Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
81/1994.L1-7
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: CUSTAS
EXECUÇÃO
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Em acção executiva, no quadro legal do Código de Processo, emergente da revisão de 1997, e do Código das Custas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, realizada penhora no vencimento do executado e reunido dinheiro, obtido dessa penhora, previsivelmente suficiente para cobrir as custas devidas e a quantia exequenda, devem ter lugar, no acto de contagem a cargo da secretaria, duas operações aritméticas: uma, de apuramento daquelas custas (artigo 51º, nº 1, do CCJ); e, outra, de liquidação do julgado para fixação da quantia exequenda (artigo 52º do CCJ);
II – Ao exequente, na hipótese de discordar da liquidação do julgado, é permitido recla-mar para o juiz, no prazo de 10 dias, a coberto do disposto no nº 1 do artigo 153º e do nº 5 do artigo 161º, ambos do CPC;
III – A sentença extintiva da execução não comporta o efeito do caso julgado material, limitando-se ao efeito adjectivo de julgar cessado o processo executivo (artigos 919º, nº 1, e 672º do CPC);
IV – Se a liquidação do julgado, a que se procedeu, imputou o dinheiro obtido da pe-nhora, primeiro, ao capital e, só depois, aos juros moratórios, e a exequente, notificada dessa operação, lhe não fez qualquer reparo, mas ao invés pediu o pagamento da quantia assim fixada pelo dinheiro disponível, e no restante, não coberto, o prosseguimento da execução para sua integral obtenção e embolso, deve entender-se que deu o seu acordo ao conteúdo da operação aritmética realizada naqueles precisos termos (artigos 217º, nº 1, final, e 785º, nº 2, do Código Civil);
V – Sendo a execução fundada em livrança, que o executado subscreveu, atenta a dimensão literal e autónoma do direito cartular emergente desse título, apenas é devida a importância da taxa de juro moratório legal (artigos 48º, nº 2, da LULLiv., e 4º do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, interpretado pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/92, de 13 de Julho de 1992); e não a taxa de juro que fôra contratada para a operação bancária subjacente à emissão da livrança;
VI – Se, não obstante haver pedido no requerimento inicial o juro à taxa contratada para a operação subjacente à livrança, a liquidação do julgado apenas tiver aplicado a taxa de juro moratório legal, nenhuma reclamação havendo do exequente ou despacho judicial sido proferido sobre esse assunto, também se não justifica alterar aquele acto da secretaria;
VII – Na hipótese em que ocorram as situações referidas em IV – e VI –, pagas as custas executivas e entregue ao exequente o dinheiro que, conformemente à liquidação do julgado realizada, chegue para cobrir todo o produto aí aritmeticamente encontrado, justifica-se o proferimento da sentença extintiva da execução.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. Caixa (…) CRL (antes chamada (…) CRL) suscitou, em 24 de Fevereiro de 1994, acção executiva, para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra F(…) e esposa M(…), fundada em livrança, assinada pelos executados como subscritores, no valor de 760.833$00 e com data de vencimento no dia 1 de Junho de 1993.
Alegou ser a dona da livrança, não paga; e a taxa de juros de mora contratada de 22,5%, acrescida da sobretaxa de 2%; perfazendo os juros vencidos em 22.2.94 a quantia de 128.515$00. E pediu o pagamento do valor da livrança, dos juros vencidos e dos vincendos até integral pagamento.

2. Os executados foram citados (fls. 12).

3. Após vicissitudes, a instância executiva acedeu à fase da penhora.
A dado passo, a exequente requereu a penhora em 1/3 do vencimento auferido pela executada esposa (fls. 138).
Vindo a ser ordenada a penhora desse crédito, mas em 1/5 (fls. 143).

            Efectivou-se a penhora (fls. 146).

            4. Obteve-se, em depósito do crédito penhorado, a quantia de 6.868,47 € (fls. 278v.º).
A execução foi sustada (fls. 280).

            4.1. Em 14 de Julho de 2009 procedeu-se à liquidação da responsabilidade dos executados (fls. 290 a 291 e 292).
            Liquidou-se a quantia de custas em 557,03 € (fls. 290).

E, no mais, fez-se o seguinte cômputo (fls. 292):

. capital em dívida ………………………. = 3.795,02 €
 . juros liquidados pela exequente ……….. =    641,03 €
 . juros, à taxa legal, desde 23.2.1994  até  18.1.2006 (data em que ficou paga a to-talidade do capital) …......…= 3.555,26 €

 . total …………………………………….. = 7.991,31 €

 . a entregar à exequente ………………….. = 6.311,74 €
 . fica em dívida (só juros) ……………..…. = 1.679,57 €

            4.2. A liquidação foi notificada, em 1 de Setembro de 2009, ao Ministério Público (fls. 293).
            E foi notificada às partes.[1]

            4.3. No dia 10 de Setembro de 2009 (fls. 297) a exequente apresentou requerimento aos autos, além do mais, com o seguinte conteúdo:

            “(…) notificada da conta de fls…, vem expor e requerer (…):

            1. Permanece em dívida nos presentes autos a quantia de 1.679,57 € (…).
            2. A exequente não prescinde de tal montante.
            (…)

            5. Pelo que requer a V.Ex.ª se digne notificar a entidade patronal da executada M(…), para reiniciar a penhora de 1/3 do respectivo vencimento, até integral liquidação do valor supra mencionado.”
            (fls. 296).

            4.4. O requerimento foi deferido (fls. 299).
            Foi penhorado o crédito (fls. 300).

            Obteve-se o depósito de 1.679,57 €.
A execução foi, de novo, sustada.

            4.5. Enviado o processo a liquidação, foi lançada nos autos informação, além do mais, com o seguinte conteúdo:

            “(…) apenas se encontrando em dívida a quantia de 1.679,57 € (…) a título de juros, quantia esta que se encontra depositada nos autos … salvo o devido respeito, entendo que apenas será de emitir nota a favor do exequente.”
            (fls. 327).

