Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO ALMEIDA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ACTO JURISDICIONAL RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ERRO JUDICIÁRIO ERRO GROSSEIRO PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/08/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Não há indícios que levem a concluir pela procedência da acção principal referente a um procedimento cautelar comum em que a requerente se arroga um direito a indemnização pelo Estado por decisões atrasadas e erradas proferidas noutro processo ainda pendente, e até pela omissão de decisões, quando ainda não há recurso e muito menos já foi apreciada judicialmente a verificação dos aludidos erros. Isto porque não basta discordar de uma decisão, mesmo alinhavando argumentos no sentido pugnado, sendo necessária a prévia revogação da decisão danosa. II. O erro judiciário relevante não é o mero lapso que afecta a decisão mas não põe em causa a sua substância e nem é aquele que um grande especialista porventura não cometeria, sendo antes o erro grosseiro, notório, evidente, indesculpável, que se encontra fora da esfera de razoável incerteza própria das coisas do Direito, e que o decisor podia e devia ter evitado. III. É de indeferir liminarmente o procedimento cautelar quando a situação de facto alegada mostra que, independentemente da prova, não se verificam os pressupostos legais necessários para a sua procedência. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO Requerente (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.): “A”. Requerido (adiante designada por R.): Estado Português. A A. propôs o presente procedimento cautelar comum contra o R. alegando que é parte numa acção ordinária e numa providência cautelar que pendentes no 2° juízo cível de Cascais, que estão, entende, pejadas de erros grosseiros, decisões ilegais, nomeadamente na apreciação de pressupostos processuais, e falta de decisões em prazos razoáveis. Acresce que o decretamento da aludida providência impediu-a de vender o imóvel referido nos autos, relativamente ao qual havia celebrado contrato promessa com eficácia real e ainda que, em virtude da remoção de terras realizada pelo promitente-comprador do imóvel em causa, foi notificada pela Direcção Municipal de Segurança e Fiscalização da Câmara Municipal de Cascais para proceder à execução de obras, de modo a suster o deslizamento de terras para o Lote Norte contíguo, no qual se encontram edificações habitadas; que o muro pertencente ao Lote vizinho, a Norte do imóvel da A., em resultado daquela movimentação de terras, apresenta zonas de colapso, com fissuras na ordem dos 10 mm, encontrando-se a fundação, do mesmo, agora, à vista; que a não intervenção, imediata, em toda a extensão do muro do Lote acarretará o seu colapso total, e, consequentemente da moradia, da piscina e restantes infra-estruturas nele construídas, provocando danos pessoais, incluindo o dano morte, para além de avultadíssimos danos não patrimoniais e danos materiais, todos inquantificáveis, à presente data. E, mais, se a Providência não tivesse sido decretada e a questão da legitimidade tivesse sido decidida atempadamente, a Sociedade de Construções “B”, Lda, não teria denunciado, nunca, o contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real, celebrado com a A., e teria tratado da Licença de Construção e da execução da obra. Conclui pedindo a execução pelo requerido de obras que contenham definitivamente o desabamento das terras do imóvel da A. sobre o lote contíguo, a norte do seu. * O pedido foi considerado manifestamente improcedente e o procedimento liminarmente indeferido, porquanto: - dos documentos juntos pela Requerente não resulta que tenha recorrido da decisão cautelar ou deduzido oposição à providência, meios próprios para aquilatar da bondade da decisão tomada e da qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal, o que impede a aceitação da sua tese aqui; - não há o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito (o periculum in mora): a Requerente limita-se a referir a existência de uma notificação do Município de Cascais para proceder a obras de forma a suster o deslizamento de terras para o lote contíguo ao seu terreno e que tal se deve à remoção de terras realizada pelo promitente comprador do imóvel. Mas dos documentos que junta relativos à aludida notificação da nada se refere quanto à obra a realizar, resultando a mesma