Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
63737/22.7YIPRT.L1-2
Relator: SUSANA MARIA MESQUITA GONÇALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
FORMALIDADE AD PROBATIONEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I - Da conjugação dos art.ºs 6º, n.º 1 e 7º n.ºs 1, 4 e 5, do DL 359/91 de 21/09 (aplicável ao caso), decorre que a exigência de forma escrita do contrato de crédito ao consumo constitui uma formalidade ad probationem, dado que é facultado ao consumidor provar a existência do contrato por qualquer meio de prova.
II - Não tendo sido junto o documento de celebração do contrato de crédito, no qual terão sido fixadas as taxas de juros aplicáveis, e constituindo a exigência da forma escrita uma formalidade ad probationem, o Autor apenas poderia lograr provar a celebração do contrato e as taxas de juros acordadas mediante confissão do Réu, judicial ou extrajudicial, face ao que determina o art.º 364º, n.º 2, do CC, sendo irrelevante a prova testemunhal e a junção de extratos de conta para provar a celebração do contrato de crédito ao consumo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
Banco, S.A. intentou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato que se iniciou como procedimento de injunção contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia total de 14.950,82 €, sendo: 9.089,05 €, referente a capital em dívida, 5.491,47 €, referente a juros vencidos, 217,30 €, referente a outras quantias e 153,00 €, referente a taxa de justiça paga.
Alega, para tanto, que celebrou com o Réu um contrato de utilização de cartão de crédito, que este utilizou, ficando por regularizar, em 30.05.2020, o valor de capital de 8.638,55 €. A este valor acrescem juros contratuais vencidos e vincendos à taxa anual de 27,200%, acrescida da sobretaxa de 3,00%. Celebrou ainda com o Réu um contrato de abertura de conta à ordem, na qual foi autorizado um descoberto, que o réu não regularizou, ficando em dívida, em 17.05.2020, o montante de 450,50 €.
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Citado, o Réu deduziu oposição, pugnando pela improcedência da ação.
Invoca a ineptidão do requerimento inicial e impugna a factualidade alegada pelo Autor.
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O Autor respondeu à exceção invocada, concretizou os termos dos contratos invocados, juntou os respetivos extratos bancários e alegou factos referentes à integração do Réu em PERSI.
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Por despacho de 08.11.2023, considerou-se (…), S.A. habilitada a prosseguir nos presentes autos, em substituição do Autor.
No mesmo despacho, julgou-se improcedente a exceção de ineptidão do requerimento inicial.
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Realizada a audiência final foi proferida sentença, cujo segmento decisório se reproduz:
IV. Dispositivo
Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena o réu no pagamento ao autor da quantia de € 8.638,55 (oito mil seiscentos e trinta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor de 4%, desde a data da interpelação, 29.07.2020, e até efetivo e integral pagamento.
- Absolve o réu do demais peticionado.
Custas a cargo de autor e réu na proporção do respetivo decaimento (artigo 527º, n.º s 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Fixo o valor da causa em €14.797,82 (artigo 306º do Código de Processo Civil).
Registe e Notifique”.
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Não se conformando com essa sentença o Autor dela veio recorrer, formulando as seguintes conclusões:
“(…)
I – Foi incorretamente julgado como “provado” que entre autor e réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito, em 10.01.2003, nos termos do qual foi atribuído ao réu um cartão de crédito (…) GOLD VISA, referente à conta crédito n.º (…), que este utilizou. (ponto de facto 1 de A – Matéria de Facto Provada).
II – Quanto aos meios probatórios que impunham – e impõem – decisão distinta: cabia ao A., por força da impugnação vertida na oposição, nos termos do artigo 342º, do CC, (...) demonstrar a celebração dos contratos com o réu e respetivos termos, bem como a disponibilização dos valores peticionados; e caberia ao réu demonstrar qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Para prova destes factos, o autor limitou-se a juntar os extratos bancários e as cartas de interpelação do réu, bem como de inserção e extinção do PERSI. Juntou ainda, em sede de audiência, um contrato de crédito celebrado com o réu, que, contudo, não corresponde a qualquer dos contratos alegados nos presentes autos. – lê-se na sentença recorrida; baseou-se o Tribunal a quo no depoimento da testemunha e nos documentos n.ºs 1 a 3, concluindo que analisados os extratos juntos (documentos n.ºs 1 a 3) é possível verificar a existência de um contrato de utilização de crédito, a sua utilização pelo réu, bem como os valores não regularizados, porém, dos extratos não resultam as condições de restituição, prestações ou taxas de juros acordadas entre as partes. Nestes termos, não tendo sido junto o contrato celebrado, nem tendo a testemunha apresentada prestado qualquer esclarecimento quanto aos termos do contrato, apenas foi possível considerar provados os factos n.ºs 1 e 2, considerando-se como não provado o facto n.º 1.
III – O ponto de facto feito constar em 1 decorre da alegação feita em injunção pelo A. e impugnada pelo R.: O Requerente é titular de um saldo credor em capital sobre o Requerido AA no valor de € 8.638,55, decorrente da utilização do cartão de crédito “(…) Gold Visa”, por este solicitado aos 10/01/2003, referente à Conta-Cartão/Contrato n.º (…) e reforçada no requerimento de 17.04.2023 A origem do crédito reclamado: Utilização do cartão de Crédito (…) GOLD VISA, referente à conta crédito n.º (…), solicitado em 10/01/2003, acrescido dos respetivos juros moratórios, a cujo pagamento está obrigado.
IV – Antes de mais, importa salientar as diferenças entre a alegação do A. e a formulação do Tribunal: o A. afirma ser titular de um saldo credor em capital sobre o requerido ...), decorrente da utilização do cartão de crédito “(…) Gold Visa”, (...) solicitado, pelo requerido (aqui recorrente) a 10.01.2003 (...); já o Tribunal a quo escreveu que foi celebrado em 10.01.2003 um contrato de utilização de cartão de crédito e que no âmbito deste contrato celebrado a 10.01.2003, foi atribuído um cartão de crédito (...) que este utilizou.
O A. não alega a data de celebração do contrato, nem que foi o R. quem utilizou o cartão de crédito, alega a utilização, mas não alega a utilização pelo R.. Atribuir e solicitar têm também significados distintos – mormente por força do sujeito da ação – com efeitos jurídicos distintos. Sem prejuízo, o ponto de facto agora em causa é: entre autor e réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito, em 10.01.2003, nos termos do qual foi atribuído ao réu um cartão de crédito (…) GOLD VISA, referente à conta crédito n.º (…), que este utilizou.
V – A testemunha – BB - Depoimento gravado no sistema médio habilus studio (início 10:21, termo 10:26) disse o seguinte:
(...)
Meritíssima Juíza (Mma. Juíza) – sabe o que está aqui em causa? [00:25]
Testemunha (T) – sim.
(...)
Mma. Juíza - Trabalha para que empresa, para que entidade?
T – Banco.
Mma. Juíza - Quais são exatamente as suas funções e desde quando trabalho no Banco?
T - Eu sou gestora 360.º, e trabalho desde 2011.
Mma. Juíza - Muito bem, conhece o Réu, nesta ação, AA?
T - Sim, conheço.
Mma. Juíza - Conhece de que circunstâncias? Tem alguma relação profissional, pessoal, ou outra com o réu?
T - Profissional, foi meu cliente, alguns anos já.
Mma. Juíza - Conheceu pessoalmente, ou conhece apenas no processo junto do Banco?
T - Pessoalmente, sim, ele frequentava o balcão.
Mma. Juíza - Muito bem, jura dizer a verdade (...)
(...)
Mandatária do A. (MA) – (...) pode dizer-nos se durante a sua relação com o réu, se o Sr. AA era uma pessoa acessível, de trato fácil, o que é que nos pode dizer quanto a este senhor?
T - Sim, sim, relativamente, sim.
MA - E alguma vez o Sr. AA, nós sabemos que estamos aqui devido a uma dívida, mas alguma vez, recorda-se, de o Sr. AA ter, ter-se dirigido ao Balcão tendo em vista a regularização desta situação, procura de soluções alternativas para regularização deste crédito?
T - Eu recordo-me que ele uma vez contactou-me, porque tinha sido contactado pela recuperação de crédito, a questionar-me se seria normal, essa situação. Recordo que disse que sim, que era normal ser contactado pela recuperação, dado que estava um valor em dívida, sim, recordo-me dessa situação em particular, sim.
MA - E do que sabe, esse mesmo valor comunicado pela recuperação, permaneceu em dívida?
T - É que nós a partir, desde que passa para recuperação deixa de estar no pelouro do balcão, nós deixamos de ter acesso a esse tipo de informações, a esses contactos.
Mandatária do R. (MR) - (...) Estamos a falar de que contrato?
Testemunha - De?
MR - De que contrato como assim?
Testemunha – da dívida?
MR – (...) Parece que há uma dívida, não é? Mas essa dívida vem de que contrato?
T – Eu agora já não tenho presente, já foi há muito tempo, mas salvo erro seria um crédito pessoal, um cartão de crédito, não sei se solução ordenado, não tenho presente, já (impercetível)
MR - Não sabe de que contrato estaremos a falar aqui?
T - (...) foi contactado pela recuperação?
MR - Na sua relação com o cliente, sabe que contrato celebrou, que contratos (sobreposição)?
T - Ele tinha contrato de crédito, tinha crédito pessoal e uma solução ordenado, teve, em tempos, agora o contrato em específico que passou para a recuperação não sei.
MR - Portanto não sabe de que dívida é que estamos a falar?
T - Não.
(...)
Mma. Juíza - (...) quem é que remete o processo para a recuperação?
T - É automático.
Mma. Juíza - É automático. Então destas três situações, cartão de crédito, crédito pessoal esta solução ordenado (...) pode levar a um descoberto?
T - Sim, exato.
Mma. Juíza - Não sabe, em concreto, valores que estavam, em dívida em relação a isto nem qual era exatamente a situação que terá sido remetida a recuperação?
