Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11402/24.7T8LRS.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
HERANÇA
CONTITULARIDADE
MAIOR ACOMPANHADO
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A ação de divisão de coisa comum tem como pressuposto a existência de uma coisa comum e como objetivo proceder à divisão em substância dessa coisa ou, quando se apure ser esta indivisível, à respetiva adjudicação a um dos consortes ou venda a terceiros, com repartição do valor
II. Na herança os herdeiros não são titulares de um direito de propriedade comum sobre uma coisa, mas antes contitulares do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens.
III. Encontrando-se uma das herdeiras sujeita ao regime de maior acompanhado, qualquer acto que possa influir no património da acompanhada deverá a Acompanhante obter a prévia autorização do tribunal.
IV. No caso, além de não figurarem na acção as heranças indivisas, admitindo-se a possibilidade de estas figurarem na acção como comproprietárias, surge ainda a questão da exigência prévia de autorização do Tribunal relativamente à herdeira sujeita ao regime de maior acompanhado, situação que exigirá sempre a partilha prévia dos bens, o que determina o erro na forma de processo sem possibilidade de convolação para outra forma processual, tendo em conta a incompatibilidade manifesta das tramitações.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
AA e BB vieram intentar a presente acção especial de divisão de coisa comum contra CC, DD, EE, FF, GG e HH, pedindo que sejam fixadas as quotas de cada uma das partes no prédio urbano que identifica e fixadas estas que se proceda à adjudicação ou venda da coisa comum.
Alegam, para o efeito, que os Requerentes, II e mulher CC e JJ e mulher FF, são os comproprietários originais do prédio urbano sito na Rua A, em Olival de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas, sob o n.s ... da freguesia de Olival de Basto, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia da União de freguesias de Póvoa de Santo Adrião e Olival de Basto, no temos três partes/proprietários originais, respectivamente, cada parte com direito a 1/3 do referido prédio. Em 2016, faleceu JJ, no estado de casado, no regime de comunhão geral de bens, com FF, deixando como seus únicos e legais herdeiros a referida mulher e dois filhos, GG, casado, no regime de comunhão de adquiridos com KK, e HH, solteira, maior. Não tendo deixado quaisquer outros herdeiros que concorram na indicada sucessão; testamento ou qualquer outra disposição de vontade. Posteriormente, em ...2020, faleceu II, no estado de casado, no regime de comunhão de adquiridos com CC, deixando como seus únicos e universais herdeiros, a referida mulher e dois filhos, DD, solteiro, maior, e EE, solteira, maior. Não tendo deixado quaisquer outros herdeiros que concorram na indicada sucessão; testamento ou qualquer outra disposição de vontade. Até à data, os herdeiros dos falecidos JJ e II não partilharam o prédio urbano supra melhor identificado, fazendo o mesmo parte do acervo hereditário das respectivas heranças, possuindo os seus herdeiros quota-ideal no prédio, sem determinação de parte ou direito, que corresponde, respectivamente, a um terço do prédio para cada uma das duas heranças. Alega que figurando todos na acção e pretendendo a divisão do prédio, uma vez que a compropriedade tem gerado conflitos na administração e uso pretendem proceder à divisão.
Contestou HH, mas apenas pondo em causa o valor atribuído ao imóvel, que considera superior.
Contestaram ainda DD e CC, argumentado que a requerida EE se deva considerar representada por CC, como tutora nomeada desta, dada incapacidade da mesma, por interdição por anomalia psíquica (actualmente, sujeita ao regime do maior acompanhado na modalidade de representação geral). Sustentam ainda a indivisibilidade do prédio, pondo ainda em causa o valor do mesmo atribuído pelos requerentes.
De seguida foi proferido o seguinte despacho:
“AA e BB vieram intentar a presente acção contra os Requeridos que identificam.
Ocorre, porém, que, verificada a certidão do registo predial, se constata que o imóvel se encontra registado também em nome de II e JJ, ambos já falecidos, como se apreende pela alegação que realizaram e pelos assentos de óbito também juntos.