            Por despacho de 17 de Janeiro de 2011 mandou-se proceder em conformidade (fls. 328).
            Nessa sequência, notificada a exequente (fls. 329).

            E esta, em 26 de Janeiro de 2011 (fls. 332), apresentando nos autos NIPC e NIB, concernente à emissão da nota de pagamento (fls. 331).
            A nota foi emitida no dia 27 de Janeiro de 2011 (fls. 333).

            5. No dia 1 de Fevereiro de 2011, “mostrando-se pagas quantia exequenda e custas”, o tribunal “a quo” produziu sentença extintiva da execução (fls. 338).

            6. A exequente interpôs recurso de agravo (fls. 342).

6.1. Nas alegações de recurso, formulou, ao que mais importa, as seguintes conclusões:
            i. Na penhora de vencimento, em que esta é protelada no tempo, em prestações mensais até ser atingido o valor necessário ao pagamento da dívida exequenda e das despesas de execução (artigo 821º do CPC), o interesse do exequente só se mostrará garantido quando o montante dos descontos for suficiente para pagamento integral da dívida, o que in concreto não aconteceu;
            ii. Aos 14.7.2009 o montante penhorado ascendeu a 6.868,77 €, conforme se alcança da conta de custas elaborada (fls. 290 a 291);
            iii. O acto da penhora transferiu para o tribunal a disponibilidade sobre as verbas correspondentes aos descontos no vencimento da executada M;
            iv. Sendo 557,03 € canalizado para liquidar as custas do processo, conforme imposição legal;
            v. E 6.311,74 € para a exequente, conforme nota de liquidação (fls. 292);
            vi. Acontece que da referida nota de liquidação resulta que o tribunal “a quo” liquidou em primeiro lugar a totalidade do capital em dívida;
            vii. E só depois é que procedeu à liquidação dos juros, ainda que parcialmente;
            viii. Ficando – no entender do tribunal “a quo” – em dívida um remanescente de juros no montante de 1.679,57 €;
            ix. A nota de liquidação viola o disposto no artigo 785º do CC;
            x. O citado artigo enumera a ordem pela qual os pagamentos devem ser efectuados e o tribunal “a quo” não respeitou tal indicação – despesas, indemnização, juros e capital;
            xi. A imputação da prestação no capital só pode fazer-se com o acordo do credor, o que não ocorreu no caso concreto;
            xii. O tribunal “a quo” tinha que liquidar primeiro os juros e só depois o capital;
            xiii. A forma incorrecta como o tribunal “a quo” procedeu à liquidação dos valores em dívida faz com que os referidos montantes (6.311,74 € + 1.679,57 €) não permitam liquidar a quantia exequenda junto da exequente;
            xiv. Quando o tribunal liquida a priori o capital em dívida e só depois imputa o remanescente do valor penhorado aos juros, inverte a ordem dos pagamentos a efectuar;
            xv. A fórmula utilizada para o cálculo da quantia exequenda está errada e prejudica a exequente;
            xvi. Aqueles montantes são insuficientes para liquidar a quantia exequenda;
            xvii. Acresce que a exequente peticionou juros vincendos à taxa contratada de 22,5%, acrescida da sobretaxa de 2%, até efectivo reembolso;
            xviii. O tribunal “a quo” contabilizou os juros à taxa legal;
            xix. Também esse desfasamento prejudica a exequente;
            xx. É consensual que o fim útil da penhora visa a satisfação integral do crédito exequendo e custas;
            xxi. E tal cálculo não depende da iniciativa da exequente;
            xxii. Deve a penhora do vencimento manter-se; com todas as consequências.

            Em suma, deve ser revogada a sentença recorrida e substituídas por outra que ordene o prosseguimento dos descontos no vencimento da executada M…, até integral recebimento da quantia exequenda, ao abrigo do disposto no artigo 821º do Código de Processo Civil.

            6.2. Não houve resposta.

            6.3. Foi ouvida a contadora; que informou que, embora assistindo razão ao argumentário da agravante, o certo é que, quer esta, quer seu o mandatário “foram notificados da conta de custas em 1.9.2009 e dela não reclamaram” (fls. 362).
            E foi ouvido o Ministério Público; que disse também assistir razão à recorrente; porém, devidamente notificada da conta de custas, nada disse; e assim, e não obstante, é “extemporânea a reclamação apresentada” (fls. 363).
            Em informação complementar, a contadora esclareceu que, se fôra a conta de 14.7.2009 “correctamente elaborada” (v fls. 364), ficaria (ainda) nessa data, em dívida à exequente, as quantias de 5.402,59 €, de juros, e de 3.795,02 €, de capital (fls. 366).

            6.4. O juiz “a quo” elaborou despacho de sustentação (fls. 371 a 374).
            A conta não foi acertadamente elaborada. Contudo, e embora dela notificada, a exequente não a impugnou; o caso subsume-se no artigo 60º, nº 2, alínea b), do Código das Custas Judiciais; esgotou-se um prazo peremptório.
            O recurso tem por único fundamento o erro de liquidação; que nada tem que ver com o despacho decisório (agravado).
            Em suma, por via da preclusão própria do processo civil, a conta consolidou-se; e não pode, agora, ser indirectamente atacada pela via recursória.

7. Delimitação do objecto do recurso.
As conclusões da alegação circunscrevem o objecto do recurso (artigo 684º, nº 3, do Código de Processo Civil).
A questão decidenda nuclear é a de saber se deve subsistir a sentença extintiva da execução; ou se, ao invés, suprimida, de maneira a permitir realizar o remanescente do crédito que, na óptica da exequente, ainda não está satisfeito.
Instrumentalmente, o assunto desdobra-se nas seguintes sub-questões:

Quadro legal aplicável, na óptica adjectiva e na óptica tributária;
Admissibilidade de reapreciação da liquidação da quantia exequenda que teve lugar, em sede de agravo da sentença extintiva da execução;
Acertamento dos argumentos da agravante;
Conteúdo da decisão final do agravo.