Não. [4:22]
VI – Ponto assente que os contratos alegados nos presentes autos, não foram juntos. Resulta também do depoimento da testemunha que, do que sabe, poderão ter sido celebrados, 3 contratos entre A. e R., primeiro não tem presente o da conta ordenado, depois já afirma ter existido, quanto à dívida não sabe, sabendo apenas que há muito tempo foi contactada pelo R. questionando-a sobre ser normal ser contactado pela recuperação de crédito. Ora, a testemunha desconhece o contrato em causa nos autos, não afirmou ter sido celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito – nem, a ter sido, em que data –, se o R. solicitou, ao abrigo desse contrato um cartão de crédito, não falou em data alguma, nem em número de conta algum, nem de um saldo credor, nem de um saldo devedor. Ele tinha contrato de crédito, tinha crédito pessoal e uma solução ordenado, teve, em tempos, agora o contrato em específico que passou para a recuperação não sei – disse, como supra transcrito.
VII – Os documentos não demonstram diferente:
1/ O documento n.º 1:
a) é um extrato conta cartão, referente à conta cartão (…) que data de 08.04.2020 e que menciona um saldo devedor de 8.990,15 €;
b) quanto a informação para pagamento diz: Débito na Conta D.O. Nº (…).
c) indica como limite de cartão de crédito 8.750,00€, não obstante apresentar um saldo devedor de 8.990,15€;
d) contém também o que é apelidado de detalhe de movimentos, onde se encontram incluídos juros – TAXA DE JURO ANUAL NOMINAL: 27,200% TAXA EDE JURO APLICADA: 2,342%;
e) como data de início do incumprimento menciona 30.03.2020 e como n.º de dias de incumprimento 9;
f) indica como capital em dívida 8.730,00€, juros do mês 189,54 €, juros de mora 6,07€ o mais juros e comissões;
g) conclui como capital e dívida após pagamento (embora não se perceba qual) 8.670,03€, e
h) a única data de subscrição que aparece data de 2010.
2/ O documento n.º 2 é essencialmente igual ao documento n.º 1, embora datado de 08.05.2020 e com outras informações sobre o incumprimento:
a) não apresenta movimentos, sem ser pagamento e juros TAXA DE JURO ANUAL NOMINAL: 27,200% TAXA DE JURO APLICADA: 2,266%.
b) apresenta como saldo em dívida à data do extrato atual 8,869,01€.
c) faz referência a forma de pagamento débito na conta D.O.. n.º (…), e
d) quanto à informação sobre incumprimento, o montante total é de 344,69 € e o número de dias 30.
3/ O mesmo se diga quanto ao documento n.º 3, que data de 26.05.2020. Com um alerta sobre a ida para a área de recuperação de dívidas do grupo (...) e informação sobre o bloqueio do cartão:
a) nos movimentos juros do mês 117,48€;
a) data de início do incumprimento 08.04.2020;
b) n.º de dias do incumprimento 48;
c) montante total em incumprimento 9.030,97 €;
d) capital 8.638,55 €;
e) comissões 40,29 €;
f) juros remuneratórios 313,29 €;
g) juros moratórios 0,33 €, e
h) impostos 38,51 €.
Ora, dos documentos juntos, não se pode concluir como provado que entre autor e réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito – este dado não resulta dos extractos juntos, dado que não foi corroborado por qualquer outra prova – aliás a testemunha não conhecia a dívida em causa nos autos, o contrato ou contratos em causa nos autos, nem que dívida teria ido para recuperação, mesmo que dali resultasse a celebração entre A. e R. de um contrato de utilização de cartão de crédito, não tem como resultar que tal contrato de utilização de cartão de crédito foi celebrado entre A. e R. em 10.01.2003, – porquanto a data 10.01.2003, não aparece mencionada em qualquer um deles, nem tal data resulta do depoimento prestado pela testemunha – nem que nos termos desse contrato [do qual] tenha sido fosse o que fosse, porquanto os termos do contrato são, como a própria sentença indica absolutamente desconhecidos [Nestes termos, não tendo sido junto o contrato celebrado, nem tendo a testemunha apresentada prestado qualquer esclarecimento quanto aos termos do contrato], nomeadamente, a atribuição ao réu um cartão de crédito (…) GOLD VISA, referente à conta crédito n.º (…), e que por sua vez o R. utilizou o cartão.
VIII – Porque toda a matéria foi impugnada, cabia designadamente ao A. demonstrar que o R. tinha solicitado o dito cartão de crédito, o que não foi feito, nem resulta dos “extratos”, nem do depoimento da testemunha.
Não há prova da celebração do contrato, não há prova da disponibilização do montante de crédito, nem se a totalidade desse crédito foi disponibilizada de uma só vez, se houve aditamento ao contrato inicialmente celebrado (que não se sabe qual), se houve, de facto utilização do cartão pelo. R., se pelo A., e a que título, não havendo indicação de movimento, há juros do mês.
IX – [decisão que deveria – e deve – ser proferida] Considerando os elementos probatórios supra referidos e constantes dos autos, a alegação do A. teria de ser excluída da matéria de facto provada, aditando-se à matéria de facto não provada o ponto seguinte:
3 – “O A. é titular de um saldo credor em capital sobre o Requerido AA no valor de € 8.638,55, decorrente da utilização do cartão de crédito “(…) Gold Visa”, por este solicitado aos 10/01/2003, referente à Conta-Cartão/Contrato n.º (…).
X – Foi incorretamente julgado como “provado” que: E virtude desta utilização, em 08.04.2020, encontrava-se por regularizar o montante de €8.638,55 de capital. (ponto de facto 2 de A – Matéria de Facto Provada).
XI – Quanto aos meios probatórios que impunham – e impõem – decisão distinta: cabia ao A., por força da impugnação vertida na oposição, nos termos do artigo 342º, do CC, (...) demonstrar a celebração dos contratos com o réu e respetivos termos, bem como a disponibilização dos valores peticionados; e caberia ao réu demonstrar qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Para prova destes factos, o autor limitou-se a juntar os extratos bancários e as cartas de interpelação do réu, bem como de inserção e extinção do PERSI. Juntou ainda, em sede de audiência, um contrato de crédito celebrado com o réu, que, contudo, não corresponde a qualquer dos contratos alegados nos presentes autos. – lê-se na sentença recorrida. Assim, para ponto de facto feito constar em 2 de A-Matéria de Facto Provada serviu de prova os documentos n.ºs 1 a 3 e o depoimento da testemunha.
XII – Por não poder resultar provado que foi celebrado um contrato, numa data determinada, entre partes também elas determinadas, que foi disponibilizado um montante também ele determinado e que foi utilizado pelo R. esse montante e que o R. estava obrigado a restituir esse montante e em que termos, como se pode concluir por um montante em dívida a uma data determinada e que – tendo sido impugnada a dívida – tal dívida permaneça atual? Recorde-se que a testemunha não sabia sobre se estava em dívida valor algum.
MA - E do que sabe, esse mesmo valor comunicado pela recuperação, permaneceu em dívida?
T - É que nós a partir, desde que passa para recuperação deixa de estar no pelouro do balcão, nós deixamos de ter acesso a esse tipo de informações, a esses contactos.
(...)
MR - Portanto não sabe de que dívida é que estamos a falar?
Não.
(...)
Mma. Juíza - Não sabe, em concreto, valores que estavam, em dívida em relação a isto nem qual era exatamente a situação que terá sido remetida a recuperação?
Não. [4:22]
XIII – Mas mesmo que fossem considerados válidos, por si só, tais extratos, não tinha o Tribunal a quo como concluir o valor de capital em dívida à data de 08.04.2020, uma vez que não há congruência entre os documentos, o documento n.º 2 menciona o valor total do incumprimento, a 08.04.2020, em 344,69 €, (menciona também um pagamento) e o documento n.º 3, para efeitos de mora considera o valor de 431,93 €. Mais, se decorresse – embora não decorra – que se encontrava (pretérito imperfeito) por regularizar o montante de €8.638,55 de capital, não há elementos que corroborem a existência de uma dívida à data de hoje desse montante. Mais ainda, considerando que os extratos mencionam juros do mês tendo sido o R. absolvido da parte não correspondente a capital, face designadamente ao ponto de facto feito constar de 1 de B – Matéria de Facto Não Provada (sem ter sido alegada nem demonstrada a capitalização de juros) - no contrato de utilização de cartão de crédito identificado em 1), autor e réu acordaram que ao capital em dívida acresciam juros à taxa anual de 27,2%, acrescida de uma sobretaxa de 3% em caso de mora – não podia considerar-se aquele montante porquanto inclui “taxas anuais não provadas” - o que aparece em comum nos documentos 1 a 3.
XIV – Sem prejuízo, vejamos os montantes mencionados nos documentos acolhidos para este efeito pelo Tribunal a quo, sem prejuízo do que infra se dirá quanto aos restantes:
a) Doc. 1 capital em dívida 8.730,38 € e 8.670,03€
b) Doc. 2 capital em incumprimento 344, 69 € [montante total em incumprimento 345,28€]
c) Doc. 3 capital 8.638,55 € [montante total em incumprimento 9.030,97€]
1/ Entre o documento 2 e o documento 3 há uma discrepância gigante, quando ambos os documentos mencionam como data de incumprimento 08.04.2020. Não há razão para o Tribunal a quo respeitante à mesma data considerar o valor de capital 8.638,55 € (sobretudo quando dá como não provado que no contrato de utilização de cartão de crédito identificado em 1), autor e réu acordaram que ao capital em dívida acresciam juros à taxa anual de 27,2%, acrescida de uma sobretaxa de 3% em caso de mora), nem há fundamento para considerar que é esse o valor que fica fixado para o futuro. Recorde-se que a testemunha sabia absolutamente coisa alguma sobre os contratos celebrados, e qual ou quais estariam em causa nos autos e sequer se atualmente existia dívida.
XV – Ainda quanto à data onde o Tribunal a quo situa o incumprimento, tal facto não é alegado pelo A., aliás, falha o A. em dizer quando foi que o R. incumpriu e mesmo que o R. incumpriu, o que, afirmando o Tribunal a quo que não estão demonstrados os termos do contrato, nem sequer se podia considerar a obrigação de um qualquer cumprimento, por não estar alegada, nem demonstrada, qualquer obrigação, nem qualquer dever de qualquer uma das partes.