apenas do relatório que constitui o doc. 97 e cuja autoria não se vislumbra ser dos serviços camarários. E se assim não fosse, a responsabilidade pela construção de tal muro recairia, em primeira linha, na promitente-compradora do imóvel, que terá efectuado o alisamento e remoção de terras sem curar pela segurança dos terrenos limítrofes, o que aconteceu independentemente da actuação do Tribunal e em data anterior. E, mais, também não se mostra suficientemente alegado que a inexistência de um muro de contenção venha a causar o desabamento de quaisquer terras, porquanto os artigos 161° e ss. do requerimento inicial são meramente especulativos, reproduzindo o já aludido relatório pericial, que não especifica concretamente quais os danos que poderão advir da construção de um muro. * Inconformada a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1. A responsabilidade civil extracontratual do Estado Português, ora reclamada, advém da prática, pelos seus Órgãos da Administração Judiciária, sela de Decisões Jurisdicionais, manifestamente. inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas, por erro grosseiro na apreciação dos respectivos de facto (art. 13, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31.12), seja da violação do direito da Recorrente em obter Decisões Judiciais, ainda que parcelares, num prazo razoável (art. 12 do mesmo diploma legal). 2. Tais Decisões e violações ocorreram no Proc. n.º .../10.5TBCSC, que corre termos no 2º. Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca, bem como nos Processos ao mesmo apensados: uma Providência Cautelar (Apenso A) e um Incidente de Habilitação (Apenso B). 3. O Proc. n.º .../10.5TBCSC foi proposto contra a Recorrente, pelo seu ex-marido, “C”, em representação de dois filhos maiores e de um filho menor, que com ele viviam na data em que a Acção foi proposta. 4. A Providência Cautelar foi intentada, pelo mesmo, contra a Recorrente, imediatamente após a entrada da Acção, em Tribunal, também em representação dos filhos maiores e menor, tendo, ainda, como Requerida a Sociedade de Construções “B”, Lda. 5. No Incidente de Habilitação, o “C” habilita-se no lugar da representada, sua filha, “D” com fundamento na transmissão de um crédito resultante de uma prestação suplementar de alimentos. 6. Tanto na Acção Principal como na Providência Cautelar o “C” nada articulou quanto à legitimidade desse seu direito de representação e não juntou mandatos conferidos pelos filhos maiores. 7. Os representados maiores têm personalidade jurídica e judiciária e capacidade jurídica e judiciária (art.º 66, n.º 1, art.º 67 e 130 e art.º 9, n.º 1 e 2, todos do C. Civil e art. 5, n.º 1 e 2, do C. P. Civil). 8. O menor tem personalidade jurídica e judiciária, mas só consegue suprir a sua incapacidade judiciária com o acordo de ambos os progenitores (art. 10, n.º 2, do C. P. Civil). 9. A representada “D” declarou, na Acção, por escrito e expressamente, que não aceitava, nem ratificava os actos praticado pelo pai, em seu nome. 10. Apesar dessa flagrante falta de legitimidade do “C” para agir em representação dos filho e tendo a Acção entrado, em Tribunal, no dia 22.06.2010, não foi proferido, até hoje, inexplicavelmente, qualquer Despacho Judicial reportado a essa matéria, designadamente a convidar os filhos maiores a ratificarem o processado e a ordenar o cumprimento do art. 12 do C. P. Civil quanto ao menor 11. Apesar de, no Incidente de Habilitação, o “C” não ter cumprido o disposto no arte 376, n.º 3 e 4, do C. P. Civil, o Despacho Judicial — Ref. 8433662 - concedeu-lhe, ilegalmente, um prazo de dez dias para o fazer. 12. Em 10.10.2011, o Despacho Judicial — Ref. 8890376 - ao emendar o erro, palmar, antes cometido no Despacho Judicial — Ref. 8433662, demonstra a razão da Recorrente. 13. Independentemente de outras decisões inconstitucionais, ilegais ou injustificadas por erros grosseiros, não se descortina em que pressupostos de facto, materialmente substantivos, assentou o decretamento da Providência Cautelar. 14. Tendo o Requerimento Inicial entrado como Providência Cautelar de Arresto sem que o representante “C” nada articulasse quanto ao justo receio da perda da garantia do seu crédito, o mesmo devia ter sido liminarmente indeferido. 15. A Providência não devia ter sido decretada sem estar a questão da legitimidade resolvida, seja pela ratificação do processado por parte dos filhos maiores, seja pelo despoletar do mecanismo inserto no art. 12 do C. P. Civil relativamente ao filho menor. 