II – Fundamentos

1. O contexto processual relevante para a decisão do recurso é o que se colige, desde já, do relatório deste acórdão e que, segundo cremos, não há necessidade de aqui voltar a transcrever.
Vejamos, então, quanto à questão de fundo em causa.

            2. O mérito do recurso.

2.1. Que normas jurídicas são aplicáveis à acção executiva?
            O tempo de duração do processo, quase a perfazer os dezoito anos, aconselha ao seu escrutínio prévio; de maneira a facilitar, depois, a descoberta da linha estruturante do quadro jurídico, na óptica processual, e na óptica das custas.

            Vejamos então.
            A instância executiva nasceu no dia 24 de Setembro de 1994.
            A versão do Código de Processo Civil, então vigente, era pretérita à da revisão do processo civil, empreendida entre 1995 e 1996, primordialmente pe-los Decretos-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro.
            Essa revisão constituiu um marco decisivo. Entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º, meio, do Decreto-Lei nº 329-A/95, redac do Decreto-Lei nº 180/96). E apanhou a instância num momento em que, antes ainda de ordenada qualquer penhora, ela se encontrava interrompida (entre fls. 17 e 18).
            A nova versão do Código, ao que aqui importa e no geral, passou a ser aplicada à execução pendente (artigo 26º, nºs 2 e 3, do Decreto-Lei nº 329-A/95, redac do Decreto-Lei nº 180/96); significando então a sujeição da instância à lei velha, até 31 de Dezembro de 1996 (até fls. 17), e a sua sujeição à nova lei a partir de 1 de Janeiro de 1997 (a partir de fls. 18). Sendo este, por conseguinte e no seu essencial, o quadro legal adjectivo aplicável; e sem outras condicionantes, posto que a revisão da acção executiva subsequente já não atingiu a instância a-qui em causa (artigos 21º, nº 1, e 23º, do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março).
            Na óptica tributária, a instância surge no âmbito do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44.329, de 8 de Março de 1962; que veio a ser substituído por outro, este aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, e com entrada em vigor no mesmo dia da nova lei de processo, mas com a diferença de incidência, via de regra, sobre os processos então pendentes (artigos 4º, nº 1, início, e 18º, do Decreto-Lei nº 224-A/96). Este diploma foi sendo sujeito a paulatinas intervenções, porventura, a mais profunda das quais implementada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2004, mas apenas incidente, em regra, sobre os novos processos (artigos 14º, nº 1, e 16º, nº 1).
            À execução dos autos ficou, então, aplicável o diploma tributário, em versão pretérita à deste Decreto-Lei; igualmente aqui sem modificação entretanto, em particular considerado o novo Regulamento de Custas, apenas incidente sobre os processos instaurados a partir de 20 de Abril de 2009 (artigos 26º e 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 54-A72008, de 31 de Dezembro).

            Em suma, e adjectivamente, ficando o quadro legal aplicável à execução dos autos, no trecho que nos importa, nas regras processuais, pelo Código de Processo, na versão emergente da revisão operada em 1997, e nas regras sobre custas, pelo Código das Custas, na versão essencial do Decreto-Lei nº 224-A/96, pretérita à do Decreto-Lei nº 324/2003.

            2.2. Admissibilidade de reapreciação da “liquidação do julgado”.

            2.2.1. A acção executiva visa empreender a realização coerciva de um direito, já violado, e certificado, com suficiência bastante, pelo título executivo (artigos 4º, nº 3, e 45º, nº 1, do CPC). E se o seu fim for o pagamento de uma quantia certa, significa então que se trata de realizar efectivamente, por via coerciva, a satisfação de uma prestação debitória, ao credor, com o conteúdo da entrega a este de uma certa verba em dinheiro (artigo 45º, nº 2, do CPC).
            Do ponto de vista do direito material, a satisfação do interesse do credor, mediante o cumprimento da obrigação, acontece quando seja realizada a prestação debitória devida (artigo 762º, nº 1, do Código Civil). Constituindo o património do devedor a garantia comum dos seus credores (artigo 601º do CC). E tendo estes o direito, na hipótese de incumprimento, de executar o património daquele (artigo 817º do CPC); certo, por fim, que pela penhora o exequente adquire a preferência no pagamento insatisfeito (artigo 822º, nº 1, do CC).

A lei de processo adjectiva estas salvaguardas de direito material. E também ela estabelece a sujeição à execução e à penhora da generalidade dos bens do devedor (artigo 821º, nº 1, do CPC).

Na hipótese dos autos, o direito exequendo é pecuniário. Para a sua satisfação coerciva, foi dado à execução um crédito, na titularidade da executada M ..; precisamente o crédito do seu vencimento, penhorado na sua fracção de 1/5 (fls. 138 e 143).

            À penhora de créditos, em geral e no que aqui mais importa, se referem os artigos 856º, nº 1, e 860º, nº 1; e à de vencimentos, em particular, os artigos 824º, nº 1, alínea a), e nº 2, e 861º, nº 1, do CPC.
            A natureza periódica e sucessiva do direito ao vencimento condiciona o modo da feitura da correspectiva penhora. No comum das vezes, a quantia exequenda representa um valor cuja realização, a partir dos extractos fraccionados do vencimento penhorado, só num largo período de tempo se consegue concretizar. Por outro lado, importa ter ainda em conta a precipuidade das custas executivas no produto dos bens penhorados (artigo 455º do CPC).
            Compreende-se, desta maneira, o ajustado do procedimento que, neste particular, a prática judiciária foi consolidando; isto é, uma preliminar liquidação das custas e do crédito exequendo, de natureza estritamente previsional e provisória, apenas destinado a sustentar o volume pecuniário quantitativo a reunir, previsivelmente suficiente para realização dos fins executivos; e só depois a notificação da entidade patronal (devedora do crédito) para depositar à ordem da execução, e logo que vencida, cada uma das fracções penhoradas do vencimento. Isto, até que reunida seja aquela quantia, ali provisoriamente fixada.