XVI – A data do incumprimento não é, em momento algum, alegada pela A., nem em sede injunção, nem em sede de requerimento apresentado em 17.04.2023. Não só não é alegado como período a que respeita é situado, em sede de injunção pela A., entre 30.05.2020 e 17.05.2020, os juros devidos alegadamente a partir de dia 30.05.2020 – vide injunção – e no requerimento de 17.04.2023 [ref.ª 35710194] os juros também nesse período, mas depois em b) O pedido: pedido fala em 18.05.2020 [Condenação do Réu no pagamento da quantia, em capital, de € 8.638,55, acrescida dos respetivos juros vencidos e vincendos devidos desde 18/05/2020, às taxas de juro contratualmente fixadas - 27%, acrescida da sobretaxa de mora de 3% - e do imposto do selo incidente sobre o crédito de juros]. Não se compreende, nem há fundamento, nem tão pouco há alegação.
XVII – [A decisão que deveria – e deve – ser proferida:] Considerando as contradições, a falta de alegação de incumprimento e das data de incumprimento, a violação do que foi introduzido pelo Tribunal a quo como ponto de facto 2 da matéria de facto não provada e os elementos probatórios supra referidos e constantes dos autos, a não alegação do A. vertida no ponto 2 da matéria de facto provada, teria de ser excluída da matéria de facto provada aditando-se à matéria de facto não provada o ponto seguinte: 4. E virtude desta utilização, em 08.04.2020, encontrava-se por regularizar o montante de €8.638,55 de capital.
XVIII – Foi incorretamente julgado como “provado” que: O autor remeteu ao réu carta datada de 29.07.2020, em que o informou que, “este contrato de (…) GOLD VISA, do qual é Titular, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 9.117,680 € calculado à data de 07/06/2020”, e que, “para não se agravar ainda mais o valor em dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em incumprimento” (ponto de facto 3 de A – Matéria de Facto Provada).
XIX – Quanto aos meios probatórios que impunham – e impõem – decisão distinta: Considerou o Tribunal a quo que este ponto resultava suficientemente demonstrado dos documentos n.ºs 4 a 10 juntos com o requerimento de 17.04.2023, tendo o A. remetido quanto à alegação ali transcrita [(…) encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 9.117,680 € calculado à data de 07/06/2020”] para o documento n.º 4. O ponto de facto feito constar em 3 de A – Matéria de Facto Provada decorrerá da alegação vertida no requerimento de 17.04.2023 onde se lê:
Por seu lado, verificado o incumprimento, o Banco Autor, por sua iniciativa e por via de carta datada de 29/05/2020 informou o Réu que, o “este contrato de (…) GOLD VISA, do qual é Titular, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 9.117,680 € calculado à data de 07/06/2020”, mais tendo dito que, “para não se agravar ainda mais o valor em dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em incumprimento”. Acontece que, como salientado pelo R., não só não há alegação do envio da carta, nem da forma, nem de quando o teria sido (data da carta e data de envio, geralmente nos Bancos, não são coincidentes), como não há relação entre o contrato e entre os valores mencionados no documento n.º 4 e o contrato alegado em sede de injunção e em sede desse mesmo requerimento.
XX – No documento junto sob o n.º 4 lê-se: Lisboa, 29 de maio de 2020 (…) Valor do contrato 9.030, 97 € (…) Assunto: regularização do contrato 240(…).
No texto lê-se este contrato, pronome que só se pode referir ao contrato identificado naquele mesmo documento 240(…) e que não é, em momento algum, invocado em qualquer peça apresentada pelo A. (nem na injunção, nem no requerimento de 17.04.2023), contrato que também não é referido no ponto de facto que menciona o contrato em causa nos autos contrato n.º 262(…) [que de acordo com os extratos em que se suportou o Tribunal a quo para considerar a celebração do contrato que menciona (n.º 262(…)), o valor do contrato celebrado na data que menciona (10.01.20023) seria de 8.750,00€.
XX – Não tinha o Tribunal a quo como, face à prova produzida e existente nos autos, considerar que se trata do mesmo contrato. A data 29.07.2020 não aparece neste documento, nem na alegação de facto. Acresce que o que o A. alega é por carta datada e não que, nessa data a remeteu. Aliás, o A. não alega ter enviado a carta, alega apenas e tão só que informou o Réu, não indica quando. Mais, a simples junção do documento com indicação de remetente e destinatário não faz prova do seu envio, como salientado em sede de alegações pelo R., ao que se alia o facto de não ter sido invocada convenção de domicílio e ainda a inexistência do conhecimento dos termos do contrato.
XXI – De salientar que o R. impugnou tudo em sede de injunção e que, não obstante não terem sido impugnados os documentos juntos, tal não significa que a alegação na qual o A. remete para tais documentos seja considerada não impugnada, mormente face ao vertido no art.º 574.º do CPC.
XXII – [A decisão que deveria – e deve – ser proferida:] Considerando as contradições, a oposição generalizada vertida na oposição e o disposto no art.º 574.º do CPC, os elementos probatórios supra referidos e constantes dos autos, a não alegação do A. do incumprimento, nem demonstração do contrato mencionado no documento n.º 4, e o depoimento da testemunha, e bem assim a não alegação do A. sobre o momento em que informou o Réu, a alegação vertida no ponto 3 de A - Matéria de Facto Provada, teria de ser excluída da matéria de facto aditando-se à matéria de facto não provada o ponto seguinte: O autor remeteu ao réu carta datada de 29.07.2020, em que o informou que, “este contrato de (…) GOLD VISA, do qual é Titular, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 9.117,680 € calculado à data de 07/06/2020”, e que, “para não se agravar ainda mais o valor em dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em incumprimento”.
XXIII – Foi incorretamente julgado como “provado” que: O autor por carta datada de 29/05/2020, comunicou a integração do réu no PERSI. (ponto de facto 4 de A – Matéria de Facto Provada).
XIX – Quanto aos meios probatórios que impunham – e impõem – decisão distinta: O ponto de facto feito constar em 4 de A – Matéria de Facto Provada decorrerá da alegação vertida no requerimento de 17.04.2023 onde se lê: Nessa mesma data, 29/05/020, comunicou a integração do ora Réu no PERSI – cfr. doc. 5 que se junta. Como começa o Tribunal a quo por afirmar e como o R. alegou em sede de oposição e em sede de audiência de discussão e julgamento: é ao A. que incumbe alegar os factos constitutivos do seu direito [art.º 5.º do Código de Processo Civil (CPC)], e por força da impugnação do R., de os demonstrar [art.º 342.º do Código Civil (CC) e 574.º do CPC]. O ónus é seu. Mais a livre apreciação da prova pelo Tribunal encontra limitações: O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. (art.º 607.º, n.º 5 do CPC). Considerou o Tribunal a quo que este ponto resultava suficientemente demonstrado dos documentos n.ºs 4 a 10 juntos com o requerimento de 17.04.2023, referindo-se, considerando a alegação feito pelo A., a este ponto de facto feito constar como “provado”, o documento n.º 5.
XXX – Acontece que, como salientado pelo R., não há relação entre o contrato e entre os valores mencionados no documento n.º 5 e o contrato alegado em sede de injunção e em sede desse mesmo requerimento.
No documento junto sob o n.º 5 lê-se: Lisboa, 29 de maio de 2020 (…) Valor do contrato 9.030, 97 € (…)
Assunto: INTEGRAÇÃO NO PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
Contrato n.º 240(…)
(...) cujo pagamento se encontra em atraso, pelo que conforme previsto DL (...) acompanhará o Procedimento extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, no qual se encontra integrado desde 30.05.2020.
XXXI – Em 29.05.2020 o A. comunicou ao R. que se encontra integrado desde o dia seguinte à data da comunicação? Integrado desde 30.05.2020 tem de se reportar a uma data anterior à data a que se está a um momento que já aconteceu. Não se trata do mesmo contrato. O contrato em causa nos autos tem outro número e não foi feita qualquer correspondência, nem em sede de alegação, nem em sede de prova que ao mesmo contrato tenham sido atribuídos dois números o que, face às regras da experiência comum, também resulta inverosímil, porquanto os contratos têm um número só e é sempre o mesmo. Não havendo correspondência entre os contratos – sendo certo que se trata de uma condição de prosseguimento da ação judicial com vista à cobrança de crédito, cuja ausência constitui impedimento legal a que a instituição de crédito / credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito – não podia ser considerado para o contrato em causa nos autos, uma integração no PERSI respeitante a outro contrato. Mais ainda quando a testemunha indica que foi celebrado (sem saber quando, como nem porquê) mais do que um contrato entre A. e R.. Ignorou o Tribunal a quo as exigências legais para a integração no PERSI (mormente, arts. 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25/10).
XXXII – O A. não afirma ter remetido a carta, nem afirma ter sido naquela data, limita-se a dizer que por carta datada de 29.05.2020, comunicou. Não menciona por que via, nem quando. E mesmo que tivesse alegado ter enviado a comunicação não podia ter comunicado naquela data, porquanto o envio e a receção – não alegadas, nem demonstradas – não poderiam ter ocorrido na mesma altura. Falha o A. em demonstrar o seu envio, muito mais a sua receção, pelo que não pode ser considerado ter sido feita uma comunicação quando nem tão bom o A. diz que a envia. A testemunha, quando confrontada com o encaminhamento para recuperação de crédito, menciona ser automático. Ora, a remessa para a recuperação de créditos poderá ser automática – fazendo fé no que disse a testemunha, porém a emissão das cartas poderá ou não ser automática, contudo tal não indica, nem indicia que tenham sido remetidas.
XXXIII – No que respeita à integração no PERSI cita-se a lei interpretada pelos Tribunais que corrobora a posição do recorrente:
I - A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
II- Assim como constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito.
III – De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI.
IV – O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas).
V – As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do dito DL 227/2012, de 25/10 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do C.Civil) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação).
VI – Acresce que é critério legal, acautelado no art.º 607º, n.º 5 do N.C.P.Civil, que também é vedado ao juiz declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita.
Nos termos do estatuído no art.º 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, a alegação, e inerente prova, de integração – que é obrigatória - de cliente bancário ou parabancário em PERSI, constitui uma condição de prosseguimento da ação judicial com vista à cobrança de crédito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
I - A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art.º 576.º, n.º 2, do CPC).
II - Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art.º 362.º do CC.
III - Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respetiva receção pela executada;
IV - A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e receção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.