Nesta senda, os Requerentes esclareceram que, até à data, «os aqui Réus não partilharam o prédio urbano melhor identificado no artigo 1.º, fazendo o mesmo parte do acervo hereditário das respectivas heranças, possuindo os aqui Réus uma quota-ideal no prédio, sem determinação de parte ou direito, bem como os Autores» (artigo 7.º).
A ser assim, a acção de divisão de coisa comum não é o meio adequado para a finalidade visada pelos Autores, qual seja a de que sejam fixadas quotas a favor de cada uma das partes e se proceda à adjudicação ou venda, com repartição do produto entre elas.
Escrevia o Supremo Tribunal de Justiça (em 30.01.2013, processo n.º 1100/11.7TBABT.E1.S1) que «I - Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina da especialidade, apontam decisivamente no sentido de que só se pode dividir os bens da herança de que se seja proprietário, ou seja, que tenham sido atribuídos aos herdeiros em partilha previamente realizada. II - A ratio de tal solução é muito simples: é que, até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota. III - É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário-divisório) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é herança e que preencherão aquelas quotas. Por isso, assim se ponderou no aresto deste Supremo Tribunal, de 04-02-1997 supra citado: «A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai obre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará». IV - O Ilustre Professor de Coimbra, Doutor Rabindranath Capelo de Sousa assim ensina nas suas Lições de Direito das Sucessões: «Nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário» (Lições de Direito das Sucessões, pg. 185). V - Por sua vez, outro Professor de Coimbra, o Doutor Pereira Coelho, assim escreveu na sua obra de Direito das Sucessões: «Não se trata uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens concretos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada» (Pereira Coelho, Direito das Sucessões, 2ª ed. 1966-1967).»[destacados e sublinhados nossos].
A decisão supra, pela bondade dos seus fundamentos e, aliás, por alicerçada na doutrina e jurisprudência passível de citação sobre a matéria, constitui posição processual que partilhamos.
Por ora, com excepção de CC e FF, nenhum dos Requeridos é proprietário do imóvel, apenas titulares do direito às heranças abertas por óbito dos comproprietários originários, estando por definir se, aquando das partilhas, lhes virá a caber o todo ou uma parte de algum deles.
Como configurada, a acção não pode prosseguir. Por todo o exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 193.º, n.º 1, 196.º, 577.º, alínea b), e 576.º, n.º 2, todos do Cód. Processo Civil, verificando o erro na forma do processo e não sendo possível o aproveitamento de qualquer dos actos praticados, decide-se absolver os Réus da instância.”
Inconformados vieram os requerentes recorrer, pugnado pela revogação da decisão e o prosseguimento dos autos, concluindo que:
«A. Na ação interposta estão presentes e devidamente representados todos os proprietários e consortes do bem imóvel que se pretende dividir, bem como a extensão dos seus direitos.
B. Apesar de existirem duas heranças indivisas cada uma com direito a 1/3 do bem imóvel, todos os herdeiros de cada uma delas foram chamados à ação, os quais agirão como representantes da herança e dois deles, as mulheres dos "de cujus", atuam também por si, conforme o disposto no artigo 2091.9 do Código Civil.
C. Inclusivamente a herdeira EE representada por sua tutora legal, sua mãe aqui também parte, facto este que em concreto não acarreta um conflito de interesses, pois o objetivo é o mesmo, adjudicar-se ou vender-se o bem, e o valor a apurar (correspondente a 1/3 do prédio) integrar- se, na herança indivisa por óbito de II, seu pai.
«D. Encontrando-se na ação os três proprietários originais e todos os herdeiros das duas heranças indivisas, nada obsta que a mesma possa prosseguir, não se revelando necessário proceder previamente à partilha das heranças por partes dos consortes.
E. A ação especial de divisão de coisa comum é a forma processual adequada à ação sub judice, como resulta do disposto no artigo 925.9 do Código de Processo Civil.
F. Inexistindo erro na forma de processo, não há fundamento para se declarar a absolvição dos Réus da Instância.
G. Pelo exposto, a sentença recorrida, violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 193.9 n. 91, 196.9, 577.9 alínea b), 576.9 n.92 e 925.9 todos do Código de Processo Civil e o disposto nos artigos 1403.9, 1412.9 e 2091.9 do Código Civil.
H. Devendo, por conseguinte, ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.».
Não se encontram juntas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de considerar a possibilidade de prosseguir uma acção de divisão de coisa comum quando alguns dos comproprietários assumem apenas a qualidade de herdeiros do de cujus comproprietário, desde que todos tenham sido chamados à acção.
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II. Fundamentação:
Com interesse para a decisão relevam os factos e as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra, cujo teor se reproduz.
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III. O Direito:
Em oposição à decisão proferida vieram os recorrentes defender que na acção de divisão de coisa comum estão presentes e devidamente representados todos os proprietários e consortes do bem imóvel que se pretende dividir, bem como a extensão dos seus direitos. Reconhece que efectivamente existem relativamente ao bem objecto da acção cuja divisão se pretende duas heranças indivisas, cada uma com direito a 1/3 do bem imóvel, mas sustenta que todos os herdeiros de cada uma delas foram chamados à ação, os quais agirão como representantes da herança e dois deles, as mulheres dos "de cujus", actuam também por si. No que concerne à requerida EE, que assume a qualidade de herdeira, aludem igualmente que a mesma está representada por sua tutora legal, sua mãe aqui também parte, dizendo que tal facto “não acarreta um conflito de interesses, pois o objectivo é o mesmo, adjudicar-se ou vender-se o bem, e o valor a apurar (correspondente a 1/3 do prédio) integrar- se, na herança indivisa por óbito de II, seu pai.”.
Concluem assim, que encontrando-se na ação os três proprietários originais e todos os herdeiros das duas heranças indivisas, nada obsta que a mesma possa prosseguir, não se revelando necessário proceder previamente à partilha das heranças por partes dos consortes, sendo a ação especial de divisão de coisa comum a forma processual adequada.
A par da questão da propriedade ou não do tipo de acção, haverá ainda que considerar a situação de uma das herdeiras ter sido declarada interdita, antes do início da vigência do regime jurídico do maior acompanhado, sendo a representação desta efectuada pela sua Tutora, actual Acompanhante, igualmente ré, por força do n.º 4 do art.º 26.º da Lei n.º 49/2018, de 14-08, âmbito geral, incluindo a representação legal - cf. art.º 145.º, n.º 2, al. b), do CC.
Porém, ainda que a questão da representatividade estivesse assegurada, não há que olvidar que qualquer acto que possa influir no património da acompanhada deverá a Acompanhante obter a prévia autorização do tribunal, salvo se a ação se destinar à cobrança de prestações periódicas ou se a demora da ação puder causar prejuízo ao representado – cf. art.º 1938.º, n.º 1, al. e), aplicável ex vi do art.º 145.º, n.º 4, ambos do CC. Logo, quando seja necessário pedir tal autorização do tribunal, haverá que lançar mão do processo de jurisdição voluntária previsto no art.º 1014.º do CPC, sendo o pedido dependência/apenso do processo de acompanhamento de maior (cf. n.º 4 deste artigo, na redação introduzida pela Lei n.º 49/2018, de 14-08; cf. também o art.º 2.º, n.º 2, parte final, do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13-10). Pelo que não obtida, quando necessária, tal autorização, verifica-se uma excepção dilatória – cf. art.º 577.º, al. d), do CPC – ainda que sanável, conforme resulta do disposto nos art.º 1940.º, n.º 3, do CC e nos artigos 6.º e 29.º do Código de Processo Civil, mas que determinaria desde logo a suspensão da causa até à obtenção de tal autorização.
No entanto, antecipando, entendemos que razão não assiste aos recorrentes na pretendida alteração da decisão proferida nestes autos, pois manifestamente nem a acompanhada, nem alguns dos demais réus assumem a qualidade de comproprietários, condição necessária à acção de divisão de coisa comum, nos termos delineados pelos AA., ou seja, que sejam fixadas quotas a favor de cada uma das partes e se proceda à adjudicação ou venda, com repartição do produto entre elas. Senão vejamos.
É insofismável que os recorrentes vieram intentar a presente acção especial de divisão de coisa comum contra os réus, porém, comproprietários do imóvel são os Requerentes, bem como II e mulher CC, JJ, e mulher, FF, cada parte (AA, II e JJ, e respectivos cônjuges) com direito a 1/3 do referido prédio.
Ora, o primitivo comproprietário, JJ, faleceu, deixou como herdeiros os réus FF, sua mulher e dois filhos, GG, casado, no regime de comunhão de adquiridos com KK, e HH, réus nesta acção.
Também II, faleceu, deixando como herdeiros CC, sua mulher e dois filhos, DD, solteiro, maior, e EE, esta sujeita ao regime de maior acompanhado, como vimos.
Donde, nesta acção apenas os AA. assumem a posição de comproprietários, sendo os demais apenas herdeiros na herança de cada um dos demais comproprietários, na proporção de 1/3 de cada uma das heranças, mas cuja proporção ou quinhão de cada réu não pode ser definido nesta acção.
É certo que a lei não privilegia a manutenção, prolongada indefinidamente, de situações de compropriedade, pelo potencial conflito que geram, com o consequente ineficaz aproveitamento das utilidades das coisas, inclui-se entre os direitos do comproprietário o de pôr fim à comunhão, exigindo a divisão da coisa, mesmo no caso de coisas indivisíveis, nos termos do art.º 209º, do CC, sendo que se a coisa não for divisível em espécie, será dividido o respetivo valor. Pelo que prevê o artigo 1413º, do CC, que se a divisão de coisa comum não for feita amigavelmente o pode ser nos termos da lei de processo (cfr. nº1), sendo que quando for judicial, é feita mediante o processo especial previsto nos artigos 925º e ss., com intervenção de todos os comproprietários, para que a ação atinja o seu efeito útil normal, tendo o processo dois desfechos possíveis: a divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor. Para que seja possível a divisão em substância, a coisa deve ser divisível (v. art.º 209º, do CC). Tratando-se de imóveis, a divisibilidade terá de ser apreciada também à luz da legislação urbana aplicável (nomeadamente, das regras relativas aos loteamentos), bem como, se a coisa a dividir for um edifício, do regime da propriedade horizontal (v. art.º 1417, do CC).
Como bem alude Nuno Andrade Pissarra ( sob o tema “Divisão de coisa comum”, in Rui Pinto e Ana Alves Leal, Processos Especiais, volume I, AAFDL Editora, pág. 166) a ação de divisão de coisa comum é “uma ação em último grau apontada à dissolução da comunhão, não à declaração do direito, e em que o decisor goza de uma margem de apreciação e intervenção mais lata do que na ação comum e os ónus das partes se suavizam”.
Deste modo, estabelece o art.º 925º, que “todo aquele que pretenda pôr termo à divisão da coisa comum requer, no confronto dos demais consortes que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com a repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
Donde, a ação de divisão de coisa comum tem como pressuposto a existência de uma coisa comum e como objetivo proceder à divisão em substância dessa coisa ou, quando se apure ser esta indivisível, à respetiva adjudicação a um dos consortes ou venda a terceiros, com repartição do valor. A sua finalidade é a cessação da compropriedade, impondo-se, por isso e para tal, que nela intervenham todos os consortes (litisconsórcio necessário legal de todos os contitulares), o que lhe confere caráter universal.
Em termos adjectivos, a ação de divisão de coisa comum desenvolve-se em duas fases distintas: uma, a fase declarativa, a que se reportam os arts. 925º e segs., outra, posterior, a fase executiva, aquela destinada a definir o direito à divisão, esta a efetivá-lo.
Logo, é na fase declarativa que terão de ser suscitadas, apreciadas e decididas todas as questões atinentes à natureza comum da coisa, à existência de compropriedade, à identidade dos comproprietários e as questões de ordem processual com isso relacionadas, como a de erro na forma de processo.
Revisitando Nuno Andrade Pissarra na referida ação especial a “Causa de pedir e o pedido” e a questão da “Prova da comunhão”, conclui o mesmo autor que aquela é “integrada pela existência (ou persistência) da situação de comunhão e não pelos factos jurídicos concretos de que derivam os direitos em comunhão ou a situação de comunhão”, o pedido “consiste na divisão material da coisa de harmonia com os quinhões que forem fixados ou, sendo a coisa indivisível, na sua adjudicação ou venda com consequente partilha do valor na proporção das quotas de cada um dos consortes (artigo 925º)” e “a prova da situação de compropriedade ou outra forma de comunhão havia de ser carreada pelo autor, enquanto elemento da causa de pedir do direito à divisão.(…) o autor não está onerado com a prova dos factos aquisitivos (maxime originários) dos direitos em comunhão. (…) Na causa de pedir desta ação não se inscrevem sequer tais factos”. Mais refere o mencionado autor que “Não havendo contestação da comunhão, nada obsta a que fique dada como assente a qualidade de comunheiros do autor e dos réus. Não tendo a ação por objeto a definição da compropriedade ou outra forma de comunhão, a situação de comunhão factualiza-se e pode ser tratada como matéria de facto” (in ob. cit. pág. 168-171).
Como bem se alude no Acórdão da Relação do Porto, datado de 13/01/2025 (proc. nº 16937/22.3T8PRT.P2, in www.dgsi.pt) “(…) na ação de divisão de coisa comum o que se faz valer é o “«[d]ireito de exigir a divisão» aos consortes, conforme se lê na epígrafe do artigo 1412º do CC. Quando requer a divisão, o consorte não actua qualquer direito diretamente incidente sobre a coisa ou alguma das faculdades que, enquanto direito absoluto, o caracterizam; não se diz proprietário, nem pretende tirar partido de o seu direito ser oponível erga omnes, por ter por objecto uma coisa, todos o devendo respeitar e todos o podendo violar; limita-se a invocar a relação de comunhão em que está envolvido com os restantes consortes e um poder nascido e existente em razão dessa relação, de que só os consortes são (…) sujeitos activos e passivos, que é o de provocar a sua cessação mediante divisão. O que o autor tem de alegar são, pois, os factos constitutivos deste direito à divisão, entre os quais pontifica, como elemento de facto e não como questão de direito principal ou prejudicial, a existência daquela relação de comunhão, não a sua origem. Estando os direitos em comunhão e a situação de comunhão fora do objecto do litígio, não vale a regra da substanciação”. Na petição inicial o autor tem “o ónus de identificar o bem a dividir, alegar a relação de compropriedade (p. ex. quando decorra de uma situação de união de facto, como se decidiu em STJ 7-3-19, 1065/16) ou outra forma de comunhão de direitos sobre o concreto bem, especificar a posição relativa de cada consorte e as respetivas quotas e tomar posição sobre a divisibilidade (STJ 14-6-11, 1147/06 e STJ 14-10-04, 04B2961)”
Tal como se sumaria no Acórdão da Relação do Porto a que vemos faxendo referência: I - Destinando-se quer a ação especial de divisão de coisa comum quer a de inventário a fazer cessar a indivisão, a primeira é o meio próprio de operar a divisão em situações de compropriedade ou contitularidade (situações estas pressuposto daquela ação), não o sendo em casos de comunhão hereditária/conjugal, reservados à segunda (art.º 1082º, al. a) e d), do CPC). II - Com efeito, na herança indivisa, os herdeiros (que não sucedem em bens determinados) nenhum direito têm a concretos bens que integrem tal património autónomo, nem mesmo em compropriedade, só o podendo passar a ter com a partilha, vedado lhes estando, por isso, antes desta, o recurso a ação especial de divisão de coisa comum. III - O mesmo se diga em relação àquele que adquira o direito de um herdeiro à herança, podendo, mesmo, dar-se o caso de, com a partilha, passar a ter a propriedade do concreto bem em causa. IV - A compropriedade de direitos reais sobre bens concretos não pode ser confundida com contitularidade de patrimónios indivisos, com as heranças indivisas, e apenas no regime de compropriedade ou outra forma de contitularidade de direitos reais sobre bens concretos o consorte é titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso e confere o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos art.s 1403º, 1412º e 1413º do CC e art.s 925º e segs, do CPC. V - Não sendo o imóvel cuja divisão é pedida bem em compropriedade da Autora e da “herança aberta por óbito de…”, mas bem que, em parte, integra comunhão hereditária, e sendo o meio próprio para fazer cessar a indivisão (e instituir propriedade ou compropriedade) o processo especial de inventário, o indevido recurso a ação especial de divisão de coisa comum determina nulidade, por erro na forma de processo, sujeita ao regime do art.º 193º, do CPC. VI - Afastada estando a possibilidade de convolação do processo especial de divisão de coisa comum para processo de inventário, existindo incompatibilidade manifesta das tramitações, nada podendo ser aproveitado, na anulação de todo o processado e na procedência da exceção dilatória da nulidade de todo o processo, tem o julgador de se abster de conhecer do pedido e de absolver a Ré da instância, nos termos conjugados dos art.s 193.º nº 1, 278.º n.º 1, al. b), 576.º n.º 2, 1ª parte, e 577.º, al. b), todos do CPC.
Em sentido idêntico se decidiu nesta Relação e secção, por Acórdão proferido a 9/05/2024 ( proc. nº 752/22.7T8SCR.L1-6, in www.dgsi), com o seguinte sumário: I – Para que a herança indivisa, comproprietária, seja parte no processo de divisão de coisa comum, devidamente representada por todos os herdeiros, exigem-se ainda outros dois pressupostos para que se possa falar na adequação da acção de divisão de coisa comum e afastar assim a verificação de erro na forma de processo: - Conhecer-se os comproprietários; - Conhecer-se a extensão do seu direito. II – Sendo uma das RR. apenas herdeira de uma comproprietária, cuja herança não se mostra partilhada, não pode atribuir-se-lhe a qualidade de comproprietária nem fixar as quotas de todos os comproprietários, simultaneamente herdeiros, sem que se efectue primeiro a partilha (acresce estar ainda em causa a possível inoficiosidade da doação pela qual os restantes herdeiros se haviam tornado comproprietários); verifica-se assim o erro na forma de processo.
Com efeito, não há dúvida que a acção de divisão de coisa comum tem como pressuposto a compropriedade sobre um bem (ou a comunhão de quaisquer outros direitos na medida em que lhe sejam aplicáveis as regras da compropriedade por força do art.º 1404.º do Código Civil) e como finalidade a efetivação do direito à divisão que o art.º 1412.º do Código Civil confere aos comproprietários nos casos de divisibilidade ou indivisibilidade material da coisa. Daí que se entenda que tal acção é de natureza real, porquanto visa a modificação subjetiva e objetiva do direito real complexo em que se traduz a compropriedade.
Daqui decorre que é condição essencial neste tipo de acção que as partes tenham a a qualidade de comproprietários (para o que aqui interessa, deixando agora de lado os casos do art.º 1404º do Código Civil), e tem sido entendido pela jurisprudência recente que não haverá a possibilidade de uma dessas partes serem apenas os herdeiros, já se admitindo que possa ser a herança indivisa.
Com efeito, na herança os herdeiros não são titulares de um direito de propriedade comum sobre uma coisa, mas antes contitulares do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará; “(…) enquanto não se fizer a partilha, os herdeiros têm sobre os bens que constituem a herança indivisa um direito indivisível, recaindo tal direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta(…) A contitularidade do direito à herança implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesmo e não sobre um dos seus bens que a compõem” (Luís Filipe Pires de Sousa, in Processos Especiais de Divisão de Cosa Comum e de Prestação de Contas, 2016, Almedina, pág. 19).
Nessa medida, não se tratando de coisa comum de que sejam comproprietários, não podem os herdeiros figurar na acção de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança, uma vez que só após a atribuição dos bens em partilha é que os herdeiros podem recorrer à acção de divisão de coisa comum.
Desta forma, é pacífico que a forma de dividir um prédio que integre uma herança é através do processo de inventário. Porém, a questão que se coloca é saber se um, ou neste caso dois dos comproprietários possa ser uma herança indivisa.
Em princípio tal não obstaria à instauração da acção de divisão de coisa comum, pois aplicando a doutrina defendida por Luís Filipe Pires de Sousa: “pode ocorrer que a herança indivisa seja, ela própria, comproprietária (a par de terceiros) de um imóvel” e, nesse caso “sendo interposta uma acção de divisão de coisa comum de tal imóvel por terceiro, antes da partilha, deverão ser demandados todos os herdeiros, os quais agirão como representantes da herança e não em nome próprio”. Tal foi ainda defendido no Acórdão desta Relação, e secção datado de 25/2/2021 (proferido no Proc. n.º 20403/19.6T8SNT.L1-6, in www.dgsi.pt) onde se citam outros arestos, mas igualmente o Acórdão tambem desta Relação e secção supra citado, datado de 9/05/2024.
Porém, para que tal pudesse ocorrer a acção teria de ter sido proposta contra as heranças indivisas, pois são estas que figuram como comproprietárias e não os herdeiros qua tale. Na verdade, podemos admitir, na esteira aliás do decidido no Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 17/5/2015 (proferido no processo nº 3834/13.2TBFUN.L1-2, in www.dgsi.pt) que: I. A acção de divisão de coisa comum, tendo como fim específico a dissolução da compropriedade, fundamenta-se na qualidade de comproprietário do requerente, ao qual assiste o direito de não continuar na situação de indivisão. II. Conhecendo-se os comproprietários, independentemente do conteúdo do seu direito, não se encontra qualquer utilidade, prática ou jurídica, para que, previamente à divisão do imóvel, se proceda à partilha dos bens deixados pelos comproprietários falecidos. III. Tendo os requerentes expresso a pretensão de pôr termo à indivisão do imóvel comum, confrontando os demais consortes, e tendo seguido os termos da acção de divisão de coisa comum, esta é a forma processual apropriada ao pedido formulado.
No caso, além de não figurarem na acção as heranças indivisas, surge ainda a supra referida questão da exigência prévia de autorização do Tribunal relativamente à herdeira sujeita ao regime de maior acompanhado, situação que exigirá sempre a partilha prévia dos bens.
O erro na forma de processo, previsto pelo art.º 193º do Código de Processo Civil, consiste na utilização pelo autor de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.
Logo, ainda que possamos considerar que à partida não repugna que a herança indivisa, comproprietária, seja parte no processo de divisão de coisa comum, devidamente representada por todos os herdeiros, há que considerar que os AA. não intentaram a acção contra as herança indivisas, mas sim contra os herdeiros, sendo que a representante da interdita figura igualmente como herdeira apenas, juntamente com a sua representada, o que poderá consubstanciar a necessidade de nomeação de um representante ad hoc, mas sempre com a prévia autorização do Tribunal, como deixámos referido. Por outro lado, não resulta evidente a proproção de cada um dos réus no prédio cuja divisão se pretende, pelo que não pode nesta acção pretenderem os recorrentes atribuir a quota parte da propriedade do imóvel às partes nesta acção, nem a venda do bem pode ser feita por estes com repartição do valor (que valor a cada um dos RR.?), mas apenas pelas heranças indivisas, sendo que relativamente à herança de II, figurando uma das herdeiras sujeita ao regime de maior acompanhado, sempre haveria necessidade de aferir a quota desta e a existir alguma quota o seu destino estará sujeito a autorização judicial prévia.
Outrossim, ainda que se possa considerar que as heranças indivisas possam ser partes na ação especial de divisão de coisa, entendemos que tal como foi configurada a acção os réus não beneficiam de tal direito, pois mesmo que tenham uma quota ideal sobre os bens que integram a herança indivisa, a ação idónea a aferir esta é a ação especial de inventário, com vista à partilha para que, através dela, se obtenha a propriedade/compropriedade de concretos bens, entre os quais o bem imóvel cuja divisão se pretende. Só após tal definição, no que constitui 2/3 do imóvel é que se pode obter a divisão do bem pelos comproprietários que assumam tal qualidade.
Donde, entendemos sufragar o entendimento do Tribunal a quo, sendo que o recurso indevido ao processo especial de divisão de ocisa comum determina a nulidade por erro na forma de processo, sujeita ao regime do art.º 193º do Código de Processo Civil, sem possibilidade de convolação para outra forma processual, tendo em conta a incompatibilidade manifesta das tramitações.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Maio de 2025
Gabriela de Fátima Marques
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
João Brasão