            O caso dos autos não desviou a esta regra. A liquidação previsional de natureza informativa teve lugar e fixou o valor de 7.000,00 € (fls. 143); e a entidade patronal da executada foi notificada para fazer os descontos e o depósito (fls. 144 e 146). E estes foram, efectivamente, sendo realizados.

            Convém ter presente que se trata de prosseguir um caminho com o objectivo de realização certa e exacta do crédito do exequente; e que este só se considera satisfeito com a prestação debitória; isto é, na hipótese, pela entrega do dinheiro, na quantia devida, enquanto cumprimento da obrigação pecuniária.
            Ora, neste particular, a especificidade da penhora, com o conteúdo de crédito em dinheiro, cuja importância é depositada, conduz, no quadro daquela finalidade, à adequação óbvia do pagamento pela entrega do dinheiro ao credor e exequente (artigos 872º, nº 1, e 874º, do CPC).[2]  Para isso, tão-só importando, co-mo mecanismo instrumental desse modo de efectuar, escrutinar, mas agora com o maior rigor, que dinheiro constitui o conteúdo da obrigação pecuniária (incumprida e) exequenda; para lá das custas, como dissemos sempre precípuas na execução.

            Voltando aos autos. Reunida, em depósito, a quantia de 6.868,47 € (fls. 278v.º), o tribunal ordenou que os autos fossem “à conta” (fls. 280).

            Convém esclarecer.
Do que se trata, agora é de proceder à liquidação de toda a responsabilidade do executado.  
Ora, esta responsabilidade reparte-se em dois patamares: o seu débito das custas (precípuas) e o seu débito do crédito (exequendo).[3]  
O acto de contagem reflecte esta duplicidade.  
            Uma coisa é a conta de custas; elaborada a pretexto do próprio processo, a retratar a retribuição que é devida, pelo responsável, em função e por causa do funcionamento da máquina judicial; e de que, em última análise, é o próprio Estado o credor (artigo 51º, nº 1, do Código das Custas Judiciais).
Outra coisa é a liquidação do julgado; elaborada a pretexto dos pagamentos que o tribunal haja de efectuar, e a retratar a distribuição dos dinheiros que à ordem dos processos haja e devam ser canalizados para cada um dos interessados, participantes nos autos; portanto, com o objectivo de fixar quantias e definir essas suas entregas (artigo 52º do Código das Custas Judiciais).[4]

Vejamos. Não andamos longe da situação (similar) da liquidação da responsabilidade do executado a que se reporta o artigo 917º do Código de Processo Civil; também nesta se liquidam, por um lado, as custas, por outro, a parte em dívida do crédito do exequente (nº 1); havendo, aqui também, a ponderar duas operações aritméticas, de cariz diverso; certo que, sem a cobertura plena (de ambas as verbas fixadas) pelos dinheiros disponíveis, há-de, em princípio, a execução prosseguir (nº 4); precisamente na busca do que complementarmente ainda se revele necessário para o dúplice preenchimento.

Os autos retratam esta realidade.
Neles se elaborou a conta de custas relativa ao processo, que se fixaram em 557,03 € (fls. 290 a 291).
Fez-se, por outro lado, a liquidação do julgado, encontrando o crédito exequendo de 7.991,31 € (fls. 292).
E sintetizando, no acerto contabilístico, ponderado o depositado, de que se subtraíram (à cabeça) as custas, ainda remanesceu o défice de 1.679,57 € necessário para preencher a quantia exequenda liquidada.

            2.2.2. Dito isto.
            O descontentamento da agravante, reflectido no vertente recurso, é de todo alheio à conta de custas; outrossim, se reporta exclusivamente à liquidação do julgado, isto é, à operação aritmética encetada pela secretaria judicial condu-cente ao escrutínio do crédito exequendo, da quantia em dinheiro constitutiva do conteúdo da prestação debitória vinculante da esfera jurídica dos executados.
            Portanto, à operação configurada no artigo 52º do CCJ.
            E concretizada nos autos em fls. 292.

            E são dois, no essencial, os pontos de discordância concernentemente aos cálculos aí realizados, nesse escrutínio da obrigação pecuniária exequenda.
            Em , a imputação proeminente do capital de crédito, e só depois dos juros. Em , o cálculo dos juros, pedidos (no requerimento executivo) a uma taxa de 22,5%, acrescida da sobretaxa de 2%, e meramente contabilizados (na liquidação a que se procedeu) “à taxa legal”.

            Vejamos então.
Na liquidação do julgado, que teve lugar, a imputação das verbas disponíveis às parcelas do crédito exequendo não seguiu a ordem que para o efeito, e supletivamente, estabelece a disposição de direito material do artigo 785º do Código Civil.
Esta disposição substantiva supõe uma única obrigação, em função da qual há plúrimos encargos, e comporta uma dimensão que cede mediante a vontade diferente das partes; estabelecendo, além do mais, que a imputação no capital só possa fazer-se, designadamente, antes da indemnização por mora, se o credor assim concordar (citado artigo 785º, nº 2).[5] 

A opção concreta, tomada nos autos, amortizando inicialmente o próprio capital, permite intuir uma redução nos juros moratórios; por conseguinte, em desfavor do interesse da exequente; que, se assim não fôra, obteria outros juros da dívida de capital, ainda não extinta, e enquanto o valor disponível não pudesse cobrir, no todo, a devida indemnização moratória.[6]

            Qual então, nesta óptica, a viabilidade de reapreciação do liquidado?
            Compulsemos, e com atenção, os autos.
            A liquidação do julgado foi notificada à exequente, segundo se in   tui, em 1 de Setembro de 2009 (fls. 362); e a sua reacção foi a de, logo a 10 desse mês, uma vez “notificada da conta”, vir propugnar que, permanecendo “em dívida nos presentes autos a quantia de 1.679,57 €”, fosse dado seguimento à penhora do vencimento, “até integral liquidação do valor supra mencionado” (fls. 296 e 297). O que aconteceu; tendo-se obtido aquele dinheiro, em depósito; e sido a exequente, outra vez, notificada (fls. 329); vindo esta, então, em 26 de Janeiro de 2011, a facultar os elementos identificativos necessários para a respectiva entrega (fls. 331 a 332); a qual veio a ter lugar a 27 de Janeiro de 2011 (fls. 333).