V - Consequentemente, o conhecimento imediato da referida exceção dilatória em fase de saneador com fundamento de que tal factualidade – o envio da carta de comunicação de integração no PERSI – não pode ser feita com recurso à prova testemunhal impede a possibilidade de a respetiva parte poder fazer a prova da sua alegação.
XXXIV – [a decisão que deveria – e deve – ser proferida:] Considerando os elementos probatórios supra referidos e constantes dos autos, a não alegação do A. do contrato mencionado no documento, nem demonstração do contrato mencionado no documento n.º 5, o depoimento da testemunha, a incoerência das datas e valores, e bem assim a não alegação do A. sobre a forma como comunicou, a alegação vertida no ponto 4 da matéria de facto provada, teria de ser excluída da matéria de facto provada, aditando-se à matéria de facto não provada o ponto seguinte: 6. A integração do cliente bancário no PERSI e respetiva comunicação.
XXXV – Foi incorretamente julgado como “provado” que: Por carta datada de 28/08/2020, o autor comunicou ao réu a extinção do PERSI. (ponto de facto 5 de A – Matéria de Facto Provada).
XXXIX – Quanto aos meios probatórios que impunham – e impõem – decisão distinta: O ponto de facto feito constar em 5 de A – Matéria de Facto Provada decorrerá da alegação vertida no requerimento de 17.04.2023 onde se lê: E mediante carta datada de 28/08/2020, comunicou-lhe a extinção do PERSI – cfr. doc. 8 que se junta.
XL – Considerou o Tribunal a quo que este ponto resultava suficientemente demonstrado dos documentos n.ºs 4 a 10 juntos com o requerimento de 17.04.2023, remetendo o A. quanto a esta alegação/ponto de matéria de facto para o documento n.º 8. Acontece que, como salientado pelo R., não há relação entre o contrato e entre os valores mencionados no documento n.º 8 e o contrato alegado em sede de injunção e em sede desse mesmo requerimento. No documento junto sob o n.º 8 lê-se: Lisboa, 28 de agosto de 2020 (…) Valor do contrato 9.030, 97 € (…)
Assunto: Extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI)
Contrato n.º 240(…)
XLI – Não se trata do mesmo contrato. O contrato em causa nos autos tem outro número e não foi feita qualquer correspondência, nem em sede de alegação, nem em sede de prova, nem tal coincidência resulta das regras da experiência comum, antes pelo contrário. Não havendo correspondência entre os contratos, não pode ser considerado para o contrato em causa nos autos, uma integração e extinção de PERSI respeitante a outro contrato. Mais ainda quando a testemunha indica que foi celebrado (sem saber quando, como, nem porquê) mais do que um contrato entre A. e R.. Sendo que a lei estabelece para a integração e extinção do PERSI regras claras – vide jurisprudência supra citada que aqui se dá por integralmente reproduzida, remetendo-se e reproduzindo-se igualmente para/as normas jurídicas ali citadas, designadamente para os arts. 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25/10.
XLII – O A. não afirma ter remetido a carta, nem afirma ter sido naquela data, limita-se a dizer que por carta datada de 28.08.2020, comunicou. Não menciona por que via, nem quando. E mesmo que tivesse alegado ter enviado a comunicação não podia ter comunicado naquela data, porquanto o envio e a receção – não alegadas, nem demonstradas – não poderiam ter ocorrido na mesma altura. Falha o A. em demonstrar o seu envio, e muito menos a sua receção, pelo que não pode ser considerado ter sido feita uma comunicação quando nem tão bom o A. diz que a envia. A testemunha, quando confrontada com o encaminhamento para recuperação de crédito, menciona ser automático, a remessa para a recuperação de créditos poderá ser automática – fazendo fé no que disse a testemunha – a emissão das cartas também o poderá ser, contudo tal não indica, nem indicia que tenham sido remetidas. Ao exposto acresce a jurisprudência supra citada que aqui se dá por integralmente reproduzida.
XLIII – [A decisão que deveria – e deve – ser proferida:] Considerando os elementos probatórios supra referidos e constantes dos autos, a não alegação do A. do contrato mencionado no documento, nem demonstração do contrato mencionado no documento n.º 8, o depoimento da testemunha, a incoerência das datas e valores, e bem assim a não alegação do A. sobre a forma como comunicou, e que o R. recebeu tal comunicação e ainda a jurisprudência supra citada, a alegação vertida no ponto 5 da matéria de facto provada, teria de ser excluída da matéria de facto provada, aditando-se à matéria de facto não provada o ponto seguinte:
7. O autor comunicou ao réu a extinção do PERSI.
XLIV – Foi incorretamente julgado como “provado” que: Por carta datada de 28/08/2020, o autor comunicou ao réu a resolução do contrato. (Ponto de facto 6 de A – Matéria de Facto Provada)
XLV – Quanto aos meios probatórios que impunham – e impõem – decisão distinta: O ponto de facto feito constar em 6 de A – Matéria de Facto Provada decorrerá da alegação vertida no requerimento de 17.04.2023 onde se lê: Através de carta datada desse mesmo dia, 28/08/2020, o Banco Autor comunicou a resolução do contrato, mais tendo informado que o cartão “foi cancelado e deixou de poder ser utilizado” – cfr. doc. 9 que se junta. Ora, erradamente, considerou o Tribunal a quo que este ponto resultava suficientemente demonstrado dos documentos n.ºs 4 a 10 juntos com o requerimento de 17.04.2023, referindo-se a esta alegação feita constar como ponto de facto o documento n.º 9.
XLVI – Acontece que, como salientado pelo R., não há relação entre o contrato e entre os valores mencionados no documento n.º 9 e o contrato alegado em sede de injunção e em sede desse mesmo requerimento.
No documento junto sob o n.º 9 lê-se: Data 28.08.2020 (...) Assunto: Resolução do Contrato de Utilização dos Cartões - Contrato N° 460(…) O BANCO vem pela presente comunicar a resolução do Contrato de Utilização dos Cartões, ao abrigo da cláusula com a epígrafe "RESOLUÇÃO" das respetivas Condições Gerais. Mais informamos que, o Cartão supra identificado, associado à conta-cartão, foi cancelado e deixou de poder ser utilizado.
XLV – Poderemos estar a falar de um terceiro contrato. Não há correspondência entre o contrato alegado na injunção, no requerimento de 17.04.2023, nem nos documentos juntos sob os n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 10.
Não se conhece a cláusula invocada no documento, bem forma de a conhecer, porque o contrato nele mencionado não foi junto e não se conhecem os termos. Não há alegação do envio, não há prova de envio, nem de receção, nem sabemos por que via foi enviada, nem por que via deveria ser, ao abrigo do contrato que terá sido celebrado, a comunicação da resolução do contrato. Por correio? Por e-mail? Por fax? Nem se a mesma foi recebida e para ser considerada teria de o ser. O A. não o alega nem o demonstra.
XLVI – Se fosse o mesmo contrato, o bloqueio do cartão teria (segundo extracto apresentado, doc. 3) operado em Maio e não depois de Agosto, uma vez que a data que consta da comunicação não respeita necessariamente à data do seu envio e não respeita, forçosamente, à data da chegada ao destinatário. Há claramente uma confusão e falta de clareza alicerçada na não alegação concreta dos factos constitutivos do [seu] direito, pelo A.. Lamentavelmente, não obstante a contradição e a falta de coerência terem sido invocadas pelo R., o Tribunal a quo optou por ignorar.
XLVII – Não havendo correspondência entre os contratos, não podia ser considerado para o contrato em causa nos autos, que tudo indicia não é o mesmo do documento n.º 9, ter sido resolvido numa data determinada, com base numa cláusula do contrato que terá sido celebrado, mas cujos termos se desconhecem. Não podia ser dado como ponto de facto provado a resolução do contrato – repete-se desconhecendo-se os respetivos termos, a forma como poderia ser resolvido o contrato, e os requisitos para que fosse válida tal resolução.
XLVIII – O A. não afirma ter remetido a comunicação, nem afirma ter sido naquela data, limita-se a dizer que por carta datada de 28.08.2020, comunicou. Não menciona por que via, nem quando. E mesmo que tivesse alegado ter enviado a comunicação, não podia ter comunicado naquela data, porquanto o envio e a receção – não alegadas, nem demonstradas – não poderiam ter ocorrido na mesma altura. Falha o A. em demonstrar o seu envio, pelo que não pode ser considerado ter sido feita uma comunicação quando nem tão pouco o A. diz que a remeteu e falha o A. em alegar/demonstrar a sua receção com dispensa ou não desta prova, consoante os termos do contrato que se desconhecem. A testemunha, quando confrontada com o encaminhamento para recuperação de crédito, menciona ser automático. Ora, a remessa para a recuperação de créditos poderá ser automática – fazendo fé no que disse a testemunha. A emissão das cartas também o poderá ser, contudo tal não indica, nem indicia que tenham sido remetidas. A testemunha não se pronunciou sobre o respetivo envio.
XLIX – Acresce que o A. alega, juntando documento que é considerado para efeitos de prova da matéria de facto, mas que não é apreciado individualmente:
Na ausência da regularização do incumprimento, por carta datada de 26/08/2021, o Banco Autor informou, então, o Réu, designadamente que, “o contrato de (…) GOLD VISA de que e Titular, se encontra já em fase de Contencioso” e que, “deste modo, e a menos que seja efetuado o pagamento do valor em incumprimento de 12.690,41 € calculado à data de 05/09/2021, o contrato em epígrafe considera-se de imediato denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado. Assim, a partir dessa data, será exigido o pagamento da totalidade do seu valor em dívida acrescido de juros vencidos, vincendos e das despesas incorridas.” - cfr. doc. 7 que se junta. (37 do requerimento de 17.04.2023)
O documento n.º 7 referir-se-á a uma carta datada de 26.08.2021.
Por carta datada de 26.08.2021 teria sido – a valer o raciocínio do Tribunal a quo, o qual se rejeita, mas que se impõe invocar para salientar a contradição – denunciado ou declarado vencimento antecipado um contrato que nos termos declarados pelo A. fora resolvido mais de 1 ano antes.