16. À questão da legitimidade acresce uma outra notória ilegitimidade, consubstanciada na falta de coincidência entre os Requeridos da Providência e os RR. na Acção Principal. 17. A Providência Cautelar foi decretada sem que a respectiva Sentença se tenha pronunciado sobre essa desconformidade. 18. Já depois de ter sido decretada a Providência Cautelar o representante “C” requereu na Acção Principal a ampliação subjectiva e objectiva da mesma. 19. Não obstante a falta de fundamento legal, subjectiva do referido Requerimento de ampliação, o mesmo, aguarda, ainda, passado mais de um ano após a sua entrada em Juízo, por Despacho Judicial de deferimento ou de indeferimento, violando-se, assim, o Direito da Recorrente em obter uma Decisão em prazo razoável, 20. Os Requeridos na Providência Cautelar, respectivamente, a Recorrente e a Sociedade de Construções “B”, Lda., celebraram, entre si, em 05 de Março de 2010, um contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real e tradição da coisa, nos termos do qual a primeira prometia vender à segunda, o imóvel supra identificado, pelo preço de seiscentos mil euros 600.000,00. 21. A Sentença que decretou a Providência ordenou que as Requeridas “se abstenham de outorgar a escritura de compra e venda do terreno identificado em 2 supra, até que o destino do mesmo seja decidido nos autos principais”, motivo que determinou a promitente compradora a desinteressar-se do negócio e a abandonar a obra. 22. Na Providência Cautelar não foram, ainda, proferidos, nem Despacho Judicial de admissão ou de não admissão da Oposição da Recorrente, nem Sentença Final. 23. Em virtude da remoção de terras realizada, com o início da obra, pela Sociedade de Construções “B”, Lda, a Recorrente foi notificada pela Direcção Municipal da Segurança e Fiscalização da Câmara Municipal de Cascais para proceder à execução de obras, de modo a suster o deslizamento de terras para o Lote Norte contíguo, no qual se encontram edificações habitadas. 24. Por força, quer da referida movimentação de terras, quer da necessidade de desmatação do terreno e do abate de árvores de grande porte e pelo facto de o terreno apresentar um declive com um valor médio de 45%, e ser constituído por terras argilosas, é óbvio o, enorme, perigo de, com as chuvas do Outono/Inverno, o mesmo ficar bastante encharcado tornando a sua resistência, praticamente nula. 25. Como consequência normal da referida movimentação de terras, o muro do Lote situado a norte do Lote da Recorrente, apresenta zonas de colapso, com fissuras na ordem dos 10 mm, encontrando-se mesmo à vista a respectiva fundação. 26. A não realização, urgentíssima, das obras determinará a destruição das moradias, das piscinas e das restantes infra-estruturas edificadas nos Lotes contíguos ao da Recorrente, provocando, necessariamente, inquantificáveis danos patrimoniais e não patrimoniais. 27. De entre os danos a reparar pelo Requerido Estado Português em função dos danos decorrentes do mau exercício da Função Jurisdicional, inserem-se os resultantes da violação do direito da Recorrente em obter uma Decisão Judicial em prazo razoável, bem como os advenientes de Decisões Judiciais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto (art.º 12º e 13º da Lei n.º 67/2007, de 31.12) 28. A legitimação da representação dos filhos maiores, conferida pela Sentença proferida na Providência Cautelar, ao colocar em causa a capacidade civil destes em poderem exercer, livremente, os seus direitos, constitui, manifesta inconstitucionalidade (Art.º 26, n.º 1, e 49, n.º 1, mutatis mutandis, ambos da C. R. Portuguesa). 29. Além disso, essa legitimação é, ainda, manifestamente ilegal, por violação, grosseira, quanto aos filhos maiores, dos art.º 67, 129 e 130 do C. Civil e dos art.º 9 do C. P. Civil, e quanto ao filho menor, do disposto nos art.º 123 e 124 do C. Civil e do art. 10, n.º 2, do C. P. Civil. 30. Não obstante a Recorrente se tenha defendido, por excepção, na Acção Principal, invocando a ilegitimidade do identificado representante “C”, e apesar de a representada “D” ter vindo à mesma declarar que não ratificava os actos praticados pelo seu pai, ainda, não foi, até agora, proferido Despacho Judicial na Acção Principal com todos os danos daí resultantes, nomeadamente, os decorrentes da violação do Direito da Recorrente a Decisões Judiciais em prazo razoável. 