Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1129/23.2SGLSB.L1-5
Relator: ESTER PACHECO DOS SANTOS
Descritores: ROUBO
CONCURSO
BURLA INFORMÁTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 – O conceito de subtração (roubo) assenta em dois elementos: um primeiro, que consiste na quebra de uma detenção originária, e um segundo que se traduz na constituição de uma nova detenção.
2 - Sempre que uma relação de poder material, numa relação de detenção social de uma coisa, é quebrada por alguém, dá-se uma rutura de uma detenção originária. Constitui-se uma nova detenção quando a coisa é colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, independentemente de existir um ato de contacto entre o agente e a coisa, relevando apenas a transferência de domínio de poder sobre a coisa.
3 - No que respeita ao dolo específico, não estamos perante este tipo penal se não existir, por parte do autor, intenção ilegítima de apropriação da coisa. A ilegitimidade consiste no facto de o autor ter conhecimento de que a coisa pertence a outrem e de que não detém qualquer direito ou título para a possuir. A intenção de apropriação tem sempre que coexistir, como elemento subjetivo fundamental.
4 –Não é de exigir a posse pacífica da coisa, ou seja, a fuga do arguido bem sucedida, para que se tenha como assente a consumação do roubo.
5 –A adequação dos meios para constranger tem de ser analisada à luz de um critério objetivo-individual, pelo que a ameaça não tem de ser séria, nem de estar dependente do ameaçador, bastando a aparência dessa seriedade e dependência.
6 - O critério da efetividade do concurso de crimes (“crimes efetivamente cometidos”) do artigo 30.º do Código Penal remete essencialmente ao critério do bem jurídico protegido em cada crime, do seu sentido e alcance, por isso justificando o acerto quanto à questão do concurso efetivo entre o crime de roubo e o crime de burla informática.
7 – Independentemente das razões de prevenção especial, não pode a suspensão da execução da pena de prisão ser vista pela comunidade como um perdão judicial, uma vez que assim o impedem fortes razões de reprovação e prevenção deste tipo de crimes (roubos).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum coletivo n.º 1129/23.2SGLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 24, foi proferido acórdão, em 28/06/2025, que condenou o arguido AA, pela prática:
i. em autoria material, de um crime de roubo qualificado previsto e punível pelo Artigo 210.°, n.° 1 e n° 2 al. b), do Código Penal com referência às al. e) e f) do n.° 2 do Artigo 204.° do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (autos principais);
ii. em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punível pelo Artigo 210.°, n° 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (nuipc 1255/23.sdclsb);
iii. em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punível pelo Artigo 23.°, 73.° 210.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão (NUIPC 155/24.9SGLSB);
iv. em autoria material de um crime de burla nas comunicações, previsto e punível pelo Artigo 221.° do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
v. em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)
2. O arguido não se conformou com a sua condenação e dela recorreu, finalizando a motivação do recurso com as conclusões que se transcrevem:
A. O presente recurso é interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 24, que condenou o Arguido/Recorrente pela prática de diversos ilícitos penais, com aplicação de pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, que ora se impugna nos planos de facto e de direito.
B. O Tribunal a quo incorreu no vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo Penal, ao condenar o Arguido pela prática de um crime de roubo consumado nos autos principais (NUIPC 1255/23.8SGLSB).
C. Resulta da matéria de facto dada como provada que o Arguido, após ter subtraído a mala da Ofendida BB, abandonou de imediato o objeto subtraído durante a fuga, tendo a mala sido prontamente recuperada pela própria Ofendida, com todos os bens intactos no seu interior - cfr. factos provados n.°s 15 e 18.
D. Ainda que o Arguido tenha inicialmente conseguido a posse física da mala, não consolidou um domínio útil sobre a coisa, nem exerceu qualquer poder de disposição sobre os bens subtraídos, tendo abandonado o objeto por se encontrar a ser perseguido, não logrando consumar qualquer benefício patrimonial.
E. Esta factualidade é irreconciliável com a afirmação constante do facto provado n.° 19, segundo o qual o Arguido "agiu com o propósito concretizado de se apropriar dos bens", pois tal apropriação nunca chegou a ocorrer, nem sequer de forma efémera ou momentânea, em termos jurídico-penais relevantes.
F. A própria motivação da decisão reconhece que a mala foi devolvida à Ofendida pela própria ação desta, que a encontrou abandonada, o que compromete gravemente a consistência interna entre a fundamentação de facto e a subsunção jurídica efetuada pelo Tribunal a quo.