L – Acresce que, de repente associado a este contrato, [240(…)] o tal que não é alegado nos autos, mas que é considerado para todos os efeitos legais, mormente de condenação no pagamento de mais de 8.000,00 €, uma livrança: (…) Deste modo, e a menos que seja efetuado o pagamento do valor em incumprimento de 12.690,41 €, calculado à data de 05/09/2021, o contrato em epígrafe considera-se de Imediato denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado. Informamos ainda que, caso não seja pago o montante em dívida no prazo acima indicado, se procederá ao Preenchimento da Livrança e/ou proceder-se-á à execução da hipoteca/garantia (consoante a garantia associada ao contrato), não nos restando outra alternativa que não seja a do recurso à via judicial, para cobrança coerciva do crédito em questão, o que faremos decorrido o prazo acima mencionado.
LI – Foi ainda desconsiderado individualmente o documento n.º 10, que está datado de 25.09.2021 e tem como assunto a regularização daquele mesmo contrato [n.º 240(…)]. No mesmo lê-se: (...) Pelo exposto, o contrato em epígrafe considera-se de imediato denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado. Assim, a partir dessa data, não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adotar de imediato e sem qualquer outro aviso.
Mais informamos que estamos, igualmente, a notificar o(s) restante(s) interveniente(s) deste contrato.
LII – Para o Tribunal a quo o [mesmo] contrato foi resolvido em Julho de 2020, enunciado em Agosto de 2021 e redenunciado em Setembro de 2021?! E foi tudo isto com outros intervenientes e ainda com a existência da uma prestação de garantia [título executivo]. Para o recorrente esta construção documental é impeditiva da condenação vertida na sentença recorrida.
LIII – Tanto em relação ao alegado e desconsiderado pelo Tribunal a quo como a estes documentos, repete-se o exposto: não respeitam ao contrato mencionado nos autos. Mais, estes documentos corroboram a incerteza de envio (mesmo que não alegado) de quaisquer comunicações, bem como a falta de coerência entre alegação, pedido e prova.
LIV – [A decisão que deveria – e deve – ser proferida:] Considerando os elementos probatórios supra referidos e constantes dos autos, a não alegação do A. do contrato mencionado no documento, nem demonstração do contrato mencionado no documento n.º 9, as alegações supra transcritas e os documentos para as quais remetem, o depoimento da testemunha, a incoerência das datas, e bem assim a não alegação do A. sobre a forma como comunicou, a alegação vertida no ponto 6 da matéria de facto provada, teria de ser excluída da matéria de facto provada, aditando-se à matéria de facto não provada o ponto seguinte: 7. O autor comunicou ao réu a resolução do contrato.
[III. DO DIREITO]
LV – Considerando-se, como se considerou, por um lado, e como se impunha considerar por outro, que os termos do contrato invocado na p.i. (requerimento de injunção) e no requerimento de 17.04.2023 (resposta ao convite do Tribunal a pronunciar-se por escrito atento o teor da oposição) não foram explanados (como a sentença diz e desdiz), que ficou por demonstrar o montante mutuado, por cartão de crédito, ao R., pelo A., a forma e as condições de restituição e prestações – onde se incluem forçosamente, os prazos e valores –, a integração e extinção do cliente no PERSI, não podia o Tribunal a quo deter deixado de julgar procedente por provada a exceção inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância, tal como resulta da conjugação dos arts. 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 /10 e 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC.
LVI – O Decreto-Lei n.º 227/2012 entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013 (artigo 40.º) e, se é certo que o seu artigo 39.º diz que são automaticamente integrados no PERSI os clientes bancários que, nessa data, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias, a verdade é que, tal integração automática se destina a obrigar a instituição de crédito a apresentar proposta(s) de regularização adequadas à situação financeira dos clientes e/ou a avaliar propostas alternativas dos próprios clientes (artigos 15.º e 16.º), extinguindo-se o PERSI com o pagamento, com o acordo de regularização, com a insolvência do devedor, ou pelo decurso do tempo (91 dias) sem que tenha havido acordo (artigo 17.º, n.º 1).
O PERSI também se extingue quando a instituição de crédito conclua que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, este recuse a proposta apresentada ou a instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente (artigo 17.º, n.º 2, c), f) e g)).
Conforme se referiu as instituições de crédito passaram a ter de promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14.º do citado DL no 272/2012, de 25 de Outubro).
Destacou o legislador, de entre os casos em que a instituição de crédito está sempre obrigada a iniciar o PERSI, aqueles em que “O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI” (artigo 14º nº 2 al. a)). O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (artigos 14º, 15º e 16º). Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está, nomeadamente, vedado à instituição de crédito intentar ações judiciais coma finalidade de obter a satisfação do seu crédito (artigo 18º nº 1 al. b)).
LVII – Da conjugação daquele regime legal com a facticidade alegada, não emerge a data em que se terá situado o incumprimento. O A. não alega tal incumprimento, afirma ter comunicado (com carta datada de), sem situar no tempo a comunicação propriamente dita, nem a sua receção, alega (com os mesmos vícios, a que acrescem os de forma e os de prova) ter resolvido, denunciado e redenunciado um outro contrato que não o dos autos, ficando por alegar o efetivo incumprimento do contrato que menciona… contudo, e não obstante a impugnação vertida na oposição, é seguro considerar que o “incumprimento” de um qualquer contrato celebrado entre A. e R. terá ocorrido após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, tendo a injunção sido instaurada em plena vigência do mesmo.
LVIII – Assim, o caso dos autos cai dentro do âmbito do PERSI, pois que, a ter existido incumprimento, o mesmo tem de se ter situado durante a vigência do diploma – sem prejuízo de, reitere-se, nada ter sido dito quanto a resolução / denúncia, cessação do contrato em causa nos autos (com o número mencionado em 1 (A – Matéria de Facto Provada, e mencionado tanto na injunção como no requerimento de 17.04.2023], o R. seria cliente bancário/consumidor, pelo que devia ter sido integrado no PERSI em momento anterior à instauração da injunção e a integração e extinção teria de ter cumprido os requisitos legais, o que, como se demonstrou não sucedeu (pelo menos não quanto ao contrato ao abrigo do qual o A. move a injunção contra o R. [arts. 2.º, 1 al. b), 3.º al. a), 14.º, e 39.º, do Decreto-Lei n.º 227/2012].
LVIX – Ao decidir ter sido comunicada a integração e extinção do PERSI, ignorando a falta de alegação quanto ao contrato em causa, o Tribunal a quo, violou o disposto nos arts. 342.º do CC, arts. 5.º, 574.º, 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º, 578.º, 607.º, n.º 5 do CPC e os arts. 2.º, 1 al. b), 3.º al. a), 14.º, 17.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012], uma vez que não absolver o R. da instância (conjugação do disposto nos conjugação dos arts.º 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 /10 e 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC).
LX – Ainda que assim não fosse, considerando-se, como se considerou, por um lado, e como se impunha considerar por outro, que os termos do contrato invocado na p.i. (requerimento de injunção) e no requerimento de 17.04.2023 (resposta ao convite do Tribunal a pronunciar-se por escrito atento o teor da oposição) não foram explanados (como a sentença diz e desdiz), que ficou por demonstrar o montante mutuado, por cartão de crédito, ao R., pelo A., a forma e as condições de restituição e prestações – onde se incluem forçosamente, os prazos e valores, excluindo-se da matéria provada os pontos de facto que, como se demonstrou, têm de ser incluídos em matéria não provada, impunha-se a absolvição do R. do pedido.
LXI – Sem prejuízo da falta de menção pelo A. ao contrato ali identificado (nos documentos 4 a 10) e de tal contrato não ser o contrato mencionado na injunção, nem no requerimento de 17.04.2023, ignorou o Tribunal a quo a confusão que o A. faz entre mora, incumprimento, resolução e denúncia.
LXII – Ora, a “denúncia”, o “vencimento antecipado” e a “resolução” consubstanciam conceitos jurídicos que em nada foi concretizado, sendo evidente a confusão do A. quanto aos conceitos a que faz referência, pois tanto fala em incumprimento, como, na mesma “comunicação” em denúncia ou vencimento antecipado, como noutra em resolução e noutra ainda posterior em denúncia [sendo que para o A. já teria havido uma “denúncia ou vencimento antecipado” (doc. 7)]. Ora, denúncia ou vencimento antecipado na mesma frase gera incerteza. Cabia ao destinatário da comunicação escolher? Os efeitos da denúncia e do vencimento antecipado não são os mesmos, já que este importará uma dívida imediata (respeitante a prestações que o Tribunal a quo afirma desconhecer). Como pode o Tribunal a quo decidir por uma ou por outra? No caso ignorar uma e outra? A denúncia será anterior à resolução, não posterior dir-se-ia...
LXIII – Confunde o A. e terá escolhido ignorar tal confusão o Tribunal a quo, que a mora é uma forma de incumprimento, considerando-se o devedor constituído em mora, nos termos consignados no art.º 804.º, n.º 2 do CC, quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido, o que difere do incumprimento definitivo, que ocorre quando o credor perde o interesse na prestação, em consequência da mora, ou quando a prestação não é realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele, tal como resulta do art.º 808.º, n.º 1 do CC).
LXIV – Denúncia e resolução também não são a mesma figura jurídica. Com efeito, ainda que ambas tenham por finalidade pôr termo a um vínculo contratual, a denúncia é uma declaração de vontade que não precisa de ser justificada, e que apenas produz efeitos para o futuro, enquanto a resolução é uma declaração de vontade motivada por incumprimento ou alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações com efeitos imediatos e retroativos e está regulada nos artigos 432.º a 436.º do CC.
LXV – Ora não é alegada, nem demonstrada a mora, nem é alegado, nem demonstrado, o incumprimento definitivo, sendo que a data por que optou o Tribunal a quo por considerar como a da comunicação de “incumprimento” (aparentemente definitivo), 29.07.2020, não surge na alegação do A., nem no documento em que se sustenta a alegação dessa comunicação no requerimento apresentado pelo A..
Acontece que qualquer das comunicações referentes às formas de “cessação” estão datadas de Agosto de 2020, Agosto de 2021 e Setembro de 2021...
LXVI – Sem conhecer termos e condições, prestações, taxas de juro, datas de vencimento, montante acordado, solicitação/atribuição de cartão de crédito, utilização/movimentação por parte do R., à impugnação do alegado e peticionado na injunção pelo R. em sede de oposição, e ao decidir condenar o R. no pagamento daquele montante, com juros a vencerem-se a partir de uma data que não está mencionada no documento que o A. junta para alegar tal comunicação, violou o Tribunal a quo, o disposto nos arts. 342.º, 804.º, 808.º do CC, e nos arts. 5.º, 574.º, e 607.º, n.º 5 do CPC.