31 A Sentença proferida na Providência Cautelar enferma de um manifesto erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto quanto à questão da legitimidade, ao conferi-la, sem fundamentação, ao identificado representante “C” (art. 13, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31.12). 32. Sendo a Providência Cautelar dependente da Acção Principal e visando-se, com ela, acautelar o direito ameaçado, é forçoso que, em ambos os meios processuais, coincidam os RR. e os Requeridos, daí que a Sentença que decretou a Providência Cautelar tenha violado, gravemente, o disposto no art. 26., n.º 1, do C. P. Civil (art. 13, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31.12) ao conferir legitimidade aos Requeridos. 33. A Sentença ao decretar a Providência Cautelar não avaliou que o representante “C” nada articulou quanto à existência, física, de um contrato-promessa de compra e venda ou de uma doação que fundamentasse o Direito, dos filhos, a obterem uma Sentença que condene a Recorrente a constituir, a favor deles, um regime de compropriedade sobre o seu imóvel. 34. O referido representante também, não articula factos que se reconduzam, ou ao contrato de sociedade, o qual só seria válido se reduzido a escrito (art.º 981, n.º 1, do C. Civil), ou ao enriquecimento sem causa, ou ao contrato de mútuo, o qual, para ser válido, teria, igualmente, que ser reduzido a escrito. 35. Assim, a Sentença em crise enferma, uma vez mais, de manifesto erro grosseiro na apreciação que faz dos respectivos pressupostos, materiais, de facto (art. 13, n.º 1, da Lei n.º 67/2007. de 31.12). 36. A Recorrente deduziu Oposição, aguardando, há mais de um ano, que seja proferido Despacho Judicial que a admita ou não, tal como aguarda pela Sentença, final, a ser proferida na Providência Cautelar decretada em 04 de Agosto de 2010, o que violam o seu Direito de ver proferidas Decisões Judiciais num prazo razoável (art. 12 da Lei n.º 67/2007, de 31.12). 37. O Despacho Judicial em crise, ao negar à Recorrente o Direito de produzir todas as provas que indicou no Requerimento Inicial, contende com o seu Direito de Acesso aos Tribunais, consagrado constitucionalmente no art. 20, n.º 1, da C. R. Portuguesa e legalmente no art. 2, n.º 1, do C. P. Civil, configurando, por isso, denegação de apreciação do Direito da Recorrente. 38. A obra teve em Junho de 2010, isto é, numa época do ano em que, praticamente, não chove, daí que, com os cuidados e as medidas necessárias e adequados à realização da mesma, e com o pessoal e a maquinaria existentes na obra, não existisse o perigo de um qualquer encharcamento das terras que propiciasse o seu desabamento sobre os Lotes contíguos. 39. Em 04 de Agosto de 2010, com a notificação à promitente compradora da Sentença que decretou a Providência, a mesma, teve que abandonar a obra, no estado em que esta se encontrava, sob pena de ser acusada de desobedecer ao disposto no art.º 391 do C. P. Civil. 40. In casu, a Providência Cautelar deve ser decretada, por, na nossa modesta opinião, os factos alegados se encontrarem, indiciariamente, provados, mesmo sem a inquirição das testemunhas, atentos os graves riscos, materiais e humanos, que a demora da Decisão pode provocar. 41. Porém, não sendo o entendimento de V. Ex, pese embora os enormíssimos riscos que se correm, o Despacho Judicial recorrido deve ser substituído por outro que se digne ordenar o prosseguimento da providência Cautelar, * O R. contra-alegou, concluindo desta sorte: 1 - A Recorrente instaurou a providência cautelar na qual requer que se ordene ao Estado Português que proceda à execução de obras, entendendo que a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português advém da prática pelo seu Órgão da Administração Judiciária, in casu, o Magistrado Judicial, de decisões manifestamente inconstitucionais, por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, proferidas no Proc. n.º .../10.5TBCSC, que corre termos no 2.° Juízo Cível deste Tribunal, bem como nos processos ao mesmo apensados: uma Providência Cautelar (Apenso A) e um Incidente de Habilitação (Apenso B). 2°. — A Recorrente entende que a não realização urgentíssima de obras determinará a destruição das moradias, das piscinas e das restantes infra-estruturas edificadas nos Lotes contíguos ao seu, com danos patrimoniais e não patrimoniais inqualificáveis cuja reparação cabe ao Réu Estado Português, decorrendo esta responsabilidade do mau exercício da Função Jurisdicional uma vez que aguarda há mais de um ano que seja proferido despacho judicial que a admita ou não a oposição que deduziu, como também aguarda pela sentença final a ser proferida na Providência Cautelar decretada em 4 de Agosto de 2010, em desobediência ao seu direito de ver proferidas Decisões Judiciais num prazo razoável de acordo com o disposto no art. 12.