Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO DIOGO RODRIGUES | ||
Descritores: | APOIO JUDICIÁRIO NATUREZA INDIVIDUAL DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO | ||
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Nº do Documento: | RP202507101413/20.7T8STS.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 2 . ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Não obstante serem casados e fazerem parte do mesmo agregado familiar, os cônjuges a quem tenha sido, individualmente, concedido o apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, estão obrigados a realizar, por inteiro, o pagamento das prestações que incumbam a cada um deles e não o podem fazer apenas em parte ou de forma sucessiva. (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1413/20.7T8STS.P1 *
Sumário …………………………………………. …………………………………………. ………………………………………….
* Relator: Des. João Diogo Rodrigues; Adjuntos: Des. Rui Moreira; Des. Alexandra Pelayo.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto,
I- Relatório
1- No processo de insolvência em que figuram como devedores, AA e esposa, BB, declarada a insolvência destes (por sentença proferida no dia 26/05/2020), vieram os mesmos, no dia 03/07/2020, juntar aos autos as decisões da Segurança Social que, a cada um deles e de forma separada, concedeu o benefício do apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo. 2- Posteriormente, a 17/06/2024, foi proferido despacho final de concessão de exoneração do passivo restante e, elaborada a conta final do processo, foram os Insolventes notificados, por ofício expedido por via eletrónica no dia 08/10/2024, para pagarem as custas da sua responsabilidade. 3- Os Insolventes vieram, então, no dia 15/10/2024, informar que beneficiam de apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme documentos já juntos aos autos. 4- Nessa sequência, por promoção do Ministério Público, foram os Insolventes notificados, por ofício expedido por via eletrónica no dia 18/11/2024, para, no prazo de dez dias, “iniciarem o pagamento mensal de 80,00€, cada um”. 5- Não tendo sido realizado qualquer pagamento neste prazo, foram novamente os Insolventes notificados, por ofício expedido por via eletrónica no dia 12/12/2024 “para procederem ao pagamento da prestação em falta, acrescido de multa equivalente a tal prestação, sob cominação de que, não sendo cumprida tal obrigação de pagamento, o incumprimento ser comunicado aos serviços de Segurança Social para efeitos de cancelamento da protecção jurídica”. 6- Os Insolventes vieram, então, no dia 18/12/2024, requerer que se “considere que os requerentes, marido e mulher, pertencentes ao mesmo agregado familiar, somente tenham de pagar mensalmente a quantia de € 80,00 da prestação do apoio judiciário faseado e, em consequência, [se] ordene a substituição da referida guia por outra que reflita tal entendimento”. 7- Solicitada informação à Segurança Social sobre se “o cálculo do montante da prestação efectuado para cada beneficiário implica, como defendem os insolventes, que o cumprimento da obrigação de pagamento seja feito sucessivamente e não em simultâneo”, aquela entidade, veio informar que os requerimentos de proteção jurídica, foram enviados para expurgo. No entanto, da consulta à base de dados resulta que “os pedidos de proteção Jurídica foram deferidos na modalidade de pagamento faseado, conforme informado. Não consta registo que os requerentes tenham solicitado o pagamento sucessivo, pelo que se encontram os processos deferidos sem essa menção”. 8- Nesta sequência, após promoção do Ministério Público nesse sentido, foi proferido o seguinte despacho: “Conforme refere o Ministério Público na sequência da informação prestada aos autos por email de 31.3.2025, não consta que os requerentes de apoio judiciário tenham requerido e obtido deferimento no sentido de tal apoio lhes ser concedido na forma de pagamento sucessivo. O alegado neste momento pelos devedores de custas não tem a virtualidade de alterar a decisão (de pagamento faseado – tal como estes informaram, juntando aos autos as competentes decisões, em 3.7.2020 – para pagamento faseado e sucessivo) proferida pela entidade que a podia proferir, a saber, o Instituto da Segurança Social, IP, não tendo este Tribunal competência para alterar aquela decisão, fora no âmbito de um eventual recurso, não instaurado em tempo útil. Em face do exposto, indefere-se a pretensão dos devedores de custas, apresentada por requerimento de 18.12.2024 (muito para além dos 10 dias subsequentes à notificação do despacho que determinou o pagamento simultâneo, proferido em 18.11.2024 e notificado na mesma data), com o que o pagamento das custas deve ser efetuado nos precisos termos deferidos em sede de apoio judiciário, sendo devido o pagamento, por cada um dos devedores, de prestação mensal de 80€. Notifique, salientando-se as consequências legalmente previstas para o incumprimento do apoio judiciário requerido e deferido”. 9- Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os Insolventes, finalizando a motivação do mesmo com as seguintes conclusões: “A) Os Requerentes foram notificados, em 08/10/2024, para procederem ao pagamento da totalidade da conta de custas. B) Os Requerentes beneficiam de apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, no valor mensal de € 80,00, conforme decisões juntas aos autos por requerimento de 03/07/2020 (referência Citius “26194732”). C) Os Requerentes, em 09/01/2025, por requerimento com a referência Citius “41210570”, em 29/01/2025, por requerimento com a referência Citius “41431248”, em 05/03/2025, por requerimento com a referência Citius “41784799” e, em 09/01/2025, por requerimento com a referência Citius “42090201”, procederam à junção aos autos dos comprovativos de pagamento (€ 80,00) das primeira a quinta prestações das custas por depósito autónomo (Apoio Judiciário - pagamento faseado). D) O Tribunal a quo decidiu que se procedesse conforme a promoção do Ministério Público, ou seja, “Uma vez que aos devedores da conta de custas foi concedido o benefício do Apoio Judiciário, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, tudo como resulta das decisões juntas com o requerimento de 03.07.2020, com a ref.ª 26194732, p. sejam notificados para iniciarem o pagamento mensal de 80,00€, cada um.”. E) Os requerentes não podem concordar com o entendimento preconizado, em primeiro lugar pelo Ministério Público e secundado pelo douto Tribunal, no qual entendem que a concessão aos requerentes do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da quantia de € 80,00 mensais, implica que cada um deles terá de pagar tal quantia de € 80,00 por mês. F) A concessão do apoio judiciário tem como fundamento a insuficiência económica e financeira dos requerentes e do seu agregado familiar. G) A atribuição do apoio judiciário pelos serviços da Segurança Social tem por base uma fórmula matemática que, entre outros elementos, leva em linha de conta os rendimentos do agregado familiar dos requerentes. H) Sendo os requerentes marido e mulher, pertencentes ao mesmo agregado familiar, os serviços da Segurança Social tiveram em linha de conta os rendimentos de ambos, e considerou o pagamento faseado da prestação mensal de € 80,00, atendendo a insuficiência económica e financeira do agregado familiar dos requerentes em concreto, como o valor máximo que poderiam pagar mensalmente. I) Esse é o entendimento preconizado pelos Serviços da Segurança Social, como se pode verificar no documento junto com requerimento de 21/12/2023 (referência Citius “37643801”), a respeito de uma outra decisão num outro processo de pedido de apoio judiciário, o qual menciona “Se o requerente e qualquer outro elemento do seu agregado familiar intervierem no mesmo ou em mais do que um processo judicial, nos quais beneficiem de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, o pagamento das prestações é efetuado de forma sucessiva, isto é, o(s) outro(s) elemento(s) do agregado familiar só inicia o pagamento após o elemento antecessor findar o seu.”. J) Bem como é mencionado na “Nota 2” da página 12 do “Guia Prático Proteção Jurídica” do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P, disponível em https://www.seg-social.pt/documents/10152/15011/9001_protecao_juridica/62d239b3-7881-4c5b-a32c-663888a4a5, o qual refere: “2. Se o requerente e qualquer outro elemento do seu agregado familiar intervierem no mesmo ou em mais do que um processo judicial, nos quais beneficiem de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado, o pagamento das prestações é efetuado por todos os elementos, mas de uma forma sucessiva, isto é, o outro elemento do agregado familiar só inicia o pagamento depois de findo o relativo ao requerente.”. K) Pelo exposto, entende-se que o Tribunal posto em crise decidiu erradamente quando ordenou que cada um dos Requerentes procedesse ao pagamento da quantia mensal de € 80,00”. Terminam pedindo que “a decisão recorrida ser substituída por uma outra que ordene que os requerentes, marido e mulher, pertencentes ao mesmo agregado familiar, somente tenham de pagar mensalmente a quantia de € 80,00 da prestação do apoio judiciário faseado”. 10- O Ministério Púbico respondeu sustentando a posição oposta. Isto, no essencial, porque “a decisão recorrida aplicou correctamente o Direito, não estando ao alcance do tribunal alterar a decisão de apoio judiciário proferida pela entidade administrativa competente, de acordo com o previsto no art. 20.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29.07., permitindo o diferimento temporal do pagamento de um dos devedores. A alteração da decisão administrativa está apenas prevista em contexto de impugnação judicial, prevista nos art.s 26.º, n.º 2, 27.º e 28.º do referido diploma legal, o que não acontece no caso concreto”. 11- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la. *