LXVII – E, mesmo que assim não fosse, considerando a factualidade provada e não provada, tal e qual ela se encontra, e a impugnação do R. em sede de oposição à injunção, não podia chegar-se ao valor de 8.638,55 € de capital, porquanto o Tribunal a quo considerou não serem devidos juros e dos extratos bancários resulta que no montante do capital estão contemplados juros à taxa que o Tribunal a quo considerou não estar provada ter sido contratada e ser devida.
LXVIII – Contudo, por força de tudo o que não foi alegado, nem provado, e que está omisso dos autos, não se consegue calcular o valor. Assim, ao considerar ser esse o montante devido, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 342.º, 804.º, 808.º do CC, e nos arts. 5.º, 574.º, e 607.º, n.º 5 do CPC”.
*
Notificada, a Autora contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
i) Antes de mais, considere-se que limitou o Recorrente a mimetizar as suas alegações, nomeadamente nas respetivas conclusões, não as apresentando de “(…) de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão”, como preceituado e exigido pelo n.º 1 do art.º 639.º do CPC.”.
ii) Entre o Autor e o Réu foi celebrado um contrato de utilização de crédito, em 10/01/2003, designado por (…) GOLD VISA, referente à conta crédito n.º (…), que o Réu utilizou.
iii) Em virtude dessa utilização e pelo seu verificado incumprimento, ficou por regularizar o montante de €8.638,55 (oito mil, seiscentos e trinta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de capital, acrescido de juros devidos.
iv) A situação de incumprimento foi devidamente comunicada ao Réu, que, consciente da dívida existente, não procedeu à sua regularização nem procurou soluções junto ao Autor de regularização da dívida aqui discutida.
v) Não só não o fez, como pretende o Réu eximir-se das suas responsabilidades perante o Autor.
vi) Assim sendo, permite-se concluir, com grande certeza, a correta e adequada decisão do Tribunal a quo, não se vislumbrando erro notório na decisão por parte daquele Tribunal.
vii) Perante tudo, deve manter-se a decisão do Tribunal recorrido, na qual se adere à douta sentença proferida, a qual se transcreve:
Em face ao exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o Tribunal junga a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena o réu no pagamento ao autor da quantia de €8.638,55 (oito mil seiscentos e trinta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor de 4%, desde a data da interpelação, 29.07.2020, e até efetivo e integral pagamento”.
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O recurso foi corretamente admitido, com o efeito e modo de subida adequados.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
Questão prévia:
- Se o Réu deve ser convidado a sintetizar as respetivas conclusões recursivas;
Mérito do recurso:
- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos considerados como provados sob os pontos 1., 2., 3., 4., 5. e 6.;
- Se a decisão final recorrida deve ser revogada em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, decidindo-se pela total improcedência da ação.
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III. Questão prévia:
- Se o Réu deve ser convidado a sintetizar as respetivas conclusões recursivas.
Nos termos do artigo 639º, n.º 1, do CPC, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Por seu lado, o n.º 3 desse mesmo normativo determina que “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
Nas suas contra-alegações a Autora defende que as conclusões recursivas formuladas pelo Réu são complexas, exaustivas e extensas. Consequentemente, refere que o Tribunal “poderá” convidar o Apelante a sintetizar as referidas conclusões, “se assim o entender”.
Ora, analisadas as referidas conclusões, constata-se que as mesmas, apesar de serem particularmente exaustivas e extensas, não revestem uma complexidade tal que justifique a necessidade de sintetização.
Como tal, não será o Apelante convidado a sintetizá-las.
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IV. Fundamentação de Facto:
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
1. Entre autor e réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito, em 10.01.2003, nos termos do qual foi atribuído ao réu um cartão de crédito (…) GOLD VISA, referente à conta crédito n.º (…), que este utilizou.
2. E virtude desta utilização, em 08.04.2020, encontrava-se por regularizar o montante de €8.638,55 de capital.
3. O autor remeteu ao réu carta datada de 29.07.2020, em que o informou que, “este contrato de (…) GOLD VISA, do qual é Titular, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 9.117,680 € calculado à data de 07/06/2020”, e que, “para não se agravar ainda mais o valor em dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em incumprimento”
4. O autor por carta datada de 29/05/2020, comunicou a integração do réu no PERSI.
5. Por carta datada de 28/08/2020, o autor comunicou ao réu a extinção do PERSI.
6. Por carta datada de 28/08/2020, o autor comunicou ao réu a resolução do contrato.
7. O autor celebrou com o réu um contrato de abertura de conta, ao qual foi atribuído o n.º 101(…).
8. Em 11.05.2020, tal conta apresentava um descoberto autorizado no montante de €1.450,00.
9. Em 05.09.2020, tal conta apresentava um descoberto autorizado no montante de €450,40.
10. Em 09.09.2020 foi realizado um movimento a crédito no montante de €450,40, passando a conta a presentar saldo zero”.
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Na sentença foram considerados como não provados os seguintes factos:
1. No contrato de utilização de cartão de crédito identificado em 1), autor e réu acordaram que ao capital em dívida acresciam juros à taxa anual de 27,2%, acrescida de uma sobretaxa de 3% em caso de mora.
2. Autor e réu acordaram que sobre o descoberto bancário autorizado se venciam juros entre 17/05/2020 e 30/08/2020, à taxa de 12,800% e entre 30/08/2020 e 17/06/2022, à taxa de 15,800%, acrescidos da sobretaxa de mora de 3%”.
*
Na sentença, em sede de fundamentação de facto, consta o seguinte:
A convicção do Tribunal alicerçou-se essencialmente na análise crítica da prova documental produzida nos autos, a qual não foi impugnada, de acordo com regras da experiência comum e juízos de normalidade.
O réu, na oposição deduzida, apesar de invocar a ineptidão do requerimento inicial, impugnou igualmente a factualidade alegada respeitante aos contratos celebrados e valores em dívida, motivo pelo qual, nos termos do artigo 342º, do CC, cabia ao autor demonstrar a celebração dos contratos com o réu e respectivos termos, bem como a disponibilização dos valores peticionados; cabendo ao réu demonstrar qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Para prova destes factos, o autor limitou-se a juntar os extractos bancários e as cartas de interpelação do réu, bem como de inserção e extinção do PERSI. Juntou ainda, em sede de audiência, um contrato de crédito celebrado com o réu, que, contudo, não corresponde a qualquer dos contratos alegados nos presentes autos.
Ora, analisados os extractos juntos (documentos n.ºs 1 a 3) é possível verificar a existência de um contrato de utilização de crédito, a sua utilização pelo réu, bem como os valores não regularizados, porém, dos extractos não resultam as condições de restituição, prestações ou taxas de juros acordadas entre as partes.
Nestes termos, não tendo sido junto o contrato celebrado, nem tendo a testemunha apresentada prestado qualquer esclarecimento quanto aos termos do contrato, apenas foi possível considerar provados os factos n.ºs 1 e 2, considerando-se como não provado o facto n.º 1.
Já os factos n.ºs 3 a 6, referentes à interpelação e inserção do réu em PERSI não foi impugnada, e resulta suficientemente demonstrada dos documentos n.ºs 4 a 10 juntos cmo o requerimento de 17.04.2023.
De igual forma, em relação ao contrato de abertura de conta, o autor limitou-se a juntar os extractos da conta (documentos n.ºs 11 a 16), dos quais é possível verificar a existência de um saldo a descoberto, o qual se mantém até 05.09.2020 (doc. n.º15), mas é regularizado em 09.05.2020, passando a conta a apresentar saldo zero (doc. n.º16).
Nestes termos, o Tribunal considerou provados os factos n.ºs 7 a 10 e não provado o facto n.º2.
(…)”.
*
V. Mérito do Recurso:
- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos considerados como provados sob os pontos 1., 2., 3., 4., 5. e 6.
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso.
Preceitua o citado artigo 640º, do CPC:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.
Sobre essa norma pronunciou-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 30.11.2023, processo 556/21.4T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, referindo que “Como tem sido enunciado pela jurisprudência deste STJ - ver por todos o ac. de 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt – este regime consagra um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.º 640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. O ónus secundário traduz-se na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art.º 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência.
De acordo com esta delimitação entende-se que, não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art.º 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175.”
Por seu lado, a respeito do ónus de alegar e formular conclusões, o art.º 639º, n.º 1, do CPC, determina que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
É conhecida a divergência jurisprudencial existente a respeito da aplicação do art.º 640º do CPC e da sua conjugação com o art.º 639º, n.º 1, do mesmo diploma.
Face a essa divergência, o STJ, por Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023 (publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 14.11.2023, com Declaração de Retificação n.º 25/2023), proferido a 17.10.2023, no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, uniformizou a jurisprudência no sentido de que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
Nesse Acórdão, a propósito dessa temática, é afirmado, designadamente, o seguinte:
Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º1, alínea c) do art.º 640, (…).
Em sínteses, decorre do art.º 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.”
Em face do exposto, conclui-se que da conjugação do disposto nos artigos 639º, n.º 1 e 640º do CPC, resulta que o ónus primário a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao Tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Já quanto à alínea a), do n.º 2, do art.º 640º do CPC, a mesma consagra, como vimos, um ónus secundário, cujo cumprimento deverá igualmente ser observado sob pena de rejeição do recurso na parte respetiva, mas que não tem de estar refletido nas conclusões recursivas.
Nesse sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ de 12.04.2024, proferido no processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreveu: “IV- O ónus do artigo 640.º do CPC não exige que todas as especificações referidas no seu n.º 1 constem das conclusões do recurso, sendo de admitir que as exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 deste artigo, em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.
Na presente situação, dúvidas não temos de que foram observados os referidos ónus exigidos pelos artigos 639º, n.º 1 e 640º do CPC, nada obstando ao conhecimento do mérito do presente recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto fixada na sentença recorrida.
 Vejamos então cada um dos factos que o Réu/Recorrente considera incorretamente julgados.
Comecemos pelos pontos 1. e 2. do elenco de factos considerados como provados.