° da Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro. 3° — A Recorrente não logrou demonstrar na providência cautelar a existência de fundado receio de verificação de lesão grave e dificilmente reparável para o direito que a mesma visa assegurar na acção principal, nem o “periculum in mora”, ou seja o perigo de desabamento das terras do seu imóvel sobre os prédios contíguos, de forma a verificar-se a inutilidade da decisão judicial a proferir na acção principal, caso a providência não seja decretada. 4° — A Recorrente não alegou factos credíveis e suficientes para concluir, ainda que indiciariamente, pela necessidade de efectuar obras de manutenção e que tais obras consubstanciassem a construção de um muro de contenção, já que não se logrou provar qualquer notificação nesse sentido, nem que o meio próprio fosse o requerido através da instauração da providência cautelar. 5º — A Recorrente deveria responsabilidade pela construção de tal muro, concordamos, tal como consta da decisão impugnada que, em primeira linha, esta responsabilidade deveria recair sobre o promitente-comprador do imóvel, já que foi este que efectuou o alisamento e a remoção de terras, sem curar pela segurança dos terrenos limítrofes, o que aconteceu independentemente da actuação do Tribunal e, em data anterior. 6.° — A Recorrente não alegou factos que indiquem a existência de um fundado receio de lesão do seu direito, não identificou os danos concretos que advirão da ausência de construção de um muro, daí concluir-se pela ausência de qualquer direito, já existente ou emergente, na esfera jurídica daquela, que esteja em risco de ser lesado de forma irreparável e que se pretenda acautelar, pela improcedência do pedido formulado e pelo indeferimento liminar da providência cautelar não especificada. 7° — A Recorrente não pode alegar que o Direito de Acesso aos Tribunais, consagrado constitucionalmente no art. 20.0, n.º 1, da C. R. Portuguesa e no art. 2.°, n.º 1, do Cod. Proc. Civil lhe foi negado uma vez que não invocou factos que preencham os pressupostos específicos da procedência da providência cautelar que instaurou. 8° — A decisão recorrida ao decidir pela improcedência do pedido não nos merece qualquer reparo ou censura. * Colhidos os vistos legais cumpre decidir. * * II. FUNDAMENTAÇÃO Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil se os pressupostos que o Tribunal considerou existir para ter o pedido por manifestamente improcedente são correctos. Para isto importa verificar se alega factos que indiciem suficientemente a responsabilidade do Estado por actos jurisdicionais e de preencher o periculum in mora. * * Dispõe os n.º 1 do art.º 381 do Código de Processo Civil, relativamente às providências cautelares não especificadas, que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Daqui resulta que são requisitos do procedimento cautelar: a) a existência provável do direito; b) em caso de violação iminente do direito a ocorrência de uma lesão grave e de difícil reparação; caso haja violação, o perigo da continuação, ou repetição[1]. Exige-se, pois, o fumus boni juris (al. a) e a iminência de lesão[2],[3]. E note-se que “não é toda e qualquer previsível consequência susceptível de ocorrer antes da decisão definitiva que justifica o decretamento da providência no âmbito do procedimento cautelar comum – a lei refere-se, apenas, às lesões graves e dificilmente reparáveis – pelo que tendo as requerentes alegado, tão só, prejuízos materiais que não se encontram minimamente quantificados, não se sabendo a quanto ascenderiam, nada inculcando que a requerida não disponha de meios para os ressarcir após a sua apreciação na acção principal, não se encontram nos autos elementos que permitam caracterizar a aludida lesão grave e dificilmente reparável”. (ac. Relação de Lisboa 26-06-2008, processo n.