificações à parte são efetuadas na pessoa daquele, excecionando apenas os casos em que a parte deve comparecer em juízo, em que a própria parte também é notificada a par do mandatário.
v. O direito de remição não é de todo exercido pelo Executado e o Executado não tem de estar na venda do imóvel, pelo que não tem de ser notificado pessoalmente da diligência.
vi, Naturalmente, o Executado deve ter conhecimento das condições para o seu exercício, condições essas das quais se encontra notificado na pessoa do seu I. Mandatário.
vii. O Agente de Execução, de forma zelosa e cautelar, notificou, inclusivamente, quem havia manifestado interesse no exercício do direito de remição, a filha do Executado, não tendo sido entregue a carta por ausência do destinatário, presumindo-se a notificação feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
viii. Atendendo às várias tentativas de notificação ocorridas, é notório todo um esforço por parte do Agente de Execução em dar cumprimento à decisão do Tribunal da Relação do Porto e, consequentemente, em dar conhecimento da data da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, quer ao executado, quer à filha do mesmo, ainda que não fosse processualmente exigível, para esta, querendo, assegurar o exercício do direito de remição.
ix. Contudo, também resulta claro e evidente nos autos, todo um comportamento propositado e intencional, por parte do Recorrente e da sua filha, em não receber as notificações respeitantes à data, hora e local da realização da escritura do imóvel.
x. A devolução das três cartas registadas que foram enviadas para as moradas formalmente conhecidas e indicadas pelo próprio Executado e que constam dos autos, sem qualquer indicação de motivo justificativo para a sua não receção ou levantamento na estação postal, permite concluir com elevado padrão de certeza que a data, hora e local da escritura apenas não foram do conhecimento direto do Executado e da sua filha, Sra. EE, o porque estes propositadamente não o quiseram.
xi. Encontra-se demonstrado nos autos que as notificações foram efetuadas para as moradas corretas do Recorrente (e da filha), cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
XII. As notificações não foram recebidas por exclusiva culpa dos destinatários pelo não recebimento.
xlii. Não é de todo legitimo que se insurjam contra a atuação do Agente de Execução e que, mais uma vez, tentem aproveitar-se, lançando confusão com as notificações, tendo o mandatário de ambos, conhecimento atempado da data da escritura, porque foi devidamente notificado.
xiv. A notificação do Recorrente, na morada por este indicada no Luxemburgo, apenas deixou de ser efectivável, após a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em que ordena a repetição da "notificação ao executado da data, hora, e local para a concretização desse ato notarial ".
xv. O Recorrente tinha conhecimento das tentativas de notificações enviadas para a morada no Luxemburgo, conforme decorre da confissão no requerimento enviado aos autos em 25/06/2025 e, ainda assim, em momento algum, nem o executado nem a filha do executado nem o I, mandatário comunicaram ao processo ou ao A agente de Execução qualquer incorrecção ou insuficiência na morada do Executado do Luxemburgo (onde havia sido anteriormente citado).
xvi. Sendo que, não existe qualquer evidência oficial/formal que o Recorrente tem atualmente uma qualquer morada no Luxemburgo, apenas a palavra do mesmo que, vai-se a ver, nem sequer já recebe as notificações nesse dita morada.
xvii. Pelo contrário, nos autos existem evidências, que o Recorrente tem formalmente a morada em Portugal: a morada fiscal é a morada do imóvel objeto de venda, onde reside a filha do executado; sendo esta a morada que decorre da procuração forense, junta aos autos, emitida a favor do seu mandatário; e é a morada que resulta das pesquisas no sistema GPESE.
xviii. Se, quanto à filha do executado, a notificação encontra-se triplamente concretizada: (l) por via de carta registada com aviso de receção, (2) por citação pessoal através do Sr. Agente de Execução e (3) por citação com hora certa); já quanto ao Executado, a mesma concretizou-se, pelo menos, duplamente, através do seu ilustre mandatário (3/09/2024) e, ainda, por citação/notificação com indicação do dia e hora certa para o dia 24/09/2024, pelas 16h00, na morada resultante do sistema GPESE do Agente de Execução.
xix. Pelo que, o Agente de Execução além de ter procedido à notificação do Executado, na morada no Luxemburgo, indicada por aquele aos autos, diligenciou pela sua notificação na sua morada oficial em Portugal e pela notificação do seu mandatário.
