Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE ROSAS DE CASTRO | ||
Descritores: | PROCESSO EQUITATIVO DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1 -O arguido tem o direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação, no quadro geral das suas garantias de defesa e em particular do exercício do contraditório para que aponta o art. 32º, nº 5 da CRP, que encontra ampla consagração no CPP, nomeadamente nos seus arts. 327º, nº 2 e 355º, nº 1, e que se encontra explicitamente imposto pelo art. 6º, nº 3, alínea d) da CEDH. 2 - Esta norma da CEDH, que vigora no plano interno por via do art. 8º, nº 2 da CRP e que deve além disso servir, à luz da jurisprudência do TEDH, de paradigma interpretativo dos direitos constitucional e ordinário, consagra a regra segundo a qual todas as testemunhas devem ser ouvidas na presença do arguido, em audiência pública, à luz de um procedimento contraditório. 3 - Essa regra admite exceções, mas que não devem postergar totalmente os direitos de defesa, o que significa que por norma deverá sempre ser reconhecido ao arguido a possibilidade de desafiar a testemunha em causa aquando da recolha das suas declarações ou numa fase ulterior do processo, particularmente quando estamos diante uma prova que assuma o perfil de prova única ou decisiva. 4 - A garantia prevista no art. 6º, nº 3, alínea d) da CEDH [direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação], constitui um aspeto específico do direito a um processo equitativo consagrado no nº 1 do preceito e o respeito por uma tal garantia representa um fator a considerar na avaliação global do caráter equitativo do processo. 5 - Nessa avaliação global é mister considerar os direitos da defesa, sim, mas também os interesses do público e da vítima em verem os eventuais ilícitos criminais adequadamente perseguidos e, onde for pertinente, os direitos das próprias testemunhas, nomeadamente no que se refere com a salvaguarda da sua integridade física e psíquica. 6 – A valoração como prova, em julgamento, do depoimento de uma testemunha ouvida em momento prévio sem que o arguido tenha tido a oportunidade de a interrogar ou fazer interrogar, apenas pode aceitar-se como solução de último recurso. 7 – Nesse caso, a garantia de um processo equitativo implica que o procedimento apresente características que contrabalancem a ausência do devido contraditório. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. – RELATÓRIO A. Pelo Juízo Central Criminal de Cascais (Juiz 3) foi proferido acórdão em ... de ... de 2024, que condenou o AA, divorciado, técnico administrativo, nascido em .../.../1998, com os demais sinais identificativos constantes dos autos, acórdão esse que contém o seguinte dispositivo: 1. «Nestes termos, julga-se a acusação parcialmente procedente e provada, e, em consequência: Absolve-se o arguido AA das circunstâncias agravantes prevista no artº 177º, nº.1, a) e nº.7, do CP, que lhe vinham imputadas, atinente aos crimes de abuso sexual de crianças infra. Não se aplicam as penas acessórias previstas nos artºs 69º-B e 152º., nºs.4 e 5, do Código Penal, por falta do necessário nexo e despiciendo, nomeadamente face à aplicação pena acessória prevista no artº 69-C, do Código Penal, infra. Sem custas nesta parte (que se computa em 1/6) por não serem devidas. Condena-se AA, pela prática, na forma consumada, de cada um de dois crimes de abuso sexual de criança, agravados, pps. nos artºs. 171º, nº 1 e 177º, nº.1, b) e c), do CP, por que vinha acusado, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. Condena-se AA, pela prática, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, agravado, pp. no artº. 152.º, nº 1, alíneas d) e e) e nº 2, alínea a) do Código Penal, por que vinha acusado, na pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. Condena-se AA, pela prática, na forma consumada, de cada um de dois crimes de abuso sexual de criança, agravados, pps. nos artºs 171º, nº.1 e 3 e 177º., nº.1, b) e c), do CP, por que vinha acusado, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. Em cúmulo jurídico das penas supra, condena-se o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. Impõe-se ao arguido os seguintes deveres/regras de conduta, nos termos do artº 50º, nº 2 e artº 54º, nº.3, als. a) a d) e 51º, nº.1, a), todos do C.P.: - responder a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de reinserção social; - receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição, com a máxima prontidão possível, informações e documentos relativos à sua situação familiar e profissional (seu meio de subsistência); - informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e trabalho, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível do regresso; - obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro; - a obrigação de se sujeitar a acompanhamento psicológico, psiquiátrico e no âmbito da sexologia, a manter no mencionado período de suspensão da execução da pena de prisão, enquanto o respectivo médico, psicólogo ou clínico o entender pertinente. Para esse efeito, deverá o Instituto de Reinserção Social elaborar o plano de reinserção social previsto no art. 53º., nº.2 e 54º., do CP e art. 494º do CPP. Condena-se o arguido AA, pela prática, em autoria material, do apurado sobredito crime de violência doméstica, agravado, pp. pelo artº. 152º, nºs 1 e 2, do Código Penal, por que vinha acusado na pena acessória de inibição de exercício das responsabilidades parentais, por um período de cinco anos, nos termos do artº.152º, nº 6, do CP. Condena-se o arguido AA, pela prática, em autoria material, dos apurados sobreditos dois crimes de abuso sexual de criança, agravados, pps. pelos artºs 171º, nºs. 1 (e 3) e 177º., nº.1, als. b) e c), do Código Penal, por que vinha acusado na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de cinco anos, nos termos do artº.69º-C, nº. 2, do CP. Condena-se, nos termos do artº. 82-A, do CPP, o arguido a pagar € 3.000,00 (três mil euros) à ofendida BB. (…) Condena-se, ainda, o arguido no pagamento das custas criminais, com taxa de justiça que se fixa no montante de 3 UCs, nos termos do artº.8º, nº 5, do RCJ e da tabela III anexa ao mesmo, já atenta a sua admissão parcial de factos, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário. (…)» O AA interpôs recurso, que finaliza com as seguintes conclusões (que principiam no ponto 22º): «22.º O Tribunal a quo tem um meio probatório em que funda, se não exclusivamente quase, a convicção do mesmo: - As declarações prestadas pela menor para memória futura, tal como é referido de forma objetiva e escorreita na motivação do Ac. Condenatório. 23.º O Tribunal a quo não pode mobilizar tal meio de prova sem que o mesmo seja apreciado em sede de audiência de discussão e julgamento, retirando à defesa a prerrogativa de contraditar o mesmo. 24.º Compulsados os autos verifica-se, em confronto com a ata de audiência de discussão e julgamento do dia ... de ... de 2024, que: 25.º “Logo após (reportando-se, o Mm.º Juiz presidente do Coletivo, à inquirição da testemunha CC), pelo Mm.º Juiz foi ordenado que o arguido voltasse à sala, não podendo o mesmo cruzar-se com o filho, o que de imediato foi feito, explicando ao arguido que de momento não será feita a súmula das declarações do filho, o que previsivelmente será efetuado no início da próxima sessão, em face do adiantado da hora e da necessidade de se ouvir a testemunha presente.” 26.º Acontece que, nos termos e de acordo com a ata da sessão de julgamento do dia ... de ... de 2024, não foi lido o depoimento da testemunha CC. E não mais foram lidas. - De igual forma, não foram reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento quaisquer depoimentos ou declarações para memória futura. Tal como se verifica na motivação de Sentença, o Tribunal Coletivo fundou a sua convicção nas declarações para memória futura, sendo evidente que as mesmas não foram reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento. 27.º Do mesmo modo o Tribunal Coletivo não pode ponderar, para efeitos de formação de convicção, tal como fez, o depoimento da Testemunha CC, não o podendo fazer por duas ordens de razão: - A primeira e tal como já se escrutinou, porque não foram realizados atos obrigatórios, tais como, súmula, nota ou resumo do depoimento da testemunha, depois de se ter determinado a sua audição sem a presença do arguido. - A segunda porque o Tribunal Coletivo valora a testemunha com base num depoimento ou testemunho indireto. Sendo que o Tribunal Coletivo exara nos termos seguintes (quanto à valoração do depoimento da testemunha CC: “Depoimento indireto valorado por conforme às declarações para memória futura” 28.º Nos termos do artigo 355.º do CPP não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação de convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido reproduzidas ou examinadas em audiência. 29.º Percorrendo os autos e fio a pavio e analisando as atas e o decorrer das duas sessões de audiência de discussão e julgamento, não se vislumbra ou encontra a análise ou produção do elemento probatório “Declarações para memória futura”, prestadas pela menor. 30.º As declarações para memória futura é um meio probatório de caráter excepcional que se excepciona ao princípio da imediação da prova. 31.º Como é consabido e ainda que a jurisprudência maioritária não exija hoje a reprodução e leitura das mesmas em sede de audiência de discussão e julgamento, sempre deverá existir um mínimo de possibilidade de contraditório e igualdade de armas. 32.º Dizer isto é pugnar pelas garantias de defesa no sentido em que o arguido, que se vê impossibilitado de confrontar diretamente a testemunha/ofendido e o teor das suas declarações deve poder fazê-lo quer durante as declarações, pela presença do seu advogado e defensor ou mais tarde com a reprodução das mesmas em sede de audiência de discussão e julgamento. 33.º à data da prestação das declarações para memória futura era já possível individualizar o agente sobre o qual recaíam os factos, sendo exigível a notificação do seu mandatário ou a constituição de um mandatário para que interviesse nas mesmas. 34.º Não foi o que aconteceu. 35.º A menor declarou para memória futura sem a presença do defensor do arguido, sendo que e para além disso não foram reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento. 36.º Ainda que não se considere inconstitucional a interpretação no sentido em que não é exigível para a sua valoração a reprodução em sede de audiência de discussão e julgamento das declarações para memória futura, sempre será de questionar e averiguar sobre a constitucionalidade, legalidade e validade deste meio probatório quando se insurge sem que tenha sido dada qualquer possibilidade do arguido contraditar o mesmo. 37.º No entender da defesa, o meio probatório não pode ser valorado nos autos porque não foi, sequer, aflorado o princípio do contraditório ou da contrariedade e preteridas as garantias processuais e constitucionais da defesa. 38.º Mas se dúvidas existem quanto ao concreto meio de prova declarações para memória futura, nenhuma pode subsistir quanto à valoração da Testemunha CC, também ela mobilizada para a formação da convicção por parte do Tribunal. 39.º Tal exposto na motivação do presente recurso, o arguido ausentou-se da sala de audiências durante a inquirição da testemunha CC. 40.º Nos termos do artigo 352.º, n.º 1 O Tribunal ordena o afastamento do arguido da sala de audiências, durante a prestação de declarações se: - O declarante for menor de 16 anos e houver razões para crer que a sua audição na presença do arguido pode prejudicá-lo gravemente. Nos termos do n.º 2, salvo na hipótese da al. c) do número anterior, é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 332.