            Uma nota.
            A operação contabilística da liquidação do julgado não pode deixar de ser notificada aos interessados, em particular ao exequente e ao executado. Sem embargo de alguma ambiguidade na lei, a este propósito, assim não pode deixar de ser; semelhantemente ao que acontece na liquidação da responsabilidade, reportada no artigo 917º, nº 3, do CPC; ou mesmo ainda à própria conta de custas, em consonância com o disposto no artigo 59º, nºs 1 e 2, do CCJ.
            Por outro lado, é inequívoca a faculdade que se concede, na sequência dessa notificação, aos concernentes interessados, de poderem impugnar uma tal operação. Também aqui, e sem embargo da equivocidade legal, existindo essa possibilidade de reclamação, na envolvente do citado artigo 917º,[7] e mais explicitamente, no âmbito da conta de custas (artigo 60º, nº 1 e nº 2, alíneas a) e b), do CCJ), inconcebível seria neste particular a inexistência de semelhante permissão.
            Ademais disso, os erros ou omissões praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes (artigo 161º, nº 6, do CPC).
            Do que antes dissemos, infere-se que o regime de reclamação e reforma da conta de custas, especificamente tratado nos artigos 60º a 63º do CCJ, não é aplicável ao erro da liquidação do julgado operada à luz do artigo 52º do diploma. Escrevendo, neste conspecto, SALVADOR DA COSTA que “tal erro é, porém, susceptível de reclamação para o juiz, no prazo de 10 dias, nos termos do nº 1 do artigo 153º e do nº 5 do artigo 161º, ambos do Código de Processo Civil”.[8] 
Mas, e seja como for, o inequívoco é a existência dessa faculdade.

            Prosseguindo.
            A exequente não apresentou qualquer reclamação nos autos.
            E esse não exercício de reclamação, embora não nos exactos contornos que deixamos indicados, é o argumento central que o tribunal “a quo” desenvolve, no despacho de sustentação que elaborou, para concluir pelo não fundado dos argumentos da exequente, no agravo que interpôs.
E – não há como deixar de o reconhecer – com uma certa razão.
Pois vejamos.
A agravante, enquanto exequente, assumiu nos autos um comportamento, de certa forma concludente, no confronto com a liquidação que lhe foi apresentada, por notificação.
Não lhe fez nota de reparo e, ao invés, até a tomou por boa, ao assumir, consonantemente com ela, que era a quantia de 1.679,57 € a que ainda “permanece em dívida” e merecedora de “integral liquidação” (cits fls. 296).
A postura seguinte nos autos seguiu coerente com esta tomada de posição; sendo certo que, só com a interposição do agravo, cerca de um ano e meio depois da inicial notificação recebida, e já após os interlocutórios e evidentes procedimentos em execução, veio redireccionar o seu ponto de vista a respeito do assunto do conteúdo da liquidação.

            A lei não exige expressividade absoluta em toda a declaração.
            Também a declaração tácita, entendida esta como aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (artigo 217º, nº 1, final, do CC), tem uma virtualidade de eficácia jurídica. Fundamental é que, realmente, se permita inferir de factos verificados que, com toda a certeza, a ateste.
            Cremos ser o caso concreto dos autos.
            A agravante, nos autos executivos, comportou-se de uma maneira apenas compatível com a sua conformação com o conteúdo da liquidação do julgado que lhe foi comunicada. Quer dizer; aceitou-a, anuiu àquela forma como foi feita a operação distributiva do dinheiro em depósito, obtido da penhora do vencimento, pelos plúrimos encargos emergentes da obrigação exequenda. E optou por, sem reparo, considerar (apenas) necessária a “integral liquidação do valor supra mencionado”, como com evidência ressalta, em particular, dos seus requerimentos de 10 de Setembro de 2009 e de 26 de Janeiro de 2011.
            Em suma; o que com tudo isto queremos dizer é que a agravante, co-mo credora e exequente, concordou com a imputação, precedentemente aos juros de mora, do capital em dívida, consonantemente à liquidação realizada; e que essa anuência permitiu consolidar os contornos da obrigação exequenda (artigo 785º, nº 2 do Código Civil).

            O assunto primordial é portanto de direito substantivo.
            O credor anuiu à imputação feita; e recebeu o pagamento em dinheiro com o conteúdo do ali liquidado. Concordou (ainda que por via tácita), no momento próprio, com a realização do seu interesse nessa estrita configuração.  
Não se vê como deixar de considerar que a prestação debitória, que constituiu o conteúdo da devida obrigação exequenda, se ache (já) satisfeita; e esta (a obrigação), por conseguinte, (já) substancialmente extinta.
            Justificando-se, nesse quadro, o proferimento (que teve lugar) da sentença extintiva da execução (artigo 919º, nº 1, do CPC).[9]