É o seguinte o seu teor:
1. Entre autor e réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito, em 10.01.2003, nos termos do qual foi atribuído ao réu um cartão de crédito (…) GOLD VISA, referente à conta crédito n.º (…), que este utilizou
2. E virtude desta utilização, em 08.04.2020, encontrava-se por regularizar o montante de €8.638,55 de capital”.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente a esses factos dizendo que “analisados os extractos juntos (documentos n.ºs 1 a 3) é possível verificar a existência de um contrato de utilização de crédito, a sua utilização pelo réu, bem como os valores não regularizados, porém, dos extractos não resultam as condições de restituição, prestações ou taxas de juros acordadas entre as partes.
Nestes termos, não tendo sido junto o contrato celebrado, nem tendo a testemunha apresentada prestado qualquer esclarecimento quanto aos termos do contrato, apenas foi possível considerar provados os factos n.ºs 1 e 2, (…)”.
Lido o requerimento inicial, vemos que no mesmo a Autora identifica o contrato na origem dos autos como sendo um contrato de utilização de cartão de crédito celebrado em 10.01.2003, alegando depois que “O Requerente é titular de um saldo credor em capital sobre o Requerido (…) no valor de € 8.638,55, decorrente da utilização do cartão de crédito “(…) Gold Visa”, por este solicitado aos 10/01/2003, referente à Conta-Cartão/Contrato n.º (…)”.
Dúvidas não temos, em face do que ficou exposto, de que o Autor alega ter celebrado com o Réu, em 10.01.2003, um contrato de utilização de cartão de crédito, nos termos do qual o Réu solicitou ao Autor, que lho atribuiu, um cartão de crédito “(…) Gold Visa”, de cuja utilização resultou um saldo devedor no valor de 8.638,55 €.
Em sede de oposição, concretamente no art.º 18º, o Réu impugna essa factualidade.
Estamos assim perante factualidade controvertida.
É ponto assente que o invocado contrato de utilização de cartão de crédito que se alega ter sido celebrado em 10.01.2003 não foi junto aos autos.
Defende o Réu/Apelante que a referida factualidade não poderia ter sido considerada como provada, uma vez que a única testemunha inquirida “desconhece o contrato em causa nos autos, não afirmou ter sido celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito – nem, a ter sido, em que data –, se o R. solicitou, ao abrigo desse contrato um cartão de crédito, não falou em data alguma, nem em número de conta algum, nem de um saldo credor, nem de um saldo devedor” (ponto VI das conclusões recursivas) e também “não sabia se estava em dívida valor algum” (ponto XII das mesmas conclusões).
Defende igualmente que a referida matéria também não resulta dos documentos 1, 2 e 3 (3 extratos de “Conta-Cartão” remetidos pelo “Banco” ao Réu, datados, respetivamente, de 08.04.2020, 08.05.2020 e 26.05.2020, juntos com o requerimento da Autora de 17.04.2023), dado que dos mesmos “não se pode concluir como provado que entre autor e réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito (…) em 10.01.2003, (…)” (ponto VII das conclusões recursivas), sendo que esses extratos não permitem “concluir o valor de capital em dívida à data de 08.04.2020, uma vez que não há congruência entre os documentos” (pontos XIII das mesmas conclusões).
Conclui o Réu/Recorrente, em face do exposto, que os pontos 1. e 2. do elenco de factos provados devem passar a integrar o elenco de factos não provados, com a seguinte redação e numeração:
  “3 – O A. é titular de um saldo credor em capital sobre o Requerido AA no valor de € 8.638,55, decorrente da utilização do cartão de crédito “(…) Gold Visa”, por este solicitado aos 10/01/2003, referente à Conta-Cartão/Contrato n.º (…).
4. E virtude desta utilização, em 08.04.2020, encontrava-se por regularizar o montante de €8.638,55 de capital.
Vejamos.  
Conforme acima referimos, não foi junto aos autos o contrato de utilização de cartão de crédito invocado no requerimento inicial.
Dos autos apenas constam 3 extratos de “Conta-Cartão” remetidos pelo “Banco” ao Réu, datados, respetivamente, de 08.04.2020, 08.05.2020 e 26.05.2020, alusivos ao “Cartão de crédito: (…) Gold VISA”, associado ao “N.º de Conta-Cartão/Contrato: (…)”.
De sublinhar que ouvido o depoimento da única testemunha inquirida, funcionária do Autor “Banco”, podemos afirmar que o mesmo não revestiu, quanto à matéria em causa, qualquer utilidade, pois tal como refere o Réu/Recorrente, a referida testemunha desconhece se entre o Autor e o Réu foi celebrado o contrato de utilização de cartão de crédito a que se alude nos autos e se no âmbito do mesmo foi efetivamente emitido a favor do Réu um cartão de crédito cujo utilização pelo mesmo Réu originou um saldo devedor.
Neste enquadramento, a questão que se coloca é a de saber se os ditos extratos de “Conta-Cartão” acima assinalados, são meios probatórios com força bastante para, desde logo, demonstrar a celebração do contrato de emissão de cartão de crédito em 10.01.2003.
Esse contrato constitui um contrato de crédito ao consumo, através do qual o banco concede ou promete conceder um crédito a um consumidor.
Se esse contrato foi celebrado em 10.01.2003, conforme alega o Autor, importa considerar o DL n.º 359/91, de 21/09, de acordo com a redação introduzida pelo DL n.º 101/2000, de 02/06.
Nos termos do art.º 1º desse diploma, relativo ao seu objeto, “O presente diploma aplica-se aos contratos de crédito ao consumo e procede à transposição para o direito interno das Diretivas do Conselho das Comunidades Europeias nºs 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986, e 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990.
Já o seu art.º 2º, sob epígrafe “Definições”, diz-nos:         
1 - Para os efeitos da aplicação deste diploma entende-se por:
a) «Contrato de crédito», o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante;
b) «Consumidor», a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente diploma, atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional;
c) «Credor», a pessoa singular ou coletiva que, no exercício da sua atividade comercial ou profissional, concede o crédito;
(…)
Do ponto de vista do âmbito objetivo, o diploma em causa aplica-se a qualquer concessão ou promessa de concessão de crédito, designadamente sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante, o que significa que podem ser realizados através de figuras negociais tão variadas quanto a venda a prestações, o mútuo bancário, a abertura de crédito, o descoberto bancário, a emissão de cartão bancário, a locação financeira ou o aluguer de longa duração (Cfr. Engrácia Antunes, in “Direito do Consumo”, pág. 208).
Quanto o respetivo âmbito subjetivo, estão nele incluídos os contratos concluídos entre credores e consumidores. Os credores, podem ser qualquer pessoa singular ou coletiva que no exercício da sua atividade profissional concede crédito. Como exemplo paradigmático, temos os bancos. Como consumidores, estão as pessoas singulares que celebram o contrato atuando fora da sua atividade comercial ou profissional (Cfr. Jorge Morais Carvalho, in “Manual do Direito do Consumo”, 7ª edição, pág. 409).
Por seu lado, no que concerne à formação do contrato, estabelece o art.º 6º, n.º 1, do referido DL 359/91, com a epígrafe “Requisitos do contrato de crédito”, que “O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respetiva assinatura”.
Portanto, de acordo com o diploma em causa, o contrato de utilização de cartão de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado por ambos os contraentes.
Face a essa exigência importa então apurar se a celebração desse contrato pode considerar-se provada por outro meio que não a junção desse documento escrito.
O art.º 364º do CC, relativo à exigência legal de documento escrito, determina:
1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
Estabelece o citado normativo a distinção entre a formalidade ad substantiam (n.º 1) e a formalidade ad probationem (n.º 2) das declarações negociais. A primeira, ad substantiam, é exigida pelo direito para a própria consubstanciação do negócio em si. A segunda, ad probationem, respeita apenas à demonstração da existência da declaração (Cfr. Menezes Cordeiro, in “Tratado do Direito Civil Português”, I, parte geral, tomo I, 2ª edição, pág. 376).
De acordo com o n.º 1 do art.º 364º do CC, exigindo a lei determinada forma de declaração negocial, não pode a prova dessa declaração ser estabelecida por outro meio que não seja um documento com força probatória superior. Por isso se fala em formalidade ad substantiam.
No entanto, se a lei exigir o documento para mera prova da declaração negocial, pode o mesmo ser substituído por confissão, judicial ou extrajudicial, devendo, no caso de confissão extrajudicial, constar de documento de igual ou superior valor probatório. Aqui, não se tratando já de um requisito formal da declaração, é admissível que, posteriormente a esta, quando ela não tenha revestido a forma de documento exigido, o declarante emita uma nova declaração, desta feita de ciência (e já não de vontade), em que se reconheça que fez a declaração anterior, desde que essa declaração seja feita judicialmente ou, se extrajudicialmente, em documento de igual ou superior valor probatória. Esta nova declaração pode revestir a natureza de confissão. (Cfr. Lebre de Freitas, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 454).
Importa então definir se a exigência de forma escrita prevista no art.º 6º, n.º 1, do DL 359/91, constitui uma formalidade ad substantiam ou ad probationem.
Para ajudar a esclarecer a questão há que ter presente o que dispõe o art.º 7º desse mesmo diploma, sob a epígrafe “Invalidade do contrato de crédito”:
1 - O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 2, nas alíneas a) a e) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior.
(…)
4 - A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor.
5 - O consumidor pode provar a existência do contrato por qualquer meio, desde que não tenha invocado a nulidade.
(…)”.
Pois bem, conjugados os citados art.ºs 6º, n.º 1 e 7º n.ºs 1, 4 e 5, temos por seguro que a exigência de forma escrita do contrato de crédito ao consumo constitui uma formalidade ad probationem, dado que é facultado ao consumidor provar a existência do contrato por qualquer meio de prova.
Neste sentido veja-se o Acórdão da RL de 15.06.2023, proferido no proc. n.º 109624/20.2YIPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, aqui seguido de perto, bem como a demais jurisprudência nele citada.
Assim sendo, não tendo sido junto aos autos o contrato de utilização de cartão de crédito a que o Autor alude e constituindo a exigência da forma escrita uma formalidade ad probationem, o Autor apenas poderia lograr provar a celebração do dito contrato mediante a confissão, judicial ou extrajudicial do Réu/Recorrente, face ao que determina o art.º 364º, n.º 2, do CC.
