Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1306/24.9GEALM.L1-3
Relator: ANA RITA LOJA
Descritores: MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
JUIZO DE PROGNOSE
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- Na opção entre pena privativa e pena não privativa da liberdade subjaz a consideração de qual das indicadas assegura de forma adequada e suficiente a tutela dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
II- O que se impõe ao recorrente e sempre lhe foi imposto ( porque imposto a qualquer cidadão) é apenas que não conduza até ser titular de habilitação legal para o efeito e ao não fazê-lo sucessivamente revela-se que as condenações de que foi alvo não foram suficiente dissuasor da prática de ilícitos idênticos, confirmando-se assim mostrar o arguido acentuado desrespeito pelos valores jurídicos que coloca em causa com a sua atuação – que passam, sucintamente, pela prevenção de valores jurídico penais de natureza comunitária e pessoal, como a segurança rodoviária e a integridade física de todos quantos circulam e utilizam as vias públicas para circular, valores tantas vezes afetados por condutas como aquela do arguido, que a desrespeitam e pela necessidade de consciencialização real e efetiva do arguido para o respeito de tais valores, assim se incentivando o seu esforço de socialização nesse sentido. São, pois, prementes as exigências de prevenção, quer especial quer geral.
III- As circunstâncias da sua atuação por consideração à sua reiteração, sempre imune ao respetivo e sucessivo sancionamento e personalidade, por essa via, revelada pelo recorrente inviabilizam qualquer prognóstico favorável.
IV- Não se pode considerar que as finalidades da execução da pena de prisão se realizam de forma adequada e suficiente com um regime de permanência na habitação quando anteriormente o recorrente beneficiou de tal regime e não o cumpriu.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1- RELATÓRIO:
Nos autos de processo Sumário com intervenção de Tribunal Singular nº 1306/24.9GEALM.L1 que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Almada, Juiz 2 foi proferida sentença, cujo dispositivo, ao que nos interessa, é do seguinte teor:
V. Dispositivo
Por todo o exposto,
O Tribunal julga a acusação pública procedente e, em consequência, decide:
i) Condenar o arguido AA, pela prática de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
*
Inconformado com a decisão condenatória dela recorreu o arguido extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
1- Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos da qual foi o Arguido, ora Recorrente, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
2- Entende o ora Recorrente que a Sentença objecto de recurso enferma de alguns erros notórios no julgamento da matéria de Direito, nomeadamente no que concerne à escolha e determinação da medida da pena que lhe foi aplicada e, que, por isso, deve ser substituída por outra mais favorável às suas pretensões.
3- No caso sub judice, a moldura penal prevista para o crime de condução sem habilitação legal de que o arguido, ora Recorrente, vinha acusado é, nos termos do artigo 3.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, a pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
4- Para determinar a medida concreta da pena, o juiz serve-se do critério global contido no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal.
5- A determinação da medida concreta da pena deve ser feita em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção geral e especial das penas. E, a medida da pena, não pode ultrapassar a medida da culpa!
6- Através do requisito, de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, realizam-se in casu as finalidades da pena e, a consideração da culpa do agente, traduz a exigência de que a vertente pessoal do crime limite as exigências de prevenção (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, "As consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, pág. 215).
7- A cada um dos vectores contidos no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, devem-se imputar os diferentes factores de medida da pena, referidos exemplificadamente no seu n.º 2.
8- Na verdade, é na ponderação dos diversos elementos, ou circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as enumeradas nas diversas alíneas do n.º 2, do artigo 71.º do Código Penal, que o Tribunal de julgamento deverá alicerçar a determinação da medida da pena.
9- Entende o ora Recorrente que a pena de prisão que o Tribunal a quo lhe aplicou é excessiva e, que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal, por incorrecta aplicação do mesmo.
10- E, porque a pena, visa essencialmente fins preventivos, não podendo, no entanto, ultrapassar a medida da culpa, a Sentença recorrida também violou o artigo 40.º do Código Penal.
11- Ponderando a matéria de facto dada como provada, entende o ora Recorrente que a pena de prisão que lhe foi aplicada, não levou em consideração, suficientemente, as circunstâncias que militam a seu favor.
12- O n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal estabelece que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-legal (prevenção geral positiva) e, a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva).
13- A referência aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção (in "A determinação da medida privativa da liberdade", Anabela Miranda Rodrigues, pág. 368).
14- Mas, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme estabelece o n.º2 do artigo 71.º do Código Penal, sendo certo, no entanto, que "disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva." (Cfr. Acórdão do STJ, de 10/04/1996, in CJ-STJ, 96, II, 168).
15- Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, “(...) ela não é uma teoria dos fins da pena, ela visa justamente o contrário, isto é, a consideração da pena como entidade independente de fins" (in "Questões fundamentais - A doutrina geral do crime", Tomo I).
16- Daqui resultou o princípio da culpa: Não pode haver pena sem culpa e, a medida da pena, não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
17- Assim, importa ter presente, a doutrina da prevenção geral positiva, que tem por finalidade a tutela dos bens jurídicos, mas no seu aspecto preventivo e "pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade pela manutenção da vigência da norma violada", de onde resulta que a finalidade primária da pena é o mero restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada e/ou atacada pelo crime.
18- Por outro lado, na doutrina da prevenção geral positiva é que é fixada a moldura de prevenção dentro de cujos limites devem actuar as considerações de prevenção especial e não a culpa que fornece uma moldura penal da culpa, como refere o Prof. Figueiredo Dias, em "Questões fundamentais - A doutrina geral do crime", Tomo I.
19- De acordo com a doutrina especial positiva, a medida da necessidade de socialização do agente é o critério decisivo das exigências de prevenção especial. Tudo depende da forma como o agente se revelar, carente ou não da socialização. Se uma tal carência se não verificar tudo se resumirá em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência.
20- Podemos concluir que é uma pena justa aquela que responda, adequadamente, às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.
21- E se é líquido afirmar que as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade de uma norma violada e, em segundo lugar, na análise da eficácia do próprio sistema jurídico-penal, a função da culpa é designadamente, a de estabelecer o máximo de pena concretamente aplicável - toda a pena tem um suporte axiológico-normativo - a culpa concreta.
22- A este propósito, veja-se o Acórdão do STJ de 18/06/2009: "A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas - sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes de negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de sociabilização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar." (Cfr. Figueiredo Dias, in "Temas Básicos da Doutrina Penal", Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e ssg.).
23- Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2009, a propósito dos critérios legais estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal e da forma como as exigências de prevenção geral e especial se conjugam, o seguinte: "O critério e as circunstâncias do artigo 71º do C.P. são contributo quer para a determinação da medida da pena concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda as indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente. As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados por bens jurídicos - criminais." (Cfr. Acórdão do STJ de 18/06/2009, in www.dgsi.ptl.
24- No caso sub judice estão satisfeitas as exigências estatuídas, razão pela qual a pena fixada se apresenta altamente exagerada face ao grau de culpa imputável ao Recorrente. Pelo que,
25- Deve a douta Sentença recorrida revogada, no que concerne à determinação da medida concreta da pena, aplicando-se ao ora Recorrente pena de prisão inferior a 8 (oito) meses, o que se considera justo e adequado, face à moldura penal aplicável e ao conjunto de factos dados como provados e não provados, os quais foram confessados de forma integral e sem reservas pelo ora Recorrente.