º 4959/2008-2)[4]. Está em causa “prevenir um dano muito concreto. Aquele que é causado pelo decurso do tempo[5]” A aparência do direito há-de ser afirmada, bem como o fundado receio de que a falta de antecipação da decisão decorrente da demora própria da acção lhe causa lesão grave e dificilmente reparável[6]. Importa que o requerente alegue e demonstre sumariamente o “direito cuja titularidade se arroga[7]”. O fumus, no caso, a aparência do direito da A., passa pelo alegado direito à reparação do Estado pela prática de actos jurisdicionais. Neste sentido invoca a Lei 67/2007, de 31.12, cujo art.º 13, n.º 1, prevê a responsabilidade civil do Estado por decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto, e cujo art.º 12 consagra o direito a uma decisão judicial em prazo razoável. Este diploma[8], mantendo a dicotomia entre actos de gestão publica e actos de gestão privada, prevê a responsabilidade quando se verifique defeituoso funcionamento do serviço da justiça[9] (vg atrasos por falta de funcionários ou magistrados) e quando haja erro na decisão jurisdicional. No entanto, não basta discordar de uma decisão, mesmo alinhavando argumentos, pertinentes ou não, nesse sentido, para que se indicie tal direito; importa que se verifique a “prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente” (art.º 13, n.º 2). O contrário contenderia com a independência dos Tribunais, garantida constitucionalmente (art.º 203 da CRP). E a isso acresce que a forma normal de reparar qualquer erro ou desacerto na decisão é por via da sua impugnação judicial, i. é, através do sistema de recursos[10]: não é possível falar em erro judiciário quando a decisão é acolhida na ordem jurídica. É que o erro judiciário que releva é o “erro manifesto, isto é, grosseiro, notório, crasso, evidente, indesculpável, que se encontra fora do campo em que é natural a incerteza”, ou pelo menos o “acto temerário que o decisor podia e devia ter evitado” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2011[11]). “O erro grosseiro é o que se revela indesculpável, intolerável, constituindo, enfim, uma “aberratio legis” (Supremo Tribunal de Justiça, ac. de 08-09-2009), por desconhecimento ou má compreensão flagrante do regime legal (seria v.g. o caso da decisão que entendesse que a prisão não está sujeita a limite máximo, ao arrepio do disposto no art.º 41, n.º 2 e 3, do Código Penal). Não corresponde àquele em que porventura um jurista extremamente sagaz não incorreria mas que outro qualquer poderia, de boa mente cometer. Como acrescenta o aludido acórdão de 11-10-2011, “não se trata de erro ou lapso que afecta a decisão mas não põe em causa a sua substância (“error in judicio”). Não será, outrossim, um lapso manifesto. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade fáctica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente”. O Direito não é, como se sabe, uma ciência exacta[12]. É um ramo do conhecimento dotado de princípios e regras próprias mas cuja natureza não permite, amiúde, a afirmação de que uma solução está correcta e tudo o resto é errado. De aí que muitas vezes a jurisprudência e a doutrina se dividam, propondo sentidos e opções diversas. E isto não resulta da sagacidade ou da falta dela. De aí, naturalmente, que o erro relevante tenha de ser apurado concretamente, coisa que a requerente não alega porque, flui daquilo que expõe, tal não teve lugar. O que põe em cheque a sua pretensão. Mesmo no que toca ao prazo razoável, há-de haver uma apreciação concreta. É que só assim é possível apurar a existência ou não do mau serviço (ou da conduta culposa necessária). Citando outrossim o Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 24-03-2011), “a determinação da razoabilidade do prazo não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente”. Ora nada disto foi efectuado. Não são, pois, alegados factos concretos que consubstanciem o alegado fumus, i. é, a aparência do direito, da requerente. O que esta pretende é que, em sede cautelar, o Tribunal formule um juízo sobre o acerto de uma outra acção e procedimento a que alude. O que seria, porém, extemporâneo e inadequado; e ao arrepio da lei expressa referida supra. * A requerente argumenta que, por virtude dos alegados erros e demoras, incluindo omissões, a promitente compradora desinteressou-se do negócio e abandonou a obra, pelo que foi notificada (a requerente) pelos serviços camarários para executar obras de modo a evitar o deslizamento de terras. Notar-se-á que dificilmente se concebe o nexo entre a demora na prolação da decisão – e eventuais decisões erradas, na perspectiva da recorrente – e o perigo de deslizamento de terras. E com efeito a requerente acaba por se apoiar na intervenção