º 41.º Nos termos do artigo citado, voltando o arguido à sala de audiência é, sob pena de nulidade, resumidamente instruído pelo presidente do que se tiver passado na sua ausência. 42.º Existe nulidade, insanável quanto a nós, mas ainda que não o fosse, sindicável em recurso por não dizer respeito a ato a que o arguido tenha assistido. 43.º Nos termos do artigo 122.º do CPP as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e julgado nulo o Ac. Proferido pelo Coletivo de Leiria. Deve ainda o arguido ser absolvido dos 4 crimes de abuso sexual de menor, pelos quais vem condenado por erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.» O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. O Ministério Público apresentou resposta, que finaliza com as seguintes conclusões: «1. O recorrente foi condenado pela prática, na forma consumada, de cada um de dois crimes de abuso sexual de criança, agravados, previstos e punidos nos artigos 171.º, n.º1 e 177.º, n.º1, b) e c) do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, agravado, previsto e punido no art. 152.º, n.º1, alíneas d) e e) e n.º2, alínea a) do Código Penal, na pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e pela prática, na forma consumada, de cada um de dois crimes de abuso sexual de criança, agravados, previsto e punido nos artigos 171.º, n.º1 e 3 e 177.º, n.º 1, b) e c) do Código Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. 2. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e com imposição de regras e deveres de conduta. 3. Foi dado rigoroso cumprimento ao preceituado pelo art. 332.º, n.º 7 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 352.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, na justa medida em que foi efectuada pelo Sr. Juiz Presidente uma súmula ao recorrente do depoimento prestado na sua ausência, pela testemunha CC, pelo que não se verifica qualquer nulidade. 4. Não tinham que ser reproduzidas em audiência de julgamento as declarações prestadas para memória futura pela jovem BB para que, tal meio de prova, pudesse ter sido – como foi – valorado pelo Tribunal a quo. 5. O Tribunal a quo formou a sua convicção com base na concatenação ponderada das declarações do recorrente, com os documentos e prova pericial junta aos autos, com as declarações para memória futura da menor da BB e com os depoimentos das testemunhas inquiridas. 6. A apreciação que o Tribunal a quo efectuou quer das declarações do recorrente quer das declarações prestadas para memória futura pela ofendida e de toda a prova produzida e analisada em julgamento, não merece qualquer reparo. 7. É certo que o Tribunal a quo assentou a sua convicção, fundamentalmente (mas não só), nas declarações prestadas pela ofendida, tendo-o feito de forma absolutamente criteriosa e, sobretudo, sustentada na demais prova produzida e de acordo com juízos de racionalidade, de lógica e de experiência. 8. A prova assenta, essencialmente, e como é transversal nos crimes contra a autodeterminação sexual, no depoimento da própria vítima, no caso, nas declarações prestadas para memória futura pela jovem BB. 9. Escutadas as declarações prestadas para memória futura pela jovem ofendida, é possível perceber e apreender o modo isento e natural com que foram prestadas sendo, por isso, credíveis. 10. Face à prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras da lógica e do normal acontecer, bem andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos dados como assentes no acórdão recorrido, designadamente, os factos dos pontos 3., 4., 5., 6., 10., 12., 17., 21., 23., 24., 25. e 26. da matéria dada como provada no acórdão recorrido. 11. Analisando, na sua globalidade, a motivação de recurso apresentada pelo recorrente, facilmente se constata que a sua discordância assenta na valoração da prova efectuada pelo Tribunal a quo, por discordar quanto ao sentido da convicção desse Tribunal, por não ter acreditado na sua versão dos factos e, antes, ter acreditado nas declarações da ofendida, valoração essa, livremente formada e fundamentada, a qual é a convicção lógica em face da prova produzida, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova. 12. Deve o recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmado o acórdão recorrido.» Chegados os autos a este Tribunal da Relação, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta lavrou parecer, acompanhando a posição que fora expressa pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância. * Cumprido o preceituado pelo art. 417º/2 do Código de Processo Penal, o AA respondeu, dizendo em síntese o seguinte: - quanto ao alegado cumprimento do disposto pelo art. 332.º, n.º 7 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 352.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, não foi possível ao recorrente aceder às gravações da audiência de discussão e julgamento, o que sucede até à presente data, não lhe sendo por isso possível tomar posição sobre esta matéria, circunstância em que requer um tal acesso, no que concerne à sessão de ... de ... de 2024; - relativamente à não reprodução em audiência de julgamento das declarações para memória futura prestadas, interroga o AA se foi notificado de tais declarações e alega que, no caso negativo, como parece ter acontecido, não foi dada ao arguido a possibilidade de constituir mandatário da sua confiança, o qual asseguraria a sua defesa; - não chegou a ter acesso ao ficheiro que contém as declarações para memória futura, o que tornou impossível o exercício do contraditório; - mantém a sua discordância quanto à valoração da prova feita pelo Ministério Público, também ela assente sobretudo nas declarações para memória futura. Conclui pugnando pela procedência do recurso. Na sequência dessa resposta, foi proferido nos autos despacho determinando que fosse disponibilizada à Defesa, como requerido, cópia da gravação da sessão de ... de ... de 2024 da audiência de julgamento, e que correria em seguida novo prazo no âmbito do art. 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, no que respeita à concreta questão suscitada em torno do cumprimento do art. 332º, nº 7 do mesmo diploma. Cumprido esse despacho, veio o AA apresentar nova resposta, na qual verteu as seguintes conclusões: - o arguido não se recorda de lhe terem sido resumidos os depoimentos do seu filho; - muito estranha que, estando em ata que a súmula seria comunicada em momento/data posterior, e que o mesmo tenha sido comprovado pela audição das gravações, apareça agora a reprodução dessa súmula; - seja como for, não foi dada a palavra ao arguido ou ao seu defensor para se pronunciarem sobre o depoimento da testemunha. Mais diz que pese embora tenha sido vertido na motivação de sentença os factos dados como assentes com base no testemunho do filho, tais factos não lhe foram comunicados ou sujeitos a contraditório. Termos em que considera não ser valorável a prova testemunhal reproduzida, quer por serem contraditórios os elementos e factos reproduzidos pela mesma e a matéria disposta na motivação de sentença, quer por relatar a mesma segundo depoimento indireto, quer ainda por não se considerar cumprido e esgotado o princípio do contraditório relativamente à mesma. Por fim, reitera que deve ser absolvido. Não se mostra requerida a realização de audiência. Proferido despacho liminar, foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Questões a tratar É pacífico que são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal de 2ª Instância, sem prejuízo da possibilidade de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Nesta lógica, o que em síntese haverá a apreciar é o seguinte: i. incumprimento do art. 332º, nº 7 do Código de Processo Penal; ii. não reprodução em audiência das declarações para memória futura; iii. violação das garantias de defesa quanto à produção das declarações para memória futura da menor BB; iv. o depoimento indireto do menor CC. * Acrescente-se ainda que o AA termina o seu recurso formulando dois pedidos: - a declaração de nulidade do acórdão condenatório, o que corresponde a uma repercussão processual possível da eventual procedência dos vícios que se reconheça existir em relação às matérias que sintetizámos atrás, em (i) a (iv); - e a sua absolvição por erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Concentrando-nos agora neste seu segundo pedido, reporta-se ele a referências que poderiam em tese relevar de vícios autónomos, mas que o Recorrente em boa verdade não desenvolve, seja convocando a(s) norma(s) pertinente(s), como se lhe exigiria à luz do art. 412º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, seja explicitando a argumentação correspondente. Repare-se, com efeito, que o erro notório na apreciação da prova e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada podem ser encarados como integrando as vulnerabilidades da decisão previstas pelo art. 410º, nº 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal. De resto, é patente, o que em qualquer caso se consigna neste espaço, que o acórdão recorrido não padece de qualquer fragilidade suscetível de caber no art. 410º, nº 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, que teria que ser visível logo no texto da decisão, em si mesmo ou conjugado com as regras da experiência comum: a decisão recorrida, lida na aparência das suas estruturação e lógica internas, não evidencia qualquer falta de factos para a decisão de Direito, à luz das soluções plausíveis que se perfilariam, como não evidencia qualquer leitura grosseiramente errada da prova em que se apoia. De todo o modo, uma vez que o AA defende, no fundo, a insuficiência e a inconsistência da prova para a formação da convicção expressa no acórdão recorrido, não deixaremos, na parte final do presente acórdão, de apreciar o ponto, ainda que sumariamente. 2.2 O acórdão recorrido – os factos Para além da parte do dispositivo que acima se transcreveu, tem o acórdão recorrido o seguinte teor, em matéria de facto: «FUNDAMENTAÇÃO: FACTOS PROVADOS: Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1- O arguido AA é pai de BB, nascida a .../.../2008. 2- Em virtude dos seus progenitores estarem separados e fazerem vidas independentes, a jovem BB esteve a residir com o arguido pelo menos até .... 3- Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o momento em que a BB perfez os 12 anos de idade, em diversos momentos da vida quotidiana, nomeadamente quando se encontrava a lavar a loiça, quando residia com o pai, o arguido dirigiu-se a BB e apalpou-lhe diversas vezes as nádegas, apertando-as com as mãos. 4- Da mesma forma, e em datas não concretamente apuradas, aproveitando-se de abraços que dava à filha BB, este passou igualmente – e em simultâneo – a apertar-lhe as nádegas com as mãos. 5- Desde o momento em que a menor completou os seus 12 anos de idade, e apesar de BB lhe ter pedido para não o fazer pois que a incomodava e constrangia, o arguido passou a entrar no quarto da menor, bem como na casa de banho quando esta ali se encontrava, sem o seu consentimento ou autorização, e sem sequer bater à porta. 6- Apesar de lhe comunicar o incómodo e constrangimento que lhe causava, o arguido continuou a assumir comportamentos de modo observá-la quando a BB estava totalmente despida. 7- O mesmo sucedia quando a jovem estava a vestir-se ou a despir-se no quarto, momento em que o arguido entrava sem bater à porta. 8- Perante a contestação da menor, em datas não concretamente apuradas, o arguido desferiu-lhe várias chapadas de mão aberta, atingindo-a na cara, ao mesmo tempo que lhe dizia que era “o seu pai e tinha o direito de a ver nua”. 9- Do mesmo modo, no decurso de alegadas brincadeiras e apesar da jovem não gostar, o arguido tinha por hábito brincar com a filha “às lutas”. 