            As questões de esgotamento de um prazo peremptório, ou a dimensão de princípios preclusivos próprios do processo, que o tribunal “a quo” mais enfatiza na sua sustentação, não são portanto, do nosso ponto de vista, as decisivas.
            Subsistisse o crédito, na sua substância, em conformidade ao direito material, e nem a sentença extintiva da execução, que se não repercute na relação substantiva em litígio,[10] capaz seria de o suprimir da esfera do sujeito credor.
Neste particular, cremos que as operações contabilísticas de liquidação, a que a secretaria judicial haja de proceder, comportam sempre uma dimensão meramente instrumental, e sem virtualidade preclusiva, em qualquer caso.
E é ao tribunal que compete reconhecer a satisfação da obrigação exequenda; sendo, a este título, esclarecedor o texto do artigo 161º, nº 6, citado.
O que tudo nos leva a entender que, à semelhança do que, para a conta de custas, expressamente prescreve o artigo 60º, nº 1, início, do CCJ, também na liquidação do julgado, há-de competir ao juiz, mesmo oficiosamente e sempre que o caso o justifique, mandar proceder à sua reforma; faculdade oficiosa capaz de funcionar a todo o tempo, ao menos até à consolidação do acto; e que, no limite, poderá ter lugar (apenas) com o trânsito em julgado da sentença extintiva.[11]
Mas; para tanto, se impondo reconhecer que, de acordo com o direito material, a liquidação feita não possa subsistir, por não retratar fielmente o crédito exequendo. E é para uma hipótese destas, proferida que seja sentença extintiva, que em agravo desta se permite (ainda) reequacionar a liquidação do julgado.

            Só que não é este o caso dos autos.
Se bem que, mesmo aqui, a liquidação pudesse, na origem, merecer alguma nota de reparo, o certo é que, enquanto retrato do crédito e da sua satisfação, se consolidou no seu conteúdo; precisamente, a partir de um comportamento concludente assumido, a seu respeito, pela exequente.
           
2.2.3. O outro ângulo da discórdia reporta-se à taxa de juro.
            A Caixa … CRL exequente, fundada no artigo 46º, alínea c), início, na versão então aplicável do CPC, baseou a sua execução, para pagamento, numa livrança, subscrita pelos executados; referiu que a quantia reportava a crédito que lhes concedera; e pediu juros de mora à “taxa contratada de 22,5%, acrescida da sobretaxa de 2%”. 
            A coberto do artigo 924º, nº 1, então vigente, o despacho liminar pro-ferido foi o de citação dos executados (fls. 9).
            A instância prosseguiu.
            E na liquidação do julgado tomou-se em conta a “taxa legal”.

            Para lá da aceitabilidade manifesta do conteúdo da liquidação pela exequente, em termos semelhantes àqueles que já notámos, dir-se-ia que o problema se coloca, outra vez, quer a um nível substantivo, quer a um nível processual.

            Na óptica substantiva o assunto releva pela invocação de um negócio subjacente; uma relação jurídica bancária. O título exequendo é abstracto; uma livrança – mas, como se intui, tem a justificá-lo, a explicá-lo um outro negócio latente.
            O direito exequendo é estritamente cartular, literal e autónomo.

            Ora, a respeito das operações bancárias, nota ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO que, em função do ponto 2º do Aviso do Ministério das Finanças nº 3/93, de 20 de Maio,[12] as taxas de juros bancários foram praticamente liberalizadas; consistindo os juros de mora bancários na sobretaxa de 2%, aplicada de acordo com o disposto no artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro.[13]  É, precisamente, essa a taxa tida em vista pela exequente.

            Porém; importa ter em conta que a execução se sustenta em título de crédito, portanto remetendo para a relação jurídica meramente cartular. E o direito que emerge daí é diferente daquele que está na origem da aquisição do título.[14]
            Além do mais, o direito cartular é literal e autónomo.
É um direito cujo conteúdo, extensão e modalidade vale exclusivamente em conformidade com o teor do próprio título; e, por outro lado, distinto de quaisquer estipulações extracartulares.[15]
À livrança são aplicáveis as disposições da letra concernentes ao direito de acção por falta de pagamento; nestas se prevenindo os juros à taxa de 6% desde a data do vencimento (artigos 77º, § 1º, e 48º, nº 2º, da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças). O direito interno redireccionou a regulação desta matéria; fê-lo por via da disposição contida no artigo 4º do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, e pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/92, de 13 de Julho de 1992.[16] 
A jurisprudência corrente,[17] neste particular, é a de que são de tomar em conta os juros civis a que se refere o artigo 559º, nº 1, do CC;[18] e não outros.
Por conseguinte; optando o exequente por accionar a relação estritamente cambiária, emergente da livrança, e dado o cariz de literalidade e autonomia que se lhe reconhece, vedado fica invocar outras convenções ou estipulações, para lá daquelas que lhe estejam propriamente imanentes; cujo conteúdo, na óptica cartular, é perfeitamente irrelevante.
Foi o caminho seguido na liquidação do julgado.

            Na óptica substantiva a exequente não tem portanto o direito à taxa de juro reportada no requerimento inicial executivo. Tê-lo-ia apenas se a sustentação executiva se fundasse na operação bancária; não na relação abstracta.

            Contudo; é verdade que o seu pedido não mereceu reparo jurisdicional nos autos; e que veio a ser um acto da secretaria – a liquidação do julgado – a encetar uma operação contabilística em divergência com aquele, contido na petição executiva.

            É agora o patamar processual que antes referimos.
            Circunscrevendo o título executivo os limites da acção executiva (artigo 45º, nº 1, do CPC), e não emergindo dele o crédito de juros com a configuração dada no requerimento inicial, teria havido fundamento para indeferimento liminar parcial, precisamente nesse trecho; ao abrigo, ao tempo, das disposições dos artigos 801º e 474º, nº 1, alínea c), final, do CPC.[19] 
Mas o não proferimento desse despacho não comprometia, nem precludia a possibilidade de, mais adiante, o tribunal ainda poder conhecer das questões que teriam justificado esse indeferimento.
Era este um princípio já latente ao artigo 820º do CPC, na redacção precedente à de revisão de 1997, que a nova versão do mesmo artigo veio clarificar; e, de todo o modo, já então expressamente emergente, para a acção declarativa – e com aplicação à executiva (artigo 801º) –, do artigo 479º, nº 2, com transposição, na reforma, para o artigo 234º, nº 5, final.