II- Mérito do recurso A- Definição do seu objeto Esse objeto, como é sabido, é delimitado, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 17.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)]. Assim, seguindo este critério, a única questão a solucionar neste recurso é a de saber se ambos os Insolventes apenas estão obrigados a pagar mensalmente a quantia de 80,00€ da prestação do apoio judiciário que lhes foi concedido e não esse valor cada um. * B- Tendo em consideração os factos descritos no relatório que antecede – que são os únicos relevantes para o efeito – vejamos, então, como solucionar esta questão: Como resulta do já exposto, a cada um dos Apelantes, em decisões separadas, foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo. Não se tratou, portanto, de uma decisão conjunta. Por outro lado, não há notícia de que essas decisões tenham sido, oportunamente, impugnadas. Assim, tendo-se tornado definitivas, impõe-se, nesta sede, o cumprimento das mesmas. Isto é, em resumo, cada um dos Apelantes está vinculado ao pagamento mensal que lhe foi exigido e que resulta da lei. De resto, nenhum deles questiona propriamente o valor encontrado. O que questionam, diversamente, é a exigência, em simultâneo, desse valor a cada um deles. Pois, como sustentam, sendo casados um com o outro e fazendo parte do mesmo agregado familiar, apenas estão obrigados a pagar metade cada um. Mas, não é assim. Tal como já justificámos. É certo que, no decurso do procedimento do apoio judiciário, “[e]xcecionalmente e por motivo justificado, bem como em caso de litígio com um ou mais elementos do agregado familiar, a apreciação da situação de insuficiência económica do requerente tem em conta apenas o rendimento médio mensal do requerente ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar, desde que ele o solicite”. E que “[s]e, perante um caso concreto, o dirigente máximo dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de protecção jurídica entender que a aplicação dos critérios previstos nos números anteriores conduz a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais pode, por despacho especialmente fundamentado e sem possibilidade de delegação, decidir de forma diversa daquela que resulta da aplicação dos referidos critérios (artigo 8.º-A, n.ºs 7 e 8, da Lei n.º 34/2004, de 29 de junho, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 120/2018, de 27 de Dezembro). Todavia, essas circunstâncias devem ser avaliadas no decurso do procedimento de apoio judiciário e não depois de tomada a decisão definitiva. Até porque, como é sabido e resulta da lei, a decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete aos serviços da Segurança Social e não ao Tribunal. Este só intervém em fase de recurso (artigos 20.º, 27.º e 28.º da referida Lei 34/2004). Daí que, fora desse contexto, não possa modificar, ulteriormente, a decisão adotada. Como ocorreria se, na fase em que é exigido o pagamento, alterasse os termos em que o mesmo foi previamente determinado. Bem se vê, portanto, que, no caso presente, aos Apelantes não pode ser reconhecida razão na sua pretensão. De resto, em situações com algumas semelhanças, ou seja, quando a parte beneficia do apoio judiciário na referida modalidade de pagamento faseado e é interveniente em mais de um processo, tem sido jurisprudência dominante que não pode efetuar o pagamento das prestações devidas por cada um deles, de forma sucessiva. Como se refere no sumário do Ac. RE de 21/12/2017([1]), “[s]e a parte intervier em mais do que um processo em que beneficie de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado, o pagamento das prestações é efectuado em todos os processos, mas não de forma sucessiva, isto é, não começa por pagar as prestações que lhe sejam devidas no primeiro em que foi deferido o apoio judiciário e, só depois de findo tal pagamento, é que inicia o seguinte e assim sucessivamente”. E não se diga que a Segurança Social emitiu uma orientação diversa, no sentido de que, “[s]e o requerente e qualquer outro elemento do seu agregado familiar intervierem no mesmo ou em mais do que um processo judicial, nos quais beneficiem de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado, o pagamento das prestações é efetuado por todos os elementos, mas de uma forma sucessiva, isto é, o outro elemento do agregado familiar só inicia o pagamento depois de findo o relativo ao requerente”. Na verdade, a nosso ver, esta orientação, havendo, como há no caso presente, decisão definitiva e separada a propósito do benefício concedido a cada um dos elementos do agregado familiar na dita modalidade, carece de apoio legal. Nada há na lei que a apoie. E, só por si, essa orientação também não vincula os tribunais. Consequentemente, e em resumo, cada um dos Apelantes está obrigado ao pagamento da prestação individual que lhe foi exigida e não pode pagar um valor inferior. Como tal, este recurso é de julgar totalmente improcedente e confirmada a decisão recorrida. *
III – Dispositivo Pelas razões expostas, nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se o decidido no despacho recorrido. * - Em função deste resultado, as custas deste recurso serão pagas pelos Apelantes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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