26- O Tribunal a quo entendeu não proceder à sua substituição por uma pena não detentiva ou por outra pena detentiva prevista na lei, como sejam a pena de multa (Cfr. artigo 45.º do Código Penal), a prestação de trabalho a favor da comunidade (Cfr. artigo 58.º do Código Penal), a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova (Cfr. artigos 50.º a 54.º do Código Penal), ou a sua execução em regime de permanência na habitação (Cfr. artigo 43.º, do Código Penal),
27- Porquanto, "As necessidades de prevenção especial são elevadíssimas, não tendo o arguido sentido verdadeiramente as penas que lhe vêm sendo aplicadas, vindo a frustrar as expetativas em si depositadas no sentido da inversão da conduta e adoção de comportamento conforme o direito, pelo que apenas a prisão efetiva garante o cumprimento das finalidades de punição",
28- E que apenas a aplicação ao arguido de uma pena de prisão realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
29- Não obstante ter o ora Recorrente sido condenado por 8 (crimes), 5 (cinco) dos quais, pela práctica do crime de condução sem habilitação legal, nos anos de 2017 (praticados em 10/07/2017 e 12/10/2017), 2018 (praticados em 17/04/2018 e 07/07/2018) e 2021 (praticado em 13/07/2021) e, de o mesmo ser considerado reincidente para efeitos de determinação da concreta medida da pena, atento o seu Certificado de Registo Criminal, no que concerne às circunstâncias que militam a favor do ora Recorrente, sempre se dirá que o Tribunal a quo andou mal, porquanto não atendeu a essas mesmas circunstâncias, da mesma forma que atendeu ao seu Certificado de Registo Criminal, designadamente para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova (Cfr. artigos 50.º a 54.º do Código Penal), ou a sua execução em regime de permanência na habitação, com sujeição a meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43.º do Código Penal.
30- O Tribunal a quo, na sua ponderação, não atendeu às circunstâncias que militam a favor do ora Recorrente, designadamente ao facto de o Recorrente ter confessado os factos, acabando até por desvalorizar essa confissão, tendo também desvalorizado por completo o arrependimento do ora Recorrente.
31- Conforme resulta das declarações do ora Recorrente prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, cumprida que foi a pena de prisão efectiva em Setembro de 2023 e, voltando à sua vida em sociedade, o ora Recorrente procurou reestruturar-se e, apesar de não ter uma situação laboral estável, dedica-se a todos os trabalhos que lhe vão surgindo na área da ..., auferindo o valor mensal aproximado de € 1.000,00 (mil euros) e € 1.100,00 (mil e cem euros).
32- Assim que teve condições económicas para se inscrever numa escola de condução, o ora Recorrente, no dia .../.../2024, inscreveu-se numa escola de condução, tendo pago a carta de condução na sua totalidade.
33- Sendo certo que o ora Recorrente, no período compreendido entre .../.../2024 e .../.../2024, apenas frequentou 7 (sete) aulas teóricas presenciais, tal facto deveu-se a falta de tempo, uma vez que, não tendo a sua situação laboral estável, o ora Recorrente dedica-se a todos os trabalhos na área da construção civil que lhe vão aparecendo, por forma a prover ao seu sustento, uma vez que vive sozinho.
34- Não obstante a situação laboral do ora Recorrente não ser estável, o Tribunal a quo considerou que o ora Recorrente se encontra familiar, social e profissionalmente inserido.
35- E, assim, não pode ser a condenação, por 5 (cinco) vezes, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, que inviabiliza a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou a aplicação da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com sujeição a meios de controlo à distância, respectivamente, nos termos dos artigos 50.º a 54.º e 43.º, todos do Código Penal.
36- Estabelece o n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-legal (prevenção geral positiva) e, a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva).
37- O ora Recorrente encontra-se familiar, social e profissionalmente inserido, inscrito em escola de condução, tendo realizado 7 (sete) aulas teóricas presenciais, no período compreendido entre os dias .../.../2024 e .../.../2024 e, após o dia .../.../2024, tendo realizado dois módulos online, sendo ainda possível fazer um juízo de prognose favorável a favor do arguido,
38-Considera o ora Recorrente que a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou, no limite, e caso assim não se entenda, a aplicação da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com sujeição a meios de controlo à distância, respectivamente, nos termos dos artigos 50.º a 54.º e 43.º, todos do Código Penal, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena, pois a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, permitindo ao ora Recorrente cumprir a pena de prisão em que foi condenado.
39- A introdução do ora Recorrente em ambiente prisional para cumprimento da referida pena, constitui um retrocesso no esforço de reintegração social que o ora Recorrente vem fazendo desde Setembro de 2023.
40- A suspensão da execução da pena de prisão, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou, no limite, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com sujeição a meios de controlo à distância, por forma a que o Recorrente possa trabalhar e prover ao seu sustento, é mais que suficiente para evitar o cometimento de novos crimes, contribuindo, igualmente, para a reintegração do Recorrente na sociedade (prevenção especial positiva), pois a simples censura do facto e a ameaça de prisão, ou no limite, e caso assim não se entenda, a própria execução da pena de prisão em regime permanência na habitação, realizam de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
41- O ora Recorrente é merecedor de um juízo de prognose favorável, porquanto se encontra familiar, social e profissionalmente inserido, inscrito em escola de condução, tendo realizado 7 (sete) aulas teóricas presenciais, no período compreendido entre os dias .../.../2024 e .../.../2024 e, após o dia .../.../2024, tendo realizado dois módulos online,
42- A suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou, no limite e caso assim não se entenda, a aplicação do regime de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com recurso a meios de vigilância à distância e, permite a continuação da reintegração do ora Recorrente em sociedade.
43- Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, atentas as circunstâncias do caso concreto, verificando-se atenuantes de significativo relevo, nomeadamente a confissão integral e sem reservas, o facto de o ora Recorrente se encontrar familiar, social e economicamente inserido e, se encontrar inscrito em escola e condução e a frequentar actualmente as aulas de código online, mostra-se excessiva a pena de 8 (oito) meses de prisão efectiva que foi aplicada ao ora Recorrente, pelo que deverá a mesma ser substituída por pena inferior.
44- Mas caso assim não se entenda, o que somente por mera hipótese académica se concebe, mas não se concede, deve a referida pena de prisão ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou, em alternativa, e caso assim não se entenda, executada em regime de permanência na habitação, com recurso a meios de vigilância à distância, nos termos do artigo 43.º do Código Penal.
45- A sentença sob censura violou os seguintes preceitos legais:
- Artigo 71º, n.º 1 do CP;
- Artigo 40.º do CP;
- Artigos 50.º a 54.º do CP;
- Artigo 43.º, n.º 1 do CP.
Termina requerendo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão de aplicação de pena de prisão efetiva de 8 (oito) meses, para pena inferior, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou, em alternativa, e caso assim não se entenda, ser a mesma executada em regime de permanência na habitação, com recurso a meios de vigilância à distância.
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Admitido o recurso o Ministério Público do tribunal a quo apresentou a seguinte resposta de que se extraí com maior relevo o seguinte:
(…)
II- Salvo melhor opinião, entende o Ministério Público não assistir razão ao arguido nos argumentos aduzidos em sede de recurso.
Com efeito, compulsada a sentença proferida nos autos, verifica-se que foram dados como provados os seguintes factos:
“1. No dia …-2024, pelas 23:45, o arguido encontrava-se a tripular o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca …, modelo Golf, de cor cinzenta, com a matrícula …-…-GP, na …, na ….
2. O arguido não é titular de carta de condução para conduzir veículos a motor.
3. O arguido quis e representou conduzir o referido veículo automóvel, cujas características conhecia, na via pública, sem ser titular de carta de condução, bem sabendo que para o efeito tal lhe era imprescindível, o que conseguiu.
4. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Mais se provou:
5. O arguido está inscrito em escola de condução desde ...-...-2024, tendo efetuado entre ...-...-2024 e ...-...-2024 7 aulas teóricas presenciais, e após o dia ...-...-2024 dois módulos online.
6. O arguido aufere o rendimento mínimo no valor mensal de €237,50.
7. Faz biscates na área da …, auferindo o valor mensal aproximado entre € 1.000,00 e € 1.100,00.
8. Reside sozinho em casa de família.
9. Tem o 6.º ano de escolaridade
Para além dos factos acima descritos, foi ainda dada como provado, mais concretamente no ponto 10. da sentença que:
"10. O arguido tem averbado no seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações:
(i) Pela prática, em 19-08-2013, de um crime de roubo, no âmbito do processo n.º 1271/13.8PAALM, que correu termos no 2.º Juízo de Competência Criminal de Almada, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa por igual período, por decisão de 03-06-2014, transitada em julgado em 03-07-2014, e extinta em 03-11-2015.
(ii) Pela prática, em 10-04-2012, de um crime de consumo de estupefacientes, no âmbito do processo n.º 29/12.6PEALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por decisão de 26-05-2015, transitada em julgado em 25-06-2015, e extinta em 27-10-2017.
(iii) Pela prática, em 12-10-2017, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 1664/17.1PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por decisão de 12-10-2017, transitada em julgado em 13-11-2017, e extinta em 08-07-2022.
(iv) Pela prática, em 13-07-2021, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 371/21.5PATVR, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Tavira, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano, por decisão de 03-06-2022, transitada em julgado em 07-04-2022, e extinta em 09-10-2023.
(v) Pela prática, em 30-03-2015, de três crimes de ameaça agravada, no âmbito do processo n.º 529/15.6PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 1, na pena de 2 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com sujeição a deveres, por decisão de 08-01-2018, transitada em julgado em 07-02-2018. A suspensão da execução da pena de prisão foi objeto de revogação.
(vi) Pela prática, em 17-04-2018, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 599/18.5PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 3, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 1 ano e 6 meses, por decisão de 26-04-2018, transitada em julgado em 28-05-2018. A suspensão da execução da pena de prisão foi objeto de revogação, tendo a pena sido extinta em 01-09-2023.
(viii) Pela prática, em 07-07-2018, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 27/18.6PFALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 11 meses de prisão, suspensa por 2 anos, por decisão de 25-07-2018, transitada em julgado em 01-10-2018, e extinta em 01-10-2020.
(ix) Pela prática, em 10-07-2017, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 1197/17.6PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 6 meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, por decisão de 12-03-2019, transitada em julgado em 11-04-2019, posteriormente substituída por prisão efetiva, e extinta em 07-02-2022."
Tais factos tiveram por base do teor do Certificado de Registo Criminal do arguido junto aos autos.
Considera o arguido que a condenação em pena de prisão que o Tribunal lhe aplicou é excessiva, e que o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 71º, do Código Penal.
O crime de condução de veículo com motor sem habilitação legal, previsto no artigo 3º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 2 (dois) anos ou com pena de multa de 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias.
Este é um crime comum e de perigo abstracto.
Comum porque pode ser cometido por qualquer pessoa;
De perigo, porque a consumação não exige a efectiva lesão do bem jurídico;
Abstracto, porque o perigo não faz parte do tipo, sendo apenas motivo da proibição, fundando-se a tipificação da conduta na sua perigosidade típica para o bem jurídico.
O crime de condução de veículo com motor sem habilitação legal tutela o bem jurídico colectivo segurança rodoviária.
Pune-se assim todo o agente que pratica a condução inabilitada, assumindo-se que não tem a capacidade e perícia necessárias para o fazer em segurança, por falta de conhecimentos teóricos e práticos, conhecimentos cuja existência é pressuposta pela titularidade da habilitação legal.
Fixados os factos provados e motivada a decisão de facto, prosseguiu o tribunal “a quo” com a operação de escolha e determinação da medida da pena.
Aí o tribunal “a quo” teve presente as disposições constantes dos artigos 70º e 71º, do Código Penal, tomando em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial.
Segundo o disposto no artigo 70º do Código Penal, o Tribunal deve dar preferência à pena não privativa de liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerou o Tribunal “a quo”:
"- o grau de ilicitude, que entendemos elevado, atendendo à gravidade objetiva dos factos;
- a intensidade do dolo, tendo o arguido atuado com dolo direto;
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica, encontrando-se o arguido a realizar trabalhos na área da construção civil, residindo em casa de família;
- a conduta anterior e posterior do arguido, considerando-se a sua inscrição em escola de condução, sendo que não ficou a sua vontade particularmente vincada, uma vez que apenas efetuou, até ao confronto com o presente processo, sete aulas teóricas em cerca de oito meses; a confissão, ainda que mitigada pela evidência da prova; e existência de vários antecedentes criminais, incluindo pela prática de crime de idêntica natureza, e em que foi já condenado em penas de multa, em penas de prisão suspensas na sua execução e em regime de permanência na habitação, culminando no seu cumprimento efetivo."
Tudo ponderado, face ao que acima ficou mencionado, e afastando desde logo a possibilidade de aplicação de uma pena de multa, concluiu o Tribunal, e em nossa perspetiva bem, pela aplicação de uma pena de prisão, que fixou em 8 (oito) meses.
Em sede de sentença, pronunciou-se igualmente o Tribunal “a quo” relativamente à possibilidade de aplicação de penas de substituição, mencionando que “As necessidades de prevenção especial são elevadíssimas, não tendo o arguido sentido verdadeiramente as penas que lhe vêm sendo aplicadas, vindo a frustrar as expetativas em si depositadas no sentido da inversão da conduta e adoção de comportamento conforme o direito, pelo que apenas a prisão efetiva garante o cumprimento das finalidades de punição
Com efeito, e no que tange à suspensão da execução da pena de prisão, trata-se de uma pena de substituição em sentido próprio, uma vez que que o seu cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.
Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respectivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º1 do Código Penal).
Esse juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.
Como referem Simas Santos e Leal-Herniques, “na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir. O tribunal deverá correr um risco prudente - esperança não é seguramente certeza - mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” — Noções de Direito Penal, 5.a ed., Rei dos Livros, 2016, pág.210.
No caso em apreço, o passado criminal do arguido AA, expresso no seu Certificado de Registo Criminal, do qual é possível verificar que já tem averbadas pelo menos 8 (oito) condenações, 5 (cinco) por crimes da mesma natureza do crime aqui em causa, tendo sofrido 4 (quatro) condenações em penas de prisão suspensas na execução, e 1 (uma) condenação em pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, a qual posteriormente veio a ser substituída por prisão efectiva, condenações que não serviram de advertência ao arguido, nem de impedimento á pratica dos factos em causa neste processo, ocorridos em 23.11.2024.
Nesta matéria mencionou o Tribunal “a quo” que "certo é que tais condenações não fizeram com que adotasse comportamento diverso, havendo ainda que notar que a repetição do cometimento de ilícito, interrompida pelo período de reclusão, evidencia comportamento desconforme o direito que faz recear a sua repetição
Da análise do certificado de registo criminal do arguido, conclui-se que a sua alegada inserção familiar e profissional e bem assim as sucessivas penas em que o mesmo foi sendo condenado, não o inibiram de voltar a cometer em 23.11.2024 o crime pelo qual aqui foi condenado.