10- Durante esta actividade, o arguido apertava a zona vaginal da BB com as mãos. 11- Quando BB tinha 12 ou 13 anos de idade, o arguido passou a contestar e protestar relativamente ao vestuário que a jovem BB envergava. 12- Nomeadamente, quando BB usava saia, o arguido dirigia-se à menor apelidando-a de “PUTA” entre outras expressões de sentido similar. 13- Num determinado momento não concretamente apurado, após um incidente em que a jovem BB e o seu irmão CC ingeriram um xarope Ben-u-ron, o arguido dirigiu-se a si e projectou-lhe uma chapada, atingindo-a na boca, tendo a mesma sangrado. 14- Em determinado momento não concretamente apurado o arguido ordenou à filha que se dirigisse ao quarto, se despisse e deitasse de barriga para baixo. 15- Após, e munido de um cinto, o arguido desferiu-lhe vários golpes nas costas, tendo resultado várias marcas no corpo da jovem. 16- Tal comportamento apenas cessou em ..., momento em que a menor deixou de habitar em casa do pai. 17- Não obstante, quando a jovem tinha ainda 13 anos de idade, num momento em que se encontrava na casa de banho de chuveiro, em pé, o seu pai entrou na casa de banho onde BB se encontrava, e uma vez mais, sem bater à porta. 18- Apesar da jovem protestar e pedir ao arguido para sair, este continuou a entrar e ordenou-lhe para que continuasse a tomar banho. 19- O arguido estava também totalmente nu. 20- Neste seguimento, o arguido entrou igualmente para a banheira, aproximando-se da jovem que tentou apressar-se a tomar banho e virou-lhe as costas. 21- Não obstante, e quando a sua filha se encontrava de costas para si, o arguido, com o seu pénis erecto tocou no rabo da BB. 22- Imediatamente, esta saiu rapidamente do banho e dirigiu-se para o quarto a chorar. 23- Ao agir do modo supra descrito, o arguido pretendeu e sabia que maltratava física, verbal e psicologicamente a vítima BB, sua filha e na residência de ambos, atingindo-a na sua saúde e bem-estar físico e psíquico, causando dores e lesões físicas, amedrontando-a e perturbando-a no seu descanso e sentimento de segurança, provocando-lhe receio pela sua integridade física, ofendendo o pudor e a liberdade sexual de vítima e ainda ofendendo-a na sua honra e consideração pessoal, atingindo-a na sua dignidade humana, tudo o que quis, conhecia e logrou. 24- A ofendida BB era uma pré-adolescente muito reservada, tímida e inocente, totalmente inexperiente a nível de relações de índole sexual, o que era do conhecimento do arguido, tendo-se o mesmo aproveitado de tais circunstâncias para actuar da forma descrita, por forma a satisfazer os seus intentos libidinosos. 25- Em todos os momentos acima descritos, o arguido conhecia a idade da vítima– sua filha – e que a mesma não tinha ainda completado 14 anos de idade, compelindo-a a sofrer os seus intentos e ações, em sabendo que actuava contra a vontade desta, recorrendo à influência que tinha sobre a vítima decorrente do facto de ser seu pai e suficiente para a impedir de resistir, sempre contra a sua vontade, o que quis e conseguiu. 26- Em todos os momentos supra descritos, o arguido, com a prática dos actos descritos, fê-lo com o intuito concretizado de satisfazer os seus impulsos sexuais, através de contacto físico tendo perfeita consciência da natureza dos contactos que manteve com a mesma e que a idade daquela não lhe permitiria autodeterminar-se sexualmente e que os atos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade e da autodeterminação sexual da vítima. 27- O arguido agiu sempre consciente, voluntária, livre e deliberadamente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Mais se provou que: O arguido é criminalmente primário. Provou-se também (do relatório social) que: Tal como na data dos factos, AA reside sozinho na morada dos autos, em habitação camarária atribuída à família no Bairro de...... em .... Os pais do arguido e os dois irmãos emigraram para a ... onde se encontram laboralmente activos, continuando a estabelecer contactos com a família. Apesar de ser proveniente de um enquadramento de origem que caracteriza à DGRSP como adequado, AA reconhece que as figuras parentais impunham a disciplina e a educação, por vezes, com recurso a castigos físicos. Tendo como habilitações o 12º ano de escolaridade obtido através de um curso de formação profissional de técnico de apoio à gestão, concluído aos 18 anos, ingressou nessa altura no mercado de trabalho no exercício de funções como técnico administrativo na “...” (...). Desempenhou inicialmente esta actividade até ..., altura em que foi despedido, interpondo uma ação judicial que determinou a sua reintegração na mesma empresa em ... onde se mantém até ao presente. O arguido teve apenas mais uma experiência laboral como operador no supermercado Minipreço durante três anos. AA aufere um vencimento médio líquido mensal de €-709,00 que permite assegurar a sua subsistência e as despesas domésticas, embora não se sinta reconhecido nem valorizado no contexto laboral. Com um quotidiano centrado sobretudo no exercício profissional, AA dedica-se também à música ... ...anos, interrompendo essa actividade no período em que esteve casado. No decurso da sua trajectória praticou igualmente desporto (futebol e boxe), actividades que viria a cessar em ... na sequência de um problema de saúde. O arguido privilegia relações sociais com outros elementos do contexto da música, referindo serem escassas as interações que estabelece no meio comunitário onde reside associado a problemáticas sociais e criminais. Em termos afectivos, AA iniciou uma relação de namoro aos 17 anos com aquela que viria a ser a mãe dos seus filhos, sendo nesse contexto que teve a primeira experiência sexual. O casal viria a casar quando o arguido tinha 20 anos e separaram-se cerca de três anos depois, referindo ter-se sentido muito fragilizado emocionalmente com essa relação, justificando os conflitos com questões familiares do então cônjuge. Fruto dessa relação tem dois filhos, a BB/ofendida nos autos, de 15 anos, e o CC, de 14 anos, vivendo sozinho com os descendentes durante alguns anos, período que assume de alguma desestabilização pessoal por ter a seu cargo toda a responsabilidade parental, tendo a guarda total até ..., sendo depois alterado o regime parental para guarda partilhada a partir de .... O arguido reconhece, de forma crítica e penosa, ter assumido um modelo educativo tendencialmente rígido caracterizado por práticas físicas punitivas na interação com os descendentes na tentativa de controlar os seus comportamentos desadequados e de indisciplina. No entanto, apesar de verbalizar que foi procurando garantir o bem-estar e segurança dos filhos, demonstra comprometida a sua capacidade em reconhecer o respeito pelos seus limites de intimidade e necessidades individuais. Desconhecendo-se a existência de outros processos judiciais, AA tem procurado manter um percurso vivencial pautado pelo respeito pela lei, reconhecendo repercussões significativas em termos pessoais e profissionais decorrentes da actual situação jurídico-penal relacionados com a natureza dos factos nos quais está acusado e pelo afastamento dos filhos. Mostrando-se à DGRSP reservado, o arguido tem experienciado sentimentos de solidão e de tristeza assim como uma maior desmotivação face ao trabalho, tendendo a uma postura de maior isolamento. Relativamente à filha do arguido e ofendida nos autos, a mãe daquela refere à DGRSP que a mesma tende a desculpabilizar o pai e a afirmar que sente saudades dele, não verbalizando receio, embora a mãe reconheça nos descendentes alterações comportamentais que motivaram a sujeição a acompanhamento psicológico que continuam a manter. É referido à DGRSP que, no presente, os menores aparentam maior estabilidade pessoal, embora a ofendida reaja negativamente perante figuras masculinas, sendo relatado pelos menores que o arguido interage com eles através de mensagens de telemóvel. AA provém de um enquadramento de origem cujas práticas parentais são percecionadas como desadequadas na tentativa de impor a disciplina, o que para a DGRSP poderá ter tido repercussões no modo como se estruturou e estabelece os seus relacionamentos pessoais, denotando-se vulnerabilidades pessoais que se constituem factores potenciadores de risco. Enquanto factores de proteção a DGRSP refere a inexistência de antecedentes criminais; o percurso profissional estável que tem mantido no decurso da sua trajetória; as vinculações pró-sociais que mantém fora do contexto comunitário e a intimidação decorrente da instauração do presente processo judicial. Provou-se finalmente que: O arguido nasceu em .../.../1998. Tem presentemente 26 anos de idade. Entre .../.../2020 e ... (data dos factos) tinha entre 22 e 23 anos de idade. Em audiência admitiu parte dos factos imputados mas negou o essencial dos mesmos. Mais confirmou as suas apuradas condições pessoais. O arguido é reputado pela sua amiga DD de pessoa calma em ambiente social. Provou-se (da contestação) ainda que: No período entre .../.../2020 e ... a menor residia em semanas alternadas ora junto da mãe, ora junto do pai. O arguido após a sua separação, foi quem cuidou da BB e do irmão. Então ficou a cargo do arguido tratar dos dois filhos, sem que pudesse contar com ajuda de terceiros. Nesse período, até passar a vigorar a residência alternada, era o arguido quem cuidava da higiene pessoal, da alimentação, todo o acompanhamento da saúde e escolar aos filhos. Então era o arguido que os preparava (banho, vestir), dava as refeições, deixava na creche e tinha que trabalhar para conseguir provir de todas as necessidades dos filhos e do próprio, ia buscá-los na creche. Toda a parte do lazer também era assegurada pelo arguido, que os deitava e voltava a fazer tudo de novo. Não que fosse uma desculpa, mas, dentro deste contexto, sem descurar todo os problemas diários no trabalhado e ter de cuidar e educar duas crianças, sem ajuda, por vezes, favorecia com que o arguido estivesse mais irritado, intolerante o que por vezes descontava nos filhos. Stress, ansiedade, e algum descontrole estavam bem presentes no seu quotidiano. Provou-se (das certidões juntas) finalmente que: Em .../.../2015 foi intentada regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor. Em .../.../2015 foi homologado acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor em processo de divórcio por mútuo consentimento. Aí ficou estipulado nomeadamente que a mãe pagaria 100€ mensais a título de alimentos para cada menor. Face a tal em .../.../2015 foi declarada extinta a instância na regulação do exercício das responsabilidades parentais, por inutilidade superveniente. Pendeu na CPCJ (Comissão de Protecção de Crianças e Jovens) de Oeiras PPP (Processo de Promoção e Protecção) dos menores, entrado em ... No mesmo foi aplicada medida de apoio junto dos pais. Foi em .../.../2017 intentada pelo MP Alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (doravante ARRP), respeitante também ao menor CC, nascido em .../.../2009. Tal sucedeu na sequência de declarações dos pais perante o MP em PA (Processo Administrativo). Na ARRP foi em .../.../2017 decidido no sentido da residência alternada dos menores junto de cada um dos pais. Essa ARRP veio a ficar suspensa na sequência de pendência de PPP em juízo. A mãe da menor intentou acção de inibição das responsabilidades parentais contra o ora arguido em .../.../2021. Nesta acção os menores foram ouvidos por Mmª. Juiz em .../.../2021. O pai aí contestou e juntou documentos. Esta acção de inibição veio a ficar suspensa na sequência de pendência de PPP em juízo. Este PPP foi intentado em .... No mesmo a menor foi ouvida em .../.../2022. Nessa sequência foi decidido provisoriamente que a menor ficaria aos cuidados da