Ora, o Réu não confessou judicialmente a celebração do contrato e o Autor também não juntou aos autos confissão extrajudicial do Réu reduzida a escrito.
Note-se, por outro lado, que em face do que dispõe o art.º 393º, n.º 1, do CC, uma vez que a lei exige documento escrito para prova da celebração do contrato de crédito ao consumo, não é admitida prova testemunhal para demonstração da celebração do contrato (Cfr. Luís Pires de Sousa, in “Prova Testemunhal”, 2013, pág. 199 e ss.).
Acresce, no que toca ao alegado saldo em dívida, que o Autor, no requerimento inicial, o quantifica, na data desse requerimento (07.07.2022), no valor de 8.638,55 €. No entanto, entendemos que também não pode considerar-se como provado esse valor.
Na verdade, em primeiro lugar, para demonstração desse alegado valor em dívida, o Autor junta três extratos de “Conta-Cartão”: no extrato de 08.04.2020 consta um “saldo em dívida à data do extrato anterior” de 8.450,14 € e, nos extratos seguintes, de 08.05.2020 e de 26.05.2020, o saldo em dívida, respetivamente, aumentou para 8.990,15 € e diminuiu para 8.869,01 €, sendo que nesses três extratos consta a referência a taxa de juro anual nominal  de 27,200% e taxa de juro de mora anual de 3,000%.
Ora, recorde-se que em face da falta de junção da cópia do contrato de utilização de cartão de crédito, não pode considerar-se provada a invocada taxa de 27,20%, à qual acresce uma sobretaxa de 3% em caso de mora.
Em segundo lugar, em todos os três extratos juntos, no campo destinado à “informação sobre incumprimento” é feita referência a um valor de capital em dívida, diferente em cada um desses extratos. Só que se desconhece se esse capital em dívida inclui capitalização de juros e, na afirmativa, qual o valor de juros capitalizados e a que taxas.
Aqui chegados e neste enquadramento, resta-nos concluir que não poderá considerar-se provada a factualidade contida nos pontos 1. e 2. do elenco de factos provados.
Nesse sentido, na procedência, quanto a tal matéria, da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, decide-se eliminar os pontos 1. e 2. do elenco de factos provados, os quais devem passar a constar do elenco de factos não provados, com a seguinte numeração e redação:
1. Entre Autor e Réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito, em 10.01.2003, nos termos do qual, a solicitação do Réu, foi-lhe atribuído um cartão de crédito (…) GOLD VISA, referente à “Conta-Cartão/Contrato n.º (…)”.
2. Em virtude da utilização pelo Réu desse cartão de crédito, em 08.04.2020, encontrava-se por regularizar o montante de 8.638,55 € de capital.
O Réu/Recorrente impugna igualmente os pontos 3., 4., 5. e 6. do elenco de factos provados.
É o seguinte o seu teor:
3. O autor remeteu ao réu carta datada de 29.07.2020, em que o informou que, “este contrato de (…) GOLD VISA, do qual é Titular, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 9.117,680 € calculado à data de 07/06/2020”, e que, “para não se agravar ainda mais o valor em dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em incumprimento
4. O autor por carta datada de 29/05/2020, comunicou a integração do réu no PERSI.
5. Por carta datada de 28/08/2020, o autor comunicou ao réu a extinção do PERSI.
6. Por carta datada de 28/08/2020, o autor comunicou ao réu a resolução do contrato”.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente a esses factos dizendo que “os factos n.ºs 3 a 6, referentes à interpelação e inserção do réu em PERSI não foi impugnada, e resulta suficientemente demonstrada dos documentos n.ºs 4 a 10 juntos cmo o requerimento de 17.04.2023”.
Defende o Réu/Recorrente, que a factualidade contida nesses pontos deveria ser excluída do elenco de factos provados e acrescentada ao elenco de factos não provados com a seguinte redação:
- “O autor remeteu ao réu carta datada de 29.07.2020, em que o informou que, “este contrato de (…) GOLD VISA, do qual é Titular, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 9.117,680 € calculado à data de 07/06/2020”, e que, “para não se agravar ainda mais o valor em dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em incumprimento”.
- “A integração do cliente bancário no PERSI e respectiva comunicação”.
- “O autor comunicou ao réu a extinção do PERSI”.
- “O autor comunicou ao réu a resolução do contrato”.
Vejamos.
Lida a resposta do Autor à exceção de ineptidão da petição deduzida pelo Réu na oposição, resposta essa junta aos autos em 17.04.2023, não poderá deixar de se considerar que o Autor, no artigo 26º desse articulado, alegou ter dirigido ao Réu as comunicações escritas juntas com esse articulado por cópia como documentos 4 a 10. Efetivamente, não poderá ser outra a interpretação a atribuir à afirmação “conforme oportunamente comunicado”. E essas comunicações, como das mesmas consta, foram dirigidas pelo Autor ao Réu, nelas sendo identificada a morada que o próprio Réu identifica na oposição como sua. Note-se que essas comunicações foram invocadas e juntas pelo Autor pela primeira vez no referido articulado de resposta, motivo pelo qual o envio dessas comunicações, em si mesmo, não se pode considerar impugnado em sede de oposição. E o certo é que o Réu, notificado da junção dessas comunicações, não as impugnou, no sentido de negar o seu envio e o seu recebimento, com o respetivo teor (o que não equivale a afirmar a aceitação pelo Réu de que algum dos contratos mencionados nessas comunicações corresponde ao contrato de utilização de cartão e crédito invocado no requerimento inicial, pois em sede de oposição, como vimos, o Réu impugnou, designadamente, a celebração desse contrato).
Assim sendo, temos por assente que o Autor enviou essas comunicações ao Réu, com o teor que delas consta, e que este as recebeu.
 Por seu lado, o Tribunal a quo, nos pontos impugnados da matéria de facto aqui em causa, tão só considerou como provado o envio dessas comunicações pelo Autor ao Réu, com o teor e a data que delas consta, sem que tenha feito corresponder essa data à data do efetivo envio dessas comunicações ou correlacionado o concreto contrato de utilização de cartão de crédito invocado no requerimento inicial com algum dos contratos identificados nessas comunicações.
De qualquer forma, importa esclarecer que essas comunicações, no concreto contexto dos autos, constituem apenas meios de prova juntos com o objetivo de demonstrar os factos invocados pelo Autor no requerimento inicial e não factos concretos que devam ser considerados como provados ou não provados.
Acresce que, atento tudo quanto acima já ficou exposto, o certo é que a prova da celebração do contrato de utilização de cartão de crédito invocado no requerimento inicial nunca poderia ser feita com recurso a essas comunicações.
E, nessa medida, entendemos que a factualidade contida nos pontos 3. a 6. do elenco de factos provados deve, simplesmente, ser eliminada da fundamentação de facto, inexistindo fundamento para a incluir, seja no elenco de factos provados, seja no elenco de factos não provados.
Nessa medida, quanto a tal matéria, procede parcialmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
*
Aqui chegados, passa-se a reproduzir o elenco de factos provados e não provados, com as alterações resultantes da decisão relativa à impugnação da matéria de facto:
Factos Provados:
1. O autor celebrou com o réu um contrato de abertura de conta, ao qual foi atribuído o n.º 101(…).
2. Em 11.05.2020, tal conta apresentava um descoberto autorizado no montante de €1.450,00.
3. Em 05.09.2020, tal conta apresentava um descoberto autorizado no montante de €450,40.
4. Em 09.09.2020 foi realizado um movimento a crédito no montante de €450,40, passando a conta a presentar saldo zero.
Factos Não Provados:
1) Entre Autor e Réu foi celebrado um contrato de utilização de cartão de crédito, em 10.01.2003, nos termos do qual, a solicitação do Réu, foi-lhe atribuído um cartão de crédito (…) GOLD VISA, referente à “Conta-Cartão/Contrato n.º (…).
2) Em virtude da utilização pelo Réu desse cartão de crédito, em 08.04.2020, encontrava-se por regularizar o montante de 8.638,55 € de capital.
3) No contrato de utilização de cartão de crédito identificado em 1), Autor e Réu acordaram que ao capital em dívida acresciam juros à taxa anual de 27,2%, acrescida de uma sobretaxa de 3% em caso de mora.
4) Autor e Réu acordaram que sobre o descoberto bancário autorizado se venciam juros entre 17/05/2020 e 30/08/2020, à taxa de 12,800% e entre 30/08/2020 e 17/06/2022, à taxa de 15,800%, acrescidos da sobretaxa de mora de 3%.
*
- Se a decisão final recorrida deve ser revogada em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, decidindo-se pela total improcedência da ação.
Atentas as alterações introduzidas à matéria de facto, e que acima ficaram assinaladas, facilmente se conclui que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não poderá subsistir.
Efetivamente, o Autor alegou ter celebrado com o Réu, em 10.01.2003, um contrato que denominou de “contrato de utilização de cartão de crédito”, nos termos do qual, a solicitação do Réu, lhe atribuiu um cartão de crédito (…) GOLD VISA.
O Réu impugnou essa factualidade.
Saliente-se que já acima - em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto -, procedemos à qualificação desse contrato e à identificação das particularidades atinentes à prova da sua existência, de acordo com a legislação aplicável (DL n.º 359/91, de 21/09, de acordo com a redação introduzida pelo DL n.º 101/2000, de 02/06), motivo pelo qual não iremos, nesta sede, repetir-nos.
Prosseguindo, cumpre ter presente que de acordo com as regras de repartição do ónus da prova estabelecidas no art.º 342º, n.º 1, do CC, sendo a existência do invocado contrato um facto constitutivo do direito do Autor, competia ao próprio Autor fazer prova da celebração desse contrato.
Como vimos, não logrou o Autor demonstrar essa factualidade.
Em tais circunstâncias, não se encontrando demonstrada a existência do referido contrato, o qual é a fonte do direito de crédito de que o Autor se arroga titular sobre o Réu, obviamente que a ação, na parte do pedido que vem alicerçada na existência desse contrato, terá que improceder.
Como tal, conclui-se pela procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que julga a ação totalmente improcedente, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas em sede de recurso.
*
VI. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível abaixo identificados em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que julga a ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido.
Custas pelo Apelado.
Registe.
Notifique.
*
Lisboa, 08/05/2025,
Susana Maria Mesquita Gonçalves
Arlindo Crua
Rute Sobral