Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23491/21.1T8LSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
INEPTIDÃO
PLURALIDADE SUBJECTIVA SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Não é inepta a petição inicial em que o autor alega os factos concretos essenciais que constituem a causa de pedir que fundamenta o seu pedido, decorrendo as contradições apontadas pelos réus à petição inicial da circunstância de o autor ter fundadas dúvidas sobre qual dos demandados é o titular da relação controvertida e permitindo a lei, no artigo 39º do CPC, serem demandados todos os réus, a fim de, oportunamente, se apurar tal titularidade e, em caso de procedência da acção, se determinar qual ou quais dos réus serão condenados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
A… intentou a presente acção declarativa com processo comum contra 1) B… e BB…, 2) C… Unipessoal, Lda e 3) D… alegando, em síntese, que em 30/5/2020 celebrou com os réus um contrato de compra e venda de um veículo para oferecer ao seu filho, pelo preço de 8.000,00 euros, assim adquirindo o veículo aos 1ºs réus, por intermédio da 2ª ré, dona do stand G… onde foi feita a transacção e do 3º réu, gerente da 2ª ré, que aí o atendeu, apresentando-se como dono do stand e mostrando-lhe o carro, tendo o autor assinado um requerimento para que a 2ª ré procedesse ao registo de aquisição e, após lhe terem sido entregues os documentos necessários à celebração do contrato de seguro, o autor verificou que o veículo estava registado em nome da 1ª ré, existindo ainda um registo de reserva de propriedade a favor da empresa Cofidis, pelo que contactou telefonicamente com a 1ª ré e falou com o 3º réu, assegurando-lhe ambos que o crédito a que se referia esse registo seria cancelado quando procedessem ao registo de transferência de propriedade, pelo que o autor efectuou a transferência do valor total de 8 000,00 euros para pagamento do preço da viatura e celebrou o contrato de seguro, porém os dias foram passando e não foi entregue ao autor o documento com o registo de aquisição a seu favor e, sempre que o autor entrava em contacto com o 3º réu, este dizia-lhe que estava a tratar do assunto, mas deixando de atender o telefone a  partir de certa altura, enquanto que, nos contactos com a 1ª ré, esta dizia-lhe que o 3º réu lhe tinha prometido que pagaria a dívida em causa e trataria dos papéis, até que, em 18/11/2020 o autor verificou na Conservatória do Registo Automóvel que os registos não tinham sido alterados e contactou a Cofidis, que lhe confirmou que o seu crédito ainda não tinha sido pago, tendo então o autor enviado, através do seu advogado, cartas interpelando a 2ª ré e o 3º réu para efectuarem o registo de aquisição a seu favor e o cancelamento do registo de reserva de propriedade, sem que obtivesse resposta, enviando também carta à 1ª ré, que, embora prometesse pagar a dívida à Cofidis, nada fez, acabando então o autor, impossibilitado de circular com o veículo porque já passara o prazo de validade do documento que lhe havia sido entregue para o efeito, a ver-se obrigado a pagar a dívida à Cofidis, o que fez no dia 21/4/2021, entregando-lhe o valor de 2 215,60 euros e assim conseguindo o autor registar a aquisição do veículo a favor do seu filho e cancelar o registo de reserva de propriedade, após o que enviou carta aos 1ºs réus para que lhe pagassem as quantias despendidas, incluindo o valor do crédito da Cofidis e as despesas com os registos e com o seu advogados no montante de 2 448,50 euros, o que estes não fizeram, assim causando todos os réus prejuízos ao autor no referido montante, a que acrescem os danos por impossibilidade de circular com o veículo durante seis meses e os danos não patrimoniais, que computa em 3.600,00 euros e em 500,00 euros, respectivamente.
Concluiu pedindo:       
a) Declarar-se que o contrato celebrado entre Autor, e os Réus, foi integralmente cumprido por parte do Autor, no que concerne ao pagamento do valor acordado;
b) Declarar-se que os Réus não cumpriram o contratado, por não terem efectuado o pagamento do valor do crédito da Cofidis, nem efectuado o registo de aquisição da propriedade do veículo … a favor do Autor, nem o registo da extinção de reserva a favor daquela Cofidis e referente a este mesmo veículo;
c) Declarar-se que quem pagou o valor restante do crédito perante a Cofidis no montante de 2.215,60€, foi o Autor, e não os 1ºs Réus, e que a responsabilidade do seu pagamento era destes;
d) Declarar-se que quem efectuou e pagou os registos de extinção de reserva e de propriedade foi o Autor, tendo pago os emolumentos dos referidos registos e supra mencionados;
e) Declarar-se que atento o acordado os registos de extinção de reserva e de propriedade, deveriam ter sido feitos por qualquer um dos Réus;
f) Declarar-se que o Autor se viu impedido de utilizar o veículo, durante seis meses, o que lhe trouxe prejuízos de 3.600,00€, nos termos supra referenciados;
g) Serem os Réus condenados, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia total de 6.548,50€ (Seis mil e quinhentos e quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos) por todos os danos e prejuízos sofridos;
Os 1ºs rés contestaram alegando, em síntese, que não celebraram qualquer contrato com o autor, não lhe tendo vendido o veículo em causa, pois este veículo foi pelos contestantes vendido com reserva de propriedade a favor da Cofidis, sendo atendidos pelo 3º réu para a formalização do negócio e tendo este garantido que iria pagar o crédito à Cofidis.
Concluíram pedindo a improcedência da acção e a absolvição dos contestantes do pedido.
A 2ª ré contestou arguindo a sua ilegitimidade, pois, conforme é alegado pelo autor, o contrato foi celebrado com o Stand G… e não com C… Unipessoal, não sendo o 3º réu dono ou gerente da contestante, que não teve qualquer intervenção no negócio, não sendo responsável pelos prejuízos invocados pelo autor, os quais só poderão ser imputados ao 3º réu, que foi quem o lubridiou.
Concluiu pedindo a procedência da excepção de ilegitimidade do contestante e a improcedência da acção.
O 3º réu contestou arguindo a excepção de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, pois o autor confunde a sociedade C… com o stand G…, alegando que a primeira é dona do segundo e depois alegando que o contestante é dono e gerente do stand, não sendo, porém, o contestante dono nem gerente do stand, nem sendo dono nem gerente da C…, Unipessoal ou da G…, não tendo qualquer responsabilidade societária numa ou noutra, pelo que nada deve ao autor e não entende a causa de pedir invocada.
Concluiu pedindo a procedência da excepção de ineptidão da petição inicial e, caso assim não se entenda, a improcedência da acção, pois nada deve ao autor.
O autor respondeu, opondo-se à excepção de ilegitimidade passiva arguida pela 2ª ré, alegando que foi com esta que foi celebrado o contrato, como decorre do documento nº1 da PI, que consiste na declaração de circulação do veículo emitida pela 2ª ré e opondo-se à excepção de ineptidão da petição inicial arguida pelo 3º réu, alegando que, dos factos descritos nesse articulado, resulta clara a relação controvertida entre as partes.
Após os articulados, vieram os 1ºs réus juntar documento para prova da versão apresentada na sua contestação no sentido de que o veículo em causa foi transmitido à 2ª ré e requerendo que fosse esta ré notificada para juntar novos documentos para esclarecer tal transmissão, tendo o autor respondido, pronunciando-se sobre o documento junto.  
Foi então proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção de ineptidão da petição inicial e absolveu os réus da instância, nos seguintes termos:
(…)
Alega o Autor que celebrou, em 30.05.2020, com os 1.º Réus que são B… e marido BB…, a 2.ª Ré que é C… , UNIPESSOAL LDA., esta a 2.ª proprietária do Stand “G…” e 3.º Réu D…, a 2.ª proprietária do Stand “G…”, um contrato de compra e venda do veículo automóvel de marca “Audi”, modelo A3, com a matrícula …. [do art.º 1.º - petição inicial], 2.º Tendo adquirido o referido veículo pelo preço/valor de 8.000,00€ (Oito mil euros), (…). [do art.º 2.º - petição inicial].
Ainda que da conjugação dos artigos 1.º e 2.º da petição inicial resulte que o Autor agiu na qualidade de comprador, e concluindo o Autor tratar-se de um contrato de compra e venda coloca os 1.º a 3.º Réus na posição de vendedores.
Mas quanto aos vendedores alega tão só com respeito aos factos ocorridos no dia 30.05.2020 que nesse dia se encontrava no Stand da 2.ª Ré, o 3.º Réu D…, que se apresentou como dono desse Stand e que o mesmo mostrou o carro ao Autor. [do art.º 3.º - petição inicial] e que perante a vontade do Autor, em adquirir o referido veículo e depois de celebrado o contrato, [do art.º 4.º - petição inicial (segmento)].
Dúvidas inexistem que o Autor alega que o veículo que alega ter adquirido se encontrava no stand denominado “G…” que diz pertencer à 2.ª Ré .ª, que é C…, UNIPESSOAL LDA. e que os contactos foram unicamente estabelecidos com o 3.º Réu D…, sendo este quem se encontrava no stand lhe mostrou o carro [do art.º 2.º - petição inicial (segmento final)].
Não alega o Autor quem era o dono do carro em 30.05.2020 quando se dirigiu ao stand “G…”, adquirindo-se que o mesmo aí se encontrava para venda.
Alega apenas quanto ao 3.º Réu “No referido dia, encontrava-se no Stand da 2.ª Ré, o 3.º Réu D…, que se apresentou como dono do Stand (…).” [do art.º 3.º - petição inicial (segmento inicial)]. Mais adiante, no artigo 8.º da petição inicial identifica o 3.º Réu na qualidade de gerente (vfr art.º 8.º - petição inicial “O que, o 3.º Réu, gerente da 2.ª Ré (…)”, constando ainda do documento n.º 1 junto com a petição inicial que a assinatura constante desse documento é imputada ao 3.º Réu que assinada “Pelo gerente”.
E ainda que alegue o autor que o preço do veículo automóvel foi de €8.000,00 não alega, porém, a quem entregou o preço. É certo que junta documentos, designadamente o documento n.º 1 denominado “autorização de circulação” com a identificação da 2.ª R.
E impressa na parte final da folha, datada de 30.05.20220 e assinada “pelo gerente, com a assinatura ilegível e sem qualquer outro dizer que identifique o gerente. Por outro lado, junta como documento n.º 4 um extrato da conta bancária n.º 48481485 relativo ao período compreendido entre 01.06.2020 a 30.06.2020 e no qual são visualizados dois movimentos a débito o primeiro no montante de € 5.000,00 e o segundo no montante de €3.000,00 em nome de “G…”, data de lanc e data Valor “6.01”.
Tratam-se, porém, de documentos, que, como é sabido constituem meios de prova e não suprem a omissão da alegação de factos constitutivos do direito invocado.
Na mesma senda adianta o Autor que nesse mesmo dia – 30.05.2020 - foram-lhe entregues os documentos do veículo, nomeadamente, a declaração para circular com o carro, a declaração comprovativa de ter sido efetuada a competente inspeção automóvel e uma cópia do DUA, uma vez que o Autor necessitava desses documentos para poder celebrar o contrato de seguro para circular com o veículo, (Cfr. Docs. n.º 1, 2 e 3 que se anexam), mas não identifica quem fez a entrega.
De novo, no artigo 5.º da petição inicial não identifica com quem acordou que seria a 2.ª Ré “C…, UNIPESSOAL LDA.” quem procederia ao registo do automóvel, e quem pediu ao Autor para assinar um requerimento de registo automóvel.
Note-se que ainda que o Autor conclua que o contrato foi celebrado com os 1.º a 3.º Réus o Autor apenas no artigo 6.º da petição inicial refere a 1.ª Ré “6.º Após lhe terem sido entregues os documentos, o Autor verificou que no DUA, o veículo estava registado ainda em nome da 1ª Ré B… (…)”. Qual a relação contratual estabelecida entre Autor e 1.ª Ré ao integrá-la na celebração de um contrato de compra e venda com os demais? A petição inicial é omissa porquanto dela não se retira que tenha sido estabelecido qualquer relação contratual entre Autor a 1.ª Ré, ainda que o Autor estabeleça um percurso entre 1.ª Ré e o veículo automóvel que advém do registo do meso a favor da 1.ª Ré em 30.05.2020. Mas para além de não ter estabelecido qualquer percurso contratual entre Autora e 1.ª Ré B… e situando a ação no âmbito da responsabilidade contratual não estabelece a relação necessária entre os Réus de modo a poder, desde logo, aferir-se sobre qual do ou dos s Réus efetivamente assumiu a posição de vendedor e se foi a 1.ª Autor qual o compromisso da mesma no momento da celebração do contrato. A alegação feita pelo Autor a propósito da 1.ª Ré reporta-se a contactos posteriores à celebração do contrato, a telefonemas, mas integra matéria que permita dilucidar sobre o sujeito contratual passivo e ainda que, caso a 1.ª Ré não tenha intervindo no negócio, que a mesma ulteriormente tenha vindo a assumir qualquer responsabilidade adveniente do primitivo contrato celebrado entre Autor e Réus. Não foi alegada matéria de facto bastante que permitisse estabelecer tal relação.
Por conseguinte, o que resulta da matéria alegada nos artigos 7.º e seguintes não permite suprir a falta de alegação inicial sobre os termos do contrato e a responsabilização contratual de todos os Réus e diga-se solidariamente.
Repare-se ainda que quanto ao Réu BB…, identificado como marido de B…, nenhuma palavra vem escrita a qualquer atuação do mesmo no âmbito do contrato celebrado e nenhuma outra responsabilidade lhe é assacada.
Verifica-se a ausência, por um lado e ininteligibilidade da causa de pedir, pelo que a petição inicial é inepta que é gerador de nulidade nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 1 alínea a) do CPC, não se verificando o pressuposto enunciado no nº. 3 do mesmo artigo.
É a petição inicial inepta por falta de causa de pedir, o que gera a consequente nulidade do processo e constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso (Artigo 196.º do C.P.C.), que obsta ao conhecimento do mérito da causa, 186.º, n.º 1 e 2 alínea a), 577.º alínea b) e 578.º, todos do C.P.C., conduzindo à absolvição da instância, ao abrigo do disposto no Artigo 278.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C.
Nestes termos e com tais fundamentos julga-se procedente a exceção dilatória de nulidade por ineptidão da petição inicial e, em consequência, absolvem-se os Réus: 1.ºs – B… e marido BB…, residentes …;
2.ª – “C… CAR, UNIPESSOAL LDA.”, com sede …;
3.º - D…, residente ….
da instância (art.º 186.º, nº. 1, alínea a) e 277.º, n.º 1 alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b) todos do CPC).
*
Inconformado, o autor interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não decidiu bem, ao proferir a decisão constante do despacho de absolvição da instância com fundamento na ineptidão da petição por falta de causa de pedir;
2. Vejamos: O Autor intentou a presente acção, alegando em suma que celebrou um contrato de compra e venda de um veículo automóvel com dois dos Réus, que pagou o preço do veículo, e após ter verificado que existia uma reserva de propriedade, lhe foi garantido pela 1ª e 3.º Réu, que a situação iria ser resolvida, e que a 1ª Ré, que constava como proprietária no registo automóvel mas com reserva de propriedade junto de financiadora, iria proceder ao pagamento dos valores em dívida, de forma a assim se conseguir efetuar registo de extinção dessa reserva.
3. Vieram os Réus contestar, os primeiros Réus, confirmando e aceitando que o Autor entrou em contacto com a Ré mulher, por via telefone, e aceitaram que receberam as interpelações enviadas pelo Autor, por escrito, acrescentando ainda que venderam o carro em causa ao stand a quem o Autor identificou como vendedor, no estado em que se encontrava, ou seja, com a reserva de propriedade inscrita e que este é que assumiu perante eles que iria pagar a dívida para extinção da reserva; a segunda Ré, apenas pugnou pela sua ilegitimidade e impugnou os factos alegados pelo Autor; e o terceiro Réu, vendedor, alega a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, acabando no entanto por apresentar contestação, dando a sua versão de facto a facto, o que demonstra que percebeu perfeitamente o alegado na PI;
4. O Tribunal recorrido, veio a julgar procedente a referida exceção, absolvendo os Réus da instância;
5. Salvo o devido respeito, a petição apresentada em juízo descreve os factos, nomeadamente, a factualidade que esteve por detrás da compra e venda do veículo automóvel, ou seja do contrato alegado, relatando toda a história sobre o que aconteceu e como aconteceu, o que se passou após a realização do negócio, o preço pago, a quem foi pago, as interpelações para cumprimento do acordado, o facto do Autor se ter visto na obrigação de liquidar o valor em dívida junto da financeira Cofidis, e ainda o facto de pretende ser ressarcido pelos prejuízos que teve com esse pagamento, de um dívida que não era sua, e ainda alegou factos demonstrativos dos danos ocorridos pro força da impossibilidade de uso do veículo;
6. Por se afigurar que seria penoso e até desrespeitoso para com este Venerando Tribunal estar aqui a reproduzir todos os factos da PI, abstemo-nos de o fazer, mas damo-los aqui por reproduzidos para todos os efeitos, retirando porém, a conclusão e outra não pode ocorrer, de que os factos que estão alegados na petição são claros e juntos contam a história correspondente à versão do Autor, sendo claramente inteligível a mesma;
7. De tal forma que, mesmo algum destinatário menos instruído, lendo a petição, se inteira da questão/história (causa de pedir) e da pretensão do Autor (pedido);
8. E tanto assim é que, todos os Réus, entenderam a causa de pedir e os pedidos formulados, tendo contestado, apresentado versão própria, embora diversa em algumas questões, para todos os factos alegados pelo Autor, pois, caso contrário, não teriam impugnado os factos e apresentado a sua versão, o que apenas demonstra que os Réus entenderam bem o que é pedido pelo Autor na petição apresentada;
9. O Autor foi claro e preciso ao indicar o dia em que se deslocou ao stand para comprar um veículo, a que stand se deslocou (2ª Ré), por quem foi atendido no referido dia (3º Réu), com quem negociou, quem lhe emitiu os documentos para poder circular com o carro (3º Réu), quando e como verificou que no DUA o veículo estava registado em nome da 1ª Ré, que é casada com o 1º Réu, e que no livrete ainda estava registada uma reserva de propriedade a favor da financeira;
10. Foi ainda claro ao referir como pagou o preço e como teve de pagar à financeira e os danos que desses factos lhe advieram;
11. Tanto assim é que a 1ª Ré aceitou e confessou que o Autor lhe telefonou para que esta procedesse ao pagamento da reserva de propriedade do veículo e que recebeu as missivas que lhe foram dirigidas igualmente pelo Autor e juntas com a PI;
12. Pelo que, desde logo, se entende e depreende que os primeiros Réus perceberam qual o objeto e causa de pedir da PI apresentada, tanto que para se descartarem ainda afirmam que venderam o carro à segunda Ré e que no negócio entre estes (1ºs e 2ª Réus) o acordado foi que seria o stand, exactamente o Co-Réu na acção, que procederia ao pagamento junto da financeira;
13. A segunda Ré contestou, limitando-se a alegar a sua ilegitimidade e a impugnar, como se não existissem documentos nos autos emitidos por esta, que demonstram que é parte legítima, e impugnou os factos, demonstrando assim que entendeu a causa de pedir constante da acção;
14. O terceiro Réu foi o único que alegou a ineptidão da petição inicial, alegando, em suma, que não teve qualquer intervenção no negócio;
15. Salvo o devido respeito, o Autor na PI apresentada alegou e demonstrou os factos constitutivos do seu direito, tendo ainda juntado prova documental que vão de encontro ao por si alegado;
16. Pelo que, não pode o Autor concordar com a fundamentação apresentada no despacho de que ora se recorre, porquanto começa a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo por dizer que não tem dúvidas que o Autor tenha adquirido o veículo no stand pertença da 2ª Ré, onde se encontrava o 3º Réu;
17. Mas depois, vem dizer que o Autor não alega, quem era o dono do carro quando se dirigiu ao stand, mas, salvo o devido respeito, mesmo que assim fosse e não foi, pois relatou que falou com o Réu que se lhe apresentou como proprietário do stand e que o veículo era da proprietária do stand;
18. Ademais, dirigindo-se uma pessoa a um stand, onde se encontram vários veículos para venda, o que é comumente pensado é que os mesmos estando ali para venda, são de sua pertença, tanto mais que e a acrescer, esse stand, propriedade de determinada Sociedade, aqui Ré, negoceia o preço, define e acorda a forma de pagamento, emite e entrega os documentos do veículo e os necessários para o registo, entrega o seu IBAN da conta e recebe o preço;
19. E, ainda que assim não fosse, a realidade é que mais na petição, que deve ser lida como um todo, e não apenas fragmentadamente, o Autor para além de ter justificado onde, como e com quem fez o negócio, ainda alegou e demonstrou que o veículo estava registado em nome de outrem, a ora 1ª Ré, tendo para além da alegação junto documento demonstrativo dessa alegação;
20. Vem ainda o despacho que se recorre referir que o Autor apenas diz que pagou o preço, mas não a quem, quando é referido claramente “…o Autor, logo efectuou a transferência, através de dois pagamentos, um de 5.000,00€, e outro de 3.000,00€, da quantia acordada para o preço da aquisição do veículo de marca Audi…” – vide art.º 9º da PI.
21. Se o Autor efetuou o pagamento do valor acordado no negócio, o pagamento foi efetivamente ao stand, pois foi com este que acordou o negócio, o que aliás consta dos documentos juntos, bem como, nem sequer foi contestado por qualquer um dos Réus;
22. Contudo foi entendimento do Tribunal a quo que o Autor apenas junta documentos sem alegar factos, ora salvo o devido respeito, essa afirmação não está correcta, já que, antes da junção de qualquer documento o Autor alega que efetuou o pagamento do preço acordado para aquisição do veículo, juntou documento comprovativo e assim alegou factos concretos de ter feito o pagamento, não se limitou sem mais a juntar documentos, como parece fazer crer o despacho que ora se recorre;
23. Continua o despacho por referir: “Na mesma senda adianta o Autor que nesse mesmo dia – 30.05.2020 - foram-lhe entregues os documentos do veículo, nomeadamente, a declaração para circular com o carro, a declaração comprovativa de ter sido efetuada a competente inspeção automóvel e uma cópia do DUA, uma vez que o Autor necessitava desses documentos para poder celebrar o contrato de seguro para circular com o veículo, (Cfr. Docs. n.º 1, 2 e 3 que se anexam), mas não identifica quem fez a entrega.” – Vide página 13 do despacho que ora se recorre.
24. Sucede que, no artigo anterior (art.º 3.º) da peça apresentada é dito pelo Autor o seguinte: “No referido dia, encontrava-se no Stand da 2.ª Ré, o 3.º Réu, que se apresentou como dono do Stand e mostrou o carro ao Autor.” – Vide PI.
25. Só após tal alegação é que o Autor refere no art.º 4.º da referida peça: “Perante a vontade do Autor, em adquirir o referido veículo e depois de celebrado o contrato, nesse mesmo dia, foram-lhe entregues os documentos do veículo, nomeadamente, a declaração para circular com o carro, a declaração comprovativa de ter sido efectuada a competente inspecção automóvel e uma cópia do DUA, uma vez que o Autor necessitava desses documentos para poder celebrar o contrato de seguro para circular com o veículo, (Cfr. Docs. n.º 1, 2 e 3 que se anexam).” – Vide PI.
26. O que, salvo o devido respeito, é claro e evidente que quem entregou os documentos ao Autor foi o 3.º Réu, no stand da 2ª Ré.
27. O mesmo se diz quanto ao que se segue da referida decisão recorrida, pois, se no stand onde foi celebrado o negócio apenas estava o 3.º Réu, foi com este que o Autor acordou que seria a 2ª Ré a proceder ao registo automóvel, o que aliás é comum e normal, em caso de compras de veículos a stands;
28. É ainda dito que não é feita qualquer relação com a primeira Ré, quando é alegado pelo Autor que a mesma consta como proprietária no DUA, e ainda que teve contacto com a referida Ré para proceder ao pagamento à financeira e que esta assumiu e se comprometeu a pagar, tendo a mesma confirmado que falou com o Autor, e ainda que recebeu as missivas de interpelação que lhe foram enviadas. – Vide contestação;
29. Ora, sendo a mesma casada, e de acordo com as regras da legitimidade, é exigível que o processo seja proposto contra o seu marido, uma vez da procedência da acção advinham, necessariamente, consequências que poderiam afetar o património comum do casal;
30. E a realidade é que o primeiro Réu marido contestou juntamente com a sua esposa a ação, e não alegou a sua ilegitimidade;
31. Os articulados, designadamente para apreciação da referida e invocada excepção, têm de ser lidos na íntegra, nunca de forma desgarrada ou separada, como, salvo o devido respeito, nos parece ter sido feito na decisão recorrida;
32. Se o tivesse sido, claramente que a história teria sido apreendida e já não se poderia falar em ineptidão, que, repete-se, inexiste;
33. O Autor contou a sua versão dos factos, ou seja, a sua história, ao longo de um articulado que se encontra interligado entre si, com um princípio, meio e um fim.
34. Da PI apresentada a juízo constam devidamente enunciados a causa de pedir e o pedido, ambos devidamente justificados por factos alegados numa sequência cronológica e subsequente, perfeitamente entendível pelos Réus e assim em cumprimento do estipulado legalmente.
35. E a realidade é que se assim não fosse, os Réus não teriam contestado e demonstrado entender o alegado na petição apresentada, como de facto ocorreu.
36. Acresce que, se o Tribunal decidisse que existia alguma ininteligibilidade da causa de pedir, não poderia inviabilizar a prossecução dos autos, sem antes notificar o Autor para, concretamente, esclarecer os factos que entendia serem ininteligíveis, o que não aconteceu, assim violando a Lei.
37. Era obrigação do Tribunal, a existirem as inconformidades referidas, convidar o Autor a supri-las;
38. Ao o não fazer violou os princípios basilares do nosso procedimento do processo civil;
39. Tal é obrigação legal constante do art.º 508.º n.º 3 do CPC, entre outras aplicáveis;
40. O Tribunal recorrido ao não convidar o Autor a aperfeiçoar a petição, omitiu o dever de convite ao aperfeiçoamento, com clara violação do previsto no art.º 508.º n.º 3 do CPC, o que gera a nulidade da decisão;
41. Pelo que também por esta razão se entende que a decisão recorrida é ferida de ilegalidade que importa corrigir.
42. Sem prescindir, e na senda do supra alegado, entende o Autor que não se verifica a ineptidão da petição inicial, conforme e aliás já alegamos supra ao reproduzir as decisões dos doutos acórdãos proferidos pelo TRE de 25/11/2011, no âmbito do processo n.º 99/10.1TBMTL-E1: e pelo TRG de 27/10/2022, no âmbito do processo n.º 86/21.4T8GMR.G1:
43. Parece-nos injusta a decisão recorrida que penaliza o Autor, quando a realidade é que a petição lida no seu todo é percetível, e justifica a causa de pedir.
44. Pelo que, pela procedência do aqui alegado, deve julgar-se procedente a ilegalidade arguida.
45. Pelo que, salvo melhor opinião que apenas provirá de Vªs Exªs entende o recorrente que a decisão recorrida é nula, errada e ilegal, devendo ser revogada por Vªs Exªs, por violação, além do mais, do disposto nos artigos 5.º, 6.º, 186.º n.º 1 e 2 alínea a), 508.º n.º 3, 576.º, 577.º, 578.º, 615.º n.º 1 al) b) e d), 617.º, todos do CPC, sem prejuízo de se tratar de decisão também contrária à jurisprudência supra referida.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vªs Exªs, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que considerando não existir a imputada excepção da ineptidão inicial, se ordene nessa sequência o prosseguimento dos autos. Assim se fazendo a habitual e necessária JUSTIÇA!
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.
Remetidos os autos para este Tribunal da Relação, foi proferido despacho ao abrigo do artigo 665º nºs 2 e 3 do CPC determinando a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, na eventualidade da procedência da apelação, sobre a questão de não ter sido cumprido o artigo 907º do CC.
Apenas o autor se pronunciou, alegando, em síntese, que não pretende a anulação do contrato, mas sim ser ressarcido dos prejuízos e despesas que teve, ou seja, que o preço seja reduzido, nos termos do disposto no artigo 911º, que se lhe reconhece sempre, mesmo que, por força do ressarcimento do valor do custo que suportou e que, tendo os réus assumido o compromisso de pagar o valor do crédito registado e de o cancelar, não o tendo feito, aplica-se o disposto no artigo 912º do CC, pelo que não estamos perante uma situação prevista no art.º 907.º do CC, devendo os autos prosseguir, com a prolação de decisão que anule a decisão da 1ª instância e ordenando-se o prosseguimento dos posteriores termos do processo.
Os réus não ofereceram resposta.
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As questões a decidir são:
I) Nulidade da decisão.
II) Ineptidão da petição inicial.
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FACTOS.
Os factos a atender são os descritos no relatório do presente acórdão.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Nulidade da decisão.
O apelante invoca a nulidade da decisão por via do artigo 615º nº1 b) e d) do CPC, alíneas estas que contemplam, por um lado, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e, por outro lado, a omissão de pronúncia sobre questões que devam ser apreciadas, ou o excesso de pronúncia sobre questões que não devam ser conhecidas.
Contudo não tem razão o apelante, pois a decisão está fundamentada e não existe excesso de pronúncia, pois a decisão tomou posição quanto à arguição, pelo 3º réu, da excepção de ineptidão da petição inicial, nem existe omissão de pronúncia, já que, segundo o julgamento adoptado de procedência da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, não podia haver pronúncia sobre outras questões, cujo conhecimento ficou prejudicado, nos termos do artigo 608º nºs 1 e 2 do CPC.
Inexiste, pois, a apontada nulidade, devendo a questão ser oportunamente conhecida em sede de apreciação sobre se houve ou não erro de julgamento na decisão de procedência da excepção de ineptidão da petição inicial.
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II) Ineptidão da petição inicial.
A decisão recorrida declarou a ineptidão da petição inicial nos termos acima transcritos, ou seja, por ausência ou ininteligibilidade da causa de pedir, ao abrigo do artigo 186º nº2 a) do CPC.
Estabelece este artigo 186º, no seu nº 1, que “é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial” e, no seu nº 2 “diz-se inepta a petição: a) quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (…)”.
Por força dos artigos 5º e 552º nº 1 d) do CC, deve o autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir. Não o fazendo, ou fazendo-o de forma ininteligível, a consequência será a da ineptidão da petição inicial e a nulidade de todo o processado.
Diferente será o caso de insuficiência dos factos alegados, que não determinará a ineptidão, mas sim a eventual improcedência se o autor não aproveitar os meios processuais existentes e previstos no artigo 590º do CPC para suprir tal insuficiência.    
Para se considerar inepta a petição com fundamento na alínea a) do nº2 da petição inicial é, assim, necessário que haja falta absoluta ou total ininteligibilidade da causa de pedir e não uma mera insuficiência dos factos alegados e, perante a ineptidão, não poderá haver despacho de aperfeiçoamento, por não ser possível corrigir insuficiências ou imprecisões daquilo que não existe, ou é ininteligível.
Voltando ao caso dos autos, a causa de pedir existe e é inteligível, pois consiste no concreto facto alegado na PI, de o autor ter comprado um veículo onerado com um registo de reserva de propriedade a favor de um terceiro credor, o qual não foi eliminado conforme lhe foi assegurado, daqui resultando o subsequente pedido de indemnização pelas despesas resultantes desta situação.
As contradições existentes na petição inicial apontadas pelos réus e pela decisão recorrida não decorrem da ininteligibilidade dos concretos factos alegados, mas sim da circunstância de o autor manifestamente não saber quem é que foi o vendedor do veículo: a pessoa que consta no registo como proprietária? a empresa dona do stand onde o comprou? a pessoa que o atendeu e com quem negociou e concretizou o negócio?
Na verdade, subsistindo o registo de propriedade a favor da primeira ré, presume-se o seu direito de propriedade sobre o veículo, que poderia estar à venda no estabelecimento em que foi adquirido pelo autor, mediante acordo entre a proprietária e o dono do estabelecimento e o pagamento de uma comissão.
Mas, poderia a primeira ré já ter vendido o veículo ao dono do estabelecimento, comprometendo-se este a promover o cancelamento do registo de reserva de propriedade e sendo agora o veículo vendido ao autor pela segunda ré, agindo o terceiro réu por conta do mesmo estabelecimento.
Ou poderia o veículo ter sido vendido ao terceiro réu, nas mesmas condições acima referidas e ter este aproveitado o facto de trabalhar no estabelecimento para vender ao autor o veículo por sua conta.
Na dúvida fundada sobre quem é o responsável pela situação concreta alegada pelo autor e causadora dos prejuízos invocados, é possível demandar todos os eventuais responsáveis, com a dedução subsidiária do mesmo pedido ou a dedução de pedido subsidiário contra outro réu, para além daquele que é demandado a título principal, remetendo-se para final e após produção de prova a definição do titular ou titulares da relação controvertida.
Com efeito, sob a epígrafe de “pluralidade subjectiva subsidiária”, estatui o artigo 39º do CPC, que “é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida”.
Distingue-se este litisconsórcio “eventual” ou “subsidiário” dos tradicionais litisconsórcios necessários ou voluntários, porque, ao contrário destes, o autor pretende a condenação, não de todos os demandados, mas apenas daquele ou daqueles cuja responsabilidade resultar da prova que vier a ser produzida, face à dúvida sobre qual ou quais serão os titulares da relação controvertida.
