Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | PAULA CRISTINA BORGES GONÇALVES | ||
| Descritores: | BURLA QUALIFICADA FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO COMPRA E VENDA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | Sumário: (da responsabilidade da Relatora) I. O recurso da matéria de facto, nas disposições conjugadas dos arts. 127º e 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, não pode conduzir apenas a uma diferente avaliação da prova e a um ‘segundo julgamento’ pelo tribunal de recurso. II. O princípio da imediação, aquando da produção e ponderação da prova pelo tribunal recorrido, deve ser respeitado, se da conjugação de toda a prova se verificar uma análise segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. III. Se da matéria de facto provada não resultar a prática pelo arguido/demandado de qualquer facto ilícito, apreciado segundo as regras do disposto nos arts. 377º do CPP e 483º do CC (quanto à responsabilidade civil extracontratual), impõe-se a absolvição do demandado do pedido de indemnização civil. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO I.1. Por decisão proferida em .../.../2024 foram os arguidos AA e BB absolvidos dos crimes por que vinham acusados e pronunciados, da seguinte forma: a) o arguido AA foi absolvido da prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº1, 218º, nº 2, a), e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº1, d), todos do C. Penal; b) o arguido BB foi absolvido da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.s 217º, nº1, 218º, nº 2, a), ambos do C. Penal; c) mais foram os arguidos/demandados, AA e BB, absolvidos do pagamento aos Assistentes/Demandantes CC e DD da quantia de 829.755,04€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. * I.2. Recurso da decisão Os assistentes CC e DD interpuseram recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição total): “1.º In casu, foram, incorrectamente, julgados, pelo Tribunal a quo, com o consequente “erro de julgamento”, quer os 14.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º e 32.º factos dados, como provados, pelo Tribunal a quo, quer, ainda, e, também, de todos os factos dados, como não provados, pelo Tribunal a quo. 2.º As provas produzidas em Audiência de Julgamento, consubstanciadas, nomeadamente, quer nas declarações prestadas pela Assistente/Demandante cível, DD, quer nas declarações prestadas pelo Assistente/Demandante cível, CC, quer no depoimento prestado pela testemunha EE, quer no depoimento prestado pela testemunha FF, quer no depoimento prestado pela testemunha GG, quer no depoimento prestado pela testemunha HH, quer no depoimento prestado pela testemunha II, quer na prova documental consubstanciada nos documentos juntos, no âmbito do Inquérito, aos autos (Apenso – Processo …/DOGEC/00 e pen, constante de fls. 298 dos autos, Cópia P. 617/EDI/2019, constante de fls. 208 a 214 dos autos, Print de email/sms trocados, constante de fls. 128-138, com tradução constante de fls. 259 a 266 dos autos, Plantas apresentadas, constantes de fls. 20 a 22 dos autos, Contrato Promessa de Compra e Venda, constante de fls. 23 a 34 dos autos, Relatório de avaliação imobiliário, constante de fls. 35 a 43 dos autos, Certidão Registo Predial, constante de fls. 272 a 275 dos autos, Pedido de averbamento à descrição, constante de fls. 49 a 51 dos autos, Caderneta Predial Urbana, constante de fls. 52 a 54 dos autos, Contrato de Compra e Venda, constante de fls.112 a 124 dos autos, Tabela de amortização do empréstimo, constante de fls. 87 a 91 dos autos e Comprovativos de pagamento, constante de fls. 125 a 127 dos autos), quer na prova documental consubstanciada nos 13 (treze) documentos que, através do Pedido de Indemnização civil deduzido, a .../.../2021, pelos Assistente/demandantes cíveis, foi junto aos autos (vide ref.ª citius ...), quer na prova documental consubstanciada nos 3 (três) documentos juntos, pelo arguido BB, ao Requerimento de Abertura da Instrução, por ele, apresentado, a .../.../2021 (vide ref.ª citius 29063924), quer na prova documental consubstanciada nos 2 (dois) documentos juntos, pelo arguido AA, ao Requerimento de Abertura da Instrução, por ele, apresentado, a .../.../2021 (vide ref.ª citius 29065967), quer na prova documental consubstanciada no documento que, através de Requerimento apresentado a .../.../2022, foi, pelos Assistente/demandantes cíveis, junto aos autos (vide ref.ª citius 122094), quer na prova documental consubstanciada no documento que, através de Requerimento apresentado a .../.../2024, foi, pelos arguidos AA e BB, junto aos autos (vide ref.ª citius 39388396), quer na prova documental consubstanciada nos 8 (oito) documentos que, através de Requerimento apresentado a .../.../2024, foi, pelo arguido BB, junto aos autos (vide ref.ª citius 39752836), séria, devida e objectivamente analizadas e concatenadas, que o sejam, à luz do disposto no art.º 127.º, do C.P.P., entre si, impõem, de facto (e não, apenas, permitem), clara e objectivamernte, decisão diversa da recorrida, quer no sentido de os 14.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º e 32.º factos dados, como provados, pelo Tribunal a quo, serem dados como não provados, quer no sentido de todos os factos dados, como não provados, pelo Tribunal a quo, serem dados como provados, com a consequente e mui justa condenação, in totum, de ambos arguidos, quer no que respeita aos crimes de foram acusados/pronunciados, quer no que concerne ao pedido de indemnização civil, contra eles, deduzido, pelos Assistentes/demandantes cíveis; 3.º O Tribunal a quo absolveu os 2 (dois) arguidos dos crimes de que vinham acusados/pronunciados, e, bem assim, do pedido de indemnização civil, contra eles, deduzido, pelos Assistentes/demandantes cíveis, não obstante, clara, manifesta, notória e inequivocamente, nenhuma dúvida razoável e insanável poderia existir no seu espírito, no que concerne à prática, por partes dos mesmos, de tais crimes, bem como aos danos causados aos assistentes/demandantes cíveis, tudo em clara violação do disposto no art.º 127.º, do C.P.P.; 4.º A solução pela qual o Tribunal a quo optou, de entre as várias possíveis, é, face às “regras da experiência comum”, arbitrária, ilógica e inadmissível, verificando-se, clara, manifesta, notória e inequivocamente, um atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum. 5.º Na forma de formação da convicção do Tribunal a quo, inexistem, clara, manifesta, notória e inequivocamente, os dados objectivos apontados na motivação, ou, a entender-se que, tais dados objectivos, existem – o que, de resto, não se aceita e que só por mero raciocínio académico se alvitra – , que, então, nesse caso, o Tribunal a quo violou, clara, manifesta, notória e inequivocamente, os princípios exigidos para a aquisição desses, mesmos, dados objectivos. 6.º Os elementos/provas constantes dos autos apontam, clara, manifesta, notória e inequivocamente, para uma resposta diferente da que foi dada pelo Tribunal a quo. 7.º Na base da Decisão proferida pelo Tribunal a quo, residiu, na verdade, sobretudo, e, fundamentalmente, de forma, absolutamente, determinante, uma – putativa – falta de cuidado e diligência por parte dos Assistentes/demandantes cíveis, no que concerne à prévia verificação, por parte dos mesmos, antes de concretizarem o negócio, da legalidade do estado físico em que o imóvel em causa se encontrava, sendo, os mesmos, na verdade, no singular – mas, sempre, inadmissível – entendimento do Tribunal a quo, face a tal – putativa – falta de cuidado e diligência, os únicos e exclusivos culpados por o virem a adquirir, nos termos, forma e condições em que o aquiriram, não tendo os arguidos, por conseguinte, face a tanto, incorrido nos crimes de que vinham acusados/pronunciados, da mesma forma, aliás – permitam-se as simples, mas, ilustrativas, comparações –, que a) A pessoa que se encontra na praia, e que, a fim de ir tomar um banho ao mar, ousa deixar a sua carteira no local onde se encontrava instalada, é, também, de acordo com o raciocínio expandido pelo Tribunal a quo, acaso a carteira lhe venda a ser furtada, a única e exclusiva responsável por tal furto (em virtude de, ao tê-la, aí, deixado, ter agido “incautamente”), não sendo, o seu autor, responsável, criminalmente, por esse, mesmo, furto; b) A pessoa que resolve passear a pé, em determinada noite, num qualquer bairro tido por perigoso, é, também, de acordo com o raciocínio expandido pelo Tribunal a quo, acaso venha a ser alvo de uma agressão física, a única e exclusiva responsável por tal agressão (em virtude de, ao ter ousado deslocar- se, a pé, por esse bairro, ter agido “incautamente”), não sendo, o seu autor, responsável, criminalmente, por essa, mesma, agressão física, c) A mulher que, saindo de casa após a meia-noite, ousa trajar uma mini-saia, é, também, de acordo com o raciocínio expandido pelo Tribunal a quo, acaso venha a ser violada na rua, a única e exclusiva responsável por tal violação (em virtude de, ao ter ousado sair, após a meia-noite, de casa, trajando tal mini-saia, ter agido “incautamente”), não sendo, o seu autor, responsável, criminalmente, por essa, mesma, violação, o que, como é óbvio, é, natural e objectivamente, à luz do disposto no art.º 127.º, do C.P.P., desprovido de todo e qualquer sentido, não podendo, tal ignóbil argumento, à luz de tal normativo legal, servir – como, de resto, decisivamente, serviu – para fundamentar a Sentença em crise e ora recorrida. 8.º Ao dar, incorrectamente, como provados, os 14.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º e 32.º factos dados, como provados, na Sentença em crise e ora recorrida, e, como não provados, todos os factos dados, como não provados, na Sentença em crise e ora recorrida, o Tribunal a quo violou, notória e flagrantemente o disposto no art.º 127.º, do C.P.P., sendo que, acaso tivesse interpretado/aplicado – como podia e devia – tal normativo legal, teria, decerto, chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, in casu, os 14.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º e 32.º factos dados, como provados, na Sentença em crise e ora recorrida, deveriam ser dados como não provados, e, bem assim, que os factos dados, como não provados, na Sentença em crise e ora recorrida, deveriam ser dados como provados, com a consequente condenação dos arguidos, quer pela prática dos crimes de que vinham acusados/pronunciados (em virtude de se encontraram verificados/provados todos os seus, respectivos, elementos objectivos e subjectivos), quer no pedido de indemnização, contra eles, deduzido, pelos Assistentes/demandantes cíveis (m virtude de se encontrarem provados todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, por eles, sofridos). 9.º Ao ter absolvido – errada e incompreensivelmente – os arguidos, dos crimes de que vinham acusados/pronunciados, mas não os tendo condenado no pagamento pedido de indemnização civil que, contra eles, havia sido deduzido pelos Assistentes/demandantes cíveis, o Tribunal a quo violou, também, salvo melhor entendimento, flagrantemente, o disposto no art.º 377.º, n.º 1, do C.P.P., sendo que, acaso tivesse interpretado/aplicado – como podia e devia – tal normativo legal, teria, decerto, chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, in casu, mesmo absolvendo os arguidos dos crimes de que vinham acusados/pronunciados, os mesmos deveriam, ainda assim, ser condenados nos exactos termos e valores constantes do pedido de indemnização civil, contra eles, deduzido, pelos Assistentes/demandantes cíveis. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, deve a sentença proferida, a .../.../2024, pelo tribunal a quo, ser revogada e substituída por outra que: 1. condene os arguidos pela prática dos crimes de que vinham acusados/pronunciados, e dos quais foram, incorrecta e incompreensivelmente, absolvidos; 2. condene os arguidos nos exactos termos e valores constantes do pedido de indemnização civil, contra eles, deduzido, pelos assistentes/demandantes cíveis; Assim se fazendo, Justiça!!!”. * I.3. Resposta dos arguidos Os arguidos responderam ao recurso interposto pelos assistentes, propugnando pela sua improcedência, nos seguintes termos (transcrição parcial): “2. A pretensão de verem revogada a sentença de 1ª instância, para dar lugar à condenação dos arguidos, assenta na reapreciação da matéria de facto dada como provada e como não provada, pretensão alegadamente fundada na documentação dos autos e nos depoimentos transcritos na motivação do recurso. 3. E nesse desiderato, pugnam pela consideração como não provados dos factos 14, 27, 28, 29, 31 e 32, dos factos provados, e por provados todos os factos dados como não provados. Ora. 4. Se for dado como não provado que os arguidos - aliás o arguido AA, porque o arguido BB carecia de legitimidade para o efeito - não solicitaram a alteração do registo predial como resultado de um plano pérfido engendrado pelo arguido BB, mantém-se provado o facto provado 13, cuja eliminação como não provado não é pedida pelos recorrentes, facto que dá como certo que a alteração do registo predial foi feita por solicitação dos assistentes, logo, teriam sido os recorrentes a pedir que fosse “armadilhado o terreno que iam pisar” – o que fazia deles autores e vítimas do engano astucioso que alegam! 5. Quanto basta, à míngua de qualquer prova de que a alteração do registo predial não foi pedida pela advogada dos assistentes, para impedir a alteração do facto provado 14 e a consideração como provado do 2º facto dado como não provado. 6. Quanto ao facto provado 27, os assistentes dispensam-se de indicar em que provas se baseiam – documental ou testemunhal – para pretender que seja dado como não provado. Mas ainda que assim não fosse, em que medida é que o tema propriedade horizontal constituiu elemento da alegada astúcia, como se a vontade de contratar dos assistentes tenha sido determinada pelo tema propriedade horizontal, que ninguém refere como tal, nem consta dos documentos citados pelos assistentes em abono da sua pretensão. Logo, sem mácula o facto provado 27. 7. Quanto ao facto provado 28, que os recorrentes pretendem ver como não provado, relativamente ao alegado enriquecimento ilegítimo do arguido BB, que prova, documental ou testemunhal foi produzida, ou sequer alegada pelos assistentes, de que tal enriquecimento teve lugar? O que resulta dos autos é que todos os preliminares da venda foram tratados pelo arguido BB, e que seja legítimo supor que tal colaboração seria remunerada ou patrimonialmente compensada. Mas desde quando suposição é prova?! É, por isso, de manter o facto provado 28. 8. Quanto ao facto provado 29, que os recorrentes pretendem que seja dado como não provado: 9. Do facto provado 16, consta que “Não se tratou de fazer os Assistentes acreditar que o imóvel tinha licença camarária, o que os Assistentes sabiam não existir (…)”. Os recorrentes não pedem que este facto seja dado como não provado, logo não podem pretender que seja dado como não provado o facto 29. Mais; em nenhum passo da prova, se refere que o arguido BB tenha dito que havia licenciamento camarário. O que resulta da prova documental e testemunhal invocada pelos assistentes é que tal licenciamento não existia; mas tal comprovação não equivale à prova de que arguido BB tenha dito aos recorrentes que existia licenciamento. Logo, nada que abone a alteração como não provado do facto 29. 10. Quanto ao facto provado 31: os assistentes, perante a desconformidade de descrição e áreas entre a caderneta predial dos autos e a certidão do registo predial, descrição que era de ... e que determinou o pedido de alteração da descrição predial, não podiam deixar de saber que o imóvel tinha sofrido alterações relativamente à descrição que, antes de ..., quando ainda não era propriedade do arguido AA, constava do registo. E que a realização de obras em imóvel da zona histórica da cidade exigia licenciamento camarário, que não foi referido na escritura de venda, nem foi exibido perante o notário. Ora, não é crível que tal facto não tenha sido referido aos assistentes pela imobiliária e pela advogada que os assessorava. Nada, por isso, a alterar no facto provado 31. 11. Quanto ao facto provado 32: da prova documental produzida, nada abona para o alegado prejuízo dos recorrentes com a compra dos autos. E quanto à prova testemunhal, não pode deixar de valorizar-se o depoimento da arquiteta dos assistentes, que acaba por reconhecer que, depois de legalizado, o que era possível, com os critérios que estão a ser aplicados pela Câmara Municipal de Lisboa, resultaria que o imóvel dos autos ficaria com uma área de 220m2, logo, superior à área quando da venda, como, aliás, acentua a sentença a quo. 12. Diz, efetivamente, a arquiteta FF (registo fonográfico do depoimento prestado na sessão de ... de ... de 2024, consignado na respetiva ata, do minuto 31:44 ao minuto 34:47 e do minuto 37:33 a 43:40: (…) 13. Mais: nem sequer se provou que as obras de que o imóvel necessitava e a sua adaptação ao gosto e uso dos recorrentes tivesse um custo superior ao da legalização. E isto sem deixar de ter em conta, como consta do facto provado 32, que os assistentes, sabedores das irregularidades do imóvel, achassem que o podiam vender por € 995 000,00, isto é, com um lucro de € 120 000,00! 14. A pretensão dos assistentes relativa aos factos não provados tem tratamento idêntico à dos factos provados. Assim, 15. Não se provou que as obras realizadas ante de ... de ... de 2001, data em que o arguido AA adquiriu o imóvel dos autos, e os requerimentos do arguido BB, antes ou depois de ..., bem como os despachos que mereceram da CML, referidos nos factos provados 2 a 5, tenham sido do conhecimento do primeiro dos arguidos. Até porque os despachos relativos aos requerimentos do arguido BB, após ... de ... de 2001, não tinham de ser notificados ao arguido AA, que não era o requerente. Logo, nada que comprove o conluio constante do 1º facto dado como não provado. Como nenhuma prova foi produzida, nem os recorrentes a indicam, de que o arguido BB “(…) tenha garantido aos Assistentes que a casa se encontrava legalizada e que, inclusivamente, querendo, podiam construir um terceiro andar”. Deve, por isso, manter-se tal facto como não provado. 16. Tão pouco, como se evidenciou em 4. e 5. supra, pode ser dado como provado o 2º facto dado como não provado. Por outro lado, 17. Quando o arguido AA declara, na escritura de compra e venda dos autos, que não foram feitas obras no imóvel vendido, está a referir-se a quaisquer obras anteriores à sua aquisição do imóvel, ou a obras posteriores a tal aquisição? Foi porque não se produziu prova que permitisse dilucidar a alternativa, que foi dado como não provado que, quando do referido ato notarial, o arguido AA declarou que o imóvel dos autos não “(…) tinha sofrido quaisquer alterações, quer quanto à sua composição, área, da sua implantação e limites da sua configuração (…) ”, bem sabendo que assim não era. E porque os recorrentes não pudessem deixar de saber que, depois de ..., tinham sido efetuadas vastas obras no imóvel, só podiam tomar a declaração do arguido como referindo-se ao momento da sua compra como dies a quo. 18. Também não pode alterar-se para provado que o arguido AA (i) soubesse que com tal declaração prejudicasse os assistentes, quando nenhum prejuízo se provou, nem que (ii) a sua declaração pusesse em crise a fé pública do contrato, que supunha a dilucidação referida no número precedente, ou que, (iii) por isso, obtivesse um benefício ilegítimo. Nada, assim, a alterar quanto a este facto não provado. Aliás, as fotografias juntas aos autos em ........24, referência 39752836, mostram, como sublinha a sentença a quo, a efetiva e luxuosa utilização que os assistentes estão a dar ao imóvel dos autos. 19. (A esta luz, e na contemplação (i) do transcrito testemunho da arquiteta dos assistentes sobre a possibilidade de legalização das obras e respetivo custo, (ii) do valor - € 995 000,00 – por que os recorrentes pretendiam vender o imóvel dos autos, (iii) da área – 220m2 - com que o imóvel poderia ficar depois de legalizado, e (iv) da pública e notória subida de preços da habitação, com especial relevo para a zona histórica de Lisboa, resultam duas conclusões – (1) não estar provado qualquer prejuízo que os recorrentes tenham sofrido com a compra do imóvel e – tudo o indica – (2) nada fazerem para a legalização das obras até este processo estar findo e pela legalização se verificar que não houve qualquer prejuízo, mas, ao invés, ganho. E também por isso, não requereram a realização de perícia de avaliação. Dito isto, 20. A manutenção como não provados dos restante factos com este estatuto processual resulta de quanto se invocou nos precedentes números 4. a 12. 21. Impõe-se, todavia, uma referência quanto ao facto não provado “que os Arguidos soubessem que o plano delineado e concretizado era apto a enganar os compradores da casa” – realce meu. Efetivamente, 22. Pressuponha-se que os arguidos, para enganarem e convencerem os assistentes a comprar o imóvel dos autos pelo preço que pretendiam, lhes omitiram as obras realizadas antes de ... e a sua ilegalidade, e que, ainda com o propósito de os enganar, promoveram a alteração da descrição predial dos autos. 23. Esta pressuposição evidencia, desde logo, que se o engano foi essencial para que os recorrentes comprassem o imóvel dos autos pelo preço pretendido pelos arguidos, então o engano foi apto para a verificação do resultado – a compra do imóvel. 24. Mas esse é o tema da indução dolosa em erro essencial, nos termos dos art.ºs 253º e 254º do Código Civil. Logo, ilícito meramente civil. Para que a indução dolosa em erro essencial tenha dignidade penal torna-se necessário, no que doutrina e jurisprudência sã unânimes, que o engano astucioso seja tal que um declaratário minimamente diligente dele não pudesse aperceber-se. Ora, 25. Para uma compra de imóvel de custo tão elevado, o mínimo que é de esperar de um comprador é que verifique a realidade dos vários elementos da compra que pretendem legalizar. E logo à cabeça, não sendo necessária licença de habitação, por se tratar de prédio anterior a 1951, se as obras realizadas estavam ou não legalizadas. E isto porque a data da descrição do prédio e o seu teor, constante do Registo, a fls. 272 a 275, i.e., ........1986, evidencia, perante a descrição que consta da caderneta predial, que entre a data da descrição e a data do negócio dos autos tinha havido obras e de vulto. Assessorados por agente imobiliário e por advogada, o que os arguidos podiam esperar, rectius, o que era de esperar, é que os compradores fossem verificar junto da CML se as obras estavam licenciadas. Mais: neste contexto, é qualificável como astúcia para efeitos criminais a indução dolosa em erro facilmente detetável, como é o caso dos autos? É óbvio que não. Logo, o engano foi apto para o resultado, mas, e é o que que importa para os efeitos do art.º 217º do Código Penal, não era apto para a qualificação da conduta dos arguidos como burla, o que a sentença a quo acentua, e bem, por várias vezes. Termos em que, supridas as deficiências do patrocínio, deva ser confirmada a sentença a quo, cm o que farão, Vossas Excelências, JUSTIÇA!”. * I.4. Resposta do Ministério Público O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência, concluindo (transcrição parcial): “Questões a decidir: - erro de julgamento O Ministério Público não concorda com os argumentos invocados pelos recorrentes. E, assim sendo, o que se verifica é que os Recorrentes se limitam a discordar da valoração feita pelo Tribunal a quo da prova produzida, sem lograr indicar qualquer prova que impusesse, que obrigasse a decisão diferente da proferida. Com efeito, os Recorrentes, não indicaram qualquer prova que contrarie as conclusões, lógicas e racionais e segundo as normais regras da experiência comum, que o Tribunal a quo retirou do conjunto da prova produzida. Como sabemos, é na atribuição, ou não, de credibilidade a determinado meio de prova, que tem especial aplicação o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador consagrado no art.º 127.º do C.P.P., princípio que, no entanto, não o desobriga de observar as regras da experiência comum e da normalidade da vida e de explicar de modo lógico, racional, claro e objectivo o percurso seguido na formação da sua convicção. Impõe-se assim que a fundamentação seja compreensível, coerente e crítica, expondo de forma clara e segura as razões que suportam a opção fáctica. Perante a prova produzida, cabe ao Tribunal fazer a análise crítica da mesma, conjugando entre si todos os elementos de prova, segundo as regras da experiência comum, podendo atribuir credibilidade a um depoimento em detrimento de um outro, necessário sendo tão só que, com respeito pelos limites da racionalidade e da experiência comum, explique por que razão deu credibilidade a determinada prova e não o fez relativamente a outra e considera provada, ou não provada, determinada matéria. Ora, foi precisamente o que o Tribunal a quo fez, explicando de forma clara e pormenorizada as razões por que atribuiu credibilidade às declarações dos Assistentes CC e DD, que se mostraram bastante incomodados com a circunstância de terem adquirido o imóvel em causa nestes autos, mas a quem o Tribunal a quo assinalou uma temerária pressa em adquirir o imóvel, um desacautelamento dos passos fundamentais no processo de efectivo conhecimento da realidade que ali estava em causa; o que acabou por determinar, demasiado tarde, diligências que deveriam ter sido feitas antes, junto da Câmara Municipal de Lisboa, pois, tratava-se de um imóvel situado numa zona histórica de Lisboa. A Juíza a quo assinalou ainda a confrangedora circunstância de os Assistentes não saberem, ao certo, quem era o proprietério do imóvel. Atendeu ainda o tribunal a quo ao depoimento de FF, Arquitecta, a qual foi contratada pela Assistente para remodelar a casa, ao depoimento de HH, Engenheiro Civil, o qual conhece os Assistentes, ao depoimento de JJ, Agente de Execução, amigo dos Arguidos, o qual residia desde ... na casa que veio a ser adquirida, ao depoimento de KK, Engenheiro Civil, conhecido dos Arguidos, ao depoimento de LL, Consultora ..., conhecida dos Arguidos, depoimentos que credibilizou mostraramse lógicos, assertivos, não padecendo de qualquer obscuridade ou contradição, objectivos e isentos; pelo que mereceram inteiro crédito ao Tribunal, mostrando-se devidamente fundamentadas as conclusões fácticas retiradas pelo julgador. Ainda atendeu o Tribunal ao teor do relatório de exame pericial junto aos autos, aos documentos juntos pelos Arguidos, em fase de Instrução, bem como aos demais documentos juntos aos autos, nomeadamente os indicados com a acusação. Assinalou ainda o Tribunal a quo a falta de cuidado dos Assistentes, mas também de quem os representava II, Advogada Mandatária dos Assistentes, que à data dos factos, nem viu a casa e os documentos relativos à mesma foram-lhe remetidos pela ... e de EE. MM em depoimento afirmou ” (…) que se deu conta de irregularidades, mas não se lembra de quais eram; referiu vagamente uma loja/garagem, e um logradouro. A depoente apenas foi à casa adquirida pelos Assistentes após a escritura definitiva.” O Tribunal classificou este depoimento como evasivo, que fala por si. Quanto ao depoimento de GG, Agente Imobiliário, o Tribunal, classificou-o como, “(…) evanescente, fugidio, e tão falho de memória, não reconheceu crédito à testemunha.” Não indicando os Recorrentes quaisquer provas que obrigassem a decisão de facto diferente da adoptada pelo Tribunal a quo, de tudo resulta que os mesmos questionam tão só a credibilidade atribuída pelo Tribunal a determinada prova em detrimento de outra. Analisando a prova produzida e a constante dos autos, nada nela indica que tenha havido qualquer erro de julgamento, não se vislumbrando igualmente qualquer prova que impusesse decisão distinta da proferida pelo Tribunal a quo. Lendo a decisão recorrida, designadamente a factualidade julgada provada e o exame crítico das provas produzidas, verifica-se que o Tribunal a quo seguiu um processo de convicção lógico e racional, analisando toda a prova produzida com distanciamento e objectividade, mostrando-se as conclusões fácticas escoradas nas provas produzidas e em consonância com estas e sem qualquer violação das regras da lógica e da experiência comum. O Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto, explicou, com clareza, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria, valorando as declarações dos assistentes e das testemunhas, que considerou claras e precisas, e que conjugou com a demais prova junta aos autos, e esse caminho afigura-se razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência. Assim, verificando-se que as provas indicadas pelos recorrentes não impõem decisão diferente da proferida, verifica-se igualmente que o que os recorrentes realmente discutem é a apreciação que o Tribunal fez da prova produzida e as conclusões fácticas que da mesma retirou, procurando abalar a convicção assumida pelo Tribunal a quo, questionando a relevância dada à prova supra referida e contrapondo as suas convicções à do Tribunal recorrido para concluir que a prova foi mal apreciada. Porém, tendo o Tribunal formado a sua convicção com base em provas não proibidas, o respeito pelo princípio da livre apreciação da prova impõe que, em detrimento da convicção formulada pelos recorrentes, prevaleça a convicção que da prova retirou o julgador. Na verdade, e conforme podemos ler no Ac. do TRP de 19.03.2003, Proc. nº 0310070, relatado por Fernando Monterroso, in www.dgsi.pt, sendo «indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. Isto é assim mesmo quando, como nestes autos, houver documentação da prova. De outra maneira seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova. É este, por excelência, o campo de aplicação do princípio da livre apreciação da prova. Tendo a prova sido produzida oralmente e com imediação perante o juiz, não se demonstrando que as conclusões a que o tribunal chegou colidem com as regras da experiência, nenhuma razão existe para alterar a matéria de facto fixada. Ao atacar a decisão da matéria de facto, pela via dum diferente juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, o recorrente põe em causa o princípio da livre apreciação da prova.» Deste modo, sendo os factos dados como provados na decisão recorrida conclusões lógicas da prova produzida em audiência e plausíveis face a essas provas, a convicção assim formada pelo julgador não pode ser censurada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, consagrado no art.º 127.º do C.P.P.. Deste modo, mostrando-se a opção fáctica feita pelo Tribunal a quo baseada em prova produzida em julgamento e à qual o Tribunal atribuiu credibilidade e verosimilhança, nenhum reparo merece a decisão recorrida. Inexiste, pois, qualquer erro de julgamento. Este é o nosso entendimento. Termos em que deve a presente resposta ser recebida, e o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. V/ Exas. decidirão, porém, como for de JUSTIÇA!”. * I.4. Parecer do Ministério Público Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso interposto pelos assistentes. * I.5. Resposta ao parecer Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo sido apresentada resposta pelos assistentes ao parecer do Ministério Público, manifestando, em suma (por requerimento que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), a sua discordância, fazendo alusão à prova existente nos autos, nomeadamente a documental, que impunha, na óptica dos mesmos, uma decisão de condenação dos arguidos, quer pela prática dos crimes pelos quais vinham pronunciados, quer no pedido cível constante dos autos. * I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. ** II- FUNDAMENTAÇÃO II.1. Objecto do recurso É consabido e decorre de Jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, que é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões oficiosas (cfr. o art. 410º do CPP). Assim, da análise das conclusões do recorrente extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir: 1ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento e alegada violação do art. 127º do CPP; 2ª Da alegada violação do art. 377º, n.º 1, do CPP. ** II.2. Decisão recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes) “2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - Matéria de facto provada 1. No dia ... o Arguido AA comprou o prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão com garagem coberta, 1º andar, sito na .... 2. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2000, foram efectuados obras no prédio, designadamente um prolongamento a tardoz onde foi construído um quarto e uma instalação sanitária ao nível do 1º andar, que reduziram a área inicial do logradouro e as condições de ventilação e iluminação do résdo-chão, estando, por essa razão sujeitas a licenciamento de acordo com o DL 445/91. 3. Em ..., para além das obras referidas em 2) e apesar de nunca terem sido as mesmas legalizadas, foi construído um segundo piso, sem a necessária licença para a execução de obras e projecto aprovado. 4. No dia ... de ... de 2000, o BB, na qualidade de representante, requereu junto da Câmara Municipal de Lisboa (doravante C.M.L.) a constituição do prédio descrito em 1) em propriedade horizontal, dando origem ao Processo …/DOGEC/00. 5. No âmbito desse processo, constatadas as construções ilegais já descritas nos pontos 2 e 3, o BB foi notificado: i) no dia ...-...-2000 do indeferimento da constituição do prédio em propriedade horizontal; ii) no dia ...-...-2001 para se pronunciar sobre o projecto de decisão de intimação para proceder à reposição do imóvel no seu estado inicial, por execução de obras ilegais; iii) em ... para proceder à reposição do imóvel no seu estado inicial nos termos do nº1 do artigo 106º do DL 555/ de 16/12 com as alterações do DL 177/2001de 4/6 ; e para proceder à entrega do projecto de arquitectura com as alterações efectuados em obra, que respondesse de forma satisfatória às irregularidades técnicas descritas no parecer técnico uma vez que a demolição poderia ser evitada caso a obra fosse susceptível de ser licenciada ou autorizada nos termos do nº2 do artigo 106º do DL 555/99 de 16/12 com as alterações do DL 177/... de 4/6. 6. Não obstante as notificações efectuadas, o BB, na qualidade de representante, nunca respondeu ou juntou qualquer documento ao processo que corria termos na C.M.L., nem diligenciou, a partir de ... de ... de 2001 em conjunto com o AA, para que as construções ilegais fossem demolidas ou legalizadas. 7. Sabendo que as obras efectuadas no referido imóvel não se encontravam legalizadas junto da Câmara Municipal de Lisboa, o AA decidiu vender a casa com a ajuda do BB. 8. Na concretização desse desiderato e para o processo de venda da casa, os Arguidos remeteram à imobiliária a planta da casa, coincidente com o seu traçado, mas que nunca tinha sido sujeita à aprovação na Camara Municipal de Lisboa, de onde resultava que o imóvel detinha as seguintes áreas. Área total do piso 0 = 80,05m2; Área total do piso 1 = 75,36m2; Área total do piso 2 = 63,50m2 9. Sucede que na planta do imóvel constante da Câmara Municipal de Lisboa a casa descrita no ponto 1), detinha as seguintes áreas: Área do piso 0 = 69, 40m2; Piso 1 = 20,44 m2 10. Após os Arguidos publicitarem que a casa se encontrava à venda, DD e CC, ambos de nacionalidade Francesa, que procuraram um imóvel em ..., foram contactados pela imobiliária ... informando-os da existência de uma casa que poderia ser do seu agrado. 11. No dia ... de ... de 2018, o BB acompanhou os Assistentes DD e CC numa visita à casa. 12. Previamente à celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, os Assistentes já contavam com acessoria jurídica em Portugal; e, no dia ... de ... de 2018, através da sua Mandatária, solicitaram todos os esclarecimentos que entenderam por necessários. 13. E foi também, por solicitação dos Assistentes, devidamente representados por Mandatária, que a descrição no registo predial foi actualizada no dia ... de ... de 2018. 14. Tal alteração não foi o resultado de um plano pérfido engendrado pelo BB para enganar os Assistentes. 15. Foi outrossim, o resultado de um pedido expresso dos Assistentes no sentido de o vendedor apresentar o MOD 1 do IMI nas ..., com as alterações das áreas, e efectuar posteriormente o registo na .... 16. Não se tratou de fazer os Assistentes acreditar que o imóvel tinha licença camarária; o que os Assistentes sabiam não existir, e que também era do conhecimento da .... 17. Os Assistentes levantaram três pontos prévios à celebração do CPCV que viria a ser celebrado a ... de ... de 2018; e todas as questões levantadas foram esclarecidas e atendidas, o que resultou na celebração do CPCV. 18. Assim, no dia ...-...-2018, o AA dirigiu-se à ... e solicitou que fosse averbado ao registo do imóvel: “o prédio compõe-se de rés-do-chão com garagem coberta e 1º e 2º andares, com área total e coberta de 98m2.” 19. No dia ... de ... de 2018 os Assistentes DD e CC celebraram com o Arguido AA contrato promessa de compra e venda do imóvel identificado em 1) pelo preço de €875.000,00. 20. Na cláusula terceira do referido contrato acordaram que com a assinatura do contrato, a título de sinal, os promitentes compradores entregavam ao promitente vendedor a quantia de €130.000,00; e que o sinal seria transferido com a autorização com a assinatura do contrato promessa de compra e venda para a conta do Senhor BB. 21. No dia ... de ... de 2018, foi celebrado contrato de Compra e Venda e Constituição de Hipoteca entre o Arguido AA, na qualidade de vendedor, e DD e CC, na qualidade de compradores. 22. Por via do contrato de compra e venda, os Assistentes adquiriam, pelo preço de €875.000,00, ao AA o ..., composto por edifício de rés-do-chão com garagem coberta, 1º e 2º andares, sito na ..., da freguesia da ..., descrito na ... sob o número 51 – ..., com o registo de aquisição a parte da Parte Vendedora pela inscrição AP.7 de ...0.../08, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da ..., com o valor patrimonial de €157.390,00. 23. Na clausula 4 do referido contrato, com a epígrafe “Licenciamento Camarário”, fizeram constar que o imóvel não tinha “sofrido quaisquer alterações, quer quanto à sua composição, área de implantação e limites da sua configuração”. 24. Consta do Relatório de avaliação junto aos autos que: “o valor do imóvel foi encontrado partindo do pressuposto de que o imóvel se encontra livre de quaisquer ónus ou encargos.”; sendo que o mesmo aponta para para um valor de mercado de 900.000€. 25. O imóvel referido está a ser vendido pela sociedade denominada ... por 995.000€ (https://pt.arrabellimmo.com/am038, na data de ........2021). 26. ... é detida pelos Assistentes: a Assistente é detentora de uma quota no valor de 3.700€, e o Assistente é detentor de uma quota no valor de 1.300€. 27. O indeferimento da constituição do prédio em propriedade horizontal foi questão inquirida pelos Assistentes que, não obstante essa inexistência da propriedade horizontal, quiseram celebrar a escritura de compra e venda, e adquirir o imóvel. 28. O BB não era o proprietário do imóvel objecto da celebração do Contrato Promessa, não celebrou o referido CPCV, assim como não celebrou a escritura de compra e venda do imóvel, e não obteve, para si, qualquer enriquecimento ilegítimo. 29. O BB não omitiu aos Assistentes a inexistência de licenciamento camarário. 30. Entre o indeferimento do licenciamento camarário ocorrido em ..., e a venda do imóvel em ..., mediaram cerca de 15 anos; sendo o imóvel anterior a 1951, e sito na zona do .... 31. Os Assistentes já eram sabedores da necessidade de legalização das obras realizadas por um anterior proprietário, ainda antes da aquisição do imóvel pelo AA. 32. Os Assistentes que, através da sociedade ..., colocaram à venda o imóvel por 995.000€, quando o adquiriram ao AA por 875.000€, não sofreram qualquer prejuízo patrimonial com a conduta dos Arguidos. 33. O AA exerce a profissão de Guia turístico, auferindo cerca de 1.000€ por mês; vive em casa de uma pessoa amiga; não tem filhos. 34. O BB exerce a profissão de Engenheiro Civil, auferindo cerca de 5.000€ por mês; vive em casa de família; não tem filhos. 35. O AA não tem antecedentes criminais. 36. O BB tem antecedentes criminais por crimes de abuso de confiança fiscal, abuso de confiança, falsidade informática e condução de veículo em estado de embriaguez. * 2.2. - Matéria de facto não provada Com efectivo interesse para a decisão, não resultou provado: - que tendo sido decidido por ambos os Arguidos ocultar aqueles dados (ponto 5.) à imobiliária e compradores, e que com o objectivo de obterem ganho patrimonial ao qual sabiam não ter direito, o BB tenha garantido aos Assistentes que a casa se encontrava legalizada e que, inclusivamente, querendo, podiam construir um terceiro andar; - que tenha sido com o intuito de enganar os Assistentes, que pelos Arguidos, a fim de celebrar contrato promessa de compra e venda, sabendo que a descrição do imóvel constante da certidão de registo predial não coincidia com a descrição real do prédio, tenha sido requerida a actualização da descrição do imóvel na ...; - que, não obstante saber que tal cláusula não correspondia à verdade, o AA tenha atestado o referido nesse ponto, assinando pelo seu próprio punho o referido contrato de compra e venda; - que o Arguido AA, no dia ... de ... de 2018, ao assinar o contrato de compra e venda, com a clausula 4, onde se fazia constar que o imóvel não tinha “sofrido quaisquer alterações, quer quanto à sua composição, área de implantação e limites da sua configuração” atestava, na qualidade de vendedor, facto que sabia não corresponder à verdade, mas que, no caso, tal facto fosse essencial para que os compradores formalizassem a compra pelo preço de €875.000,00, e que soubesse ser tal valor superior ao valor real da casa; - que o AA soubesse que ao fazê-lo prejudicava DD e CC, bem como a fé pública desses contratos e obtivesse para si benefício ilegítimo, designadamente a venda da casa por um valor superior, resultado que tenha querido e conseguido; - que o AA tenha agido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal; - que os Assistentes DD e CC apenas tenham tomado conhecimento que a casa que haviam comprado pelo preço de €875.000,00 não se encontrava legalizada, designadamente a construção do 2º andar e a construção a tardoz, quando diligenciavam para a ampliação do prédio e se dirigiram-se à Camara Municipal de Lisboa, onde foram informados das construções ilegais; - que sem as alterações efectuadas o valor do imóvel seria de cerca de 300 mil euros; - que os Arguidos tenham agido, em comunhão de esforços, com o propósito inicial de venderem o imóvel por preço superior ao seu valor real, omitindo à ... e aos compradores DD e CC, a existência de um processo que havia corrido na C.M.L. e do qual havia resultado o indeferimento da constituição do prédio em propriedade horizontal e a notificação para reposição do imóvel no seu estado inicial; - que os Arguidos soubessem que ao omitirem tais informações determinavam a compra por parte dos Ofendidos do imóvel em causa, pelo preço de €875.000,00, valor superior ao valor real do prédio, considerando a situação ilegal em que se encontrava junto da C.M.L., e que tenham representado e concretizado esse resultado; - que os Arguidos soubessem que o plano delineado e concretizado era apto a enganar os compradores da casa, e que os Assistentes, só por terem acreditado que a casa se encontrava legalizada, anuíram à compra de casa pelo valor de €875.000,00, diminuindo, em consequência, o seu património em cerca de €575.000,00, diferença entre o valor que pagaram e valor real da casa; - que os Arguidos tenham agido sempre em comunhão de esforços e intentos, de forma livre, deliberada e conscientes, com o objectivo de obterem dinheiro ao qual sabiam não ter direito, e que tenham querido e conseguido esse resultado; - que os Arguidos soubessem que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal; - que, em consequência de comportamento deliberado, voluntário e consciente, por parte dos Arguidos, os Assistentes tenham sofrido prejuízo patrimonial, e concretamente quantificado. * 2.3. – Motivação (…) O Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações dos Arguidos AA e BB, relativas às respectivas condições pessoais, familiares e profissionais. No que respeita aos factos que lhes são imputados, remeteram-se ao silêncio. Atendeu o Tribunal às declarações dos Assistentes CC e DD, os quais se mostraram bastante incomodados com a circunstância de terem adquirido o imóvel em causa nestes autos (que, entretanto, converteram numa bonita e elegante moradia), tendo incorrido em erro sobre o negócio. Porém, o Tribunal não pode deixar de assinalar uma temerária pressa em adquirir o mesmo, tendo desacautelado passos fundamentais no processo de efectivo conhecimento da realidade ali em causa; acabando por determinar, demasiado tarde, diligências que deveriam ter sido feitas antes, mormente junto da Câmara Municipal de Lisboa, tendo em conta tratar-se de um imóvel situado numa zona histórica de Lisboa. Não podemos deixar de assinalar a confrangedora circunstância de os Assistentes nem sequer saberem, ao certo, quem era o proprietério do imóvel. O Tribunal não deixa, ainda assim, de compreender a sua preocupação. Atendeu o Tribunal ao depoimento de FF, Arquitecta, a qual foi contratada pela Assistente para remodelar a casa. A Assistente queria reabilitar a casa e, nessa altura, não falou à depoente num outro piso. Perante o imóvel em causa e a sua antiguidade, a depoente fez os alertas que se lhe afiguraram pertinentes, e foi consultar o .... (Uma diligência que deveria ter sido levada a efeito pelos Assistentes e/ou pelos seus representantes, antes de chegarem àquele ponto do processo de aquisição do imóvel.) Constatou, então, a depoente que um pedido de constituição de propriedade horizontal fora recusado em .... E que havia a tardoz uma ocupação ilegal, bem como no 2º piso. Porém, atendendo às áreas concretamente referidas pela depoente em audiência de jugamento, no que respeita aos pisos 0, 1 e 2, as diferenças não se afiguram “de tomo”; e, acima de tudo, trata-se de ilegalidades regularizáveis (o que a própria acusação admite). O depoimento da testemunha afigurou-se consistente, porque acima de tudo técnico e assente em medições concretas, numa prestação esclarecedora, serena, que se nos afigurou objectiva e isenta, tendo merecido ao Tribunal credibilidade. Atendeu o Tribunal ao depoimento de HH, Engenheiro Civil, o qual conhece os Assistentes. O depoente recordou que colaborou com a Arquitecta FF para apresentar um orçamento aos Assistentes. A intervenção do depoente foi posterior à venda do imóvel em causa nestes autos aos mesmos. Afirmou que a Arquitecta FF foi aos ..., para obter informações. Declarou que, no imóvel ao qual se deslocou uma ou duas vezes, o andar superior parecia um acrescento. Havia indícios de irregularidades sujeitas a averiguação; se lhe tivessem pedido antes, teria feito observações. O depoente elaborou um memorando que partilhou com a Arquitecta, com a Advogada e com a Assistente. Entretanto, desligou-se do processo. O depoente não chegou ao ponto de conseguir concretizar um preço para o imóvel. A testemunha prestou um depoimento claro, dentro daquilo que foi do seu conhecimento, afigurando-se objectiva e isenta. Atendeu o Tribunal ao depoimento de II, Advogada Mandatária dos Assistentes, à data dos factos. A depoente reconheceu que não viu a casa, tendo-lhe os documentos relativos à mesma sido remetidos pela ... e de EE. Afirmou, no entanto, que se deu conta de irregularidades, mas não se lembra de quais eram; referiu vagamente uma loja/garagem, e um logradouro. Deu disso conhecimento aos Assistentes, mas estes tinham muita pressa, porque os proprietários (sendo que proprietário era, apenas, AA) já teriam outro comprador interessado (nenhuma prova foi feita de que tal tenha sido dito, por nenhum dos Arguidos, aos Assistentes). Recordou a depoente que a certidão permanente divergia da caderneta predial, mas não se lembra de diferença de áreas. O processo correu uma semana com a depoente. Reconheceu a mesma que BB nunca lhe disse que podiam construir o 3º piso; no entanto, a Assistente afirmou-lhe que seria possível fazer um 3º andar, e que esperavam o envio de um documento. Recordou que foi AA quem assinou o contrato. A depoente apenas foi à casa adquirida pelos Assistentes após a escritura definitiva. O Tribunal não pode deixar de assinalar, num negócio de compra e venda de um imóvel como o em apreço nestes autos, não apenas a falta de cuidado temerária dos Assistentes, mas também de quem os representava. Este depoimento evasivo fala por si. Atendeu o Tribunal ao depoimento de GG, Agente Imobiliário, do qual os Assistentes foram dos seus primeiros clientes, à data dos factos. O depoente reconheceu que, na altura, estava a começar a referida actividade, e contou com a ajuda de EE. Recordou que, na zona de ..., um colega encontrou dois senhores, e pensaram que um deles era o proprietário do imóvel em causa nestes autos. NN e BB terão falado com ele; mas, verdadeiramente, não sabe se algum dos mesmos era o proprietário. Pensa que a Assistente esteve com ele na primeira ou na segunda visita. Porém, no dia da assinatura da escritura, viram outro senhor. O depoente não sabe quem lhe disse que era possível construir outro andar. Afirmou o depoente que nunca fez obras na sua vida, e não pediu nada, porque a parte legal foi tratada pela Advogada II, tendo feito confiança na mesma e no Notário (!). Plantas do imóvel foram-lhe enviadas por OO, tendo o depoente apenas verificado que o imóvel tinha R/C e dois pisos. Mais afirmou o depoente não se lembrar do que faziam noutros casos, e não se lembra do que verificou no presente caso. Alguém lhe falou de umas irregularidades, mas não sabe quem lhe falou das mesmas, nem de que concretas irregularidades se tratava. O Tribunal, perante um depoimento tão evanescente, fugidio, e tão falho de memória, não reconheceu crédito à testemunha. Atendeu o Tribunal ao depoimento de EE, a qual trabalha numa .... Recordou a depoente que diligenciou por encontrar uma casa para os Assistentes. Em ..., no ..., viu um anúncio com um contacto telefónico, e o nome “PP”. Afirmou a depoente que nunca esteve com o proprietário do imóvel, até ao dia da celebração do contrato-promessa. No escritório da Advogada II viu dois homens (a depoente não se recorda da cara dos Arguidos), mas não sabe qual dos dois senhores assinou o contrato. Os Assistentes também estiveram presentes, mas nunca os tinha visto. Sabe, vagamemente, que o imóvel tinha dois pisos, com a possibilidade de fazer mais um, mas não se tornou claro de que fonte obteve esta informação. O imóvel estava em bom estado, tendo muitas coisas no interior. A testemunha anterior disse-lhe que os compradores estavam com problemas, mas a depoente nunca percebeu bem quais eram as desconformidades. O Tribunal, perante um depoimento tão evanescente, fugidio, e tão falho de memória, não reconheceu crédito à testemunha. No que à Defesa diz respeito: Atendeu o Tribunal ao depoimento de JJ, Agente de Execução, amigo dos Arguidos, o qual residia desde ... na casa que veio a ser adquirida pelos Assistentes. O depoente recordou que, por várias vezes, abriu a porta do imóvel ao casal, antes de os Assistente celebrarem qualquer negócio; estes foram lá com um ou dois mestres-de-obras. É do conhecimento do depoente que na caderneta e na certidão predial existiam discrepâncias, mas não relevantes. Também recordou que a Assistente pediu alterações, mas já não acompanhou essa parte. Esclareceu que AA comprara aquela casa (...), viviam juntos na mesma, e a casa estava habitável. Após a venda da mesma aos Assistentes, o depoente saiu. Mais recordou que, e porque tem escritório na mesma rua, constatou que a casa teve sinais de obras, sendo que o tecto foi demolido; o depoente tirou algumas fotografias. Esclareceu o depoente que o BB nunca se deslocou àquela casa com a Assistente. O que o depoente asseverou foi que AA, desde que adquiriu aquele imóvel, não fez obras no mesmo. O depoente não presenciou qualquer encontro, não sabe quem este presente na assinatura dos dois contratos. Sabe que AA, o proprietário, esteve presente. A testemunha prestou um depoimento claro, sem