da promitente compradora, que teria alisado e removido terras, obviamente sem assegurar que os terrenos limítrofes permaneceriam em segurança. O que mostra desde logo que não é pela eventual demora que existiria o perigo, mas pela intervenção não sustentada do terceiro. Não se descrevem, destarte, factos que consubstanciem o perigo decorrente da demora e que permitam imputá-lo à conduta do requerido. Isto não é suprido pela notificação que diz ter recebido do Município de Cascais para proceder à execução de obras de modo a suster o deslizamento de terras do lado norte. De todo o modo é certo que, ao contrário do que pretende, sem a revogação da decisão recorrida e a apreciação dos alegados erros e atrasos, e tanto mais que a própria demora na prolação da decisão só por si não é susceptível de criar perigo, havendo a montante a intervenção de um terceiro que terá alterado o terreno através da remoção de terras, não se vislumbra a probabilidade de a acção proceder. Pelo que não faria sentido a admissão do procedimento cautelar, já que o seu problema não é de falta de prova mas de condições de viabilidade que acarreta a manifesta improcedência do pedido (art.º 234/4/b e 234-A/1). Conclui-se, deste modo, que a decisão recorrida não merece censura, improcedendo o recurso. * * III. DECISÃO Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e consequentemente mantém a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo porém do apoio judiciário. Lisboa, 8 de Março de 2012 Sérgio Almeida Lucia Sousa Farinha Alves -------------------------------------------------------------------------------------- [1] Neste sentido cfr. o ac. da Relação de Lisboa de 12-01-2010, processo 813/09.8TYLSB-B.L1-71: “nos procedimentos cautelares previstos em termos de direitos de propriedade industrial, são requisitos da respectiva procedência, a existência provável do direito, no caso de situações de violação iminente do direito, a exigência da ocorrência de uma lesão grave e de difícil reparação, e para as situações em que haja violação, o perigo da continuação, ou repetição”. [2] A iminência de lesão (ou a sua reiteração) envolve, a nosso ver, uma ideia de periculum in mora. Convergindo, o acórdão desta Relação de 17-06-2008, processo 1388/2008-7 refere que “As providências cautelares visam combater o periculum in mora, devendo o mesmo apresentar-se como evidente e real, impondo uma avaliação ponderada da realidade”. [3] Sobre a noção de lesão grave e de difícil reparação, nomeadamente à luz de critérios subjectivos (a possibilidade concreta de o requerido suportar economicamente a reparação) ou objectivos (que se prende com o tipo de dano, a possibilidade de existir reconstituição natural ou mera compensação) cf. Rita Lynce Faria, op. cit., 59 e ss. [4] E conclui: “II - Nestas circunstâncias a providência não poderia ser decretada, desnecessária se tornando a apreciação dos outros requisitos de que dependia o seu decretamento” [5] Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar não Especificada, Univ. Cat. Edit., 2003, 32. [6] Neste sentido cf. Lebre de Freitas e out., Código de Processo Civil Anot., Coimbra Edit., vol. II, 6. [7] Rita L. faria, op. cit., 55 [8] Que operou, como notava o Sr. Presidente da Republica na mensagem à Assembleia da Republica de 24.08.2007, “uma autêntica mudança de paradigma no quadro da responsabilidade extracontratual do Estado”. [9] Como dizia o acórdão do STA de 15.10.1998, in Justiça Administrativa, n.º 17. [10] Como diz o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-09-2009, “Para que não se corra o perigo de entorpecer o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova. Certo, ainda, que nesta perspectiva, o sistema de recursos, e a hierarquia dos instâncias, contribuem, desde logo, para o sucessivo aperfeiçoamento da decisão, reduzindo substancialmente a possibilidade de uma sentença injusta”. [11] Apud www.dgsi.pt. Quando não se referir a sua fonte deve entender-se que é esta. [12] No que está, aliás, muito bem acompanhado. Efectivamente, muitas das áreas do saber de conteúdo técnico não o são, caracterizando-se por uma dose de subjectividade – ou, porventura com maior rigor, porque mesmo aqui há regras e limites, de inter-subjectividade – válida, como é o caso da Medicina (por todos cf. Duarte Nuno Vieira e José Alvarez Quintero, Aspectos práticos da avaliação do dano corporal em Direito Civil, 67, Biblioteca Seguros, n.º 2, Junho de 2008). |