            Nos autos, o juiz “a quo” não se pronunciou.
            De igual maneira, e pese embora o conteúdo da liquidação do julgado, também a exequente não suscitou o assunto, em impugnação do acto; o que teria sido o mote a permitir desencadear a (necessária) pronúncia jurisdicional sobre ele. Ao invés, viabilizou todas as diligências destinadas ao seu pagamento e dessa maneira, como notámos, assumiu até uma postura algo concludente e clara de concordância com aquele acto de liquidação.

            O direito processual não é concedente de direitos substanciais.
            É meramente instrumental e adjectivo para a realização deles.

            Do ponto de vista do direito material, a taxa de juro que a exequente propugna não lhe é devida. Pese embora o silêncio do tribunal “a quo”, neste particular, o certo é que a liquidação do julgado operou acertadamente (nesta parte) ao contabilizar, estritamente, a taxa de juro legal.
E sem reacção atempada da exequente.

            Sobrelevamos – aqui sim – a eficácia preclusiva dessa omissão.
            Que joga com o que emerge objectivamente do direito material.

            Havia uma questão latente, de virtual rejeição (parcial) executiva, que subsistiu até às diligências para pagamento à exequente (artigos 811º-A, nº 1, alínea a), e nº 2, e 820º, na redacção pós-revisão). Uma vez estas alcançadas, sem reparo jurisdicional, não se gerou substancialmente, na esfera da exequente, um direito (à taxa de juro) que antes não tinha.
Na óptica material a situação não mudou.
Se o acto da secretaria (a liquidação) preteriu (alegadamente) a esfera material do crédito, então impunha-se a sua impugnação pela interessada.
Que, não existindo, sibi imputet.

            Ao tribunal de recurso é que não pode, agora, ser permitido transmutar a taxa de juro efectivamente aplicada, para outra, numa matéria relativamente à qual não foi desencadeada, no tribunal recorrido, qualquer pronúncia; e que, de toda a forma, do ponto de vista do direito substantivo, nem é a devida.

            2.3. Em suma; e concluindo.
            Ponderada a concludência da postura da agravante, na sequência da liquidação do julgado, reveladora da anuência aos moldes de imputação dos dinheiros, obtidos em depósito a partir da penhora de vencimento empreendida, e por outro lado equacionada taxa de juro por ela propugnada, que não é a própria da livrança exequenda (e, enquanto tal, tivera até virtualidade de ser liminarmente rejeitada pelo tribunal “a quo”), resta a convicção de que o crédito exequendo de que tratou a vertente acção executiva já se mostra extinto.
            É que, segundo se intui, assim mesmo o perspectivou a própria agravante, enquanto exequente e, pelo menos, até um dado passo da instância executiva.
            E assim sendo, porque, pagas se achavam também as custas, nenhum óbice existia ao proferimento (como se fez) da sentença extintiva da execução agravada. Que, visto isso, não pode agora deixar de ser mantida.

            Improcedendo, dessa forma, todas as conclusões do agravo.

            3. As custas do recurso são da responsabilidade da agravante, que nele decaiu (artigo 446º, nº 1 e nº 2, do CPC).

            4. Síntese conclusiva.
            É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

            I – Em acção executiva, no quadro legal do Código de Processo, emer-gente da revisão de 1997, e do Código das Custas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, realizada penhora no vencimento do executado e reunido dinheiro, obtido dessa penhora, previsivelmente suficiente para cobrir as custas devidas e a quantia exequenda, devem ter lugar, no acto de contagem a cargo da secretaria, duas operações aritméticas: uma, de apuramento daquelas custas (artigo 51º, nº 1, do CCJ); e, outra, de liquidação do julgado para fixação da quantia exequenda (artigo 52º do CCJ);
            II – Ao exequente, na hipótese de discordar da liquidação do julgado, é permitido reclamar para o juiz, no prazo de 10 dias, a coberto do disposto no nº 1 do artigo 153º e do nº 5 do artigo 161º, ambos do CPC;
            III – A sentença extintiva da execução não comporta o efeito do caso julgado material, limitando-se ao efeito adjectivo de julgar cessado o processo executivo (artigos 919º, nº 1, e 672º do CPC);
            IV – Se a liquidação do julgado, a que se procedeu, imputou o dinheiro obtido da penhora, primeiro, ao capital e, só depois, aos juros moratórios, e a exequente, notificada dessa operação, lhe não fez qualquer reparo, mas ao invés pediu o pagamento da quantia assim fixada pelo dinheiro disponível, e no restante, não coberto, o prosseguimento da execução para sua integral obtenção e embolso, deve entender-se que deu o seu acordo ao conteúdo da operação aritmética realizada naqueles precisos termos (artigos 217º, nº 1, final, e 785º, nº 2, do Código Civil);
            V – Sendo a execução fundada em livrança, que o executado subscre-veu, atenta a dimensão literal e autónoma do direito cartular emergente desse título, apenas é devida a importância da taxa de juro moratório legal (artigos 48º, nº 2, da LULLiv., e 4º do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, interpretado pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/92, de 13 de Julho de 1992); e não a taxa de juro que fôra contratada para a operação bancária subjacente à emissão da livrança;
            VI – Se, não obstante haver pedido no requerimento inicial o juro à taxa contratada para a operação subjacente à livrança, a liquidação do julgado apenas tiver aplicado a taxa de juro moratório legal, nenhuma reclamação havendo do exequente ou despacho judicial sido proferido sobre esse assunto, também se não justifica alterar aquele acto da secretaria;
            VII – Na hipótese em que ocorram as situações referidas em IV – e VI –, pagas as custas executivas e entregue ao exequente o dinheiro que, conformemente à liquidação do julgado realizada, chegue para cobrir todo o produto aí aritmeticamente encontrado, justifica-se o proferimento da sentença extintiva da execução.


III – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso de agravo improcedente e, em consequência, confirmar a sentença extintiva da execução.
            Custas a cargo da agravante.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2012
 
Luís Filipe Brites Lameiras
Jorge Manuel Roque Nogueira
José David Pimental Marcos
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[1] O processo em suporte físico não certifica a notificação, em particular à exequente; que todavia é inequívoca e não merece dúvida.
[2] Castro Mendes, “Acção Executiva”, 1980, página 205
[3] Reportando-se a este desdobramento, embora a um outro título e num outro quadro legal, José Alberto dos Reis, “Processo de execução”, volume 2º, 1985, página 496.
[4] Escrevia Salvador da Costa, a respeito do artigo 52º do CCJ que, embora apenas referido expressamen-te (apenas) à liquidação no caso de concurso de credores (por ser a situação quadro que, pelo seu relevo, justificava a previsão normativa respectiva), não significava que, por recurso à analogia (artigo 10º, nºs 1 e 2, do CC), não fosse aplicado (também) a actos de liquidação similares (“Código das Custas Judiciais anotado e comentado”, 7ª edição, 2004, página 307).
   Parece-nos ser também a esta liquidação que se refere o texto de Anselmo de Castro onde se diz que “o pagamento tem a precedê-lo a liquidação do que a cada credor compete receber … devendo … especificar o que receberá cada credor … . Segue-se a notificação dos interessados – exequente … e executado – para reclamação e, finalmente, o pagamento” (“A Acção Executiva Singular, Comum e Es-pecial”, 2ª edição, página 259).
[5] A respeito, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume II, 3ª edição, páginas 36 a 37; Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, volume II, 4ª edição, página 56; António Menezes Cor-deiro, “Tratado de Direito Civil Português”, volume II (direito das obrigações), tomo IV, 2010, página 54.
[6] Luís Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, volume II, 6ª edição, página 172.
[7] Eurico Lopes Cardoso, “Manual da Acção Executiva”, página 679; J M Gonçalves Sampaio, “A Acção Executiva e a problemática das execuções injustas”, página 292. Ainda sobre a notificação e reclamações desta liquidação, Miguel Teixeira de Sousa, “Acção Executiva Singular”, 1998, página 405.
[8] Obra citada, página 308.
[9] Sobre um caso em que se ordenou a correcção da liquidação, com consequente rectificação da sentença extintiva, mas sustentada num flagrante erro, evidente e ostensivo, no cálculo contido naquela, o Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Novembro de 2003, proc.º nº 3102/03, em www.dgsi.pt.
[10] Sobre a natureza, estritamente formal, da sentença extintiva da execução, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2005, proc.º nº 05B1812, e de 19 de Maio de 2010, proc.º nº 175/05.2TBCDN-A.C1.S1, e das Relações do Porto de 20 de Novembro de 2003, proc.º nº 0335236, e de Lisboa de 19 de Março de 2009, proc.º nº 641/1987.L1-2, todos em www.dgsi.pt.
[11] Acórdão da Relação de Évora de 5 de Junho de 2008, proc.º nº 3141/07-2, em www.dgsi.pt.
[12] Este Aviso foi publicado no Diário da República, II série, 2º suplemento, de 20 de Maio de 1993, pági-na 5272.
[13] “Manual de Direito Bancário”, 4ª edição, 2010, páginas 635 a 636.
[14] Pedro Pais de Vasconcelos, “Direito Comercial (títulos de crédito)”, 1990, página 15.
[15] Fernando Olavo, “Direito Comercial (títulos de crédito em geral)”, volume II (2ª parte), fascículo I, 2ª edição, 1983, páginas 25 e 30; Miguel Pupo Correia, “Direito Comercial”, 7ª edição, páginas 102 a 104.
[16] Este Assento está publicado no Diário da República I-A série, de 17 de Dezembro de 1992, páginas 5.818 a 5.821. Por outro lado, quanto à força jurídica dos Assentos, o artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
[17] Acórdãos das Relações de Guimarães de 26 de Abril de 2006, proc.º nº 645/06-1, e de Lisboa de 18 de Outubro de 2007, proc.º nº 8273/2007-6, ambos em www.dgsi.pt. Numa óptica algo distinta e minoritária, o Acórdão da Relação do Porto de 15 de Outubro de 2004, proc.º nº 0434725, também em www.dgsi.pt. Ainda sobre o assunto, Correia das Neves, “Manual dos Juros (estudo jurídico de utilidade prática)”, 1989, páginas 244 a 246.
[18] Ao que aos autos mais concerne, a sequência das taxas anuais é a seguinte: de 15%, até 29 de Setembro de 1995 (portaria 339/87, de 24 de Abril); de 10%, desde 30 de Setembro de 1995 até 16 de Abril de 1999 (portaria 1171/95, de 25 de Setembro), de 7%, desde 17 de Abril de 1999 até 30 de Abril de 2003 (porta-ria 263/99, de 12 de Abril) e de 4%, desde 1 de Maio de 2003 (portaria 291/03, de 8 de Abril).
[19] Na época não era clara a admissibilidade do indeferimento liminar parcial, mesmo na execução, atento o que então dispunha o nº 2, do artigo 474º, do Código de Processo Civil. Era já, porém, solução ajustada a da sua admissibilidade; como depois, na revisão de 1997, veio a ser expressamente consignado no artigo 811º-A, nº 2 (norma que pode ser ponderada como interpretativa do direito anterior). Veja-se, estritamen-te no quadro legal precedente ao da revisão, José Lebre de Freitas, “Direito Processual Civil II (acção executiva)”, 2ª edição (Vega Universidade), páginas 102 a 103.