mãe. Bem como no sentido da suspensão de contactos da menor com o aqui arguido. Foi arquivado o inquérito 918/21.7... que pendia contra o arguido, por alegada violência doméstica contra o filho CC. FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provou qualquer outro facto relevante para a decisão da causa, para além ou em contrário dos supra vertidos, nomeadamente vertidos na acusação ou contestação ou bem ainda aventado em audiência, como que 14- Depois, ordenou-lhe para se dirigir ao quarto, despir-se e deitar-se de barriga para baixo; 21-que o arguido, com o seu pénis erecto tenha tocado nas costas da BB; 26- que o arguido tenha tido conversa(s) de teor sexual com a filha; que o arguido nunca conseguisse praticar os factos apurados; que o arguido não tenha dado apalpões mas apenas palmadas; que nunca as mãos do arguido tenham apertado as nádegas da filha; que o arguido não tenha tido segundas intenções; que os abraços fossem um meio para desferir apalpões na BB; que episódio imputado tenha ocorrido não com o arguido mas com irmão da ofendida; que o relacionamento entre pai e filha sempre tenha sido saudável; que a BB nunca tenha reportado ao pai que ficava constrangida ou incomodada (com as “brincadeiras”); que o arguido tenha feito um grande esforço financeiro; que quando casado com a mãe da BB, tenham contraído uma dívida; que durante esse período com os filhos o arguido tenha tido de liquidar sozinho grande parte da dívida; que não sobrasse dinheiro nem para a alimentação; que o arguido nunca tenha dito que tinha direito de ver a filha nua; que nunca tenha apertado a zona vaginal da BB; que nunca a tenha chamado de “puta”, e as demais condições pessoais do arguido. MOTIVAÇÃO: A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada das declarações do arguido, com os documentos e prova pericial dos autos, em especial de fls. 3 a 10v, 22 a 37, 47 a 55, 58 a 60, 62, 63, 67, 68, 86, 87, 90, 96v a 97, 114 a 125, 139 a 140, 143, 144, 145 a 146v, 190 a 206, 217 a 218v, dos autos principais, incluindo Perícia psicológica, relatório social e certidões do ... (Juízo de Família e Menores de …) constantes em Apensos anexos aos autos principais, e vertidos no citius, de onde constam CRCs, Declarações para memória futura da menor da BB e assento de nascimento, tudo analisado em audiência, e face a um juízo de experiência comum e à ponderação (mas não aplicação em concreto no caso vertente, excepto em ponto lateral infra, atinente a concreto momento) do Princípio “in dubio pro reo”, sendo que a prova produzida em audiência se encontra gravada. Desde logo se diga que acima se procedeu a rectificação de lapso de escrita quanto a nome de medicamento - o mesmo chama-se bem-u-ron e não bem-u-rom. O arguido foi tido por credível, por corroborado por demais elementos probatórios, na parte em que confirmou parte do imputado e as suas apuradas condições pessoais; em que admitiu que bateu nos filhos; que tomava banho com os filhos; ao mencionar que inicialmente tomou conta sozinho dos filhos e depois passou a haver residência alternada; que os menores em sua casa lavavam a loiça; ao admitir que dava palmadinhas no rabo da menor; ao admitir que ao abraçar pode dar uma palmada no rabo da menor; ao admitir que disse à menor que era pai dela; que viu a menor várias vezes despida no período em apreço; que a menor disse uma vez que tal a incomodava; ao admitir que entrou no quarto da menor sem bater à porta; ao admitir que desferiu chapadas na menor em momentos em que estava menos bem; que brincavam às lutas; que houve ocasião em que os filhos beberam um frasco de ben-u-ron; ao admitir que entrou despido na banheira com a menor; ao admitir que a menor lhe disse para bater à porta antes de entrar no quarto dela; ao admitir que a menor sangrou da boca na sequência de chapada que lhe desferiu depois de esta ter bebido o mencionado frasco com o irmão; ao admitir que precisava de se acalmar; que na ocasião tinha falta de paciência; que não andava bem nos últimos tempos; ao considerar normal andar nu em frente dos filhos; ao mencionar que sempre viu a menor nua; que o filho é cerca de um ano mais novo que ela; que (ele arguido) teve acompanhamento psicológico na sequência de ter batido nos filhos quando estes estavam na creche; ao admitir que fez depilação à menor, no que contribuiu para os factos dados como provados. Também foi credível na parte em que mencionou que o episódio do frasco de bem-u-ron foi “lá atrás”, referindo-se a momento anterior ao imputado, no que face ao aludido “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Já não foi o arguido credível, por infirmado por prova em contrário, no mais, nomeadamente ao aventar que apenas bateu nos filhos em ocasião anterior à imputada; ao aventar que a situação no banho imputada sucedeu em dia em que foi feito bolo; ao negar que tenha ficado erecto no imputado banho; ao negar que tenha tocado com o seu pénis no corpo da filha; ao negar que apalpasse o rabo da menor; ao negar a intenção imputada; ao aventar que a menor só posteriormente lhe disse que a incomodava que o pai a visse despida; ao negar que entrasse no quarto da menor sem bater à porta (contraditório com a sua alegação posterior de que o fazia propositadamente); ao aventar que apenas uma vez entrou no quarto da menor sem bater à porta; ao negar que tenha proferido a frase apurada em 8 ou a expressão mencionada em 12; ao negar o apurado em 10 ou cotovelada; ao negar o apurado em 14, 15 e 17 a 21; ao negar que tenha visto a menor chorar; ao aventar que apenas pediu que a menor lhe lavasse as costas por estarem sujas de farinha; ao negar que a menor se mostrasse desagradada (com as “palmadinhas”); ao negar que a menor lhe tenha dito que tinha direito à privacidade dela; ao negar que tenha criado situações ou oportunidades para ver a filha nua; ao aventar costumes africanos como uma forma de minimizar a sua conduta, no que contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha CC foi credível, por corroborado por demais elementos probatórios, na parte em que mencionou que é irmão da ofendida e filho do arguido; que não se lembra de viver com ambos os pais juntos; que se lembra de viver sozinho com o pai e a irmã e de depois os irmãos passarem a residir em semanas alternadas junto de cada progenitor; ao mencionar que o pai dava palmadas no rabo da ofendida e esta dizia que não queria; que o pai desferia na menor palmadas e apalpões; que tomou banho com o pai e com a irmã, cerca de seis ou sete vezes; que o fizeram nus; que então lavaram as costas uns dos outros; que nessas ocasiões não viu o pai encostar parte íntima dele à menor; ao mencionar que a menor lhe disse (a ele irmão) que o pai encostou o pénis dele (pai) na parte de trás dela, no rabo dela (depoimento indirecto valorado por conforme às mencionadas declarações para memória futura); que a menor lhe disse que sentiu (idem); que o pai “subiu” (leia-se teve erecção – idem); que viu o pai dar palmadas no rabo da menor; que partilhava quarto com a irmã; que o pai às vezes aí passava; que o pai entrava no quarto com a BB despida, sem bater à porta; que ela protestou com isso; ao confirmar que o pai disse a frase apurada em 8; que havia lutas na brincadeira; que beberam frasco de ben-u-ron; que o pai descobriu e lhes bateu com chapadas; que na sequência a BB sangrou da boca; que houve ocasião em que houve cinto; que viu o pai apalpar a BB; que estes tomavam banho juntos; que viu a BB entrar para o banho e o pai entrar depois; que a menor dizia ao que não gostava que ele entrasse quando ela estava no banho; ao mencionar que a menor lhe contou a apurada frase (depoimento indirecto valorado por conforme à memória futura); que a menor lhe contou do acontecido no banho (idem); que apesar de tudo a BB gostava muito do pai; ao mencionar que a mesma não fantasiava, é realista; que o pai entrava nos banhos; que aconteceu a menor estar despida no quarto e dizer para ele testemunha ou para o arguido não entrar; ao mencionar que a menor dizia que não gostava que o pai a visse despida e este lhe respondia que era pai e que podia ver; que se apercebeu de desconforto da menor e de esta por isso reclamar com o pai; ao dizer que a irmã não mente; que acreditou no que a mesma lhe contou, no que contribuiu para os factos dados como provados. Também foi credível, por corroborado, ao mencionar que no dia em que fizeram bolo apenas lavaram as mãos, no que contribuiu para os factos dados como não provados. Não foi credível, por infirmado por prova em contrário, ao aventar que “acha que”, no que, ademais por especulativo e sem o necessário grau de certeza, contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha EE foi credível, por corroborada por demais elementos probatórios, ao mencionar que é ex-mulher do arguido; que é mãe da ofendida; que se separou do arguido quando os filhos do casal tinham cerca de 2 anos a BB e 1 ano o CC; que no primeiro ano de separação os convívios não foram regulados; que soube dos factos em apreço quando os menores já estavam a seu cargo; ao mencionar que houve um processo que foi arquivado (por alegada violência doméstica do pai quanto ao CC); ao mencionar que a menor lhe disse que se sentia desconfortável junto do pai (depoimento indirecto por conforme às declarações para memória futura da menor); que este lhe dizia que por ser pai a podia ver despida (idem); que a menor lhe contou “a situação da banheira” (idem); que a menor lhe foi contando espaçadamente o antes sucedido, com agressões verbais e físicas, como palmadas e chapada (idem); que o pai lhe estava sempre a dar palmadas no rabo; que o mesmo também o fez com apalpão (idem); que a menor contou no contexto de contar coisas que a incomodavam; que a menor lhe contou que o pai a chamou de “puta” no contexto de uma roupa que a menor tinha vestido (idem); que a menor lhe contou que o pai entrou despido em banheira onde a menor estava a tomar banho, com erecção (idem); que a menor lhe disse que sentiu o pénis do pai nas costas (idem); que nessa sequência a menor ficou em pânico, assustada (idem); que a menor lhe contou que o pai entrava no quarto dela quando ela estava despida (idem); ao mencionar que a menor é incapaz de inventar uma mentira; que a menor também lhe contou que apanhou com cinto (idem); que viu marca na cara da BB, no que contribuiu para os factos dados como provados. A testemunha FF, arrolada pela ..., foi credível, por corroborada por demais elementos probatórios, ao mencionar que é amigo do arguido há cerca de 8 anos; ao confirmar apuradas condições pessoais do mesmo, no que contribuiu para os factos dados como provados. Disse ainda que não presenciou nenhum acto de violência doméstica ou de cariz sexual. No que foi tido em consideração que o imputado não sucedeu em público. A testemunha GG, arrolada pela ..., foi credível, por corroborada por demais elementos probatórios, ao mencionar que é amigo do arguido; ao confirmar apuradas condições pessoais do mesmo, no que contribuiu para os factos dados como provados. Disse ainda que não teve notícia de nenhum acto de violência doméstica ou de cariz sexual. No que foi tido em consideração que o imputado não sucedeu em público, nem era do domínio público. A testemunha HH, arrolada pela ..., foi credível, por corroborada por demais elementos probatórios, ao mencionar que é amiga do arguido desde ...; ao abonar a apurada reputação do arguido, no que contribuiu para os factos dados como provados. A testemunha II, arrolada pela ..., foi credível, por corroborada por demais elementos probatórios, ao mencionar que é mãe do arguido; ao confirmar apuradas condições pessoais do mesmo, no que contribuiu para os factos dados como provados. Também disse que os netos nunca se lhe queixaram