Pronunciou-se igualmente o Tribunal quanto à possibilidade de execução da pena em regime de permanência na habitação, com sujeição a meios de controlo à distância, mencionando que “E o mesmo se diga quanto ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, do qual, aliás, também já o arguido beneficiou, e que frustrando tal possibilidade que lhe fora concedida, culminou na sua substituição por prisão efetiva. Posto isto, face às necessidades de prevenção especial já analisadas, entendemos que o arguido não é merecedor de qualquer juízo de prognose favorável que sustente, de forma minimente razoável, a aplicação deste regime”, afastando desta forma a possibilidade de execução da pena nestes moldes.
Por tudo quanto se deixou exposto, entende o Ministério Público que a sentença proferida não merece qualquer censura, mostrando-se plenamente justificada a opção tomada pelo Tribunal “a quo” em primeiro lugar de optar pela aplicação de uma pena de prisão, em segundo lugar em fixar em 8 (oito) meses a pena em concreto aplicada ao arguido, em terceiro lugar a decisão de não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, atendendo à fundamentada ausência de um juízo de prognose favorável à ressocialização do mesmo em liberdade, e bem assim determinando o cumprimento da mesma em ambiente prisional, porquanto apenas esta garante o cumprimento das finalidades de punição.
Assim, concluindo-se que a pena em que o arguido foi condenado nestes autos, nos termos em que se mostra fundamentada na sentença proferida, se mostra adequada e proporcional à gravidade dos factos praticados pelo arguido, não merecendo a sentença “a quo’’ qualquer censura, e inexistindo assim qualquer razão ao arguido/recorrente AA no recurso formulado.
Termina pugnando pelo não provimento do recurso interposto pelo arguido e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação foi emitido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando integralmente a resposta apresentada pela Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido e, também, considerando que a decisão impugnada não merece crítica e ainda aduzindo a seguinte argumentação:
Conforme impõe o art.º 50º do C. Penal, a questão da suspensão (ou não) da pena, dado que aplicada em medida não superior a cinco anos, sempre teria que ser obrigatoriamente abordada, importando averiguar se a prognose de ressocialização é favorável: a execução da pena de prisão aplicada deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerando a norma a possibilidade de suspensão de execução da pena impõe-se averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. A prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a ultima ratio da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a proteção e a promoção dos direitos das pessoas, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coação próprios do controlo social.
O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico favorável. É o que sucede na situação em apreço com o recorrente, em que a personalidade do arguido contraindica claramente a suspensão, pois os factos apontam para que a sua conduta, objeto destes autos, esteve longe de ser um incidente ocasional e atípico na sua vida.
Como, além do mais, se refere na sentença recorrida:
“As necessidades de prevenção especial são elevadíssimas, não tendo o arguido sentido verdadeiramente as penas que lhe vêm sendo aplicadas, vindo a frustrar as expetativas em si depositadas no sentido da inversão da conduta e adoção de comportamento conforme o direito, pelo que apenas a prisão efetiva garante o cumprimento das finalidades de punição”’
Não se pode abstrair da gravidade e da censurabilidade da conduta que o arguido adotou, inerente à prática reiterada do mesmo ilícito (e outros), evidenciando que o recorrente rejeitou, sistematicamente, interiorizar as consequências das suas condutas anteriores, o que levou o Tribunal a concluir que as antecedentes penas não acautelaram eficazmente o cometimento de novos crimes.
Conforme bem se refere no Ac. da Rel. de Coimbra de 09.3.2016, relatora: Olga Maurício in www.dgsi.pt “I - Se é verdade que o crime de condução sem habilitação se insere na pequena criminalidade, também é verdade que o legislador tem pretendido reprimir cada vez mais este tipo de ilícito dados os ainda elevados índices de sinistralidade das estradas portuguesas. II - Essencial à decisão de suspender é a convicção que o arguido tem capacidade de sentir essa ameaça de eventual cumprimento da pena e que esta tenha sobre si o efeito dissuasor necessário à repetição de factos ilícitos”.
Ora, constatamos que os elementos fornecidos nos autos não fundam qualquer esperança no êxito do processo de reinserção social do arguido em liberdade, por não permitirem o vaticínio de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, razão pela qual não merece censura a decisão recorrida. E, assim, concluindo que a execução da pena de prisão aplicada é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento pelo recorrente de futuros crimes, também se mostra inviabilizada a substituição dessa pena por qualquer das demais medidas de substituição previstas na lei.
Assim, face à factualidade apurada entendemos que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura por excesso de severidade atentas as elevadas exigências de prevenção especial, associadas a uma, até ao momento evidente impermeabilidade aos efeitos das penas faz concluir que apenas o cumprimento efetivo da pena de prisão poderá prevenir a prática de novos crimes pelo arguido.
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Observado o disposto no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto pelo arguido cumprindo, assim, apreciar e decidir.
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2- FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº 2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente arguido invoca a questão a dirimir é se a medida concreta da pena de prisão que vem fixada é desadequada e excessiva e se deve a mesma ser suspensa na respetiva execução ou substituída por regime de permanência na habitação fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.
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2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara a sentença recorrida na parte que releva para a apreciação do recurso interposto pelo arguido o que a seguir se transcreve:
III. Fundamentação de facto
Factos provados:
Da discussão da causa, com relevo para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 23-11-2024, pelas 23:45, o arguido encontrava-se a tripular o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, modelo Golf, de cor cinzenta, com a matrícula 27-55-GP, na Estrada Florestal, na Costa de Caparica.
2. O arguido não é titular de carta de condução para conduzir veículos a motor.
3. O arguido quis e representou conduzir o referido veículo automóvel, cujas características conhecia, na via pública, sem ser titular de carta de condução, bem sabendo que para o efeito tal lhe era imprescindível, o que conseguiu.
4. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Mais se provou:
5. O arguido está inscrito em escola de condução desde ...-...-2024, tendo efetuado entre ...-...-2024 e ...-...-2024 7 aulas teóricas presenciais, e após o dia ...-...-2024 dois módulos online.
6. O arguido aufere o rendimento mínimo no valor mensal de €237,50.
7. Faz biscates na área da construção civil, auferindo o valor mensal aproximado entre €1.000,00 e € 1.100,00.
8. Reside sozinho em casa de família.
9. Tem o 6.º ano de escolaridade.
10. O arguido tem averbado no seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações:
(i) Pela prática, em 19-08-2013, de um crime de roubo, no âmbito do processo n.º 1271/13.8PAALM, que correu termos no 2.º Juízo de Competência Criminal de Almada, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa por igual período, por decisão de 03-06-2014, transitada em julgado em 03-07-2014, e extinta em 03-11-2015.
(ii) Pela prática, em 10-04-2012, de um crime de consumo de estupefacientes, no âmbito do processo n.º 29/12.6PEALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por decisão de 26-05-2015, transitada em julgado em 25-06-2015, e extinta em 27-10-2017.
(iii) Pela prática, em 12-10-2017, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 1664/17.1PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por decisão de 12-102017, transitada em julgado em 13-11-2017, e extinta em 08-07-2022.
(iv) Pela prática, em 13-07-2021, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º371/21.5PATVR, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Tavira, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano, por decisão de 03-062022, transitada em julgado em 07-04-2022, e extinta em 09-10-2023.
(v) Pela prática, em 30-03-2015, de três crimes de ameaça agravada, no âmbito do processo n.º 529/15.6PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 1, na pena de 2 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com sujeição a deveres, por decisão de 08-01-2018, transitada em julgado em 07-02-2018. A suspensão da execução da pena de prisão foi objeto de revogação.
