Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CARLOS ALEXANDRE | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO IN DUBIO PRO REO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/07/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Sumário (elaborado pela CIJ): I – O que se verifica é uma mera discordância ou divergência do arguido, relativamente ao modo como Tribunal recorrido selecionou a matéria de facto que o mesmo faz subsumir aos vícios que invoca. II - Não há nenhum estado de dúvida que perpasse na mente do julgador, quer no Tribunal a quo, quer, agora, por parte deste Tribunal de Recurso, já que, sopesadas as declarações do arguido, com as proferidas pela ofendida e sua mãe, nenhuma dúvida se suscita, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, de que os factos se terão processado como descrito pela ofendida. III – A factualidade considerada provada assenta na valoração conjugada e crítica do que foi dito em declarações para memória futura e da prova produzida em audiência, com apelo aos princípios da imediação, oralidade e contraditório, pelo que não merece qualquer reparo. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem a Conferência nesta 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: O arguido AA, veio recorrer do acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 6, que o condenou pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de dois crimes de importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170º do CP, na pena de 7 meses de prisão por cada um dos crimes e em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, com regime de prova. O arguido apresentou motivação, formulando as seguintes conclusões: 1) Conforme decorre do teor do embora douto acórdão aqui em sindicância, o ora recorrente foi condenado a pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. 2) Salvo o devido respeito que, aliás, é muito e merecido, o ora recorrente entende que a decisão em apreço se revela absolutamente desacertada e injusta, pelo que, a final, o presente recurso merece ser julgado totalmente procedente e, desta maneira, deverá ser o arguido absolvido pela prática de um dos crimes em questão, com as legais consequências 3) Ou seja, merece ser absolvido relativamente aos factos ocorridos a ... de ... de 2023, cabalmente enunciados nos pontos 4) e 5) dos factos dados como provados, sendo, por isso, o objecto do presente recurso. 4) Foi diversa a prova, grosso modo, não documental produzida no decurso da audiência de julgamento: declarações do arguido, declarações para memória futura da ofendida, depoimento das testemunhas BB (acusação), CC (acusação), DD (defesa) e EE (defesa) e FF (defesa). 5) Nenhuma das testemunhas arroladas pela acusação presenciou os factos reportados ao passado dia .../.../2023 e respeitantes à alegada importunação sexual aqui em apreço. 6) A testemunha BB, refere que, no fundo, se limitou a referir que, perante o que lhe foi comunicado pela sua filha, aqui ofendida, «saiu de casa e foi confrontar o arguido» (vide página 8 do acórdão). 7) A testemunha CC, inspectora da Polícia Judiciária, que, aliás, não surge referido no âmbito da fundamentação da matéria de facto provada e não provada (vide acta da audiência de julgamento do passado dia 25/09/2024, gravação das 15.33.18 horas às 15.44.28 horas), também a nada assistiu. 8) As testemunhas DD e EE, testemunhas de defesa, encontram-se na mesma situação, pese embora no que toca à primeira testemunha seja de relevar que, apesar de nada ter visto quanto aos factos em questão, se encontrava no local onde terão ocorridos os factos em apreço. 9) Neste caso, assim resulta, entre outros, do depoimento para memória futura da ofendida, pois «no interior da loja se encontrava um senhor que ali trabalhava, que "estava num gabinete que tem uma secretária, um computador e uma cadeira"» (página 10 do acórdão) e, bem assim, de certa forma do depoimento da testemunha DD, dado que «disse apenas ter ouvido apenas uma discussão no exterior» (vide página 12 do acórdão). 10) A testemunha FF, cujo depoimento foi prestado na primeira sessão da audiência de julgamento (vide acta da audiência de julgamento do passado dia 25/09/2024, gravação das 16.07.57 horas às 16.14.22 horas) e que também não surge referido na fundamentação da matéria de facto provada e não provada, também nada presenciou quanto aos factos em apreço, limitando-se a expressar a sua vivência com o arguido, bem como aspectos relacionados com a personalidade do mesmo e, por fim, narrou circunstâncias quanto à configuração do local e a existência e destinado dos chocolates ali existentes. 11) Perante o exposto, reitera-se que, nenhuma das testemunhas acima indicadas assistiu presencialmente aos factos aqui em apreciação, pelo que, salvo melhor opinião, para a boa decisão da presente causa, apenas têm relevo as circunstâncias narradas pelo arguido e pela ofendida, ainda que devam ser enquadradas com os outros meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento. Aqui chegados, cumpre, então analisar as declarações do arguido e as declarações para memória futura da ofendida. 12) No que se reporta ao arguido, «por ele foi negada, na sua totalidade, a factualidade que lhe vinha imputada» e «no que concretamente respeita á situação ocorrida no dia ... de ... de 2013, o arguido confirmou corresponder à verdade que ofereceu chocolates a menor, dizendo-lhe, para tanto, que tinha "umas coisas" (sic) para ela e para a irmã, razão pela qual a GG o aguardou no interior da loja, à entrada, acerca de metro o metro e meio da porta. Refutou, contudo, que tivesse agarrado por um braço, de modo a que a mesma ali entrasse, e acrescentou que após lhe ter dado os chocolates lhe deu um beijo na face, que a menina retribuiu» (vide página 7 do acórdão). 14) Por sua vez, quanto as declarações para memória futura prestadas pela ofendida, sublinha-se o seguinte: «perto do seu aniversário estava a regressar da escola, de autocarro, e que ao caminhar em direção a casa, encontrando-se o mesmo à porta do estabelecimento, chamou-a para lhe dar uma "coisa". Nessa sequência, entrou na loja e o arguido deu-lhe um pacote de chocolates, que agradeceu sendo que ato contínuo começou a "abraçá-la ia dar beijos na cara e no pescoço" e a querer tocar-lhe no peito e na vagina, o que lhe causou medo, razão pela qual de imediato se afastou, não tendo aquele chegado a tocar ("nem nas maminhas, nem no rabo, nem na vagina")» e «esclareceu que o arguido não tentou que beijá-la nos lábios, e que "apenas lhe deu beijinhos na face e no pescoço (...) referindo ainda que no interior da loja se encontrar senhor que ali trabalhava, que estava "num gabinete que tem uma secretária, um computador e uma cadeira (…) » (vide página 10 do acórdão). 15) Da conjugação do teor destes meios de prova, não restam dúvidas que, no passado dia .../.../2023, o arguido convidou a ofendida a entrar na sua loja, ao que esta anuiu voluntariamente, tendo a ofendida recebido, de seguida, uma embalagem de chocolates que, de resto, agradeceu e, bem assim, que no local se encontrava a testemunha DD. 16) Quanto a tudo o resto, invoca-se expressamente que existe uma clara contradição entre o relatado pelo arguido e pela ofendida, mormente no que toca aos pressupostos do abraço e dos beijos na cara e no pescoço. 17) Neste circunstancialismo, não se compreende minimamente o facto de o Tribunal «a quo» ter desvalorizado absolutamente o teor das declarações do arguido e, salvo o devido respeito e melhor opinião, ter sobrevalorizado o teor das declarações para memória futura, ainda que, porventura, o tenha feito ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, de resto, previsto no artigo 127° do CPP. 18) Na verdade, segundo o plasmado no embora douto acórdão aqui em sindicância, «para além de as sobreditas declarações não nos terem merecido credibilidade, as mesmas foram contraditas, desde logo, e de forma veemente, pelo depoimento para memória futura prestado pela ofendida (...), e bem assim pelo próprio depoimento de testemunha BB (...), mãe da menor, que se afigurou igualmente credível, (vide página 8 do acórdão). 19) O depoimento da mãe da ofendida não merece ser minimamente ponderado, dado que nada viu ou ouviu presencial e directamente quanto aos factos ocorridos na loja do arguido, no passado dia .../.../2023. 20) Pelo que, de modo algum, se poderá defender, por esta via, que o depoimento do arguido não tem qualquer credibilidade quanto aos aspectos em questão e, desta maneira, se reforçar a credibilidade do depoimento da ofendida. 21) Por outro lado, aduz-se que, em bom rigor e ao invés do que fundamenta o Tribunal «a quo», o depoimento da ofendida não merece a mínima credibilidade, pelo menos, à luz das regras da experiência. 22) De facto, em termos da prova documental constante dos autos e produzida em sede de audiência de julgamento, destacam-se dois documentos chamados á colação no decurso da primeira sessão da audiência de julgamento, realizada no passado dia 25/09/2024 (vide gravação das 14.52.55 horas às 16.14.22 horas). 23) O primeiro reporta-se ao denominado «Auto de informação», lavrado pela testemunha CC, em 23/02/203, a fls. dos presentes autos, no qual consta o seguinte: «Faço constar nos presentes autos que, no dia de hoje, fui contatada pela progenitora da menor GG, BB, no sentido de informar esta Polícia que a sua filha, após a inquirição, realizada nesta Polícia, no passado dia 16, teria partilhado consigo que exagerara no seu relato. (....) Mais informou a mãe da menor que a sua filha passará a ser seguida por um psicólogo, devido ao facto desta situação ser o culminar de uma série de mentiras transmitidas pela GG». 24) O exposto refere-se à circunstância de a ofendida ter imputado ao recorrente, no dia em questão, uma abordagem do ponto de vista sexual assaz agressiva (por exemplo, a introdução de dedos na vagina). 25) O Tribunal «a quo» não lhe deu a devida importância, desvalorizando-o totalmente, ao ponto de nem sequer o exposto ter abalado a sua convicção no que toca a dar como provada a factualidade aqui em causa. 26) Não deixa de ser verdadeiramente arrepiante que, perante o exposto, tenha, salvo o devido respeito, sufragado uma autêntica mentira, quando afirma que «explicitadas —de forma cabal e verosímil- as razões que levaram a menor (...) a faltar à verdade num momento inicial do processo (...) verdade que foi oportunamente reposta (...), entendemos que o depoimento pela mesma foi absolutamente credível, dele não se retirando qualquer atitude persecutória em relação ao arguido (...), fundamentando, assim, e sem qualquer dúvidas, o convencimento do Tribunal Coletivo». (vide página 11 do acórdão). 27) Ora, com todo o respeito pelo que significa doutrina e jurisprudencialmente o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127° do CPP, defende-se que, ao invés do que sustenta o Tribunal «a quo», a postura processual da ofendida não foi devidamente apreciada à luz do critério da experiência ali consagrado. 28) Perante a gravidade dos factos relatados pela ofendida, que, de resto, manteve esta posição em sede de depoimento para memória futura, quando já sabia (e sempre soube) que era mentira que, entre outros aspectos, o arguido lhe tinha introduzido dedos na vagina, o Tribunal «a quo» segundo o primado da experiência deveria ter tomado uma posição mais conservadora e não absolutamente despropositada e arrojada no que toca a dar credibilidade ao depoimento da ofendida e, desta maneira, assumi-los como provados para efeitos de condenação do arguido. 29) Não se tratou de uma mera e inocente justificação para que se fizesse justiça, tratando-se, isso sim, de tamanha patranha que nem, à data, os 14 anos de idade da ofendida a desculpam. 30) A ofendida teve a capacidade para pressupor, erradamente, que a questão podia não avançar e, mesmo assim, avançou que esta fantasia. 31) Pelo que, deste modo, é legítimo concluir que, por razões que se desconhecem, não será verdade que não teve qualquer atitude persecutória para com o arguido e, sobretudo, que mente relativamente aos factos de .../.../2023. 32) Tanto mais que, nos autos consta um outro documento igualmente analisado na primeira sessão da audiência de julgamento que, demostra que a ofendida padece de problemas de saúde mental, aliás, de certa maneira parcialmente corroborados pela sua mãe, a testemunha BB: «confirmou que o relato inicial da GG abarcava outros factos, "extravasando um pouco a história", ao mencionar "os dedos e afins", que justificou com receio que a mesma tinha de que a situação "não avançasse", e para que fosse feita "alguma coisa" (.. ) não deixando de referir, a este último propósito, que a menina tem problemas cognitivos, derivados da respectiva surdez, que a torna uma criança mais fragilizada (...) padecendo atualmente de depressão, ansiedade generalizada e síndrome pós traumático» (vide página 9 do acórdão). 33) Reportamo-nos ao documento denominado «Informação Psicológica», a fls. dos presentes autos, subscrito em 27/02/2023 pelo Agrupamento de Escolas ..., que menciona o seguinte: «verifica-se que a aluna tem capacidades cognitivas dentro do esperado para a sua faixa etária. Em contexto escolar na relação com o adulto e seus pares, a GG mostra frequentemente dificuldade em agir socialmente de forma adequada, apesar de ter interiorizadas as normas sociais. Revela imaturidade, instabilidade e labilidade emocional». 34) Conclui-se, pois, que, salvo o devido respeito e melhor opinião, as regras da experiência, em nossa modesta opinião, impunham que o Tribunal «a quo» tivesse outro tipo de postura ao formar a sua convicção e, desta maneira, não teria as mínimas condições para acreditar na versão dos factos dada pela ofendida, aliás, contraditadas cabalmente pelo arguido. 35) Porquanto se é certo que a ofendida é mentirosa, ficou-se com a clara ideia que, à data dos factos, sofria de problemas de saúde mental, tais como imaturidade, instabilidade e labilidade emocional, bem como de problemas de socialização ou de comportamento (tem interiorizadas as regras, mas não age adequadamente, segundo o aludido documento) que, em último caso, se podem revelar suceptíveis de potenciar a criação ou a criação de cenários fantasiosos e inclusivamente maquiavélicos, como, de resto, aconteceu com a mentirosa e descabida "acusação" de introdução de «"dedos e afins"» que imputou descaradamente ao arguido, ora recorrente. 36) Em suma: as regras da experiência determinam que não se deve nem pode dar crédito à mentira, sobretudo, numa situação em que a realidade dos factos imputados é contraditada pelo arguido, ora recorrente, sendo que, no caso vertente, o Tribunal «a quo», salvo o devido respeito, concretizou o oposto, conforme decorre do teor dos pontos 4 e 5 dos factos provados. Adiante; 37) Conforme sustenta, e bem, Tribunal «a quo»: «na grande maioria situações em que estão em causa crimes de natureza sexual, sobretudo os perpetrados contra menores, os factos tendem a acontecer longe dos olhares de terceiros, num ambiente de secretismo, clandestinidade ou encobrimento, sem testemunhas e sem deixar grandes vestígios ou indícios, sendo que esse mesmo ambiente facilita, por um lado, a conduta do agressor, ao mesmo tempo que, por outro, gera sentimentos de recriminação e vergonha da própria vítima» (vide páginas 6 e 7 do acórdão). 38) No caso em apreço, os factos do passado dia .../.../2023, não surgiram no contexto acima enunciado, tendo surgido, isso sim, no interior de uma loja em funcionamento e de porta aberta, ainda por cima sabendo o arguido que ali se encontrava, a curta distância, a testemunha DD a qual, apesar de não ter visto o que ali se passou, era visível, pelo menos, para a ofendida. 39) Por isso, é muito difícil aceitar que, segundo as regras da experiência, o arguido, ora recorrente, tivesse qualquer outro tipo de conduta que não aquela que mencionou em julgamento, isto é: «que após lhe ter entregado os chocolates lhe deu um beijo na face, que a menina retribuiu». (vide página 7 do acórdão). 40) Pois, segundo aquela tese e de acordo com as regras da experiência, não se verificou o mínimo contexto para que tivesse acontecido a putativa importunação sexual aqui em apreço, pelos motivos anteriormente narrados. 41) Daqui decorre que, à luz do critério da experiência e tendo consideração a negação dos factos e a grave mentira proferida pela ofendida, o depoimento do arguido, ora recorrente, deveria ter sido devidamente valorizado e, deste modo, o resultado dos autos merecia ter sido outro que não a condenação do mesmo pelos factos ocorridos em .../.../2023. 42) Ademais, nem sequer se poderá argumentar que foram, em suma, a lascívia e os desejos sexuais do arguido que presidiram à alegada importunação sexual, fora do contexto acima citado, pois nenhuma prova foi produzida nesse sentido. 43) Desta maneira, defende-se que a matéria factual provada decorreu da indevida interpretação e aplicação do disposto no artigo 127° do CPP, mormente no que toca à aplicação ao caso vertente do critério da experiência para efeitos, por assim dizer, de julgamento da matéria de facto. 44) Como tal, a condenação do arguido, ora recorrente, pelos factos ocorridos em ...2.../2023, merece ser revogada com as legais consequências. Noutra vertente, 45) Arrazoa-se que, pelos motivos anteriormente vertidos, à questão em apreço seria de aplicar o princípio do «in dubeo pro reo», corolário do princípio da presunção da inocência, consagrado constitucionalmente (artigo 32° n° 3 da CRP). 46) Porquanto o recorrente negou a prática dos actos que lhe estavam imputados, reportados ao passado dia .../.../20, ninguém visionou a virtual importunação sexual e não surgiram no contexto, inclusivamente sufragado pelo Tribunal «a quo», em que ocorrem este tipo de situações. 47) Estamos, pois, a nosso ver, perante uma situação em que não é possível ter realmente a certeza que a ofendida foi sexualmente importunada pelo recorrente. 48) Pelo que, desta maneira, também merece a presente decisão ser revogada quanto aos factos ocorridos em .../.../2023, com as legais consequências. O Ministério Público apresentou a resposta, formulando as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos não existiu prova legal ou tarifada que se impusesse ao tribunal, cabendo-lhe apreciar a prova segundo as regras de experiência comum e da livre convicção que sobre ela forma (artigo 127.° do Código de Processo Penal). Na fundamentação do douto acórdão proferido, o Tribunal Coletivo recorrido enumerou os factos provados e não provados e expôs de forma completa, os motivos de facto que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção. 2. O Recorrente insurge-se contra a matéria de facto dada como provada no douto acórdão sustentando que a prova produzida não permitia que se dessem como provados os factos de 4) e 5) da matéria de facto que traduzem, em suma, no facto pelo qual foi condenado no dia ........2023. 3. O recorrente cumpriu o ónus de impugnação a que alude o artigo 412º, nº 3 do CPP, efetuando através da transcrição de alguns excertos das declarações/depoimentos da vítima e do arguido, o recorrente procura essencialmente contrapor a sua convicção sobre essa prova pessoal produzida àquela que, de acordo com a regra da livre apreciação da prova ínsita no artigo 127º do Código de Processo Penal, foi formada pelo tribunal a quo. Nesse desiderato, aponta falta de interpretação, das declarações prestadas pela vítima e arguido, pela tribunal. 4. Em rigor, as questões suscitadas pela recorrente redundam, assim, numa mera discordância em relação à forma como o tribunal apreciou e valorou a prova produzida. 5. Sucede que, ao atacar a deliberação recorrida com base na credibilidade que o Tribunal Coletivo deu, ou não, às declarações do arguido ou das testemunhas, em particular da vítima menor, o recorrente põe em causa a norma ínsita no artigo 127º do Código de Processo Penal, que determina que o juiz julgue segundo as regras de experiência e a sua livre apreciação. 6. De acordo com este princípio, o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que a opção seja devidamente explicitada e convincente de acordo com aquelas duas vertentes. 7. É por isso que, como se vem reconhecendo, pacificamente, na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, só nos casos em que as provas concretamente indicadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida, devem os tribunais superiores proceder a tal alteração - cfr. artigo 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal. Tal não é manifestamente, o caso dos presentes autos. 8. Com efeito, ao contrário do que alega o recorrente, o Tribunal Coletivo foi claro, explicito e elucidativo ao fundamentar as razões pelas quais atribuiu credibilidade às declarações prestadas pela menor GG e pelas testemunhas. 9. Lendo a fundamentação sobre a matéria de facto do douto acórdão, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido dos factos dados como provados e que este impugna. 10. A decisão baseou-se nas declarações prestadas pela vítima e testemunha de acusação, mãe da ofendida, bem como da prova documental junta aos autos. 11. Assim, o que resulta daquela decisão é um estado de certeza do Tribunal a quo recorrido relativamente à prática pelo recorrente dos factos dados como provados, pelo que está deste modo afastada a violação pelo Tribunal recorrido do princípio “in dúbio pra reo" associado ao princípio da presunção de inocência. 12. Perante o exposto, e tal como sufragado supra, consideramos definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos que constam da douta decisão recorrida. 13. Preenchendo a conduta do arguido todos os elementos constitutivos do crime pelo qual se mostra acusado e pelo qual foi condenado, como bem se demonstra na fundamentação da matéria de direito do douto acórdão recorrido, entendemos que bem andou o Tribunal a quo. 14.Pelo exposto, deverá manter-se incólume, por não merecer qualquer censura, a matéria de facto fixada em 1.ª instância. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer em 9/01/2025, corroborando a posição expressa em primeira instância. Os autos foram a vistos e à conferência. Do âmbito do recurso e da decisão recorrida: O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem, apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º nº 1 e 412º nºs 1 e 2, ambos do CPP. Em face da motivação, são as seguintes as questões a considerar: - Ocorreu erro de julgamento no tocante aos factos dados por provados nos pontos 4 e 5? - Ocorreu a violação do princípio in dubio pro reo? - Ocorreu violação do artigo 127º do CPP? O acórdão recorrido fixou os factos, nos seguintes termos (transcrição parcial): A) Factos provados Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: (Da acusação) 1. A ofendida GG nasceu no dia ... de ... de 2008 e reside na ..., na .... 2. O arguido AA possuiu uma loja sita na mesma artéria, perto da residência da menor. 3. Em data não concretamente apurada do verão de 2022, quando a menor tinha 14 anos de idade, junto à entrada de acesso à respetiva residência, o arguido aproximou-se de GG e, sob o pretexto de que o telemóvel que a mesma tinha no bolso de trás das calças estava a cair, passou-lhe a mão pelas nádegas, apalpando-as. 4. No dia ... de ... de 2023, quando GG se encontrava a caminhar em direção a casa, junto à loja do arguido AA, este abordou-a, referindo-lhe que tinha chocolates para lhe dar, bem como à sua irmã. 5. A ofendida GG seguiu o arguido para o interior da loja, local onde o mesmo se aproximou da menor, colocou os braços à sua volta abraçando-a, e beijou-a várias vezes ao longo da face e do pescoço. 6. O arguido AA agiu do modo descrito de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de manter contactos de cariz sexual com a ofendida GG, de modo a satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais, o que quis e conseguiu, bem sabendo que desse modo coartava a possibilidade de a menor se determinar livremente nesse campo, e bem assim que tal conduta era proibida e punida por lei. (Condições pessoais do arguido) 7. Natural de Lisboa, o arguido AA teve um processo de desenvolvimento normativo, no seio do agregado dos progenitores e dos cinco irmãos. 8. Aos 9 anos de idade, e durante um período de dois anos, toda a família emigrou para ..., sendo que no retorno reintegraram o bairro social onde sempre viveram. 9. No plano escolar o arguido apresenta uma trajetória pouco investida, tendo concluído apenas o 4º ano de escolaridade, após registo de reprovações decorrentes do absentismo escolar, conduta reprovada pelos progenitores, que adotavam um estilo educativo rígido. 10. Iniciou o seu percurso profissional aos 14 anos de idade, na área da ..., tendo transitado posteriormente para a .... Desempenhou atividades fabris, na área ... e no ramo ..., apresentando o seu historial laboral períodos de desemprego pouco recorrentes, contando com alguns vínculos estáveis. 11. Em termos afetivos manteve um primeiro matrimónio durante oito anos, do qual nasceu a sua primeira filha, atualmente residente no ..., com 37 anos de idade. 12. À data dos factos o arguido AA residia com o cônjuge, com quem contraiu matrimónio há vinte e nove anos, e os dois filhos comuns, de 28 e 22 anos de idade, ainda que estes já se encontrem inseridos no mercado de trabalho, enquadramento que se mantém na atualidade. 13. A título profissional o arguido, ... de profissão, geria um negócio próprio no mesmo ramo, situação que se mantém inalterada, ainda que tenha mudado de instalações, por questões de salubridade, na mesma área geográfica (...). 14. O arguido aufere entre € 1.000 e € 1.500 mensais, auferindo o seu cônjuge o salário mínimo nacional. A habitação é camarária, sendo a renda de € 400 mensais, e não são identificadas despesas avultadas de cariz regular. 15. No âmbito da saúde o arguido AA sofreu um enfarte agudo do miocárdio há mais de quinze anos, sofrendo atualmente de colesterol e diabetes, com toma regular de medicação. 16. O arguido iniciou a sua vida sexual ativa aos 19 anos de idade, com a pessoa que viria a ser a sua primeira esposa. Na globalidade avalia esta esfera da sua vida de forma positiva, ainda que reconheça dificuldades ao nível do desempenho sexual desde há, sensivelmente, dez anos, sendo tais questões debatidas no seio do casal. 17. Em termos das suas características pessoais aparenta ser humilde e contido, caracterizando-o a esposa como um excelente marido, bom pai, calmo, sociável, romântico, teimoso, refilão e muito reservado no que tange a alguns aspetos mais íntimos da sua vida. Neste domínio, o cônjuge corrobora e acentua as dificuldades referidas do foro sexual, sendo a relação do casal descrita como gratificante e próxima. 18. O arguido AA não assumiu a prática dos factos, não revelou qualquer juízo de autocensura ou autocrítica e não expressou qualquer empatia para com a ofendida. 19. O arguido não tem antecedentes criminais registados. B) Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, que: a) Sem prejuízo da matéria de facto dada como provada, no circunstancialismo descrito em 4.) o arguido puxou a menor com força pelo braço, para que a mesma acedesse ao interior da loja. b) Sem prejuízo da matéria de facto dada como provada, o arguido tentou beijar a ofendida nos lábios, apenas não o tendo conseguido em virtude de a mesma ter conseguido virar a cara. c) Nessa altura, o arguido colocou a mão, por cima da roupa, na zona dos seios da menor, bem como lhe tocou com as mãos nas nádegas, acariciando-as. d) Ao agir da forma descrita, puxando pelo braço da ofendida GG, tentando beijá-la na boca e apalpando-a nas nádegas e nos seios, o arguido agiu com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, bem sabendo que coartava, desse modo, a possibilidade de a menor se determinar livremente nesse campo da sua vida, além de que, atuando com tal propósito, usou de violência física contra a mesma, de modo a obstar a que ela resistisse aos seus intentos, o que logrou conseguir. C) Formação da convicção do Tribunal O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada e não provada, na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova documental constante dos autos e considerada igualmente analisada naquela sede, com apelo ainda às regras da vida e da experiência comum, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127º do Código de Processo Penal. Como sucede na grande maioria das situações em que estão em causa crimes de natureza sexual, sobretudo os perpetrados contra menores, os factos tendem a acontecer longe dos olhares de terceiros, num ambiente de secretismo, clandestinidade ou encobrimento, sem testemunhas e sem deixar grandes vestígios ou indícios , sendo esse mesmo ambiente que facilita, por um lado, a conduta do agressor, ao mesmo tempo que, por outro, gera sentimentos de recriminação e vergonha na própria vítima . E, nessa decorrência, tendo o arguido AA prestado declarações em audiência de julgamento, por ele foi negada, na sua totalidade, a factualidade que lhe vinha imputada. Com efeito, pelo arguido foi dito que possuiu uma loja de estores na ..., na ..., durante cerca de três anos, e até ao ano passado, conhecendo a menina de “passagem” no local, tal como a mãe, e bem assim que embora não soubesse a sua idade, sempre pensou que a mesma fosse até mais nova, em virtude da respetiva fisionomia. Negou, depois, ter acariciado as nádegas da GG, referindo que nunca se aproximou da mesma, negando, outrossim, ter-lhe desferido uma “palmada no rabo”, mesmo que por brincadeira. No que concretamente respeita à situação ocorrida no dia ... de ... de 2023, o arguido confirmou corresponder à verdade que ofereceu chocolates à menor, dizendo-lhe, para tanto, que tinha “umas coisas” (sic) para ela e para a irmã, razão pela qual a GG o aguardou no interior da loja, à entrada, a cerca de metro ou metro e meio da porta. Refutou, contudo, que a tivesse agarrado por um braço, de modo a que a mesma ali entrasse, e acrescentou que após lhe ter entregado os chocolates lhe deu um beijo na face, que a menina retribuiu. Ainda a este propósito, esclareceu o arguido que na altura também se encontrava no interior do estabelecimento o seu colega de trabalho (a testemunha DD), e bem assim que a porta se encontrava aberta. Por fim, disse o arguido AA que habitualmente possuía em cima do balcão uma taça ou pote com chocolates e chupa-chupas, para dar às crianças (e também aos adultos) que ali se deslocavam, mais desconhecendo os motivos que levaram à apresentação da denúncia que deu origem aos presentes autos. Ora, para além de as sobreditas declarações não nos terem merecido credibilidade, as mesmas foram contraditadas, desde logo, e de forma veemente, pelo depoimento para memória futura prestado pela ofendida GG, a cuja reprodução se procedeu em audiência de julgamento, nos termos do disposto no art. 356º, n.º 2 al. a) e n.ºs 8 e 9 do Código de Processo Penal, e bem assim pelo próprio depoimento da testemunha BB, mãe da menor, que se afigurou igualmente credível. Começando por esta última testemunha, pela mesma foi confirmado que no dia ... de ... de 2023, uns dias antes do aniversário da filha, esta chegou a casa muito nervosa e a chorar bastante, acabando por contar-lhe que o arguido a tinha tentado beijar à força. Nesse circunstancialismo, saiu de casa e foi confrontar o arguido, até porque não era a primeira vez que algo semelhante acontecia. Com efeito, e a este respeito, a testemunha relatou que numa ocasião, no verão de 2022, encontrando-se a fazer algumas obras em casa, e em virtude de o arguido se encontrar a arranjar o portão da casa da vizinha de cima, este ofereceu-se para a ajudar, o que não aceitou por o achar muito abusivo, e à sua frente deu uma “palmada no rabo” da GG, com o pretexto de o telemóvel estar a cair-lhe do bolso (para além de a filha já se ter queixado de o mesmo a ter apalpado, numa ocasião em que lhe deu um embalagem de “Ferrero Rocher”, e de também já ter sido abusivo consigo). De forma igualmente relevante, a testemunha esclareceu ainda que no momento em que o foi confrontar com os factos ocorridos no citado dia ..., o arguido lhe disse que “estava a exagerar” e que “não voltava a tocar na GG”, sendo que o senhor que ali trabalhava filmou tudo, após o que ele próprio mandou apagar o vídeo, porque “não havia necessidade”, tendo, contudo, apresentado queixa crime contra si, por injúria/difamação. Por fim, a testemunha BB confirmou que o relato inicial da GG abarcava outros factos, “extravasando um pouco a história”, ao mencionar “os dedos e afins”, o que justificou com o receio que a mesma tinha de que a situação “não avançasse”, e para que fosse feita “alguma coisa”, mais descrevendo as consequências psicológicas que os factos tiveram na filha, não deixando de referir, a este último propósito, que a menina tem problemas cognitivos, derivados da respetiva surdez, o que a torna uma criança mais fragilizada, sendo acompanhada em consultas de Psicologia e Pedopsiquiatria (o que sucedia anteriormente e se mantém), padecendo atualmente de depressão, ansiedade generalizada e síndrome pós traumático. Ora, para além do depoimento antes explicitado, e no que concretamente respeita à factualidade ocorrida no dia ... de ... de 2023, foi determinante na formação da convicção do Tribunal o depoimento prestado pela ofendida GG para memória futura, reproduzido em audiência nos termos da disposição legal oportunamente indicada. Tendo a menor começado por referir que conhece o arguido em virtude de ter uma loja próximo da sua residência, sendo “o senhor que trata das janelas” e que já ajudou a mãe a “carregar móveis” (sic), relatou que perto do seu aniversário estava a regressar da escola, de autocarro, e que ao caminhar em direção a casa, encontrando-se o mesmo à porta do estabelecimento, chamou-a para lhe dar uma “coisa”. Nessa sequência, entrou na loja e o arguido deu-lhe um pacote de chocolates, que agradeceu, sendo que ato contínuo começou a “abraçá-la e a dar-lhe beijos na cara e no pescoço”. Mais referiu que depois disso o arguido começou a “abraçá-la com mais força” e a querer tocar-lhe no peito e na vagina, o que lhe causou medo, razão pela qual de imediato se afastou, não tendo aquele chegado a tocar-lhe (“nem nas maminhas, nem no rabo, nem na vagina”). De forma igualmente relevante, esclareceu a GG que o arguido não tentou beijá-la nos lábios, e que “apenas lhe deu beijinhos na face e no pescoço”, mas com a proximidade suficiente para ter sentido o seu odor a cerveja, referindo ainda que no interior da loja se encontrava um outro senhor que ali trabalhava, que estava “num gabinete que tem uma secretária, um computador e uma cadeira”, não sabendo, contudo, se o mesmo se apercebeu do sucedido. Relativamente a uma situação anterior, a menor contou que no dia em que se encontravam a mudar de casa, e estando o arguido a falar com a mãe, este começou a brincar, a dizer que o telemóvel que tinha no bolso estava a cair, o que aproveitou para colocar as mãos no seu rabo, sentindo-as, pelo que a mãe o chamou à atenção. De forma assaz preponderante, não deixou a ofendida de esclarecer que inicialmente a mãe - que de imediato foi confrontar o arguido com os factos - não quis apresentar queixa, e que apenas o fez após ter falado com a professora HH, tendo, em tal circunstancialismo, exagerado, referindo que o arguido tinha mexido nas “partes íntimas” e na “vagina” (sic), o que não é verdade, tendo-o feito por recear que face aos factos ocorridos “nada fosse feito” (sic). Ora, explicitadas – de forma que entendemos cabal e verosímil – as razões que levaram a menor GG a faltar à verdade num momento inicial do processo (o que determinou, inclusivamente, que tivesse sido assistida no Hospital ... conforme fls. 76 e seguintes), verdade que foi oportunamente reposta, cf. auto de informação de fls. 57, entendemos que o depoimento pela mesma prestado foi absolutamente credível, dele não se retirando qualquer atitude persecutória em relação ao arguido AA, fundamentando, assim, e sem quaisquer dúvidas, o convencimento do Tribunal Coletivo. No que diz respeito à intenção que presidiu à atuação do arguido, tratando-se de um elemento do foro íntimo do agente, na ausência de confissão dessa intenção, a convicção do Tribunal teve necessariamente de socorrer-se de elementos de natureza objetiva que resultaram demonstrados, por via indireta. E, nesta parte, conforme resultou, aliás, do depoimento da ofendida GG – segundo a qual se o arguido tivesse apenas dado “o abraço e os beijinhos”, até poderia ser uma “coisa normal”, normalidade que afastou, no entanto, quando “tentou fazer mais” (sic) -, não temos dúvidas de que os atos perpetrados são, no seu conjunto, de molde a dissipar qualquer eventual dúvida, sendo inequívoco que os mesmos têm um cariz ou conotação sexual e que o mesmo procurou manter contactos dessa mesma natureza com a menor. De referir, por outro lado, que as testemunhas de defesa inquiridas não lograram afastar tal verosimilhança e credibilidade. Na verdade, insistindo as mesmas na descrição física do estabelecimento comercial, não se afigurou credível o depoimento da testemunha DD, na parte em que disse ter ouvido apenas uma discussão no exterior, entre o arguido e outra pessoa, que o apelidou de “bêbedo” e “pedófilo”, e negou ter filmado tal discussão, assim como tê-lo ouvido dizer que não voltava a tocar na menina (não obstante ter confirmado que do local onde se encontrava a trabalhar não tinha visibilidade para a porta de entrada do estabelecimento). Já quanto ao depoimento da testemunha EE, que afirmou ser habitual o arguido dar chocolates e doces às crianças que passavam na loja, inclusivamente à sua filha menor, cumpre apenas referir, e sem lhe retirar credibilidade, não ser consentâneo com as regras da vida e da experiência comum que numa loja de estores, cujo público é necessariamente adulto, exista um pote com chocolates e chupa-chupas para dar às crianças que ali se deslocassem (que serão em número necessariamente diminuto), e muito menos para as que passassem à porta do estabelecimento. No mais, e quanto à idade da menor GG, sopesou-se igualmente o assento de nascimento de fls. 140. Por fim, quanto à situação pessoal e familiar do arguido AA e ausência de antecedentes criminais, tomaram-se em consideração, respetivamente, o relatório social elaborado pela D.G.R.S.P., e constante de fls. 161 a 163, e o certificado de registo criminal de fls. 164. Vejamos então: A formulação de um pedido de impugnação da matéria de facto depende do cumprimento de requisitos de forma e de substância, nos termos do artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP. É ónus do recorrente: - Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência ou, mais ainda, de todos os factos considerados provados; - Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação - as concretas passagens a que se refere o nº 4 do artigo 412º do CPP. Por força do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2012, publicado no DR-1ª, de 18/04/2012, estabeleceu-se que: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.”. Apreciados os termos do recurso, verifica-se que o arguido limitou-se a invocar que houve erro de julgamento da matéria de facto, por o Tribunal ter errado ao dar como provados, os factos constantes dos pontos 4 e 5 dos factos provados. Refere também o arguido que ocorre violação do princípio in dubio pro reo, alegando, em síntese, que o Tribunal a quo, com base nas declarações prestadas por ele e pelas testemunhas ouvidas, a saber, a mãe da ofendida e esta, no momento da audiência, as quais foram consistentes e coerentes entre si, por forma a pôr em causa a fiabilidade do que a ofendida dissera em declarações para memória futura, o que deveria conduzir a um juízo de valor sobre a prova produzida, que conduzisse o Tribunal a quo a se pronunciar de forma favorável ao arguido, por não haver certeza sobre factos decisivos para a decisão da causa. A este respeito, o Tribunal de Recurso sanciona o entendimento de que a violação do referido princípio pode e deve ser vista como um vício decisório de erro notório na apreciação da prova, onde vigora a concepção subjectiva da dúvida, também pode ser aferido como dúvida objectiva mas, neste caso, o recorrente tem de cumprir com o ónus de impugnação especificada do artigo 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP, o que não aconteceu. No caso vertente e analisada a decisão recorrida, mormente a sua fundamentação, não se vislumbra qualquer estado de dúvida relevante do julgador, idóneo a integrar uma violação do aludido princípio. Na verdade, o que se verifica é uma mera discordância ou divergência do arguido, relativamente ao modo como Tribunal recorrido selecionou a matéria de facto que o mesmo faz subsumir aos vícios que invoca. Improcede, pois, o recurso nesta dimensão, pois não há nenhum estado de dúvida que perpasse na mente do julgador, quer no Tribunal a quo, quer, agora, por parte deste Tribunal de Recurso, já que, sopesadas as declarações do arguido, com as proferidas pela ofendida e sua mãe, nenhuma dúvida se suscita, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, de que os factos se terão processado como descrito pela ofendida. O arguido põe, ainda, em causa a valoração da prova produzida. Na apreciação e valoração da prova produzida, vigora o princípio da livre apreciação da prova. Para ocorrer erro na apreciação da prova terá o mesmo de resultar do texto da decisão recorrida, “é uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio» - Ac. do STJ de 20.11.2014, entre outros, in http://www.dgsi.pt. A existência de tal erro, pressupõe que, do texto da decisão sob recurso, por si só, ou conjugado com o senso comum, se conclua, de imediato e facilmente, de forma a que a factualidade dada como provada se apresenta como contrária às regras da experiência comum e da lógica da normalidade do acontecer. «Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)» (Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º). O que se evidencia desde logo é que o recorrente apenas discorda da forma como o Tribunal apreciou a prova, qualificou os factos e acabou por punir o autor dos mesmos. Neste particular, o Tribunal de Recurso acolhe-se ao entendimento sufragado, no Tribunal da Relação do Porto em 19/04/2023, no âmbito do Processo16/21.3GAAVR.P1, em que foi Relator o Desembargador Nuno Pires Salpico, designadamente, quando profere: “I - O artigo 127.º do Código de Processo Penal não fixa as regras da experiência como limite à discricionariedade, antes define essas máximas da experiência como fundamento da apreciação da prova, num ambiente de liberdade de aferição. II – O conceito de liberdade na convicção probatória significa que o julgador não está vinculado a conceções políticas ou ideológicas predefinidas ou a prova tarifada, podendo ajuizar as probabilidades das máximas da experiência necessárias à prova indireta, exigindo-lhe que se liberte dos seus processos psicológicos e da sua moral pessoal, e se coloque numa posição imparcial. III - A livre convicção probatória nada tem de discricionário, constituindo uma atividade profundamente vinculada ao cumprimento dos princípios e regras do direito probatório, às normas da experiência comum pertinentes e da lógica, sendo alvo de um denso escrutínio pelos sujeitos processuais. IV - A convicção do julgador não poderá ser íntima, nem ter segmento algum indecifrável, mas antes, transmissível e partilhável com as partes (num esforço de convencimento e esclarecimento) e com o Tribunal superior, havendo recurso. V - Se o juiz não souber explicar de forma racional a sua convicção, então tem de reconhecer que a mesma não é juridicamente válida, encontrando-se fora dos domínios do artigo127.º do Código de Processo Penal.” … O artigo 127º do Código de Processo Penal dispõe que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Mas isto implica, como acentua Frederico Marques, que se impõe no julgador que, nos seus juízos, proceda com bom senso e sentido de responsabilidade, pois o livre convencimento “não se confunde com o julgamento por convicção íntima, uma vez que o livre convencimento lógico e motivado é o único aceite pelo moderno processo penal”. Segundo Cavaleiro de Ferreira, as “…regras da experiência…” “São definições os juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerça, mas para além dos quais tem validade”. Também segundo Cavaleiro de Ferreira, a livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade”. Nesse sentido, Teresa Beleza afirma que “O valor dos meios de prova (...) não está legalmente preestabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo”. Corresponde isto a dizer que, a livre apreciação da prova terá sempre subjacente uma motivação ou fundamentação - o substrato racional da convicção que dela emerge. Ou, como escreve Marques Ferreira, “Tal princípio assenta nas regras da experiência e em critérios lógicos, de modo que a convicção da entidade que aprecia livremente a prova se mostre racional, nada arbitrária ou meramente impressionista”. Ou, como refere o Prof. Figueiredo Dias, o julgador ao apreciar livremente a prova exerce uma “liberdade de acordo com dever”, ou seja, “o dever de perseguir a chamada verdade material de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo”. Assim, importante, parece-nos, é realçar que o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, não liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, ou da sua falta, sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio.” – fim de citação. Perante a factualidade apurada, este Tribunal de Recurso não olvida que o arguido reconhece a abordagem feita à menor, em .../.../2023, a oferta dos chocolates, o convite a entrar na sua loja, os beijos trocados com GG. Desde o primeiro momento, em que deu conhecimento dos factos, a ofendida GG sempre referiu que o arguido tentou dar-lhe um beijo à força, outro, que não o prestado e consentido na face. Esta factualidade assenta na valoração conjugada e crítica do que foi dito em declarações para memória futura e da prova produzida em audiência, com apelo aos princípios da imediação, oralidade e contraditório, pelo que não merece qualquer reparo. Dispositivo: Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar totalmente não provido o recurso e, consequentemente, mantendo-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. Acórdão elaborado pelo Primeiro signatário em processador de texto que reviu integralmente, sendo assinado pelo próprio e pelos Desembargadores Adjuntos. Lisboa, 7 de Maio de 2025 Carlos Alexandre João Bártolo Ana Rita Loja |