A pluralidade pode ser activa ou passiva e, em conformidade com o princípio da economia processual, tem como objectivo facultar ao autor ou autores a possibilidade de esclarecer as dúvidas quanto ao titular ou titulares da relação controvertida, incidentes, quer relativamente à matéria de facto, quer relativamente à interpretação da norma jurídica aplicável, obtendo-se, assim, no mesmo processo, a definição sobre quem é o titular da relação controvertida, bem como a correspondente decisão definitiva (cfr. acs RP de 30/10/2020, p. 437/23 e RE de 7/6/2018, 2279/15, ambos em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, o pedido formulado pelo autor reconduz-se ao pedido da alínea g) (condenação no pagamento dos prejuízos que alega ter sofrido), uma vez que todos os outros pedidos, das alíneas a) a f) são apenas os factos que o autor pretende ver provados e considerações conclusivas sobre os mesmos, sendo o efeito pretendido, deles derivado, unicamente, o pedido formulado na alínea g).
Tais factos e pedido, segundo a versão apresentada pelo autor, são enquadráveis na venda de um veículo onerado, por no registo destes constar uma reserva a favor de terceiro, mas devendo, nesta fase processual, ser considerados os factos atendendo a todas as soluções plausíveis de direito.
Assim, perante a versão do autor, que alega ter tido conhecimento da existência deste ónus que recaía sobre o veículo, mas procedeu, mesmo assim, ao pagamento do preço, por lhe ter sido transmitido que este registo seria cancelado, poderá não ser aplicável o regime legal da venda de bens onerados contemplado nos artigos 905º e seguintes do CC, pois tal regime pressupõe a existência de erro ou dolo que, segundo a versão da petição inicial, não terá existido.
Prevê, efectivamente, o artigo 905º a anulabilidade da venda, se se verificarem os pressupostos do erro ou do dolo, prevendo o artigo 907º a convalescença do contrato (anulável por erro ou dolo), que poderá ser exigida pelo autor, mas não podendo este substituir-se ao vendedor e exigir o respectivo reembolso (cfr. neste sentido ac. RC de 26/9/2023, p. 1023/19, em www.dgsi.pt), pressupondo também a existência de erro ou dolo o direito a indemnização previsto nos artigos 908º, 909º e 910º, assim como pressupõe o erro ou o dolo o pedido de redução do preço previsto no artigo 911º e o mesmo pressupondo o artigo 912º ao afastar por acordo a aplicabilidade dos artigos 907º, 909º e 910º (sendo que no caso dos autos, não haveria o afastamento da norma do artigo 907º pelo artigo 912º, uma vez que é alegado pelo autor que lhe foi prometido o cancelamento do ónus incidente sobre o veículo, o que constituiria precisamente a regra prevista no artigo 907º e não o seu afastamento).  
Não sendo alegada uma situação de erro ou de dolo, os factos constantes na PI, poderão, então, enquadrar-se no regime geral do cumprimento defeituoso, previsto nos artigos 798º, 799º e 800º do CC.
E, tratando-se, no caso, de uma pluralidade passiva, a dúvida suscita-se relativamente à pessoa do sujeito responsável pelos prejuízos alegados pelo autor, nomeadamente quanto à matéria de facto, por haver dúvidas sobre quem foi o vendedor do veículo adquirido pelo autor, dependendo da produção de prova o apuramento deste facto (que poderá eventualmente passar pela audição das partes, pelo esclarecimento de quem beneficiou da transferência do preço alegada pelo autor, bem como pelo conteúdo das contestações, tendo em atenção que a 2ª ré, apesar de alegar que não teve intervenção no negócio e que o 3º réu não é dono da contestante nem seu gerente, não impugnou que este trabalhasse por sua conta e que o 3º réu, apesar de alegar que não é dono nem gerente da 2ª ré, não impugnou que trabalhava por conta da 2ª ré e que atendeu o autor e com ele negociou a venda do veículo).
Quanto ao pedido deduzido na alínea g) da petição inicial, terá o mesmo, naturalmente, de se interpretar como sendo formulado a título principal contra os primeiros réus e a título subsidiário contra os seguintes réus, assim como sendo a condenação pedida apenas contra aqueles relativamente ao qual ou aos quais se provar serem os titulares da relação controvertida.
De qualquer forma, não sendo a petição inicial inepta nos termos expostos, poderá sempre o tribunal, oportunamente e se entender ser pertinente, convidar o autor, ao abrigo dos mecanismos do artigo 590º do CPC, a suprir irregularidades, a concretizar alguma matéria de facto alegada,  ou a rectificar o pedido de acordo com a hierarquia prevista no artigo 39º do CPC.
Improcede, portanto, a excepção de ineptidão da petição inicial, procedendo as alegações de recurso. 
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DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e improcedendente a excepção de ineptidão da petição inicial, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos, nos termos supra expostos.  
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Não tendo sido apresentadas contra-alegações, as custas são da responsabilidade apenas pelo apelado terceiro réu, que arguiu a excepção de ineptidão da petição inicial na sua contestação.
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2025-05-08
Teresa Pardal
Anabela Calafate
Adeodato Brotas