de agressão ou abuso sexual. No que se teve em conta que tal não vem imputado quanto ao neto e que, quanto à neta, o facto de a mesma não se ter queixado à avó paterna não faz com que o apurado não tenha ocorrido. Negou ainda intenção sexual por parte do arguido, no que não foi credível, por infirmada por prova em contrário. No que contribuiu para os factos dados como não provados. Diga-se que a perícia psicológica dos autos contribuiu ainda para a formação da convicção do Tribunal e para os factos dados como provados ao contribuir para conferir credibilidade ao relato da menor, nomeadamente ao referir não manipulação do relato da mesma por terceiro/a. Nesse conspecto refira-se que as declarações para memória futura da menor se revelaram credíveis, por corroboradas, no que contribuíram para os factos dados como provados. E para infirmar os em contrário, no que contribuíram para os factos dados como não provados. Note-se resultou não provada a factualidade acima expressa e exemplificativamente mencionada nos factos dados como não provados, devido à concatenação ponderada do aludido “in dubio” com um juízo de experiência comum e bem ainda um juízo normativo respeitante à mencionada factualidade dada exemplificativamente como não provada. Com efeito, não se pode afirmar um “pelo menos” quando apenas se provou um concreto número de ocasiões. No que tal contribuiu para os factos exemplificativamente dados como não provados. No caso em apreço, a concatenação de tais elementos de facto e jurídicos contribuiu para os factos dados como provados e não provados. No que respeita ao inexistente antecedente criminal, assentou nos CRCs mencionados. Os factos não provados resultaram assim em síntese da ausência de prova tida por credível e susceptível de os dar como provados.» 2.3 Factos processuais com potencial relevo para a decisão Resultam da análise dos autos os seguintes factos com potencial relevo para a decisão: 2.3.1 A primeira sessão da audiência de julgamento teve lugar no dia ... de ... de 2024, nela tendo estado presentes, entre o mais, o AA e o seu então Defensor, Dr. JJ, este com poderes substabelecidos por instrumento junto nessa data, subscrito pela Dra. KK, Defensora que lhe fora oficiosamente nomeada (referências eletrónicas nºs ... e 26440738). 2.3.2 O menor CC, então com 15 anos de idade, filho do AA, foi ouvido em audiência de julgamento nessa sessão. 2.3.3 Imediatamente antes do momento referido em 2.3.2, o Sr. Juiz Presidente proferiu o seguinte despacho: «Atenta a não oposição dos presentes e as boas práticas mencionadas pela Sra. Assessora de Psicologia do Conselho Superior da Magistratura da Comarca de ... Oeste, nos termos do artigo 352º do Código do Processo Penal, ordena-se que o pai seja retirado da sala de audiência, enquanto o menor prestar declarações, com vista a preservar a espontaneidade do depoimento do menor. Diligências necessárias.» 2.3.4 Imediatamente depois de concluída a inquirição, nos termos que constam da mesma ata, pelo Sr. Juiz Presidente «foi ordenado que o arguido voltasse à sala, não podendo o mesmo cruzar-se com o filho, o que de imediato foi feito, explicando ao arguido que de momento não será feita a súmula das declarações do filho, o que previsivelmente será efetuado no início da próxima sessão, em face do adiantado da hora e da necessidade de se ouvir a testemunha presente.» 2.3.5 Após, foi ouvida a testemunha EE, mostrando-se consignado em ata que «o seu início ocorreu pelas 16:35 horas e o seu termo pelas 16:53 horas». 2.3.6 Em seguida, mostra-se exarado na mesma ata o seguinte: «Findas as declarações da testemunha pelo MMº MMº Juiz, foi feita ao arguido a súmula das declarações prestadas pela testemunha CC. Gravado das 16:35 às 16:53 Horas. * Logo após, pelo MMº Juiz foi declarada encerrada a presente audiência, quando eram 17:00 horas.» 2.3.7 Da gravação dessa sessão da audiência é audível a feitura do resumo mencionado em 2.3.6. 2.3.8 A sessão seguinte ocorreu no dia ... de ... de 2024, com a presença do AA e do seu Defensor oficioso subestabelecido, Dr. LL, sessão essa que se iniciou com a inquirição das testemunhas arroladas pelo AA, após o que consta da ata o seguinte (referência eletrónica nº ...): «Por M.ºP.º e Ilustre defensor foi dito que consideram analisado em audiência o acervo probatório dos autos, nomeadamente, a prova documental e pericial.» * Pelo Mmº Juiz Presidente foi proferido o seguinte: DESPACHO Considera-se analisado em audiência o acervo probatório dos autos, nomeadamente a prova documental e pericial. * Por todos os intervenientes foi dito, que prescindem da reprodução em audiência das declarações de arguido prestadas perante Magistrado. Também considerando as mesmas expressamente analisadas em audiência. Ao que pelo Coletivo foi validamente prescindida tal reprodução. * Finda a produção de prova, pelo Mmº Juiz Presidente foi concedida a palavra, sucessivamente, à Digna Magistrada do M.º Público e ao ilustre defensor presente, para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida. Findas as alegações, foi dada a oportunidade ao arguido de dizer algo que ainda não tivesse dito e que entendesse ser útil para a sua defesa, após o que o Mmº Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO Para a leitura do acórdão, designo o próximo dia ...-...-2024, pelas 09:30 horas. Data esta obtida de acordo com todos os intervenientes processuais.» 2.3.8 No dia ... de ... de 2024, com a presença do AA e da sua Ilustre Defensora Oficiosa, Dra. KK, após prévio cumprimento de uma comunicação ao abrigo do disposto no art. 358º, nº 1 do Código de Processo Penal, o Sr. Juiz Presidente procedeu à leitura do acórdão (referência eletrónica nº ...). 2.3.9 Com a interposição de recurso, em ... de ... de 2024, o AA juntou procuração forense, constituindo seu (Ilustre) Defensor o Dr. MM. 2.4 Questão prévia No que concerne ao que o Tribunal de 1ª Instância considera provado a partir do relatório social elaborado, percebe-se que o que nessa parte do acórdão recorrido se descreve, por vezes, corresponde não propriamente ao facto relatado, mas ao relato do facto, sendo que o que manifestamente importa é aquele e não este, isto é: no enunciado dos factos provados há que descrever os factos em si mesmos; e na motivação de facto há que indicar o meio de prova ou fonte de apuramento de tais factos (neste caso, o relatório social). Percebendo-se que o Tribunal de 1ª Instância, no fundo, considera tudo isso provado (o relato do facto e o facto relatado), proceder-se-á a um ajustamento na descrição da matéria de facto correspondente, ao abrigo do preceituado pelo art. 380º, nºs 1, alínea b) e 2 do Código de Processo Penal, de forma a extirpar dos factos provados, na medida do possível, a referência à fonte direta ou indireta dos mesmos. Do mesmo passo, há que, também dentro do possível, expurgar do enunciado de factos provados o que mais não são que juízos conclusivos. Assim, onde no acórdão recorrido se lê «Apesar de ser proveniente de um enquadramento de origem que caracteriza à DGRSP como adequado, AA reconhece que as figuras parentais impunham a disciplina e a educação, por vezes, com recurso a castigos físicos.» passará a ler-se «Os pais do AA impuseram-lhe disciplina e educação, por vezes com recurso a castigos físicos.» Onde se lê «O arguido privilegia relações sociais com outros elementos do contexto da música, referindo serem escassas as interações que estabelece no meio comunitário onde reside associado a problemáticas sociais e criminais.» passará a ler-se «O arguido privilegia relações sociais com outros elementos do contexto da música, sendo escassas as interações que estabelece no meio comunitário onde reside, associado a problemáticas sociais e criminais.» Onde se lê «O casal viria a casar quando o arguido tinha 20 anos e separaram-se cerca de três anos depois, referindo ter-se sentido muito fragilizado emocionalmente com essa relação, justificando os conflitos com questões familiares do então cônjuge.» passará a ler-se «O casal viria a casar quando o arguido tinha 20 anos e separaram-se cerca de três anos depois, tendo-se sentido muito fragilizado emocionalmente com essa relação.» Onde se lê «No entanto, apesar de verbalizar que foi procurando garantir o bem-estar e segurança dos filhos, demonstra comprometida a sua capacidade em reconhecer o respeito pelos seus limites de intimidade e necessidades individuais.» passará a ler-se «O arguido demonstra comprometida a sua capacidade em reconhecer o respeito pelos limites de intimidade e necessidades individuais dos filhos.» Onde se lê «Relativamente à filha do arguido e ofendida nos autos, a mãe daquela refere à DGRSP que a mesma tende a desculpabilizar o pai e a afirmar que sente saudades dele, não verbalizando receio, embora a mãe reconheça nos descendentes alterações comportamentais que motivaram a sujeição a acompanhamento psicológico que continuam a manter.» passará a ler-se «Relativamente à filha do arguido e ofendida nos autos, a mesma tende a desculpabilizar o pai e a ter saudades dele, não tendo dele receio, embora apresente alterações comportamentais que justificam a sua sujeição a acompanhamento psicológico.» Onde se lê «É referido à DGRSP que, no presente, os menores aparentam maior estabilidade pessoal, embora a ofendida reaja negativamente perante figuras masculinas, sendo relatado pelos menores que o arguido interage com eles através de mensagens de telemóvel.» passará a ler-se «No presente, os menores aparentam maior estabilidade pessoal, embora a ofendida reaja negativamente perante figuras masculinas, interagindo o arguido com eles através de mensagens de telemóvel.» Onde se lê «AA provém de um enquadramento de origem cujas práticas parentais são percecionadas como desadequadas na tentativa de impor a disciplina, o que para a DGRSP poderá ter tido repercussões no modo como se estruturou e estabelece os seus relacionamentos pessoais, denotando-se vulnerabilidades pessoais que se constituem factores potenciadores de risco.» passará a ler-se «AA provém de um enquadramento de origem cujas práticas parentais desadequadas na tentativa de impor a disciplina poderão ter tido repercussões no modo como se estruturou e estabelece os seus relacionamentos pessoais, denotando-se vulnerabilidades pessoais que se constituem factores potenciadores de risco.» Por fim, eliminar-se-á a seguinte passagem: «Enquanto factores de proteção a DGRSP refere a inexistência de antecedentes criminais; o percurso profissional estável que tem mantido no decurso da sua trajetória; as vinculações pró-sociais que mantém fora do contexto comunitário e a intimidação decorrente da instauração do presente processo judicial.» 