xx. Assim, ainda que possam ser alegadas dúvidas quanto às notificações nas moradas conhecidas do Executado — o que não se aceita, mas apenas se coloca como raciocínio meramente académico -, dúvidas não existem que, a data da escritura de compra e venda foi notificada ao Ilustre mandatário do Executado no dia 3/09/2024 nos termos do nº 1 do art. 247. e do nº 1 do art. 248º ambos do CPC
xxi. O Recorrente pugna que a notificação efectuada na pessoa do I. Mandatário é nula, pois a mesma deveria ter sido realizada através de carta registada com aviso de recepção.
XXII. Porém, este entendimento não se conjuga com as regras processuais do processo executivo que, nos dos 1 e 3 do artigo 712º do CPC, prescrevem claramente que a tramitação é efetuada eletronicamente, nos termos do disposto no artigo 132º do CPC e das disposições regulamentares em vigor.
xxiii. Deste modo, ao abrigo da presunção legalmente estabelecida e dos ónus associados à mesma nos termos do artigo 248º do CPC, a notificação efetuada é válida e de pleno efeito.
xxiv. Considerando que a procuração forense passada conferiu os mais amplos poderes forenses por lei permitidos (e até especiais, mas que não relevam para o caso), e assim sendo, nos termos do disposto no nº 1 do art. 45º do CPC, o mandato tem a extensão prevista no art. 44º do mesmo Código, permitindo ao mandatário a representação da parte em todos os actos e termos do processo judicial, o l. Mandatário encontrava-se mandatado para representar o Executado em todos os actos e termos do processo de execução, incluindo acto de notificação da data da venda como o que está em causa nos autos.
xxv. Deste modo, conforme resulta dos autos, a notificação da data, hora e local de venda em causa foi regularmente notificada ao mandatário (por duas vezes) e nessa medida, não se verifica a irregularidade da notificação invocada, como muito bem decidiu o Meritíssimo Juiz a quo.
xxvi. Como não se verifica qualquer violação dos artigos 615º, nº 1, al. b) do CPC (aplicável aos despachos por força do art. 613º nº 3 do CPC), nem do artigo 154º do CPC e, muito menos, desrespeito pelo nº 1 do art. 205 da CRP, sendo a sentença proferida, clara e totalmente percetível, revelando o que a justifica, devidamente fundamentada, seja de facto, seja de direito, não assistindo qualquer razão ao Recorrente.
xxvii. O Tribunal não pode compactuar com todas estas manobras dilatórias e permitir que, de forma ardilosa e encapotada, o Recorrente consiga adiar ad eternum a entrega do imóvel.
xxviii. O Recorrente limita-se a consubstanciar expedientes dilatórios, durante vários anos, quando se percebe, claramente, que, não há uma real vontade de remir, pois, caso contrário, desde 2022, até 2024, já teria contatado diretamente o Agente de Execução, ou a sua filha, para se inteirarem da nova data da escritura para agilizar e assegurar a notificação e o exercício do direito dc remição.
xxix. Sendo que, a escritura e o respetivo registo de aquisição do imóvel foram realizados em 18/10/2024 e a nulidade foi arguida, posteriormente, em 6/1 1/2024, estando os aquirentes do imóvel, incluindo a Recorrida, terceiros de boa-fé, que confiaram no sistema judicial e nos seus intervenientes judiciários, desapossados do imóvel e, mais grave ainda, espoliados, desde 9/06/2022, da quantia que despenderam na aquisição do imóvel, como ainda suportaram cerca de 3.000,00€ com despesas relacionados com o mesmo, nomeadamente com o pagamento do condomínio, com a agravante de terem conhecimento que a quantia que pagaram pelo imóvel já foi entregue aos credores no processo.
xxx. Porquanto, nos termos do art. 291º do CC, os terceiros adquirentes, quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo que, no momento da aquisição, sem culpa, desconheciam o alegado vício do negócio nulo ou anulável, não podem ver os seus direitos adquiridos, sobre o bem, prejudicados.
xxxi. Os adquirentes, incluindo a aqui Recorrida, não podem ficar novamente desprotegidos e ser consecutivamente prejudicados perante a atuação manifestamente dilatória e deliberada do Recorrente.
xxxii. Nestes termos, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente.
xxxiii.Em consequência, devem improceder "in totum", as conclusões de recurso formuladas pelo Recorrente executado, ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ele indica.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata o qual foi admitido com subida em separado e efeito suspensivo (artº - art. 853.º, n.º 2, al. a), art. 647.º, n.º 3, al b), última parte, do CPC).
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recur-so.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*


II. OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, importa apreciar e decidir:
- Saber se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação e violação dos artº 613.º, N.º 3, 615.º, N.º 1, b) e 154.º do CPC.
- Saber se há nulidade da venda, dado o Executado não ter sido notificado da data, hora e local para a concretização de tal acto notarial, violando o direito de remição.

***



III. FUNDAMENTAÇÃO

1. O Tribunal a quo deu por provados os seguintes factos.
1) O sr. AE enviou a notificação com data de 3/09/2024, efetuada por meio de carta registada com aviso de receção, com o número de registo RA...57PT, ao Executado, AA, a dar conhecimento da nova data, hora e local do agendamento da escritura para o dia 18/10/2024;
2) A referida notificação foi enviada para a morada - 14 Rue ... – Luxembourg e a mesma foi devolvida com a indicação de “morada incorreta”;
3) A referida notificação foi ainda enviada para a seguinte morada: Praceta ..., Matosinhos.
4) A morada descrita em 2) coincide com a morada facultada pelo Ilustre Mandatário do Executado no formulário remetido aos autos no dia 16/03/2022, coincide, igualmente, com a morada onde o Executado foi citado para os presentes autos e é uma das moradas que decorre do registo informático de execuções junto aos autos;
5) Enviou ainda a notificação, com data de 3/09/2024, efetuada por carta registada com aviso de receção, com o número de registo RA...83PT, à filha do Executado, EE, a dar conhecimento da data, hora e local do agendamento da nova escritura e da proposta de aquisição aceite nos autos;
6) A referida notificação foi enviada novamente para a morada da filha do executado que consta nos autos e conforme resulta do serviço tracking dos ctt, a carta não foi recebida, por não proceder ao seu levantamento;
7) O Ilustre Mandatário do Executado foi notificado, por via telemática, pelo Sr. AE do seguinte: “FF Agente de Execução nomeado no processo em epígrafe, vem na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que declarou sem efeito a venda formalizada nos presentes autos, proceder em conformidade com o mesmo, informando V/Ex.ª na qualidade de mandatário do executado Sr. AA, que se encontra agendada nova escritura, a realizar-se próximo dia 18/10/2024 pelas 11h00 no Cartório Notarial DD, situado na Rua ..., em Lisboa. Mais se informa V/Ex.ª que a proposta de aquisição aceite nestes autos, se fixa em €87.500,00 (oitenta e sete mil e quinhentos euros) e foi apresentada por: BB, com o NIF ...32, casado no regime de comunhão de adquiridos com CC, com domicílio na Rua ... Porto e A..., Lda, NIPC ...58, com sede social na Rua ..., ..., Lote ..., ... ... – Aveiro, os quais adquirem na proporção de 1/2 cada”.
8) A mesma notificação foi enviada ao Il. Mandatário na qualidade de mandatário da EE.
9) No dia 3/09/2024, o Sr. Agente de Execução, acompanhado por uma testemunha, deslocou-se à morada do imóvel, objeto de venda, sito na Praceta ..., em Matosinhos, tendo em vista a notificação, por contato pessoal, da filha do Executado, alegada remidora, Sra. EE, e procedeu à citação/notificação com hora certa, quer do Executado, quer da Sra. EE, tendo afixado na porta do imóvel, o respetivo edital: “um aviso de citação/ notificação com indicação de dia e hora certa, para o próximo dia 24/09/2024, pelas 16H00, de modo a ser possível proceder à notificação dos mesmos, de que foi agendada nova data para a escritura, que se realizará no próximo dia 18/10/2024 pelas 11h00 no Cartório Notarial DD, situado na Rua ..., em Lisboa.”;
10) O Executado tem ainda como morada fiscal a morada do imóvel objeto de venda, sendo também esta a morada que decorre da procuração forense, junta aos autos, emitida a favor do seu mandatário e é a morada que resulta das pesquisas no sistema GPESE, conforme decorre dos autos.
*


2. OS FACTOS E O DIREITO
2.1.
Primeira questão:
- Saber se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação e violação dos artº 613.º, N.º 3, 615.º, N.º 1, b) e 154.º do CPC.