obscuridades ou contradições, com o conhecimento inerente a quem habitou naquele imóvel desde ..., tendo-se afigurado que o fez de modo objectivo e isento, pelo que mereceu crédito ao Tribunal. Atendeu o Tribunal ao depoimento de KK, Engenheiro Civil, conhecido dos Arguidos, o qual estudou com BB. É do conhecimento do depoente que AA vendeu o prédio em causa nestes autos a uma Senhora Francesa. Mais esclareceu o depoente que também tem um prédio na mesma rua, no qual viveu desde ... até final de .... No prédio que foi vendido aos Assistentes, e após, realizaram-se obras, foi demolida a fachada a tardoz, e o prédio foi reconstruído (cfr. fotografias juntas aos autos já na fase do julgamento). Porém, não se vislumbra qualquer diminuição de área, sendo que a guarda metálica sem mantém, assim como a fachada se mantém. O prédio tem ombreiras originais e modificadas, e só duas garagens. O depoente nunca viu os documentos relativos a este imóvel, e nunca acompanhou nenhum processo relativo a este prédio. A testemunha prestou um depoimento claro, sem obscuridades ou contradições, com o conhecimento inerente a quem habitou naquela rua desde ... até final de ..., tendo-se afigurado que o fez de modo objectivo e isento, pelo que mereceu crédito ao Tribunal. Atendeu o Tribunal ao depoimento de LL, Consultora ..., conhecida dos Arguidos. A depoente esclareceu que conhece o prédio em causa nestes autos, pois também foi Consultora ... de AA. Antes de surgirem os Assistente, recordou a depoente que uma outra pessoa (de nacionalidade Portuguesa) apresentou uma proposta e ofereceu 910.000€ pela compra daquela casa. Porém, AA queria vender por 950.000€, e o negócio não avançou. Na altura, a depoente chegou a ver uma desconformidade, a qual deveria ser rectificada no registo predial. Pediu a um Arquitecto as plantas e acompanhou a situação, tendo feito várias visitas com esta interessada compradora Portuguesa. Reflectiu que, antes da aquisição daquele imóvel e havendo interesse nessa aquisição, os compradores deveriam deslocar-se aos arquivos da Câmara Municipal de Lisboa; nomeadamente, tratando-se de um imóvel antigo, onde nunca nada bate certo. A testemunha prestou um depoimento claro, sem obscuridades ou contradições, com o conhecimento inerente a quem conhecia aquele prédio, tendo-se afigurado que o fez de modo objectivo e isento, pelo que mereceu crédito ao Tribunal. Ainda atendeu o Tribunal ao teor do relatório de exame pericial junto aos autos, e que é o único que nos mesmos existe, tendo sido desconsiderado pela Acusação, como bem salientou o Ilustre Mandatário dos Arguidos. Atendeu o Tribunal aos documentos juntos pelos Arguidos, em fase de Instrução, bem como aos demais documentos juntos aos autos, nomeadamente os indicados com a acusação, e a todos os que foram, entretanto, juntos durante o julgamento. Antecedentes criminais: C.R.C. juntos aos autos. O elenco dos factos dados como não provados encontra o seu fundamento na circunstância de a prestação dos Assistentes se mostrar frágil e insegura, embora a sua decepção seja notória; mas, sendo que os mesmos, repetimos, não tiveram sequer a diligência de apurar quem era o proprietário do imóvel e tudo empreenderam com demasiada pressa, tendo sido assessorados por Advogada e ... cujo desempenho foi absolutamente lacunar; e por aqui ficamos. Pelo que uma parte da prova testemunhal, como vimos, foi absolutamente inconclusiva, não constituindo “arrimo” para o Tribunal. Por sua vez, os Arguidos remeteram-se ao silêncio.”. ** II.3. Apreciação do recurso II.3.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento e alegada violação do art. 127º do CPP A pretensão dos recorrentes consiste numa impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, por erro de julgamento, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP. De acordo com o artigo 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e conforme o disposto no artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3 do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova”. Por sua vez, o artigo 412º, n.º 3, do CPP dispõe que “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” E, o seu n.º 4 estabelece que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. A impugnação da matéria de facto por o Tribunal a quo ter efectuado uma incorrecta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode confundir-se com discordância na apreciação da prova, que invada o espaço da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127º do CPP, que é de estrito domínio do julgador (e que, no caso concreto, os recorrentes também invocaram). O legislador consagrou no Código de Processo Penal o princípio da livre apreciação da prova que consubstancia, por um lado, na inexistência de critérios pré-determinados no valor a atribuir à prova e, por outro lado, em não haver uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida. Essa liberdade obedece quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objectivos de motivação, quer ao dever de perseguir a verdade material. Ao referir-se que a valoração da prova é segundo a livre convicção da entidade competente (o juiz), a convicção há-de ser pessoal, objectivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, págs. 198-207). Assim, o juiz deve apreciar a prova testemunhal segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras de experiência comum, julgando segundo a sua consciência e convicção. O juiz é livre de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha (ainda que familiar do arguido ou do ofendido/assistente) em detrimento de testemunhos contrários (por exemplo, de pessoas sem quaisquer ligações ao arguido ou ao ofendido). Pelo que, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dubio pro reo. Na impugnação da matéria de facto prevista no citado artigo 412º, n.º 3, do CPP e como decorre, nomeadamente, do Ac. da RP de 22/06/2011, processo n.º 10/07.7TAMGD.P1, in www.dgsi.pt: “Não basta ao recorrente discordar quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova: o poder de cognição do tribunal da relação, em matéria de facto, constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância sem assumir a amplitude de um novo julgamento que faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação daquela mesma instância.” No caso sub judice, os recorrentes sustentam, genericamente, que os factos dados como provados 14.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º e 32.º não deveriam ter sido dados como provados. E, pelo contrário, todos os factos dados como não provados, deveriam ter sido dados como provados. Entendem que houve um plano dos arguidos para enganarem os assistentes, que os arguidos omitiram a inexistência de licença camarária para as obras e que daí advieram prejuízos para os assistentes. Como provas que impunham tal decisão indicam: a. as declarações prestadas pelos Assistentes/Demandantes cíveis, DD e CC; b. o depoimento prestado pelas testemunhas EE, FF, GG, HH, II; c. a prova documental consubstanciada nos documentos juntos, no âmbito do Inquérito, aos autos (Apenso – Processo …/DOGEC/00 e pen, constante de fls. 298 dos autos, Cópia P. 617/EDI/2019, constante de fls. 208 a 214 dos autos, Print de email/sms trocados, constante de fls. 128-138, com tradução constante de fls. 259 a 266 dos autos, Plantas apresentadas, constantes de fls. 20 a 22 dos autos, Contrato Promessa de Compra e Venda, constante de fls. 23 a 34 dos autos, Relatório de avaliação imobiliário, constante de fls. 35 a 43 dos autos, Certidão Registo Predial, constante de fls. 272 a 275 dos autos, Pedido de averbamento à descrição, constante de fls. 49 a 51 dos autos, Caderneta Predial Urbana, constante de fls. 52 a 54 dos autos, Contrato de Compra e Venda, constante de fls. 112 a 124 dos autos, Tabela de amortização do empréstimo, constante de fls. 87 a 91 dos autos e Comprovativos de pagamento, constante de fls. 125 a 127 dos autos), quer na prova documental consubstanciada nos 13 (treze) documentos que, através do Pedido de Indemnização civil deduzido, a .../.../2021, pelos Assistente/demandantes cíveis, foi junto aos autos (vide ref.ª citius ...), quer na prova documental consubstanciada nos 3 (três) documentos juntos, pelo arguido BB, ao Requerimento de Abertura da Instrução, por ele, apresentado, a .../.../2021 (vide ref.ª citius 29063924), quer na prova documental consubstanciada nos 2 (dois) documentos juntos, pelo arguido AA, ao Requerimento de Abertura da Instrução, por ele, apresentado, a .../.../2021 (vide ref.ª citius 29065967), quer na prova documental consubstanciada no documento que, através de Requerimento apresentado a .../.../2022, foi, pelos Assistente/demandantes cíveis, junto aos autos (vide ref.ª citius 122094), quer na prova documental consubstanciada no documento que, através de Requerimento apresentado a .../.../2024, foi, pelos arguidos AA e BB, junto aos autos (vide ref.ª citius 39388396), quer na prova documental consubstanciada nos 8 (oito) documentos que, através de Requerimento apresentado a .../.../2024, foi, pelo arguido BB, junto aos autos (vide ref.