2.5 Conhecendo do mérito do recurso 2.5.1 Do incumprimento do preceituado pelo art. 332º, nº 7 do Código de Processo Penal Defendeu o Arguido no recurso que interpôs que, tendo sido afastado da sala de audiência a fim de ser ouvido na sua ausência o seu filho, a testemunha CC, uma vez readmitida a sua presença não lhe foi transmitido qualquer resumo do depoimento produzido, o que configura violação do art. 332º, nº 7 do Código de Processo Penal. Mais adiante nos autos, já nesta sede recursal, depois de lhe ter sido facultada cópia da gravação da sessão de ... de ... de 2024 da audiência de julgamento, veio o Recorrente dizer que não se recorda de lhe ter sido resumido o depoimento do filho, muito estranhando que depois de ter sido afirmado pelo Tribunal que esse resumo seria feito em sessão seguinte, apareça agora a reprodução dessa súmula naquela primeira sessão. Acrescenta ainda que os factos dados como assentes com base no testemunho do filho não lhe foram comunicados ou sujeitos a contraditório, pelo que o depoimento não é por isso valorável como prova. Vamos por partes: o art. 332º, nº 7 do Código de Processo Penal. Durante a sessão da audiência de julgamento de ... de ... de 2024, o Sr. Juiz Presidente proferiu despacho pelo qual foi determinada e consumada a retirada do Arguido da sala durante a prestação de depoimento por parte do menor CC, citando-se então o art. 352º do Código de Processo Penal. Ora, prescreve o nº 2 desta norma, para o que aqui releva, que «é correspondentemente aplicável o disposto no nº 7 do art. 332º»; e este diz-nos que «(…) voltando o arguido à sala de audiência é, sob pena de nulidade, resumidamente instruído pelo presidente do que se tiver passado na sua ausência.» Cumpre notar, em jeito de esclarecimento prévio, que não está posto em causa o despacho que determinou a retirada temporária do Arguido da sala de audiência ou os motivos que o fundaram. Significa isso que temos por pacífico que o Arguido esteve nesse momento ausente de forma válida da audiência de julgamento, não se nos colocando portanto a eventual hipótese de enquadramento do vício invocado no contexto da nulidade insanável prevista pelo art. 119º, alínea c) do Código de Processo Penal, que respeita a situações em que o Arguido, sem responsabilidade sua, está ausente da audiência de julgamento. O problema suscitado e que neste momento apreciamos é apenas o do alegado incumprimento do preceituado pelo art. 332º, nº 7, isto é, do dever, que incide sobre o Juiz Presidente, de instruir resumidamente o Arguido do que ocorreu na sua ausência. Em caso de eventual incumprimento desse dever, estamos diante – o preceito no-lo diz – uma nulidade. Não se integrando esta nulidade em qualquer dos casos que configuram nulidades insanáveis, previstos pelo art. 119º, e nomeadamente na sua alínea c), como vimos já, do que se trata é de uma nulidade dependente de arguição, à luz do preceituado pelo art. 120º, nº 1. Ora, de acordo com o regime plasmado pelo art. 120º, nº 3, alínea a), teria ela que ser arguida «tratando-se de ato a que o interessado assista, antes que o ato esteja terminado». No caso, regressando o Arguido à sala de audiências sem que o depoimento da testemunha prestado na sua ausência lhe fosse resumido, impunha-se-lhe que invocasse o vício antes de encerrada a sessão de ... de ... de 2024, o que não fez. E ainda que se admitisse que o Sr. Juiz Presidente tivesse concretizado o que antes anunciara, isto é, que face ao adiantado da hora relegara a feitura desse resumo para a sessão seguinte, o que daí resultaria é que, na nova sessão, verificando o AA que esse resumo acabara por não ser feito, impor-se-lhe-ia, querendo prevalecer-se da nulidade, que a invocasse até ao final dessa nova sessão, o que também não fez. Vale o exposto por dizer que a nulidade – se nulidade tivesse existido – sempre teria ficado sanada (Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo IV, Almedina, 2022, pg. 332). Em todo o caso, admitamos, numa hipótese extrema de raciocínio, que a nulidade em apreço poderia ser configurada como insanável, por implicar uma ofensa intolerável do direito a um processo equitativo (João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I, Almedina, 2019, pgs. 1210-1211). Ainda assim improcederia o recurso, neste segmento. É que resulta claro dos autos que o vício invocado não existiu. Na verdade, regressado o Arguido à sala de audiências, o Sr. Juiz Presidente deu-lhe resumidamente conta do teor do depoimento que fora produzido: isso mesmo resulta plasmado na ata da sessão do dia ... de ... de 2024, como resulta ainda da própria gravação da sessão. Que o Arguido diga agora que não se recorda desse ato, é um dado que não tem relevância jurídica: as exigências legais aplicáveis foram cumpridas e é sobre este cumprimento que nos compete tomar posição. Por outro lado, a circunstância de o Sr. Juiz Presidente, regressado o Arguido à sala de audiência, ter dito que faria o resumo do depoimento apenas na sessão seguinte e entretanto ter acabado por fazê-lo na mesma, é algo de absolutamente inócuo e que muito previsivelmente terá ficado a dever-se a ter o Sr. Juiz Presidente entendido, ao que tudo indica, que afinal, ao contrário da expetativa inicial, teria ainda tempo para proceder na sessão à comunicação daquele resumo. Dito isto, vejamos agora a segunda questão que o Arguido invoca a propósito de ter estado ausente durante a prestação do depoimento do seu filho: a falta de cumprimento do contraditório. Não compreendemos bem qual a dimensão concretizadora do princípio do contraditório que o Arguido tem aqui em vista. O depoimento do menor foi produzido na presença do então Ilustre Defensor do Arguido, não se mostrando sequer alegado que este tenha tido algum particular constrangimento no exercício, nessa ocasião, do contraditório, nomeadamente no que toca à possibilidade de fazer ou solicitar que fossem feitas perguntas à testemunha; regressado à sala de audiência, o Arguido foi resumidamente instruído do teor desse depoimento, podendo pois ter adotado, nessa sequência, em consonância com o seu Ilustre Defensor, os procedimentos de alegação, requerimento, declarações ou contraprova que tivesse por pertinentes; e desenvolvida a audiência de julgamento até final, teve ainda o Ilustre Defensor do Arguido a oportunidade de produzir as alegações que entendeu adequadas, aí podendo livremente referir-se ao depoimento prestado na ausência do Arguido; e a este último foi também concedida a palavra derradeira na audiência, para acrescentar o que considerasse útil à sua .... E se, por fim, o Arguido considerava essencial ter presente, ele próprio, o conteúdo exato do depoimento que o seu filho CC prestara, podia naturalmente ter acedido em tempo útil à gravação do mesmo, o que os autos não documentam que tenha requerido até à prolação do acórdão. Não vemos, em suma, qual a dimensão do princípio do contraditório que o Arguido considera ilegitimamente restringido por não ter estado presente aquando da prestação do depoimento prestado pela testemunha CC. Improcede portanto o recurso, nesta parte. 2.5.2 Da valoração das declarações para memória futura 2.5.2.1 Da não reprodução em audiência das declarações para memória futura Diz o AA que as declarações para memória futura não foram reproduzidas ou analisadas em audiência, o que configura ofensa ao preceituado pelo art. 355º do Código de Processo Penal. Cumpre apreciar. No caso concreto, as declarações para memória futura foram colhidas na fase de inquérito, no dia ... de ... de 2022 e foram indicadas como prova em sede de acusação (referências eletrónicas nºs ... e ...). E é verdade que não foram reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento. Não foram, e não tinham que ser, diga-se. Senão antes, pelo menos a partir do momento em que é notificado da acusação, o AA sabe que as declarações para memória futura fazem parte do acervo probatório a considerar para a decisão da causa e às quais tem pleno acesso, nos termos gerais de consulta dos autos e obtenção de cópia, à luz dos arts. 86º, nºs 1 e 6 e 89º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Penal, não se evidenciando nos autos que tenha havido a esse respeito qualquer especial constrangimento. Tais declarações podem na verdade ser lidas ou reproduzidas em audiência de julgamento – constitui essa possibilidade, aliás, uma das exceções à proibição de reprodução ou leitura em audiência de autos e declarações de produção anterior, contempladas no art. 356º do Código de Processo Penal [nº 2, alínea a)]; e precisamente por caberem nessa previsão excecional, ressalvam-se da proibição de valoração de provas não produzidas ou examinadas em audiência, por via do art. 355º, nº 2. Esta problemática já se colocou aliás nos tribunais e na doutrina portuguesas, tendo-se entretanto produzido um acórdão de fixação de jurisprudência, o qual mantém plena atualidade e que reza assim: «As declarações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código.» (DR, 1ª Série, de 21/11/2017). Em síntese, a não reprodução ou leitura em audiência das declarações para memória futura em nada obsta a que sejam valoradas. 2.5.2.2 Da violação das garantias de defesa Alega o Arguido que deve garantir-se um mínimo de contraditório e igualdade de armas, no sentido em que devia ter tido a possibilidade de confrontar diretamente a testemunha/ofendida, pela presença do seu advogado e defensor ou mais tarde, com a reprodução das declarações em sede de audiência de julgamento. Acrescenta que à data em que as declarações para memória futura foram prestadas, era já possível individualizar o agente sobre o qual recaíam os factos, sendo exigível a notificação do seu mandatário ou a constituição de um mandatário para que interviesse nas mesmas. Vejamos. Quanto à não reprodução ou leitura, em audiência de julgamento, das declarações para memória futura prestadas na fase de inquérito, trata-se de problema que apreciámos já no ponto anterior. A questão que agora haverá a ponderar é a de saber se o Arguido, nas circunstâncias conhecidas dos autos, teve ou não a possibilidade de interrogar ou fazer interrogar a ofendida; e na hipótese negativa, se daí decorre ou não alguma consequência processual e nomeadamente a insusceptibilidade de serem valoradas as declarações para memória futura prestadas pela ofendida BB. Em primeiro lugar e desde logo, há que notar que a Constituição da República Portuguesa (CRP) «assegura todas as garantias de defesa» e que uma delas é a de [o arguido] ter «o direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo» (art. 32º, nºs 1 e 3), direito este que encontra concretização geral nos arts. 61º, nº 1, 62º, nº 1 e 63º, nº 1 do Código de Processo Penal e concretização específica, a respeito das diligências de tomada de declarações para memória futura, nos arts. 33º, n.ºs 2 e 4 da Lei nº 112/2009, de 16/09, 24º, nºs 2 e 5 do Estatuto da Vítima e 271º, nºs 3 e 5 do Código de Processo Penal. Em segundo lugar, é de reconhecer ao arguido o direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação, no quadro geral, de novo, das suas garantias de defesa e em particular do exercício do contraditório para que aponta o art. 32º, nº 5 da CRP, que encontra ampla consagração no Código de Processo Penal, nomeadamente nos seus arts. 327º, nº 2 e 355º, nº 1, e que se encontra explicitamente imposto pelo art. 6º, nº 3, alínea d) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Esta última norma, que vigora no plano interno por via do art. 8º, nº 2 da CRP e que além disso deve servir, à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), de paradigma interpretativo dos direitos constitucional e ordinário, consagra pois o princípio segundo o qual, antes da condenação, todas as testemunhas devem ter sido ouvidas na presença do arguido, em audiência pública, à luz de um procedimento contraditório; princípio este que admite exceções, mas que não devem postergar totalmente os direitos de defesa, o que significa que por regra deverá sempre ser reconhecido ao arguido a possibilidade de desafiar a testemunha em causa aquando da recolha das suas declarações ou numa fase ulterior do processo, particularmente quando estamos diante uma prova que assuma o perfil de prova única ou decisiva [cfr. Ac. do TEDH Al-Khawaja and Tahery v. the United Kingdom (GC), n.ºs 26766/05 e 22228/06, §§ 118-147, 15/12/2011, in https://hudoc.echr.coe.int ]. Vejamos melhor este ponto. Prevê a CEDH, no seu art. 6º, que «qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, (…) por um tribunal independente e imparcial (…) sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela (…)» (nº 1) e que «o acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: (…) d) interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação (…)» (nº 3). O conceito de processo equitativo e o direito de o acusado interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação, constituem aspetos em relação aos quais existe já uma vasta jurisprudência do TEDH (toda a jurisprudência do TEDH que citarmos está disponível in https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22documentcollectionid2%22:[%22GRANDCHAMBER%22,%22CHAMBER%22]} . Atentemos às linhas essenciais dessa jurisprudência. Antes de mais, há que ter presente que as garantias previstas no nº 3 do art. 6º da CEDH, e nomeadamente a plasmada na sua alínea d) [direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação], constituem aspetos específicos do direito a um processo equitativo consagrado no nº 1 da norma, e representa um fator a considerar na avaliação global do caráter equitativo do processo (Acs. do TEDH Schatschaschwili v. Germany [GC], no. 9154/10, de 15/12/2015, § 101 e Seton v. the United Kingdom, nº 55287/10, de 31/03/2016, § 57). E que nessa avaliação global é mister considerar os direitos da defesa, sim, mas também os interesses do público e da vítima em verem os eventuais ilícitos criminais adequadamente perseguidos (Acs. do TEDH Schatschaschwili, já citado, § 101 e Gäfgen v. Germany [GC], no. 22978/05, de 1/06/2010, § 175) e, onde for pertinente, os direitos das próprias testemunhas, nomeadamente, acrescentemos, no que se refere com a salvaguarda da sua integridade física e psíquica (Ac. do TEDH Al-Khawaja and Tahery v. the United Kingdom [GC], nos. 26766/05 e 22228/06, de 15/12/2011, § 118). Continuando a considerar os demais ensinamentos que decorrem da jurisprudência do TEDH (cfr. particularmente os Acs. do TEDH já citados Al-Khawaja and Tahery, §§ 119-147 e Schatschaschwili, §§ 111-131), há que acrescentar: A regra geral é a de que as testemunhas devem ser ouvidas em audiência de julgamento, e só a título excecional, por razões justificadas, tal poderá não suceder; Admitir como prova o depoimento de uma testemunha ouvida em momento prévio à audiência de julgamento e que o arguido não pôde interrogar ou fazer interrogar, apenas pode aceitar-se como solução de último recurso; Isto porque daí resulta uma potencial desvantagem para o arguido, que é suposto ter, em princípio, uma oportunidade efetiva de desafiar a prova contra si apresentada e, em particular, de testar a confiabilidade e a veracidade do depoimento produzido que o comprometa, oportunidade essa a concretizar em ambiente de interrogatório oral, no momento em que o depoimento é produzido ou numa fase mais adiantada do procedimento; De acordo com a regra da prova única ou decisiva («sole or decisive rule»), se a condenação do arguido é baseada apenas, ou de forma decisiva, no depoimento de testemunhas que ele não tenha podido interrogar ou fazer interrogar em qualquer fase do procedimento, os seus direitos de defesa ficam perigosamente restringidos (vide ainda neste ponto os Acs. do TEDH Rosin v. Estonia, nº 26540/08, de 19/12/2013, §§ 57-60, e Vronchenko v. Estonia, nº 59632/09, de 18/07/2013, §§ 61-63); Quando o depoimento de uma testemunha que o arguido não pôde interrogar ou fazer interrogar constituir a prova única ou decisiva, daí não resulta automaticamente uma violação da CEDH, devendo antes encetar-se um escrutínio muito cuidadoso dos autos; Do que se trata é de averiguar se o procedimento apresentou ou não características que tenham contrabalançado aquela ausência do devido contraditório, nomeadamente por via de medidas que permitam uma adequada e justa avaliação da fiabilidade da prova em causa. De entre estes fatores de reequilíbrio da equidade do processo, enuncia exemplificativamente a jurisprudência citada do TEDH os seguintes: (a) se o tribunal apreciou o depoimento com cautela e rigor, justificando de forma detalhada as razões pelas quais a testemunha lhe mereceu credibilidade; (b) se o depoimento foi registado em vídeo, de tal forma que todos os sujeitos processuais possam ter observado o comportamento da testemunha aquando da sua inquirição e formar a sua própria impressão sobre a respetiva credibilidade; (c) se existe prova corroborante provinda de pessoas a quem a testemunha não ouvida em audiência tenha reportado os eventos em discussão imediatamente depois de os mesmos terem ocorrido; (d) se há outro tipo de provas, nomeadamente periciais; (e) se existe a descrição de eventos semelhantes por parte de outras testemunhas, particularmente se estas tiverem sido ouvidas em audiência; (f) se a Defesa teve a possibilidade de colocar questões à testemunha de forma indireta, por exemplo por escrito, no decurso do julgamento; (g) se o arguido ou o seu defensor tiveram a possibilidade de inquirir a testemunha na fase de investigação, sendo que, quando houver a perspetiva, já nessa fase inicial do processo, de que a testemunha não será ouvida em julgamento, é de reconhecer à Defesa a oportunidade de colocar questões à testemunha durante essa fase; (h) se o arguido teve a oportunidade de dar a sua própria versão dos factos e levantar quaisquer dúvidas sobre a credibilidade da testemunha ausente, apontando qualquer incoerência ou inconsistência do seu depoimento ou razões que possa ter para estar a mentir. Dito isto, que sucedeu nos autos? Fazendo uma breve resenha dos momentos processuais mais relevantes a considerar nesta matéria, registe-se o seguinte: i. o AA foi constituído Arguido e como tal interrogado pela Polícia Judiciária no dia ... de ... de 2022 (fls. 67 a 73); ii. o Ministério Público requereu em ... de ... de 2022 a prestação de declarações para memória futura da ofendida BB, mais aí requerendo que a diligência tivesse lugar com a assistência da vítima por técnico especialmente habilitado para o efeito e sem a presença do AA, neste último caso com a seguinte fundamentação: «(…) não se vislumbra que a vítima preste um depoimento totalmente livre, espontâneo, sincero e isento de receios e constrangimentos na presença do arguido. Destarte, o afastamento justificar-se-á, salvo melhor entendimento, pela protecção da menor, ao abrigo dos artigos 33.º, n.º 3, da Lei n.º 112/..., de 16.09, e 352.º, n.º 1, al. a), do CPP» (fls. 128 e referência eletrónica nº ...); iii. o Sr. Juiz de Instrução pronunciou-se sobre esse requerimento por despacho de ... de ... de 2022, deferindo a realização da diligência nos termos propostos, isto é, com a assistência da vítima por técnico e sem a presença do AA, designando-a para ... de ... de 2022 (fls. 130 e referência eletrónica nº ...); iv. procedeu-se para tanto à nomeação de Defensor/a ao AA, no caso, a Dra. NN (referência eletrónica nº 22049207); v. por carta expedida a ... de ... de 2022, o Arguido foi notificado do local, da data e da hora designados para a diligência, carta essa depositada no seu recetáculo postal no dia ... de ... de 2022, constando dos termos da notificação a informação do nome e do contacto telefónico da (Ilustre) Defensora que lhe fora nomeada e de que podia proceder à substituição desta mediante constituição de advogado (fls. 132 e referência eletrónica nº ...); vi. no dia da diligência, ante a falta da (Ilustre) Defensora que fora nomeada, a Sra. Juíza de Instrução procedeu à nomeação de uma outra, a Dra. Marta Teias, que aceitou a defesa e esteve efetivamente presente no ato, que se realizou sem a presença do Arguido (fls. 139 e referência eletrónica nº ...). Aqui chegados, que dizer? Por um lado, não se nos suscitam dúvidas, nem o Arguido as levanta, aliás, sobre o bem fundado de ter a menor sido ouvida na fase de inquérito em sede de declarações para memória futura – trata-se de um procedimento que, para além de legalmente imposto pelo art. 271º, nº 2 do Código de Processo Penal, vai ao encontro das boas práticas internacionalmente acolhidas e que encontram expressão, entre o mais, nos arts. 30º, nº 2, 31º, nº 1, alíneas d) e g) e 35º, nºs 1 e 2 da Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, conhecida como Convenção de Lanzarote (cfr. Aviso nº 45/2013, Diário da República, 1ª Série, de 27/03/2013). Não significa isso, porém, que os direitos de defesa do Arguido possam ser postos decisivamente em causa, como de resto a própria Convenção de Lanzarote não esquece, no seu art. 30º, nº 4. E aqui importa sintetizar o sucedido nos autos com relevância neste ponto e a que há pouco nos referimos: (i) à data das declarações para memória futura, o Arguido já fora constituído como tal; (ii) o Arguido foi notificado do local, da data e da hora a que a diligência teria lugar com mais de um mês de antecedência; (iii) e aquando desta notificação foi-lhe ainda dada conta de que lhe fora nomeada oficiosamente uma Sra. Defensora, mas que tinha o direito de constituir Advogado. Assim é que o Arguido teve a oportunidade de constituir Defensor da sua inteira confiança para estar presente na diligência; se optou por não o fazer, trata-se de algo que a si próprio é imputável. O que não pode, dito isto, é sustentar-se que o Arguido não teve em nenhum momento do processo a oportunidade de desafiar o depoimento da alegada ofendida, por si próprio ou por Advogado da sua confiança: teve essa oportunidade – apenas não a aproveitou. Por outro lado, o Arguido teve ampla possibilidade, durante a audiência de julgamento, de expor a sua versão dos factos e, também por essa via indireta, desafiar o depoimento que fora colhido à sua filha, como de resto o fizera já em sede de contestação, que apresentou nos autos em ... de ... de 2023 (referência eletrónica nº 23125274); como podia até ter requerido, embora com desfecho incerto, a reinquirição da menor em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto pelo art. 24º, nº 6 do Estatuto da Vítima, articulando em qualquer caso as razões concretas de dúvida que entendia deverem ser esclarecidas, com isso sinalizando em qualquer caso alertas sobre a suposta falta de fiabilidade e/ou consistência do depoimento da vítima que o Tribunal não poderia ignorar. Em suma, nada obsta à valoração das declarações para memória futura prestadas pela menor BB. 2.5.3 Do depoimento indireto do menor CC Sustenta o Arguido que o depoimento da testemunha CC é indireto, na medida em que se reporta ao que a ofendida lhe terá contado, e nessa medida não pode ser valorado. Vejamos. O art. 129º do Código de Processo Penal contém um regime próprio para o chamado «depoimento indireto», que para o que aqui releva nos diz duas coisas: (i) se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor; (ii) se o não fizer, o depoimento produzido não pode, nessa parte, servir como meio de prova [a menos que a inquirição das pessoas indicadas (as fontes da informação) não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas]. O procedimento estabelecido para que possa valorar-se o depoimento indireto passa então por ouvir-se a pessoa-fonte, assumindo esta, no fundo, uma posição de garante da veracidade do conteúdo do depoimento indireto, à luz de um escopo geral de ver produzida a melhor prova disponível sobre os factos, a qual pressupõe a presença de imediação, no sentido de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes processuais (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª edição, reimpressão (2004), pgs. 229 e sgs., e em particular pg. 232]. No caso concreto, o Tribunal de 1ª Instância, no que concerne à testemunha CC, teve o cuidado, na motivação de facto, de operar uma distinção entre aquilo que era depoimento direto, no sentido de realidades diretamente apreendidas pela testemunha, daquilo que era depoimento indireto, no sentido de realidades por ela não presenciadas, mas que lhe foram contadas pela irmã, a ofendida BB. Veja-se, com efeito, que enquadra no depoimento direto, em síntese, o seguinte: «- (…) que se lembra de viver sozinho com o pai e a irmã e de depois os irmãos passarem a residir em semanas alternadas junto de cada progenitor; - (…) que o pai dava palmadas no rabo da ofendida e esta dizia que não queria; - que o pai desferia na menor palmadas e apalpões; - que tomou banho com o pai e com a irmã, cerca de seis ou sete vezes; - que o fizeram nus; - que então lavaram as costas uns dos outros; - que viu o pai dar palmadas no rabo da menor; - que partilhava quarto com a irmã; - que o pai às vezes aí passava; - que o pai entrava no quarto com a BB despida, sem bater à porta; - que ela protestou com isso; - que havia lutas na brincadeira; - que beberam frasco de ben-u-ron; - que o pai descobriu e lhes bateu com chapadas; - que na sequência a BB sangrou da boca; - que houve ocasião em que houve cinto; - que viu o pai apalpar a BB; que estes tomavam banho juntos; - que viu a BB entrar para o banho e o pai entrar depois; - que apesar de tudo a BB gostava muito do pai; - que o pai entrava nos banhos; - que aconteceu a menor estar despida no quarto e dizer para ele testemunha ou para o arguido não entrar; - que a menor dizia que não gostava que o pai a visse despida e este lhe respondia que era pai e que podia ver; - que se apercebeu de desconforto da menor e de esta por isso reclamar com o pai; (…)» Em todas as passagens que vimos de destacar estamos com efeito diante factos que a testemunha CC presenciou diretamente e não que lhe hajam sido contados por outrem e nessa medida não se coloca a problemática exposta do «depoimento indireto» - o depoimento vale por si próprio. Diferentes são já outras passagens, que o Tribunal Recorrido não deixou de especificar e nomeadamente as seguintes: «- (…) que a menor lhe disse (a ele irmão) que o pai encostou o pénis dele (pai) na parte de trás dela, no rabo dela (depoimento indirecto valorado por conforme às mencionadas declarações para memória futura); - que a menor lhe disse que sentiu (idem); - que o pai “subiu” (leia-se teve erecção – idem); - (…) que a menor dizia que não gostava que ele entrasse quando ela estava no banho; - que a menor lhe contou a apurada frase (depoimento indirecto valorado por conforme à memória futura); - que a menor lhe contou do acontecido no banho (idem).» No que respeita a estas últimas passagens, o depoimento da testemunha CC é direto quanto às conversas em si mesmas, mas indireto quanto aos factos que lhe foram contados em tais conversas [com interesse nesta matéria vide o Ac. da RG de 25-02-2009, relatado por Carlos Parreira, in www.dgsi.pt; e ainda Carlos Adérito Teixeira, «Depoimento indirecto e AA: Admissibilidade e Livre valoração versus Proibição de Prova», Revista do CEJ, n.º 2, pgs. 153-154; e Luís Lemos Triunfante, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo II, 3ª edição, Almedina (2021), pg. 98]. Ora, no que concerne ao relato dos factos que lhe foram contados, o Tribunal de 1ª Instância só pode servir-se do depoimento indireto se chamar a depor a pessoa-fonte, neste caso, a ofendida BB. Sucede que, no caso concreto, não havia que chamar a depor a pessoa-fonte, dado que esta fora já ouvida nos autos, ainda que em sede de declarações para memória futura. Se as declarações para memória futura são em si mesmas valoráveis, como vimos atrás e têm, elas próprias, um perfil direto, então afigura-se-nos cumprido o procedimento e sobretudo a razão de ser do art. 129º do Código de Processo Penal: o Tribunal não se serviu de um depoimento indireto sem se mostrar ter sido havido um contacto imediato entre o Tribunal, no formato específico das declarações para memória futura, e a testemunha-fonte. 2.5.4 Da insuficiência e inconsistência da prova produzida para a formação da convicção do Tribunal Não se conforma o Arguido com a circunstância de terem sido dados como provados factos que integrem a previsão dos crimes de abuso sexual de menor pelos quais foi condenado. A este propósito convém deixar expressas, a título de esclarecimento, algumas considerações prévias. É sabido que as Relações podem conhecer de facto e de direito (art. 428º do Código de Processo Penal). Assiste portanto aos sujeitos processuais o direito de recurso para a Relação em matéria de facto e/ou de direito, o que representa, no que especificamente respeita ao arguido, a concretização de uma das garantias de defesa a que alude o art. 32º, nº 1 da CRP e que encontra ainda expressão direta no art. 2º do Protocolo Adicional nº 7 da CEDH. Não se trata, porém, de um direito absoluto, seja no sentido em que pode a lei prever a irrecorribilidade de certas decisões, seja no sentido em que, em caso de recorribilidade, pode o exercício do direito de recurso estar legalmente sujeito a condicionamentos e requisitos próprios [Acs. do TC nºs 390/04 e 377/03, www.tribunalconstitucional.pt ; cfr. ainda Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, in Constituição Portuguesa Anotada (org. Jorge Miranda e Rui Medeiros), tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora (2010), pgs. 715 e sgs]. A definição das margens de irrecorribilidade e, onde o recurso for admissível, dos requisitos a observar pelo recorrente para o exercício legítimo e regular do direito de recurso, constitui tarefa em que o legislador goza de uma ampla margem de apreciação; ponto é que tais requisitos e limites tenham subjacente uma finalidade legítima e não afetem a substância do direito [Acs. do TEDH Y.B. v. Russia, nº 71155/17, de 20/07/2021 (§ 40) e Rostovtsev v. Ukraine, nº 2728/16, de 25/07/2017 (§ 27)]. Adentro o sistema de recursos existente no Código de Processo Penal, é consabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: (i) através do âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, os quais terão de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou mediante o recurso às regras da experiência comum, e integrar-se nos casos estritos para que aponta a norma (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou erro notório na apreciação da prova); ou (ii) através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412.º, nºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal, circunstância em que o que está em debate são os erros na apreciação da prova que vão já além do texto da decisão, estendendo-se ao que pode extrair-se de toda a prova produzida, sempre tendo presentes os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto por aqueles nºs 3 e 4. Neste último domínio - da chamada impugnação ampla da matéria de facto - o que se procura é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida (cfr. Ac. do STJ de 31.05.2007, relatado por Simas Santos, in www.dgsi.pt – todos os acórdãos doravante citados sem indicação da fonte de pesquisa deverão ser reportados a este sítio). Convém todavia ter presente que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso. No objeto do recurso não está pois contida uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se tais pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os que forem indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (cfr. Ac. do STJ de 10/01/2007, relatado por Henriques Gaspar). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e se possibilita o seu conhecimento pela Relação. O legislador pretende que o recorrente identifique claramente os erros de julgamento que aponta à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, indicando os pontos que reputa incorretamente julgados na decisão proferida e os meios probatórios que sustentam a sua censura (cf. sobre toda esta matéria vide ainda o Ac. da RE de 02/02/2016, relatado por Fernando Ribeiro Cardoso); sendo que, quando as provas hajam sido gravadas, essa especificação deve fazer-se por referência ao consignado na ata da audiência de julgamento, devendo ser identificadas concretamente as passagens em que se funda a impugnação, como exigido pelo art. 412º, nº 4. Por razões que se prendem em particular com a ausência de imediação e de oralidade, o poder de apreciação do Tribunal de recurso não é equivalente a um segundo julgamento, não podendo pois esperar-se que aí seja encetada uma alteração da matéria de facto provada apenas por ser possível uma outra análise da prova; essa alteração deverá ocorrer apenas se a análise da prova o impuser, como decorre do art. 412.º, n.º 3 b) e c) do CPP, o que significa que não basta contrapor-se à convicção do julgador uma outra convicção diferente para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessário demonstrar-se que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados é, pelo menos, desprovida de razoabilidade (cfr. sobre esta matéria, entre tantos outros, os Acs. da RL de 10.10.2007 e da RE de 1.04.2008, relatados por Carlos de Almeida e Ribeiro Cardoso; sobre a não imperatividade constitucional de um sistema de «segundo julgamento», vide o Ac. do TC n.º 59/2006, in www.tribunalconstitucional.pt). Dito isto e olhando ao caso concreto, não se vê no recurso interposto, seja nas conclusões, seja mesmo na sua motivação, a referência a qualquer meio de prova que imponha uma solução diferente da assumida pelo Tribunal de 1ª Instância, isto é, que torne imperativo concluir que essa solução está desprovida de razoabilidade ou mesmo errada. Note-se que o relato da menor BB apresenta-se em si mesmo lógico, coerente e suficientemente concretizado, não se lhe conhecendo qualquer razão que a pudesse levar a falsear a realidade no sentido de incriminar o pai, pessoa aliás em relação à qual parece ter uma ligação emocional e um discurso algo desculpabilizante, como se evidencia no relatório pericial de fls. 114 e seguintes, o que não é um fenómeno novo neste universo, gerando amiúde sentimentos ambivalentes, pois a figura que «agride» é também a figura parental de referência e de proteção; que lhe foi reconhecida, precisamente naquele relatório pericial, «capacidade para conservar memórias, reproduzir acontecimentos vivenciados, avalia e relatar factos», que preenche «diversos critérios que a literatura correlaciona com um aumento de credibilidade», que «considera-se provável que este relato corresponda a uma situação vivenciada» e que «não aparentou existir influência de fatores externos, designadamente manipulação por terceiros»; que o seu relato é congruente com o contexto e com as dinâmicas familiares descritas pelo menor CC; e, no que toca às situações de contacto sexual, as declarações da menor BB vão ainda ao encontro do que é descrito pelo irmão CC e pela mãe, a testemunha OO, em depoimento indireto. E os factos objetivos que decorrem de tais meios de prova e vieram a ser dados como provados, para além de não contrariados por qualquer meio de prova que imponha solução diversa, ilustram ainda, à luz das regras da experiência comum, em síntese, a consciência e intencionalidade com que o AA atuou. Em suma, não vemos motivos para modificar a matéria de facto provada, sem prejuízo do acerto a que procedemos em 2.4. 2.5.5 Conclusão Mantendo-se os factos dados como provados, não se mostra sob discussão a sua subsunção jurídico-penal, nem tão pouco as consequências jurídicas dos ilícitos reconhecidos, dimensões que o AA de resto não questiona no recurso. Em síntese, improcede o recurso. * 3 - DISPOSITIVO Pelo exposto, acorda-se em: 3.1 proceder à retificação da descrição dos factos provados, nos termos mencionados em 2.4, que aqui se dão por reproduzidos; 3.2 julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido. ** Custas pelo AA, fixando-se a taxa de justiça em três UC (arts. 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III anexa). Registe e notifique. *** ** Lisboa, 08 de maio de 2025 Os Juízes Desembargadores (processado a computador pelo relator e revisto por todos os signatários; assinaturas eletrónicas) Jorge Rosas de Castro Rosa Maria Cardoso Saraiva Ana Marisa Arnêdo |