A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito (alínea b) do nº. 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil) está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Na verdade, a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional - art.º 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa - e legal - artºs. 154º, 607º e 663º, todos do Código de Processo Civil.
É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório.
Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado art.º 615º do Código de Processo Civil.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade, vide, entre outros, Ac do STJ de 09.12.2021, processo 7129/18.7T8BRG.G1.S1, Relator Oliveira Abreu, in www.dgsi.pt.
No caso sub iudicio não se vislumbra qualquer nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação.
Com efeito, compulsado o despacho recorrido, constata-se que o mesmo tem os factos provados, seguido da fundamentação de direito e respectiva decisão, sendo que a parte compreendeu perfeitamente o mesmo, como decorre do teor das alegações apresentadas, ou seja, inexiste qualquer nulidade por falta de fundamentação.
Assim sendo, improcede a arguida nulidade do despacho por falta de fundamentação do despacho recorrido.
*

2ª Questão
- Saber se há nulidade da venda, dado o Executado não ter sido notificado da data, hora e local para a concretização de tal acto notarial, violando o direito de remição.
Desde já se diz inexistir qualquer nulidade da venda, senão vejamos.
Como decorre dos autos, está em causa apenas a notificação do executado da data, hora e local para a concretização do acto notarial em causa nestes autos, verificando-se que este se encontra representado por mandatário.
Dispõe o artº 44º do CPC
1 - O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante.
2 - Nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.
3 - O substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário.
4 - A eficácia do mandato depende de aceitação, que pode ser manifestada no próprio instrumento público ou em documento particular, ou resultar de comportamento concludente do mandatário.

Infere-se da norma inserta no n.º 1 que o mandato judicial atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores.

Nos termos do disposto no artº 247º, nº 1, do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
Nos termos do artº 247º, nº 2, do CPC apenas relativamente aos actos pessoais a praticar pelo Executado é que o mesmo tem de ser objecto de notificação pessoal, isto é, quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal,
Como é sabido, as notificações às partes tanto podem exercer uma função informativa como função convocatória. E dentro da segunda, há que distinguir a convocação para a prática de acto que possa ser praticado por intermédio de mandatário da que se destina a chamar a parte para praticar acto pessoal, isto é, que só por ela possa ser praticado.
O acto em causa não constitui um acto processual próprio a praticar pessoalmente pelo Executado, porquanto o mesmo não constitui, a título de exemplo, um dos previstos no artº 47º, nº 2 (renúncia de mandato), 48º, nº 2 (ratificação de processado), artº 291º, nº 3 (ratificação de desistência, confissão ou transacção), artº 452º, nº 1 (depoimento de parte) e 594º, nº 2 (tentativa de conciliação), vide Código Processo Civil Anotado, Vol. I, anotação ao artº 247º, António Santos Geraldes e outros, bem como Ac. do STJ de 13.07.2017, processo nº 783/16.6T8ALM-A.L1.S1 www.dgsi.pt.
Iguais entendimentos têm LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, os quais, em comentário ao artº 256º do anterior CPC (cuja redacção corresponde, à do artº 250º do NCPC), escreveram in CPC Anotado, Vol. I, 2ª edição Coimbra Editora, 2008, pág. 488: “o DL 329-A/95 suprimiu os casos dos arts. 39-2 (renúncia ao mandato) 301-3 (homologação de confissão, desistência ou transacção celebrada sem poderes do mandatário ou mediante mandato irregular), mas passou a referir também os casos especialmente previstos. Estes abrangem seguramente todos aqueles em que a lei mande aplicar o regime da realização da citação, entre eles se contando os dos arts. 385-6 (providência cautelar decretada sem audiência prévia do requerido), 856-1 (notificação do devedor do executado no caso de penhora de crédito), 892-3 (notificação dos titulares do direito de preferência na acção executiva) e 1467-2 (notificação para aceitação ou repúdio da herança, em conformidade com o art. 2049-1 CC).”
Apenas em casos excepcionais a notificação é pessoal, porquanto este tipo de notificação apenas é exigível nos casos em que ela se destina a chamar a parte ao tribunal para a prática de acto pessoal ou quando a lei expressamente a prevê, vide Alberto dos Reis, in Comentário, 2º, 727.
In casu, como já acima referido, estando nós perante uma notificação que visava informar da data, hora e local para a concretização do acto notarial em causa e não qualquer acto de prática pessoal do executado, pelo que tem de se entender que a notificação com o carácter informativo podia ser feita ao mandatário.
*

Assim, improcede a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

***





IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, artigo 527.º do Código de Processo Civil).
*
Notifique.









Porto, 10 de Julho de 2025

Álvaro Monteiro.
Ana Vieira
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos