Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
644/25.8PASNT-A.L1-5
Relator: ESTER PACHECO DOS SANTOS
Descritores: MEDIDAS DE COAÇÃO
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA
PERIGO DE PERTURBAÇÃO DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS
PERIGO PARA AQUISIÇÃO DA PROVA
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 – As necessidades processuais de natureza cautelar a que as medidas de coação procuram dar resposta resultam da existência dos perigos elencados nas três alíneas do artigo 204.º do CPP.
2 – Olhando às circunstâncias em apreço, de onde sobressai a personalidade violenta do arguido revelada na prática dos factos, associada a tudo aquilo que é salientado quanto aos seus anteriores “contactos” com a justiça, inclusive pela prática de crimes da mesma natureza (roubos), dúvidas inexistem quanto à verificação em concreto de um avultado perigo de continuação da atividade criminosa.
3 - Encontra-se acerto no invocado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pois que é consabido que condutas desta natureza (roubo) geram na comunidade sentimentos de intranquilidade.
4 – Mostra-se concretizada uma atuação de perigo para aquisição e conservação da prova, plasmada na explicação do ofendido para o resultado negativo do reconhecimento pessoal, não sendo de excluir que o arguido procure contactá-lo, tanto mais que já terá inclusivamente tentado chegar à fala com a sua progenitora.
5 - Verificando-se esses perigos, a medida de coação de prisão preventiva não se mostra desproporcionada à gravidade dos factos e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, sendo aliás necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer.
6 – A obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não satisfaz as necessidades cautelares, tendo em conta a personalidade do arguido, manifestamente contrária a acatar orientações ou imposições de carácter meramente remoto, e sendo que o ambiente familiar não se mostra suficientemente contentor de tais comportamentos (mãe residente no estrangeiro).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No Juízo de Instrução Criminal de Sintra, após primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi imposta a AA, por despacho judicial de 18 de julho de 2025, a medida de coação de prisão preventiva.
2. Recurso Arguido
Recorreu o arguido, retirando da respetiva motivação as conclusões que se transcrevem:
I. O presente recurso tem como objeto toda a matéria do despacho que aplicou a prisão preventiva ao arguido, ora recorrente.
II. Em 18 de julho de 2025, sede de primeiro interrogatório judicial, foi decretada a prisão preventiva do Recorrente enquanto suspeito da prática de um crime de roubo agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°1 e n.°2 al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 2 al. f), ambos do Código Penal.
III. O Tribunal a quo considerou o Recorrente fortemente indiciado e invocou o perigo de continuação da atividade criminosa, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, bem como, de aquisição e conservação da prova.
IV. Não se verificam os pressupostos legais de necessidade, adequação e proporcionalidade para aplicação da medida de coação de prisão preventiva.
V. O Recorrente foi detido fora do flagrante delito.
VI. Os elementos probatórios constantes dos autos são frágeis:
- O ofendido não reconheceu o arguido no auto formal de reconhecimento;
- Apenas posteriormente, em momento informal, terá dito ao inspetor que o reconhecia mas que teve receio de o identificar.
VII. Alegação não sujeita a contraditório e que carece de qualquer formalidade legal exigida para poder ser valorada como indício relevante (artigos 129.° e 141.° CPP).
VIII.O reconhecimento presencial é o ato processual formal e com valor probatório, através do qual o ofendido poderia reconhecer o Recorrente.
IX. Atribuir valor probatório às declarações que o ofendido presta perante órgão policial, quando o reconhecimento presencial foi negativo, configura uma clara violação da lei processual penal.
X. Além do reconhecimento presencial negativo e da roupa que o Recorrente trajava e que muito provavelmente publicou em rede social em data anterior aos factos, o Tribunal a quo baseia-se nas declarações do Ofendido e da sua mãe.
XI. O Ofendido que não reconheceu o Recorrente alegadamente por medo de represálias, mas que em relação ao co-arguido, BB, não teve qualquer receio.
XII. A alegação que o Ofendido terá reconhecido o Recorrente, carece de fundamento, sendo legalmente inadmissível.
XIII.O Recorrente negou a pratica dos factos que lhe foram imputados e está inserido social e familiarmente.
XIV. O Recorrente dispõe de ajuda financeira das suas tias, com quem reside e da sua mãe, residente no estrangeiro.
XV. O Recorrente tem apenas 20 anos de idade e a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva, poderá ter efeitos devastadores, que com outra medida e acompanhamento familiar seriam acautelados.
XVI. A aplicação da prisão preventiva está sujeita não só às condições gerais contidas nos artigos 191° a 195° do Código de Processo Penal, em que avultam os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, como aos requisitos gerais previstos no artigo 204° e aos específicos consagrados no artigo 202°. Cfr. o Ac. da RP, de 16.11.2011 in www.dgsi.pt (Proc. n° 828/10.3JAPRT-D.P1).
XVII. A prisão preventiva, enquanto medida de coação de natureza excecional e de aplicação subsidiária, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente (cfr., conjugadamente, o artigo 28°, n° 2, da CRP e o artigo 193°, n°s 2 e 3, do CPP).
XVIII. O Tribunal a quo não demonstrou de forma concreta a insuficiência de medidas alternativas, como:
- Proibição de contactos (artigo 200.° do CPP) ou até obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (artigo 201.°-A do CPP).
XIX. Ao Recorrente deverá ser aplicada medida de coação menos gravosa.
XX. Caso se considere aplicável a medida de coação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, a mesma poderá ser cumprida na residência do Recorrente, sita na morada constante do Termo de Identidade e Residência, o qual desde já dá o seu consentimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4.° da Lei 33/2010 de 2 de setembro.
Termos em que deve o despacho recorrido ser substituído por outro que revogue a prisão preventiva aplicada ao Recorrente e aplique a este outra medida de coação que respeite os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, designadamente, a proibição e imposição de condutas ou, não sendo estas suficientes, a obrigação de permanência na habitação.
3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo no sentido de que “a decisão recorrida mostra-se suficientemente fundamentada e encontram-se preenchidos os pressupostos, quer os de carácter geral quer os de carácter específico, legalmente exigidos para que ao arguido recorrente pudesse ser aplicada a medida de coação de prisão preventiva, medida essa que, de entre o elenco das medidas de coação que a lei prevê, é a única que, por ora, se mostra capaz de satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares que o caso requer, pelo que o despacho não violou qualquer normativo legal ou constitucional, designadamente os artigos 191°, n° 1, 193°, 202° e 204°, todos do Código de Processo Penal, nem os princípios da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade.”
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, no sentido de que o recurso não merece provimento, acrescentando o seguinte:
Na verdade, o crime em causa está fortemente indiciado nos autos, admite prisão preventiva e verifica-se de forma grave e em concreto, o perigo de continuação da atividade criminosa (em face dos antecedentes criminais pela prática dos mesmos crimes e processo pendente e de não se lhe conhecer trabalho nem estudar) e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, em razão da forma de execução dos crimes, designadamente em grupo, mediante agressões físicas, assim como o perigo para a aquisição e conservação da prova, face ao medo sentido pelo ofendido, de represálias, inclusivamente por ter tentado chegar à fala com a mãe deste, perigos que manifestamente apenas se mostram acautelados com a aplicação da medida de coação mais gravosa (art.ºs 191.º a 195.º, 202.º, n.º1, alíneas a) e b) e 204.º, alíneas b) e c), todos do CPP), conforme o tribunal a quo devidamente fundamentou.
Até porque o Juiz a quo ponderou a aplicação da medida de OPH com vigilância eletrónica e, acertadamente, concluiu que não acautelava os indiciados perigos, tendo em conta a personalidade manifestamente contrária a acatar as ordens das autoridades, e sendo que o ambiente familiar não se mostra contentor de tais comportamentos (mãe ausente).
Estes atos criminosos são graves, provocam alarme social e exigem medidas cautelares adequadas e necessárias.
Bem andou, pois, o Mmo. Juiz a quo, quando aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva.
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (adiante designado de CPP), não foi apresentada resposta.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 CPP.
No caso concreto, face às conclusões extraídas pelo arguido da motivação do recurso interposto, cumpre apreciar as seguintes questões:
• Da insuficiência de indícios quanto à prática pelo arguido de um crime de roubo agravado;
• Da não verificação dos pressupostos legais de necessidade, adequação e proporcionalidade para aplicação da medida de coação de prisão preventiva;
• Da aplicação de medida de coação menos gravosa, como a proibição e imposição de condutas, ou, não sendo estas suficientes, a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
2. Motivos da detenção – Factos imputados (despacho de apresentação)
1. No dia ... de ... de 2025, pelas 23h45, CC estava sentado num banco de jardim a ouvir música na ..., em ....
2. Nas mesmas circunstâncias de tempo, os arguidos AA e BB e outros indivíduos passaram na mesma artéria no interior de um veículo automóvel.
3. Ao se aperceberem da presença de CC, o condutor da viatura imobilizou a mesma e os arguidos AA e BB saíram do interior da mesma e dirigiram-se aquele.
4. De imediato, os arguidos AA e BB começaram a desferir murros na face e na cabeça, bem como, pontapés na barriga de CC, tendo este reagido para se defender.
5. De seguida, apercebendo-se de que CC estava a resistir, os outros indivíduos saíram da viatura, com a cara tapada, e dirigiram-se em auxílio dos arguidos.
6. Nesse momento, CC conseguiu começar a correr em direção a um relvado.
7. O arguido BB foi no encalço de CC e quando o alcançou colocou-lhe um braço em volta do seu pescoço num golpe vulgarmente designado de “mata-leão.
8. Em consequência desse golpe CC desmaiou.
9. Quando CC recuperou os sentidos, arremessou o seu telemóvel e as chaves da sua residência para os tentar colocar fora do alcance dos arguidos.
10. Nessa sequência, o arguido BB colocou-lhe novamente um braço em volta do pescoço, num golpe vulgarmente designado de “mata-leão”.
11. Altura em que um dos indivíduos não identificados se apoderou do telemóvel de CC.
12. Após, enquanto dois dos indivíduos não identificados empunhavam facas, outro desses indivíduos encostou-lhe uma arma de fogo, de características não apuradas, à cabeça, e ordenou que lhe entregasse o código de desbloqueio.
13. Perante a recusa em fornecer tal código, e não obstante CC dizer aos arguidos e aos indivíduos não identificados que se estava a sentir mal, os mesmos voltaram a desferir murros na sua cabeça, o que fez com fornecesse o código de desbloqueio do telemóvel.
14. Após e por haver pessoas que acorreram à entrada de um prédio, os arguidos, juntamente com os indivíduos não identificados, fugiram do local levando consigo o telemóvel de CC, da marca ..., modelo ..., no valor de 700,00€ (setecentos euros), bem este que fizeram seu.
15. Em consequência das descritas condutas dos arguidos, CC sofreu escoriações, hematomas e dores.
16. Os arguidos AA e BB agiram nas circunstâncias descritas em conjugação de esforços e de intentos com outros indivíduos ainda não identificados, em execução de um plano previamente acordado entre todos ou a que aderiram de imediato, com o propósito, concretizado, de, mediante o uso da força, retirarem e fazerem seus o mencionado equipamento que sabiam não lhes pertencerem, como sabiam que agia contra a vontade e em prejuízo do seu proprietário.
17. Os arguidos AA e BB, juntamente com os outros indivíduos não identificados, fizeram-se valer da sua superioridade física e numérica, do uso de força física e de uma arma de fogo levando CC a não reagir e a obstar à concretização daquele intento, por temer pela sua integridade física e mesmo pela sua vida.
18. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei tendo capacidade para se determinarem de acordo com esse conhecimento.
3. Despacho recorrido
É do seguinte teor o despacho recorrido, conforme consta do auto de 1.º interrogatório judicial de arguido detido:
O arguido foi validamente detido, fora de flagrante delito, nos termos do artigo 257 do CPP.
Foi respeitado o prazo de 48 horas para a apresentação do arguido, nos termos do disposto no art° 254°, do CPP.
Não obstante a negação dos factos realizada pelo arguido neste acto, feita de forma absolutamente incoerente e por isso inverosímil, entende-se que estarão suficientemente indiciados todos os factos constantes no despacho de apresentação do arguido a este interrogatório que aqui se consideram integralmente reproduzidos.
A dinâmica dos factos ocorridos resulta fortemente indiciada com base no depoimento da vitima, que se encontra em conformidade e coerência com os factos directamente verificados pelos elementos policiais, tendo-se em consideração os elementos de prova indiciados no despacho de apresentação do arguido para onde remeto integralmente.
Veja-se que na residência do arguido foi apreendido um par de calças de fato de treino da marca “...”, de cor cinzenta, com uma lista branca lateral, em ambas as pernas, até meio da perna, que conforme a reportagem fotográfica de fls. 101/102 e auto de exame directo de fls. 103/104 são em tudo idêntica às descritas pelo ofendido como sendo as usadas pelo arguido AA durante a prática dos factos, sendo idênticas às constante na reportagem fotográfica a fls. 46 como sendo uma indumentária em tudo condizente à envergada pelo suspeito aquando das agressões e roubo levados a cabo no passado dia ....
De salientar que o próprio arguido, nas declarações que prestou, reconheceu ter esse fato de treino - cujo casaco alega, de forma conveniente - ter sido deitado fora por uma ex-namorada, que o teria usado e sujado, há cerca de um mês.
O acervo probatório reunido neste momento, aponta de forma concludente para a participação do arguido nos factos denunciados, não sendo dada grande relevância ao resultado do reconhecimento pessoal negativo deste arguido por parte da vítima, tanto mais que esta, logo após esse acto, nas declarações de fls. 113, indicou que na diligência de reconhecimento pessoal tinha efectivamente reconhecido o arguido na posição n.° 2, não o tendo apontado como um dos autores, por desde o dia dos factos, vários amigos lhe terem dito que aquele sabe onde residia, que conhece a sua família, em concreto a sua mãe e irmãos, e por isso, tem medo de represálias contra a sua família, tanto mais que aquele já terá inclusivamente tentado chegar à fala com a sua progenitora, em mais de uma ocasião.
Assim, indiciam fortemente os autos a prática pelo arguido, em co-autoria material de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 202.°, alf) do Código Penal.
O crime em causa, de roubo agravado, praticado pelo arguido juntamente com 5 outros indivíduos, em plena via pública, à noite, que não hesita em abordar os transeuntes com quem se cruza de forma aleatória, examinando com frieza e detalhadamente os bens por estes transportados para os subtraírem por meio de violência, indiferente às consequências para a integridade física das suas vítimas, como resulta das circunstâncias descritas, enquadram-se no conceito de criminalidade violenta a que se refere o art° 215°, n° 2 e 1°, al. j), todos do CPP e demonstra o desrespeito e indiferença que o arguido tem para bens jurídicos de natureza pessoal.
Aliás, veja-se que o arguido enquanto menor de 16 anos foi condenado por factos que configuram crimes de roubo - tendo estado em centro educativo em regime fechado por 36 meses e, já penalmente imputável, foi condenado por sentença de 2023/04/13, transitada em julgado no dia 2023/05/15, proferida no Proc. n° 583/21.1PCOER, que correu termos no JL Criminal de Lisboa - J7, pela prática, no dia ...2.../07, de um crime de roubo, p. e p. pelo disposto no artigo 210° do Código Penal, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 2 anos de 8 meses de prisão, que foi suspensa na execução por igual período, com regime de prova.
No período de suspensão da pena cometeu novo crime, vindo a ser condenado por sentença de 2024/01/25, transitada em julgado no dia 2024/02/26, proferida no Proc. n° 2/24.1PAAMD, que correu termos no JL Criminal da Amadora - J1, pela prática, no dia .../.../01, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo disposto no artigo 3° do DL n° 2/98, de 03.01, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
Acresce que o arguido está acusado no âmbito do processo n. ° 56/24.0PHAMD, pendente no Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 5, da prática em co-autoria material de dois crimes de roubo, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.°, 26.° e 210.°, n.° 1 do Código Penal, dois crimes de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.°, 23.°, 210.°, n.° 1 e n.° 2, al. b) com referência ao artigo 204.°, n.° 2, al. f) do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.°, n.°1 al. c) e e) da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as devidas alterações (Regime Jurídico das armas e munições) e, no dia 14/7/2025, foi condenado no âmbito do Processo: 1317/24.4PDAMD do Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 4, por decisão ainda não transitada em julgado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, a executar em regime de permanência na habitação sita na ..., com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do artigo 43°, n° 1, al. a), do Código Penal.
Com cerca de 20 anos, o arguido revela uma personalidade com claro pendor para a prática de crimes violentos.
Este tipo de ilícitos, por terem um carácter tão aleatório, são causadores de grande perigo para a tranquilidade e ordem pública e indicia, pela temeridade com que são praticados e frieza na execução, utilização de violência (basta atender que a vítima ficou com abundante sangramento e para que lograssem vencer a resistência muscular da mesma, foram utilizados golpes de mata-leão que a deixaram várias vezes sem sentidos), a ausência de mecanismos inibidores endógenos na pessoa dos respectivos agentes (como o aqui arguido) que os determinem, sem controlo externo, a não praticar crimes, o que é revelar de um total desrespeito pelos mais elementares valores que a norma penal pretende proteger.
Para além de já ter sido condenado pela prática de crimes de roubo, tem igualmente pendente processo em que aguarda julgamento, não lhe sendo conhecido qualquer ocupação lícita, hábitos de trabalho ou de estudo.
Assim, em liberdade o arguido voltaria a praticar factos idênticos àqueles que aqui e agora estão em análise, eventualmente provocando consequências mais gravosas.
A intensidade com que se manifesta o perigo de continuação da actividade criminosa e respectivas consequências é, por isso, intolerável para a comunidade em geral.
Por outro lado, há igualmente a preocupação de que o arguido procure contactar, como já o tentou fazer, a vítima e os familiares desta, no sentido de a intimidar e coagir a apresentar uma versão em juízo através da qual possa vir a sair inocentado.
Em face do crime fortemente indiciado e dos perigos que se verificam: avultado perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, de aquisição e conservação da prova, apenas uma medida detentiva será proporcional, necessária e adequada ao caso concreto.
Uma medida de apresentações periódicas é manifestamente insuficiente pois o contacto com as autoridades policiais ou a situação de reclusão (ainda que em centro tutelar educativo) em que o arguido já esteve não o desmotivaram da prática de novos crimes.
Contrariamente ao disposto no art° 193°, n° 3, do CPP, a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica também não satisfaz as necessidades cautelares já que o arguido não revela vontade de acatar orientações ou imposições de carácter meramente remoto, nem o seio familiar denota ser suficientemente contentor da prática de ilícitos.
Pelo exposto, determino que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva - art°s 191°, 193°, 202°, n° 1, al. a) e 204°, als. b) e c), todos do CPP.
Notifique, dando cumprimento, se for caso disso, ao disposto no art° 194°, n° 10,
do CPP.
Passe mandados de condução do arguido ao estabelecimento prisional.
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3. Apreciando
O recorrente considera que os elementos de prova carreados para os autos são frágeis, não permitindo decidir no sentido por que enveredou o tribunal a quo, uma vez que “o ofendido não reconheceu o arguido no auto formal de reconhecimento” e “apenas posteriormente, em momento informal, terá dito ao inspetor que o reconhecia mas que teve receio de o identificar”.
Pugna, pois, pela insuficiência de indícios quanto à prática do crime de roubo agravado.
Vejamos.
Como é sabido, a ocorrência de indícios da prática de um crime é condição da aplicação de todas as medidas de coação.
Contudo, olhando à fundamentação do despacho recorrido, facilmente se vislumbra que a convicção do tribunal não assentou em prova indireta, ao contrário do afirmado pelo recorrente ao invocar, expressamente, a disposição legal contida no art. 129.º do CPP.
É que não obstante o ofendido ter realizado um reconhecimento negativo do recorrente (cf. fls. 108 a 110), não confirmando formalmente a sua perceção sensorial anterior, pois que aquando da sua inquirição a ........2025, indicou “que reconheceu o indivíduo em causa como sendo o ..., um individuo do ..., que conhece pessoalmente por ser namorado de uma antiga colega de escola de nome DD, dos tempos em que estudava na ...”, certo é que explicou depois as suas razões.
Com efeito, logo após essa diligência de reconhecimento, conforme auto de inquirição de fls. 113/114 por si assinado, esclareceu que na diligência de reconhecimento pessoal tinha efetivamente reconhecido o arguido na posição n.° 2, não o tendo apontado como um dos autores, por desde o dia dos factos, vários amigos lhe terem dito que aquele sabe onde residia, que conhece a sua família, em concreto a sua mãe e irmãos, e por isso, tem medo de represálias contra a sua família, tanto mais que aquele já terá inclusivamente tentado chegar à fala com a sua progenitora, em mais de uma ocasião, o que faz com sinta ainda mais receio pela sua família.
Ou seja, não está em causa um qualquer “momento informal”, em que o ofendido terá dito ao inspetor que reconhecia o arguido mas que teve receio de o identificar, mas antes um depoimento direto, lavrado em auto, prestado após a diligência de reconhecimento.
Acrescenta-se, aliás, que este último depoimento é consentâneo com o primeiro prestado pelo ofendido, onde então referiu que o S1 (...) disse ao outro suspeito que o conhecia, afirmando “Eu sei quem é que ele é”.
Ora, independentemente do resultado do reconhecimento pessoal ter sido negativo, tais declarações merecem credibilidade, apontando fundamentadamente para a participação do arguido nos factos denunciados.
Assim considerando, e sem prejuízo de melhor investigação, certo é que à data da prolação do despacho recorrido não se consegue explicar de outra forma os elementos de prova carreados para os autos, mesmo que estes assentem fundamentalmente na versão do ofendido CC.
Perante esses indícios que também nós consideramos fortes, nenhum reparo cumpre realizar ao despacho recorrido ao concluir pela indiciada prática pelo arguido, em coautoria material, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.º 2, al. f) do Código Penal (e não 202.º, al. f), como decerto por lapso consta da decisão recorrida), porquanto, com base naqueles, a probabilidade de condenação é maior do que a de absolvição.
Aqui chegados, sabemos que as necessidades processuais de natureza cautelar a que as medidas de coação procuram dar resposta resultam da existência dos perigos elencados nas três alíneas do artigo 204.º do CPP.
No caso dos autos, o despacho recorrido fundamentou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido naqueles a que se referem as als. b) e c) dessa disposição legal, ou seja, nos perigos para aquisição e conservação da prova, de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Ora, olhando às circunstâncias em apreço, de onde sobressai a personalidade violenta do arguido revelada na prática dos factos, associada a tudo aquilo que é salientado quanto aos seus anteriores “contactos” com a justiça, inclusive pela prática de crimes da mesma natureza (“enquanto menor de 16 anos foi condenado por factos que configuram crimes de roubo - tendo estado em centro educativo em regime fechado por 36 meses e, já penalmente imputável, foi condenado por sentença de 2023/04/13, transitada em julgado no dia 2023/05/15, proferida no Proc. n° 583/21.1PCOER, que correu termos no JL Criminal de Lisboa - J7, pela prática, no dia ...2.../07, de um crime de roubo, p. e p. pelo disposto no artigo 210° do Código Penal, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 2 anos de 8 meses de prisão, que foi suspensa na execução por igual período, com regime de prova. No período de suspensão da pena cometeu novo crime, vindo a ser condenado por sentença de 2024/01/25, transitada em julgado no dia 2024/02/26, proferida no Proc. n° 2/24.1PAAMD, que correu termos no JL Criminal da Amadora - J1, pela prática, no dia ...2.../01, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo disposto no artigo 3° do DL n° 2/98, de 03.01, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00. Acresce que o arguido está acusado no âmbito do processo n. ° 56/24.0PHAMD, pendente no Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 5, da prática em co-autoria material de dois crimes de roubo, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.°, 26.° e 210.°, n.° 1 do Código Penal, dois crimes de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.°, 23.°, 210.°, n.° 1 e n.° 2, al. b) com referência ao artigo 204.°, n.° 2, al. f) do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.°, n.°1 al. c) e e) da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as devidas alterações (Regime Jurídico das armas e munições) e, no dia 14/7/2025, foi condenado no âmbito do Processo: 1317/24.4PDAMD do Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 4, por decisão ainda não transitada em julgado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, a executar em regime de permanência na habitação sita na ..., com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do artigo 43°, n° 1, al. a), do Código Penal”), dúvidas inexistem quanto à verificação em concreto de um avultado perigo de continuação da atividade criminosa.
De igual modo, encontra-se acerto no invocado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pois que é consabido que condutas desta natureza geram na comunidade sentimentos de intranquilidade.
Finalmente, mostra-se concretizada uma atuação de perigo para aquisição e conservação da prova, plasmada na explicação do ofendido para o resultado negativo do reconhecimento pessoal, não sendo de excluir que o arguido procure contactá-lo, tanto mais que já terá inclusivamente tentado chegar à fala com a sua progenitora.
À visto disso, afigura-se-nos que a medida de coação imposta não se mostra desproporcionada à gravidade dos factos e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, sendo aliás necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer.
Na verdade, da análise que realizamos não verificamos qualquer exceção que permitisse convocar outras medidas cautelares menos gravosas, nem mesmo a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que a decisão recorrida não deixou de ponderar concluindo, acertadamente, que a mesma não satisfazia as necessidades cautelares, tendo em conta a personalidade manifestamente contrária a acatar orientações ou imposições de carácter meramente remoto, e sendo que o ambiente familiar não se mostra suficientemente contentor de tais comportamentos (mãe residente no estrangeiro).
Ou seja, a medida de coação privativa da liberdade aplicada ao arguido, a que corresponde finalidades estritamente cautelares, mostra-se em conexão com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade – art. 193.º do CPP -, bem como de acordo com o estatuído nos arts. 191.º, 192.º e 204.º do mesmo diploma legal.
Em conclusão, encontram-se preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para que ao arguido recorrente pudesse ser aplicada a medida de coação em causa - art. 202.º, n.º 1, als. a) e b), por referência a criminalidade violenta (art. 1.º, al. j) do CPP), e 204.º, n.º 1, als. b) e c), todos do CPP.
Por conseguinte, nenhum reparo cumpre realizar ao despacho recorrido, sendo o mesmo de manter.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Notifique.
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Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.
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Lisboa, 21 de outubro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Pedro José Esteves de Brito
Ana Lúcia Gordinho