(vi) Pela prática, em 17-04-2018, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 599/18.5PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 3, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 1 ano e 6 meses, por decisão de 26-04-2018, transitada em julgado em 28-05-2018. A suspensão da execução da pena de prisão foi objeto de revogação, tendo a pena sido extinta em 01-09-2023.
(viii) Pela prática, em 07-07-2018, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º27/18.6PFALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 11 meses de prisão, suspensa por 2 anos, por decisão de 25-072018, transitada em julgado em 01-10-2018, e extinta em 01-10-2020.
(ix) Pela prática, em 10-07-2017, de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.º 1197/17.6PAALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, na pena de 6 meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, por decisão de 12-03-2019, transitada em julgado em 11-04-2019, posteriormente substituída por prisão efetiva, e extinta em 07-02-2022.
Factos não provados:
Inexistem com relevo para a decisão.
Motivação da decisão de facto:
A convicção do Tribunal baseou-se na ponderação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
Assim, o Tribunal atendeu às declarações confessórias do arguido, aliadas ao auto de notícia junto aos autos a fls. 3, quanto às circunstâncias de tempo e lugar, e que nos termos dos artigos 363.º, n.º2, e 371.º, n.º1, do Código Civil e 169.º, do Código de Processo Penal, constitui documento autêntico e faz prova plena dos factos nele constantes, já que a sua autenticidade não foi posta em causa.
Para prova de inscrição na escola de condução, aulas efetuadas e em que datas e moldes, atentou o tribunal nas declarações do arguido, aliadas aos documentos por este apresentados em sede de audiência de julgamento, e que correspondem à ficha de instruendo, à licença de aprendizagem com indicação das aulas teóricas e a dois recibos, um deles, segundo as declarações do arguido, correspondente à aquisição das aulas online a ...-...-2024.
Para prova das condições económico sociais, o tribunal baseou-se nas declarações do arguido e no que concerne aos antecedentes criminais, no Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
IV. Fundamentação de Direito:
a. Do tipo de crime
Atentos os factos provados, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
O arguido vem acusado da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
De acordo com o sobredito preceito, quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, sendo que, se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
O bem jurídico que se visa proteger com a incriminação é a segurança da circulação rodoviária, reconhecendo a lei a condução de veículo automóvel como uma atividade de risco, designadamente para a vida e integridade física de quem circula nas estradas e, como tal, o aumento exponencial do referido risco quando tal atividade seja desenvolvida por quem não se encontra legalmente habilitado para tal.
Trata-se, assim, de um crime de perigo abstrato que, como tal, não pressupõe a verificação de um perigo concreto para o bem jurídico protegido.
Para o preenchimento do tipo objetivo de ilícito exige-se a condução de veículo a motor em via pública ou equiparada sem para tal dispor de habilitação legal, nos termos definidos no Código da Estrada.
E, nos termos conjugados dos artigos 121.º e seguintes do Código da Estrada, tal habilitação consiste na titularidade de carta de condução, definindo este como o documento que titula a habilitação para conduzir automóveis e motociclos.
O tipo subjetivo pressupõe a atuação dolosa do agente, em quaisquer das modalidades previstas nos artigos 14.º, do Código Penal.
Revertendo para o caso dos autos, atenta a factualidade provada, resulta que o arguido, com a sua conduta, preencheu o tipo legal do crime em apreço.
Resultou demonstrado que, as circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, o arguido conduziu o ciclomotor ali melhor identificado, na via pública, não detendo, à data da prática dos factos, habilitação legal válida para conduzir o referido veículo.
O arguido não podia ignorar que conduzia veículo automóvel sem se encontrar habilitado para o efeito, o que sabia e não a inibiu de praticar tal facto, atuando de forma dolosa, encontrando-se, assim, preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal de crime.
b. Da escolha e medida da pena
Verificando-se o tipo criminal imputado, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar à arguido na que concerne ao crime imputado.
O crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 2 (dois) anos, ou de multa até 240 dias, sendo esta a moldura a atender para efeito de determinação da medida da pena.
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De acordo com o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Retira-se do preceito que os critérios estabelecidos pela lei para a determinação da medida da pena são a culpa e a prevenção, alcançando-se a compreensão destes conceitos pelo disposto no artigo 40.º, do Código Penal. De acordo com o referido normativo, as exigências de prevenção geral visam satisfazer a necessidade da sociedade de punir o crime, acrescendo ainda que a necessidade da culpa cumpre o exigível respeito pela dignidade da pessoa, limitando aquelas exigências de prevenção.
Por outro lado, a prevenção especial é encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
Na articulação entre culpa e prevenção, tem sido entendido que é a prevenção geral positiva que fornece a moldura dentro da qual irá atuar a prevenção especial, determinando a medida da pena. A culpa funcionará como limite inultrapassável das questões preventivas, assim fornecendo o limite máximo da pena.
Como refere Figueiredo Dias, “dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas do ordenamento jurídico” - Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 105.
Dentro desta moldura operam razões de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, quando tal se imponha, pois, se o agente não carecer de socialização, por se encontrar socialmente integrado, então a medida encontrada terá somente de servir de suficiente advertência, diminuindo a medida para o limiar mínimo.
Nos termos do disposto no artigo 70.º, do Código Penal, o tribunal deve, perante a possibilidade de aplicação alternativa entre pena privativa e pena não privativa de liberdade, dar preferência à segunda, sempre que que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para optar entre uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, haverá que ter em conta as exigências de prevenção geral (prevenção geral positiva ou de integração), relacionada com a proteção de bens jurídicos e do sentimento comunitário de segurança face à violação da norma, defendendo as expectativas da comunidade na conservação da norma jurídica infringida, e de prevenção especial, ligada à reintegração do agente na sociedade, funcionando a culpa como limite máximo da pena concreta a aplicar.
O ordenamento jurídico-penal considera as penas privativas da liberdade como utima ratio, atendendo ao seu caráter estigmatizante. Na verdade, apesar de a pena de prisão continuar a assumir um papel de relevo no sistema criminal, houve uma nítida preocupação em secundarizar a pena de prisão, exceto, como é óbvio, para os casos em que a gravidade do crime ou a sua reincidência o impõem, dando-se prevalência às penas não privativas, dada a sua potencialidade ressocializadora.
No presente caso, as exigências de prevenção geral são elevadas, considerando a frequência com que crimes como o dos autos são praticados e a elevada taxa de sinistralidade rodoviária, designadamente com resultados nefastos para a vida e integridade física de quem circula nas estradas.
Por outro lado, as exigências de prevenção especial afiguram-se igualmente elevadas, considerando que o arguido tem averbado no seu certificado de registo criminal várias condenações, tendo sido já condenado por 8 vezes, por um total de 10 crimes, 5 deles de idêntica natureza, por factos ocorridos entre 2013 e 2021.
Desde logo, o arguido cometeu crimes de natureza diversa, afetando bens jurídicos distintos, demonstrativos de personalidade avessa ao direito.
Ademais, o arguido foi condenado em penas diversas, de gravidade crescente, desde penas de multa, a pena de prisão suspensa, seja simples, com sujeição a deveres ou com regime de prova e, ainda, em regime de permanência na habitação, tendo cumprido penas de prisão efetiva quer na sequência de revogação da suspensão da pena de prisão, quer por incumprimento do regime de permanência na habitação.
Contudo, certo é que tais condenações não fizeram com que adotasse comportamento diverso, havendo ainda que notar que a repetição do cometimento de ilícito, interrompida pelo período de reclusão, evidencia comportamento desconforme o direito que faz recear a sua repetição.
Assim, entende-se que apenas a aplicação ao arguido de uma pena de prisão realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
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De acordo com o artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o Tribunal atender ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Desde logo, quanto ao grau de culpa, tem-se o mesmo por elevado, porquanto o arguido foi já condenado por diversas vezes pela prática de diversos ilícitos, incluindo por diversos da mesma natureza dos presentes, não podendo deixar de estar perfeitamente ciente da censura do seu comportamento.
Ademais, e nos termos do sobredito preceito, há que considerar:
- o grau de ilicitude, que entendemos elevado, atendendo à gravidade objetiva dos factos;
- a intensidade do dolo, tendo o arguido atuado com dolo direto;
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica, encontrando-se o arguido a realizar trabalhos na área da construção civil, residindo em casa de família;
- a conduta anterior e posterior do arguido, considerando-se a sua inscrição em escola de condução, sendo que não ficou a sua vontade particularmente vincada, uma vez que apenas efetuou, até ao confronto com o presente processo, sete aulas teóricas em cerca de oito meses; a confissão, ainda que mitigada pela evidência da prova; e existência de vários antecedentes criminais, incluindo pela prática de crime de idêntica natureza, e em que foi já condenado em penas de multa, em penas de prisão suspensas na sua execução e em regime de permanência na habitação, culminando no seu cumprimento efetivo.
Neste sentido, considerando o grau de ilicitude e o grau de culpa do arguido, que se considera elevado, bem como as exigências de prevenção e as demais circunstâncias atrás referidas, entende-se como justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 8 (oito) meses de prisão.
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Determinada a pena concreta a aplicar ao arguido, cumpre determinar se é caso de proceder à sua substituição por uma pena não detentiva ou por outra pena detentiva prevista na lei.
De acordo com o regime jurídico-penal vigente, uma pena de prisão não superior a um ano pode ser substituída por multa (cfr. artigo 45.º, do Código Penal) e não superior dois anos pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. artigo 58.º, do Código Penal), pode ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova (cfr. artigos 50.º a 54.º, do Código Penal), ou executada em regime de permanência na habitação (cfr. artigo 43.º, do Código Penal).
Essencial para a sobredita substituição é que da mesma resultem asseguradas, de forma adequada e suficiente, as exigências da punição. Assim, haverá que concluir, entre o mais, se a execução da pena de prisão é necessária (ou não) para evitar o cometimento de novos crimes e, bem assim, se a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Neste conspecto, e com os fundamentos que serviram de base à escolha da pena a aplicar ao arguido, para os quais expressamente se remete, não se pode olvidar que estamos diante exigências de prevenção muito elevadas, por um lado, sendo igualmente e particularmente elevadas as exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido insiste no cometimento de ilícitos, e de idêntica natureza, não tendo as anteriores condenações se afigurado suficientes para o dissuadir de tal prática.
Resulta assim, evidente, que a substituição da pena de prisão por multa ou trabalho a favor da comunidade não acautela de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ademais, o arguido já beneficiou de penas de prisão suspensas na sua execução, que não se afiguraram suficientes na prevenção do cometimento de futuros crimes, tendo praticado factos no período da suspensão da execução da pena de prisão no âmbito dos processos n.ºs 529/15.6PAALM e 599/18.5PAALM.
E o mesmo se diga quanto ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, do qual, aliás, também já o arguido beneficiou, e que frustrando tal possibilidade que lhe fora concedida, culminou na sua substituição por prisão efetiva.
Posto isto, face às necessidades de prevenção especial já analisadas, entendemos que o arguido não é merecedor de qualquer juízo de prognose favorável que sustente, de forma minimente razoável, a aplicação deste regime.
As necessidades de prevenção especial são elevadíssimas, não tendo o arguido sentido verdadeiramente as penas que lhe vêm sendo aplicadas, vindo a frustrar as expetativas em si depositadas no sentido da inversão da conduta e adoção de comportamento conforme o direito, pelo que apenas a prisão efetiva garante o cumprimento das finalidades de punição.
Apreciemos, pois, em concreto a pretensão recursiva do arguido recorrente lembrando que o mesmo não se insurge relativamente aos factos e sua subsunção jurídica, mas apenas relativamente à medida concreta da pena que lhe foi aplicada que reputa de excessiva e cuja redução requer e, se assim não se entender, a sua suspensão de execução ou substituição por regime de permanência na habitação fiscalizada por meios de controlo à distância.
No caso vertente o recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3º nº1 e nº 2 do D.L. nº2/98 de 3 de janeiro numa pena de oito meses de prisão.
Insurge-se o recorrente relativamente a tal pena por considerar que a sentença recorrida não levou em consideração, suficientemente, as circunstâncias que militam a seu favor, que a pena fixada se apresenta altamente exagerada face ao grau de culpa imputável ao Recorrente e à moldura penal aplicável e ao conjunto de factos dados como provados e não provados, os quais foram confessados de forma integral e sem reservas pelo ora Recorrente que o tribunal recorrido desvalorizou a mesma, tendo também desvalorizado por completo o arrependimento do ora Recorrente.
Mais invoca que não obstante ter o ora Recorrente sido condenado por 8 (crimes), 5 (cinco) dos quais, pela práctica do crime de condução sem habilitação legal, nos anos de 2017 (praticados em 10/07/2017 e 12/10/2017), 2018 (praticados em 17/04/2018 e 07/07/2018) e 2021 (praticado em 13/07/2021) e, de o mesmo ser considerado reincidente para efeitos de determinação da concreta medida da pena, atento o seu Certificado de Registo Criminal, no que concerne às circunstâncias que militam a favor do ora Recorrente, sempre se dirá que o Tribunal a quo andou mal, porquanto não atendeu a essas mesmas circunstâncias, da mesma forma que atendeu ao seu Certificado de Registo Criminal, designadamente para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova (Cfr. artigos 50.º a 54.º do Código Penal), ou a sua execução em regime de permanência na habitação, com sujeição a meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43.º do Código Penal.
E, ainda, que conforme resulta das declarações do ora Recorrente prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, cumprida que foi a pena de prisão efectiva em Setembro de 2023 e, voltando à sua vida em sociedade, o ora Recorrente procurou reestruturar-se e, apesar de não ter uma situação laboral estável, dedica-se a todos os trabalhos que lhe vão surgindo na área da construção civil, auferindo o valor mensal aproximado de € 1.000,00 (mil euros) e € 1.100,00 (mil e cem euros) e que assim que teve condições económicas para se inscrever numa escola de condução, o ora Recorrente, no dia .../.../2024, inscreveu-se numa escola de condução, tendo pago a carta de condução na sua totalidade e no período compreendido entre .../.../2024 e .../.../2024, apenas frequentou 7 (sete) aulas teóricas presenciais, tal facto deveu-se a falta de tempo, uma vez que, não tendo a sua situação laboral estável, o ora Recorrente dedica-se a todos os trabalhos na área da construção civil que lhe vão aparecendo, por forma a prover ao seu sustento, uma vez que vive sozinho mas que o Tribunal a quo considerou que o ora Recorrente se encontra familiar, social e profissionalmente inserido.
E também que não pode ser a condenação, por 5 (cinco) vezes, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, que inviabiliza a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou a aplicação da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com sujeição a meios de controlo à distância, respectivamente, nos termos dos artigos 50.º a 54.º e 43.º, todos do Código Penal e uma vez que ora Recorrente encontra-se familiar, social e profissionalmente inserido, inscrito em escola de condução, tendo realizado 7 (sete) aulas teóricas presenciais, no período compreendido entre os dias .../.../2024 e .../.../2024 e, após o dia .../.../2024, tendo realizado dois módulos online, sendo ainda possível fazer um juízo de prognose favorável a favor do arguido,
Conclui que atentas as circunstâncias do caso concreto, verificando-se atenuantes de significativo relevo, nomeadamente a confissão integral e sem reservas, o facto de o ora Recorrente se encontrar familiar, social e economicamente inserido e, se encontrar inscrito em escola e condução e a frequentar actualmente as aulas de código online, mostra-se excessiva a pena de 8 (oito) meses de prisão efectiva que foi aplicada ao ora Recorrente, pelo que deverá a mesma ser substituída por pena inferior ou suspensa na sua execução ainda que subordinada ao cumprimento de obrigações, regras de conduta ou regime de prova ou, em alternativa, e caso assim não se entenda, executada em regime de permanência na habitação, com recurso a meios de vigilância à distância, nos termos do artigo 43.º do Código Penal.
Ora, vejamos se assiste razão ao recorrente:
Como decorre do artigo 40º do Código Penal, as finalidades das penas são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente do crime na sociedade aí se determinando, ainda, que a medida da culpa constitui o limite da pena.
No que tange à escolha e determinação da medida da pena concreta há a considerar os fatores dos artigos 70º e 71º ambos do Código Penal sendo que o primeiro estabelece que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e o segundo estipula que a referida determinação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção atendendo-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.
Por ser relevante para este recurso importa, ainda, referir que nos termos do artigo 43º do mesmo diploma legal pode a pena de prisão aplicada em medida não superior a dois anos ser cumprida em regime de permanência na habitação «sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Em face do teor dos supra aludidos preceitos na escolha e determinação da concreta da pena, o tribunal atende à culpa do agente e simultaneamente atentas as finalidades de aplicação da pena à tutela dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
Destarte na opção entre pena privativa e pena não privativa da liberdade subjaz a consideração de qual das indicadas assegura de forma adequada e suficiente tais finalidades.
Empreendida tal escolha o limite máximo da punição no caso concreto deve situar-se na medida tida como adequada à proteção dos bens jurídicos e tutela das expectativas comunitárias na manutenção da validade e vigência das normas infringidas e ainda permitida pela culpa do agente e o limite inferior traduzir-se num mínimo ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares. Entre tais limites deve o tribunal fixar a pena concreta (seu quantum) de molde a traduzir a concordância prática entre as necessidades de prevenção geral e as de prevenção especial do caso concreto quer na vertente da reintegração do agente quer na vertente da sua dissuasão futura.
Ora, nessa tarefa de individualização o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente, os suscetíveis de “contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar4
Contudo, importa salientar que é entendimento pacífico jurisprudencial que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa apenas o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Destarte, a intervenção corretiva do Tribunal Superior no que respeita à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada. Neste sentido, vide, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/20135 onde se escreve que «o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso» e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/05/20226 em que se consigna que “a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Revertendo, ao caso concreto, uma vez que o recorrente não contesta a opção por pena de prisão em detrimento da pena de multa insurgindo-se, apenas, relativamente ao quantum que reputa de excessivo e pretende ver reduzido bem como relativamente à não suspensão da execução ou substituição por regime de permanência na habitação fiscalizado por meios de controlo à distância impõe-se lembrar o que a decisão recorrida refere na ponderação aí empreendida da medida concreta da pena de prisão aplicada.
Aí se refere:
De acordo com o artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o Tribunal atender ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Desde logo, quanto ao grau de culpa, tem-se o mesmo por elevado, porquanto o arguido foi já condenado por diversas vezes pela prática de diversos ilícitos, incluindo por diversos da mesma natureza dos presentes, não podendo deixar de estar perfeitamente ciente da censura do seu comportamento.
Ademais, e nos termos do sobredito preceito, há que considerar:
- o grau de ilicitude, que entendemos elevado, atendendo à gravidade objetiva dos factos;
- a intensidade do dolo, tendo o arguido atuado com dolo direto;
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica, encontrando-se o arguido a realizar trabalhos na área da construção civil, residindo em casa de família;
- a conduta anterior e posterior do arguido, considerando-se a sua inscrição em escola de condução, sendo que não ficou a sua vontade particularmente vincada, uma vez que apenas efetuou, até ao confronto com o presente processo, sete aulas teóricas em cerca de oito meses; a confissão, ainda que mitigada pela evidência da prova; e existência de vários antecedentes criminais, incluindo pela prática de crime de idêntica natureza, e em que foi já condenado em penas de multa, em penas de prisão suspensas na sua execução e em regime de permanência na habitação, culminando no seu cumprimento efetivo.
Neste sentido, considerando o grau de ilicitude e o grau de culpa do arguido, que se considera elevado, bem como as exigências de prevenção e as demais circunstâncias atrás referidas, entende-se como justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 8 (oito) meses de prisão.
Constata-se que a decisão recorrida percorre as circunstâncias com relevo neste caso na determinação da medida concreta da pena: o grau de ilicitude e a intensidade do dolo, as condições pessoais e a situação económica do recorrente bem como a sua conduta anterior e posterior.
E, ainda, que o faça de um modo conciso estão aí abordadas as circunstâncias suscetíveis de ponderação em tal operação, incluindo aquelas que o recorrente invoca terem sido desconsideradas, mas que apenas foram ponderadas de um modo distinto do pretendido pelo mesmo.
Com efeito importa salientar que a decisão recorrida não se refere no seu acervo factual a confissão integral e sem reservas ou a arrependimento do arguido recorrente e não tendo o recorrente impugnado tal matéria de facto a mesma permanece intocável uma vez que da leitura da decisão também não se constata a existência de qualquer vício de conhecimento oficioso, mormente os previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal.
Por outro lado, e embora a decisão recorrida tenha valorado as declarações do arguido que reputa de confessórias impõe-se salientar que a atuação criminal do arguido
foi presenciada por agente de autoridade que o intercetou e lavrou auto de notícia existindo como refere a decisão recorrida uma mitigação de tais declarações pela evidência da prova.
No que se refere à inserção familiar e profissional do recorrente, à sua inscrição em escola de condução e frequência de aulas a mesma foi valorada, mas apenas não lhe foi dado o relevo que aquele pretendia, o que não nos merece censura.
De igual modo não merece censura a ponderação empreendida relativamente à conduta anterior do arguido e, ora recorrente, mormente ao teor das condenações já averbadas no seu Certificado de Registo Criminal.
O recorrente regista condenações anteriores por crimes da mesma e de distinta natureza e, mais do que isso, foi alvo, sucessivamente, de diversas advertências criminais traduzidas nas diferentes penas que lhe foram aplicadas como bem salienta a decisão recorrida.
O que ocorre é que o alegado esforço do recorrente no sentido de obter a carta de condução não é acompanhado de uma abstenção de conduzir até ser portador de tal habilitação legal e tal opção nada tem a ver com a sua falta de tempo para frequentar as aulas.
O que se lhe impõe e sempre lhe foi imposto ( porque imposto a qualquer cidadão) é apenas que não conduza até ser titular de habilitação legal para o efeito e ao não fazê-lo sucessivamente revela-se que as condenações de que foi alvo não foram suficiente dissuasor da prática de ilícitos idênticos, confirmando-se assim mostrar o arguido acentuado desrespeito pelos valores jurídicos que coloca em causa com a sua atuação – que passam, sucintamente, pela prevenção de valores jurídico penais de natureza comunitária e pessoal, como a segurança rodoviária e a integridade física de todos quantos circulam e utilizam as vias públicas para circular, valores tantas vezes afetados por condutas como aquela do arguido, que a desrespeitam –, e pela necessidade de consciencialização real e efetiva do arguido para o respeito de tais valores, assim se incentivando o seu esforço de socialização nesse sentido. São, pois, prementes as exigências de prevenção, quer especial quer geral.
Ademais e no que respeita ao quantum da pena concreta aplicada que considera excessivo refira-se que a moldura abstrata da pena de prisão tem neste caso como limite mínimo um mês e o máximo dois anos como decorre da conjugação do artigo 41º nº1, Código Penal e do artigo 3º nº2 do D.L. nº2/98 de 3.1. Ora, a pena aplicada ao recorrente é de oito meses de prisão, ou seja, fixada ainda no 1/3 da moldura, o que não revela qualquer desproporção ou excesso, ao contrário do invocado.
De facto, tendo em conta a gravidade dos factos e, acima de tudo, o juízo de censura penal que incide sobre a conduta do arguido e sua correspondência nas necessidades de proteção dos bens jurídicos atingidos pela mesma, afigura-se, muito claramente, que uma pena fixada em medida concreta inferior à aplicada seria uma reação, essa sim, completamente desajustada à salvaguarda das necessidades da punição aqui impostas.
Ao contrário do propugnado pelo recorrente, a pena fixada na sentença recorrida constitui antes uma reação institucional mínima para a culpa exteriorizado pelo arguido no crime cometido e a merecer a mesma algum reparo na sua proporcionalidade e adequação (para as significativas exigências de tutela do bem jurídico atingido e as prementes necessidades de prevenção e de socialização) não seria seguramente por excesso.
Destarte, não merece acolhimento a pretensão do recorrente de redução da pena de prisão que lhe foi concretamente aplicada, improcedendo, neste segmento, o seu recurso.
No que se reporta à requerida suspensão da execução de tal pena de oito meses prisão prevê o artigo 50º nº1 do Código Penal que o “tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como decorre do preceito em questão não são considerações de culpa, mas sim razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial que subjazem à decisão de suspensão da execução da pena sendo que na ponderação das segundas não se pode olvidar a salvaguarda das primeiras.
Nas palavras de Figueiredo Dias7pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”, aduzindo “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto”.
Mais esclarece8 que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade da ressocialização ter êxito sem o cumprimento efetivo daquela pena – o que significa ser necessário que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas e, ainda, que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.
Em suma, pressuposto material de aplicação da suspensão da pena é, pois, que o Tribunal, em face dos factos provados, conclua, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do seu facto e do seu percurso de vida, por um prognóstico favorável com relação ao seu comportamento - mas deve ter-se em consideração sempre em última análise que a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção criminal, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa e garantia de eficácia do ordenamento jurídico-penal.
Não é função da ressocialização eliminar a necessidade de as consequências penais serem dissuasoras de criminalidade nem retirar a confiança comunitária no sistema penal ou defraudar a tutela dos bens jurídicos legalmente protegidos.
Assim, só quando as exigências de prevenção na dupla vertente supra enunciada fiquem asseguradas é que a pena de prisão poderá ser suspensa na sua execução.
Revertendo ao caso dos autos a decisão recorrida refere, com relevo que:
Neste conspecto, e com os fundamentos que serviram de base à escolha da pena a aplicar ao arguido, para os quais expressamente se remete, não se pode olvidar que estamos diante exigências de prevenção muito elevadas, por um lado, sendo igualmente e particularmente elevadas as exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido insiste no cometimento de ilícitos, e de idêntica natureza, não tendo as anteriores condenações se afigurado suficientes para o dissuadir de tal prática.
Resulta assim, evidente, que a substituição da pena de prisão por multa ou trabalho a favor da comunidade não acautela de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ademais, o arguido já beneficiou de penas de prisão suspensas na sua execução, que não se afiguraram suficientes na prevenção do cometimento de futuros crimes, tendo praticado factos no período da suspensão da execução da pena de prisão no âmbito dos processos n.ºs 529/15.6PAALM e 599/18.5PAALM.
Concorda-se com a apreciação supra empreendida porquanto em consonância entende-se que é muitíssimo elevada a necessidade de tutela dos bens jurídicos que aqui foram materialmente lesados pelo comportamento do arguido, exacerbando as exigências preventivas.
A reiteração do arguido no cometimento exatamente deste tipo de crime, além de outros que regista no seu percurso criminal, não pode aqui deixar de ser objeto de ponderação na medida do respetivo reflexo nas exigências de prevenção geral e especial que aqui se colocam, porque é disto que aqui agora se trata.
O recorrente não denota interiorização da reprovabilidade das suas condutas nem a ameaça de privação de liberdade ou mesmo a efetiva privação de liberdade não serviram de suficiente dissuasor da reiteração criminosa da arguida, e nomeadamente por reporte a ilícitos que colocam em causa precisamente os mesmos valores jurídicos–penais de ordem pessoal e comunitário.
Destarte, impõe-se concluir que o recorrente não oferece garantias suficientes de que a simples ameaça de execução da pena sejam suficientes para o afastar do cometimento de novos crimes, e, deste modo, de que seja possível formular um juízo favorável da sua adequação futura às regras de convivência sociais.
As circunstâncias da sua atuação por consideração à sua reiteração, sempre imune ao respetivo e sucessivo sancionamento e personalidade por essa via revelada pelo recorrente inviabilizam qualquer prognóstico favorável.
Assim, não merece qualquer censura a decisão de não suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, pelo que improcede também neste segmento a pretensão recursiva do recorrente.
Por último entende o recorrente que a pena de prisão que lhe foi concretamente aplicada deveria ser substituída por regime de permanência na habitação fiscalizada por meios de controlo à distância.
Refere o artigo 43º nº 1 al. a) do Código Penal sob a epígrafe “regime de permanência na habitação que sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) a pena de prisão aplicada em medida não superior a dois anos(…).
Trata-se de uma pena de substituição cuja possibilidade de aplicação foi também ponderada na decisão recorrida aí se consignando:
E o mesmo se diga quanto ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, do qual, aliás, também já o arguido beneficiou, e que frustrando tal possibilidade que lhe fora concedida, culminou na sua substituição por prisão efetiva.
Posto isto, face às necessidades de prevenção especial já analisadas, entendemos que o arguido não é merecedor de qualquer juízo de prognose favorável que sustente, de forma minimente razoável, a aplicação deste regime.
As necessidades de prevenção especial são elevadíssimas, não tendo o arguido sentido verdadeiramente as penas que lhe vêm sendo aplicadas, vindo a frustrar as expetativas em si depositadas no sentido da inversão da conduta e adoção de comportamento conforme o direito, pelo que apenas a prisão efetiva garante o cumprimento das finalidades de punição.
Como considerar que as finalidades da execução da pena de prisão se realizam de forma adequada e suficiente com um regime de permanência na habitação quando anteriormente o recorrente beneficiou de tal regime e não o cumpriu?
Inexiste fundamento para alterar a decisão recorrida porquanto a mesma aplicou corretamente as normas legais aplicáveis não merecendo censura a imposição ao recorrente de uma pena efetiva de oito meses de prisão.
Assim, improcede na sua totalidade o recurso do arguido.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.
Custas da responsabilidade do arguido recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art.º 513º do Cód. de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
Notifique.
*
Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a datas certificadas supra.
*
Tribunal da Relação de Lisboa, 7 de Maio de 2025
Ana Rita Loja
Cristina Isabel Henriques
Cristina Almeida e Sousa
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1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242.
5. Proferido no recurso 180/11.0GAVLP.P1, acedido em www.dgsi.pt
6. Proferido no recurso 1537/20.0GLSNT.L1. S1 acedido em www.dgsi.pt
7. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518.
8. Obra. citada, § 520.