ª citius 39752836). Analisemos a matéria em causa. A decisão do tribunal a quo quanto à apreciação dos meios de prova, encontra-se supra descrita. A avaliação da prova em primeira instância, feita de forma directa, oral e imediata, obedece a uma forma de procedimento que coloca o juiz do julgamento em melhores condições para a decisão da matéria de facto, do que a avaliação feita com base na audição do registo de provas, meramente parcial (porque despido de expressões faciais e comportamentos físicos). Como já referimos, a reapreciação da prova em recurso não pode e não deve, por isso, equivaler a um segundo julgamento. O duplo grau de jurisdição não significa a sujeição da acusação/pronúncia a dois julgamentos em tribunais diferentes, mas apenas assegura que o interessado pode obter do tribunal superior a fiscalização e controlo de eventuais erros da decisão da matéria de facto, através do reexame parcial da prova. Importa, desde já, esclarecer, que os recorrentes ao indicarem toda a prova documental que em seu entender impõe prova contrária à que foi considerada, sem especificar o concreto entendimento sobre a mesma, como que pretendem um novo julgamento/entendimento sobre a mesma. Além da fundamentação de facto da decisão recorrida, a mesma complementou tal fundamentação (ainda que deslocada do enquadramento da matéria de facto), na parte da fundamentação de direito que, por esse motivo, iremos também transcrever para melhor compreensão do raciocínio operado pelo tribunal a quo: “A matéria em apreço reporta-se a um contrato de compra e venda de um imóvel dos anos 50 do século passado (alegadamente, um antigo Convento). Da matéria de facto dada como provada não resulta, com o grau de segurança necessário e exigível a uma condenação penal que os Arguidos, de forma qualificadamente enganosa, tenham executado um esquema astucioso apto a determinar os Assistentes a uma disposição patrimonial. O que nos impressionou, ao invés, ao assistirmos à produção da prova, foi a falta de cuidado e de prudência dos Assistentes, ao celebrar aquele negócio, relativo a um imóvel situado em zona “nobre” da cidade de Lisboa. Sendo que é consabido que, em zonas como esta, as exigências são exponencialmente acrescidas, nomeadamente as colocadas pela Edilidade. Porém, a pressa dos Assistentes em concretizar o negócio era tal que desacautelaram os cuidados básicos, e a informação clara a respeito de tal negócio, não tendo feito por conhecer, com rigor e ao certo, sequer, quem era o proprietário do imóvel (quando já se encontravam representados por Mandatária); e encetando, só posteriormente, diligências que deveriam ter sido prévias à celebração do CPCV (e, a este respeito, o depoimento da Senhora Arquitecta ouvida em audiência foi paradigmático). No que respeita aos Arguidos, o que se constata é que os mesmos, efectivamente, colaboraram para anunciar e vender aquele imóvel, tal como ele se apresentava na realidade, e patenteando o que constava do projecto. Não apuseram falsamente qualquer carimbo municipal no mesmo, nem apresentaram quaisquer documentos falsos. Não houve qualquer engano qualificado, qualquer esquema astucioso, criado pelos Arguidos, sobre o estado de legalização do imóvel. Tendo em conta o edificado em causa, o que houve foi falta de cuidado e muita pressa, por parte dos Assistentes; o que os fez incorrer em erro sobre o negócio, o qual deveria ter sido dirimido nos Tribunais Cíveis. Como bem assinalou o Ex.mo Senhor Juíz de Instrução Dr. João Bártolo, quando chamado a pronunciar-se sobre a nulidade da acusação, e passamos a citar: “Aliás, a ilustrar esta ausência de esquema astucioso, está o destaque que é dado na acusação quanto à suposta declaração, apenas do arguido AA, aquando da celebração do contracto (ponto 17 da acusação) que o imóvel não tinha "sofrido quaisquer alterações, quer quanto à sua composição, area de implantação e limites da sua configuração". (como vimos, da prova testemunhal resultou que o AA não realizou quaisquer obras no imóvel, após tê-lo adquirido) No entanto, essa declaração isolada, e na forma apresentada na acusação, não possui qualquer conteúdo falso ou enganador, pois não se refere o ponto de comparação relativamente ao qual se encontra referido como não existindo alterações. Nomeadamente, não se refere ali que essa inexistência de alterações se refere quanto à realidade do projecto municipal ou a uma construção originária. Até porque o projecto fornecido, de acordo com a acusação, foi aquele que corresponde ao que se encontrava construído; e não era um projecto de certificação oficial de qualquer tipo. Nem sequer consta da acusação que os arguidos conseguiram falsamente alterar a descrição do registo predial; apenas que requereram que essa alteração fosse feita para corresponder à realidade construída. Nem se descreve na acusação que o imóvel vendido é insusceptível de ser legalizado (aliás, o contrário resulta da parte final do ponto 6 da acusação). A incriminação por burla prevista no art. 217.° do Código Penal, exige a verificação de um engano qualificado, provocado astuciosamente, de modo a que uma pessoa normal dele não se possa aperceber, com a diligência devida; não o simples crédito, sem outros elementos que enredem o engano. Por isso, a questão apresentada na acusação apresentará mero relevo cível (erro sobre o negócio), não se compreendo a ausência de recurso à essa jurisdição. De igual forma, (…), não se encontram descritos factos susceptíveis de integrar a incriminação de falsificação prevista no art. 256.°, n.°1, do Código Penal, porque do ponto 17 da acusação não resulta qualquer conteúdo falso ou enganador, pois não se refere o ponto de comparação relativamente ao qual se encontra referido como não tendo existindo alterações; e não pode o tribunal proceder a alterações de factos, caso existam, que, por si, transformem a descrição dos factos em crime.” (fim de citação – sublinhados e entrelinhados nossos) Assim, e porque também este Tribunal entende que, com o grau de consistência necessário a uma condenação penal, não resultou provado que o AA, com a sua conduta, tenha preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº1, d), do Código Penal, pela qual vinha acusado, cumpre absolve-lo. Igualmente, fazendo apelo aos factos elencados supra, também não resultou provado que os Arguidos se tenham constituído co-autores materiais de tal crime de burla qualificada. No entender do Tribunal, não se tendo provado a falsificação de qualquer documento, por parte do AA, igualmente se não provou o “lançar mão” de qualquer embuste ou artifício, também por parte dos dois Arguidos, junto dos Assistentes, sendo que o BB não era, nem nunca foi, proprietário daquele imóvel. Uma vez que, com o grau de consistência necessário a uma condenação penal, não resultou provado que os Arguidos, com a sua conduta, tenham preenchidos os elementos objectivos e subjectivos deste crime, cumpre absolvê-los da prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.s 217º, nº1, e 218º, nº 2, a), do Código Penal, pela qual vinham acusados/pronunciados.”. Da conjugação da fundamentação expendida pelo tribunal recorrido, adiantamos, desde já, inexistir incoerência ou arbitrariedade, perante os elementos de prova que o mesmo analisou. Acresce que, o que não é de somenos importância, os recorrentes, com a alteração que pretendem da matéria de facto, caso a mesma operasse (o que não é o caso), levaria a contradições insanáveis e nunca consubstanciaria o preenchimento do tipo legal em causa (aceitando os recorrentes, por exemplo, a matéria constante do facto 16º dado como provado que “Não se tratou de fazer os Assistentes acreditar que o imóvel tinha licença camarária; o que os Assistentes sabiam não existir, e que também era do conhecimento da ....”, o que entra em contradição com a matéria por eles alegada e cuja alteração propugnam). De qualquer forma, a apontada prova não conclui como os recorrentes alegam. Na verdade, os recorrentes mais não pretendem do que uma versão diferente da encontrada pelo tribunal recorrido e, mais ainda, com uma cisão da prova, sem um enquadramento conjunto, nomeadamente por referência a todas as testemunhas inquiridas pelo Tribunal, uma vez que apenas se baseiam em parte da prova produzida (e mesmo a parte dos depoimentos das testemunhas que referiram). Ouvida a prova indicada e a restante produzida, não se vislumbra a existência de contradições com o que foi referido em sede de sentença recorrida (quanto ao teor dos depoimentos), não sendo de afastar a convicção do julgador da primeira instância quanto à prova apresentada. Não resulta da prova produzida, nem que os arguidos tenham engendrado um plano para enganar os assistentes, quanto à falta de licença para as obras ou que lhes tenham afirmado que existia a dita licença para as obras realizadas (que não por eles, mas em data posterior à construção), sendo certo que, para o edifício em si, não era necessária qualquer licença de utilização para efeitos de escritura, por se tratar de um prédio construído antes de 1951. A designação no contrato-promessa da ‘inexistência de obras’, tal como referido na decisão recorrida, sem qualquer alusão ao espaço temporal das mesmas e tendo como certo que os arguidos não realizaram quaisquer obras, que estas foram anteriores à compra por AA, também neste aspecto não se pode referir que exista qualquer falsidade ou engano. Acresce que, o pedido de alteração das áreas do imóvel nos Serviços de Finanças e na Conservatória de Registo Predial para corresponderem exactamente ao que existia no local, foi realizado pelos arguidos a pedido dos assistentes (através do agente imobiliário e da advogada que estava com o processo – cfr. o depoimento da testemunha MM), sendo certo que nessa altura já a advogada dos assistentes se havia apercebido que o proprietário do imóvel era AA, que estava a ser auxiliado na venda por BB, além de que a advogada dos assistentes já se tinha apercebido de irregularidades, embora não as tenha concretizado no seu depoimento, sendo certo que, sabendo-se que o imóvel era anterior a 1951 (portanto, dispensado, de licença de utilização para efeitos de escritura de compra e venda), havendo essa discrepância de áreas, necessariamente teria de saber-se que houve obras posteriores a 1951 e acautelar-se a legalização das mesmas. Suscitou-se até a questão da propriedade horizontal, que sabiam que não existia, como foi referido pela advogada dos assistentes, além de que constavam obras posteriores a 1951. Também em relação ao pedido cível, não ficou provado qualquer prejuízo, tanto mais que resultam dos documentos juntos aos autos que o imóvel, comprado pelos assistentes por € 875.000,00, está à venda por € 995.000,00, não sofreu qualquer diminuição de áreas (fotografias juntas em audiência de julgamento) e ainda é possível a sua legalização. E em relação aos documentos juntos aos autos, uma vez que os mesmos traduzem, nomeadamente, o contrato celebrado entre as partes e os elementos documentais relativos ao imóvel, não se vislumbra que reportem matéria diferente da que foi dada como provada (também quanto à data de apresentação de requerimento de alteração de áreas – doc. 5 junto com a participação –, correspondente com o que foi dado como provado e com a prova testemunhal produzida, designadamente a testemunha MM). Assim, no que respeita ao facto 14º dado como provado (“14. Tal alteração não foi o resultado de um plano pérfido engendrado pelo BB para enganar os Assistentes.”), resulta dos autos e da prova produzida, designadamente do depoimento da advogada dos assistentes, MM, que as alterações da descrição predial ocorreram a pedido dos assistentes. No que respeita ao facto 27º (“27. O indeferimento da constituição do prédio em propriedade horizontal foi questão inquirida pelos Assistentes que, não obstante essa inexistência da propriedade horizontal, quiseram celebrar a escritura de compra e venda, e adquirir o imóvel.”), conforme já referido, tal matéria foi apurada pela advogada dos assistentes e, portanto, estes, não o poderiam/deveriam desconhecer (ou, pelo menos, imputar aos arguidos), além de ter sido referido pela testemunha dos arguidos OO (que confirmou esta matéria e as outras invocadas nos factos a seguir referidos, designadamente, quanto à ausência de realização de obras pelo vendedor, assim como da existência de obras realizadas posteriormente pelos assistentes, parte que também foi confirmada pela testemunha KK; aliás, diga-se, a realização actual de obras pelos assistentes, certamente com licença para obras, face ao referido pela testemunha OO quanto ao que viu no prédio, poderá significar a possibilidade da legalização das obras, já anunciada na acusação, com um diluir/anular de quaisquer eventuais prejuízos). Quanto ao facto 28º (“28. O BB não era o proprietário do imóvel objecto da celebração do Contrato Promessa, não celebrou o referido CPCV, assim como não celebrou a escritura de compra e venda do imóvel, e não obteve, para si, qualquer enriquecimento ilegítimo.”), também era sabido, como decorre do aludido depoimento da testemunha MM (além da prova apresentada pelos arguidos) e dos documentos juntos aos autos, que BB não era o proprietário do imóvel, nem interveio no CPCV, nem na escritura, não decorrendo dos autos qualquer proveito ou enriquecimento ilegítimo. Os factos 29º (“29. O BB não omitiu aos Assistentes a inexistência de licenciamento camarário.”) e 31º (“31. Os Assistentes já eram sabedores da necessidade de legalização das obras realizadas por um anterior proprietário, ainda antes da aquisição do imóvel pelo AA. ”), decorrem da conjugação de toda a prova, quer porque se usou o facto de ser um imóvel anterior a 1951 para se poder realizar a escritura, sem a habitual licença de utilização, quer porque já se sabia que existiam obras posteriores a 1951 e que foi pedida a constituição de uma propriedade horizontal que veio a ser negada pela Câmara Municipal (cfr. o depoimento da testemunha MM), pelo que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido nessa matéria também não resulta ilógica. Relativamente ao facto 32º (“32. Os Assistentes que, através da sociedade ..., colocaram à venda o imóvel por 995.000€, quando o adquiriram ao AA por 875.000€, não sofreram qualquer prejuízo patrimonial com a conduta dos Arguidos.”), resulta dos documentos juntos aos autos com o requerimento de abertura de instrução (quanto à publicidade da venda do imóvel), a matéria relativa ao colocar à venda esse imóvel (por parte dos assistentes) por valor superior ao da compra (e sendo certo que até já foram realizadas obras no mesmo), pelo que não se apurou qualquer tipo de prejuízo para os assistentes. Por outro lado, os factos não provados, nomeadamente, os relativos ao elemento subjectivo, ou ao desconhecimento pelos assistentes da inexistência de licença, na decorrência do já referido quanto aos factos provados, não resultaram da concatenação da prova produzida, como já referido. Os elementos relativos ao pedido cível também não resultaram provados, nem da prova testemunhal produzida, nem da prova documental, considerando, designadamente, que o imóvel mantém a sua área e encontra-se à venda por valor superior ao da compra. Assim, a análise crítica dos meios de prova produzidos efectuada pelo julgador e o grau de credibilidade atribuído a cada um deles mostra-se adequado, de acordo com a percepção própria permitida pelo imediatismo que acompanhou a produção daqueles meios de prova. In casu, o recorrente pretende, como se disse, apenas substituir a convicção do tribunal pela sua, mas nem dos depoimentos prestados, nem dos documentos analisados e juntos aos autos, resulta que os arguidos tivessem agido com a intensão de burlar/falsificar, engendrando um artifício que levaria à conclusão do negócio, não logrando os recorrentes convencer que a argumentação do tribunal a quo em matéria de facto não é possível ou não é plausível. Não foi indicada prova que imponha uma outra convicção, diferente da manifestada pelo tribunal recorrido (mesmo após toda a análise da prova produzida e da referida pelos recorrentes, seja a prova testemunhal indicada, seja a prova por declarações dos assistentes, ou a prova documental). E nem existe qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, que pudesse tornar a decisão arbitrária. Os recorrentes, alegaram, em suma, que o tribunal a quo concluiu, mal, que os assistentes não diligenciaram, como deviam, no sentido de acautelar o sucedido, proferindo uma decisão ilógica e arbitrária (o que não sucede, no caso concreto). Ora, o tribunal decide, salvo no caso de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção, como dispõe o artigo 127º do CPP que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. A decisão deve, contudo, ser fundamentada, por forma a aferir-se se ocorreu uma apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sem se cair em qualquer poder arbitrário e incontrolável, pois como refere Germano Marques da Silva que “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” (in Curso de Processo Penal, Verbo, Vol. II, pág. 111). No caso sub judice, não detectamos na matéria de facto provada e não provada, qualquer falha que se assemelhe à alegada violação e, nem a circunstância da argumentação da ‘pressa dos assistentes’ ou da ‘sua falta de cuidado’ inquina a fundamentação do tribunal recorrido. Acresce que, as negociações operadas e, como ocorre as mais das vezes neste tipo de situação, esta matéria contratual costuma ser atribuída ao foro cível e só em casos muito particulares é susceptível de gerar responsabilidade penal. Os contornos do negócio realizado e aludido nos autos, não nos fazem concluir pelo engano ou falsificação, pois os assistentes estavam representados por mandatária, que sabia que o prédio era de construção anterior a 1951 e pediram correcções de áreas, por obras realizadas posteriormente, priorizando, ainda assim, a realização da escritura de compra e venda, em detrimento de outras averiguações na Câmara Municipal. Não se pode dizer, pois, que a decisão recorrida padece de vício, ou violação do princípio da livre apreciação da prova, do art. 127º do CPP e que o apreciado e fundamentado, só por si ou em conjugação com outros elementos, possa levar a uma situação inversa à que foi considerada. Assim, resta-nos concluir que, no caso concreto, a argumentação defendida pelos recorrentes e as provas indicadas não impõem decisão diversa da proferida, nos termos das als. a) e b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP. Razão pela qual, a decisão do tribunal a quo não merece censura na parte analisada. Por isso, improcede, nesta parte, o recurso. ** II.3.2. Da alegada violação do art. 377º, n.º 1, do CPP Peticionaram os demandantes/assistentes, a título de danos patrimoniais, o pagamento pelos demandados/arguidos, solidariamente, de quantia não inferior a € 819.755,04 e, a título de danos não patrimoniais, também solidariamente, em quantia não inferior a € 10.000,00, tudo acrescido de juros vincendos até efectivo e integral pagamento (conforme o articulado junto a .../.../2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). Recorreram os demandantes da decisão do tribunal recorrido também, quanto à absolvição dos demandados/arguidos do pedido cível, invocando, em suma, que a decisão recorrida não interpretou convenientemente o art. 377º do CPP, pois deveria na mesma ter procedido à condenação no pedido cível. Na decisão recorrida, quanto a esta matéria, referiu-se: “Formularam os Assistentes/Demandante CC e DD pedido de indemnização cível com os fundamentos expostos. Nos termos do art. 129º, do C. Penal, “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”. O direito que os Demandantes pretendem fazer valer inscreve-se, por conseguinte, no domínio da responsabilidade civil aquiliana. Nos termos do art. 483º, do C. Civil, são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: a prática de um facto voluntário ilícito, o nexo de imputação culposa do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade. Porém, tendo improcedido a acusação/pronúncia, improcede o pedido de indemnização cível, por força do Princípio de Adesão consagrado no art. 71º, do C.P.P.”. De acordo com o disposto no art. 129º do CP, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, portanto, conforme o estabelecido nos artigos 483º, 487º, 496º, 562º e 566º, do Código Civil (CC), apesar do pedido ser formulado no processo penal respectivo, nos termos dos arts. 71º e ss. do Código de Processo Penal (CPP). Com a indemnização procura ressarcir-se todos os danos causados, tanto de natureza patrimonial, como de natureza não patrimonial por forma a reconstituir a situação em que o lesado se encontraria se não tivesse acontecido a lesão. Mas, para que o pedido proceda, torna-se necessário o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: facto voluntário; ilicitude; vínculo de imputação do facto ao agente; dano; e nexo de causalidade entre o facto e o dano (art. 483º, n.º 1, do CC). No que diz respeito ao pedido formulado pelos demandantes, não se verifica, desde logo, o preenchimento do primeiro elemento da responsabilidade civil extracontratual, uma vez que não resultou provado qualquer facto voluntário e muito menos ilícito, por parte dos demandados/arguidos, que tivesse originado quaisquer prejuízos para os demandantes/assistentes (prejuízos esses que também não resultaram provados, sendo certo que os assistentes colocaram o imóvel à venda por valor superior ao que compraram e até já lograram fazer obras no mesmo). Deste modo, não se verificando os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, não merece censura a decisão recorrida que declarou improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes, quer quanto aos danos patrimoniais, quer em relação aos danos não patrimoniais (uma vez que não estamos no âmbito da responsabilidade contratual, que não carece aqui de ser analisada). Improcede, também, esta parte do recurso interposto. ** III- DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 9ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso dos assistentes CC e DD e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigos 515º, n.º 1, al. b) e n.º 2; 523º e 524º do CPP; artigo 8º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III; e artigo 527º do CPC). Notifique. ** Lisboa, 09/10/2025 Paula Cristina Borges Gonçalves Ana Marisa Arnêdo Jorge Rosas de Castro |