G. Esta contradição configura um vício de natureza estrutural que afeta a validade da decisão.
H. A contradição em apreço é insanável porque não pode ser ultrapassada ou resolvida com uma simples interpretação integrativa do texto da decisão, comprometendo de forma irremediável o juízo de facto e a respetiva qualificação jurídica.
I. A condenação pela prática de um crime de roubo consumado não se mostra compatível com a dinâmica dos factos apurados, devendo, ao invés, ser requalificada como tentativa de roubo, nos termos dos artigos 23.° e 210.° do Código Penal, ou, subsidiariamente, ser ordenada a anulação da decisão da matéria de facto e a reabertura da audiência, ao abrigo dos artigos 426.° e 430.° do CPP.
J. O Tribunal a quo incorreu no vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal, ao considerar provados os factos n.°s 21, 22, 26 e 27, com base numa interpretação ilógica, desproporcional e contrária às regras da experiência comum.
K. Dos autos resulta que o Arguido terá abordado os Ofendidos quando estes se encontravam no interior de uma viatura, empunhando um objeto metálico — um cachimbo para consumo de drogas duras — que não era, nem se assemelhava de forma convincente, a uma arma de fogo.
L. A prova produzida demonstra que os Ofendidos não tiveram a perceção clara de estar perante uma arma, reconhecendo que o objeto não tinha qualquer elemento identificador (como mira, cabo ou gatilho), e que, inclusive, deliberaram entre si, com calma, sobre a conveniência de encetarem a fuga, o que acabaram por fazer com sucesso e sem resistência física por parte do Arguido - cfr. declarações de CC e DD.
M. Esta reação ponderada, estratégica e livre dos Ofendidos é absolutamente incompatível com a alegada ameaça com perigo iminente para a integridade física, que constitui elemento essencial do tipo objetivo do crime de roubo (art. 210.°, n.° 1 do CP).
N. O próprio comportamento dos visados — que se deslocam dos bancos traseiros para os da frente, simulam procura de dinheiro, ligam o motor e abandonam o local — traduz uma atitude livre, racional e planeada, que afasta a existência de constrangimento eficaz, ou de temor súbito ou descontrolado que uma verdadeira ameaça com arma de fogo necessariamente provocaria.
O. A prova produzida aponta para a inexistência de qualquer violência física, verbal ou gestual suficientemente intimidatória que pudesse configurar uma situação de perigo concreto, iminente e sério para a integridade física ou liberdade dos visados, como exigido pelo tipo legal de roubo.
P. A convicção do Tribunal, ao qualificar o comportamento do Arguido como tentativa de roubo, baseia-se numa valoração desproporcionada de um gesto ambíguo com objeto não intimidatório, e em interpretações subjetivas dos Ofendidos, que não encontraram confirmação objetiva no restante acervo probatório.
Q. O erro notório se verifica quando as conclusões extraídas pelo tribunal se mostram manifestamente ilógicas ou contrárias à normalidade da vida, à razão ou à experiência comum.
R. O vício em causa resulta do próprio texto da decisão recorrida, conjugado com a transcrição das declarações dos Ofendidos e o conteúdo objetivo do objeto apreendido, dispensando qualquer nova prova e sendo cognoscível por este Tribunal ad quem.
S. Nestes termos, impõe-se a revogação da decisão na parte em que dá como provados os factos n.°s 21, 22, 26 e 27, bem como a respetiva qualificação como tentativa de roubo, devendo os factos ser ou requalificados como juridicamente atípicos ou reenviados para novo julgamento ao abrigo do artigo 426.° do CPP, por erro manifesto e insuprível na valoração da prova.
T. O Recorrente impugna a decisão da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados sob os n.°s 15, 18 e 19, por entender que os mesmos foram incorretamente julgados, à luz da prova produzida em audiência, devidamente transcrita e indicada, nos termos do artigo 412.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.
U. Da audição da testemunha BB (transcrita em sede de motivações que precedem) resulta claro que, após o Arguido ter puxado pela mala, a alça da mesma rompeu-se, provocando a queda da Ofendida no chão, momento em que o Arguido se apodera do objeto.
V. A Ofendida foi quem recuperou diretamente a mala, momentos após o evento, sem qualquer interferência do Arguido, encontrando-se no interior da mesma todos os bens pessoais intactos.
W. A testemunha EE, cuja intervenção foi valorizada pelo Tribunal a quo como elemento central na recuperação da mala, afirmou expressamente que não viu o objeto na posse do Arguido, nem foi ele quem o restituiu à Ofendida.
X. A conjugação destes elementos impõe uma conclusão diversa: a mala foi abandonada pelo Arguido e recuperada pela própria Ofendida, de imediato, o que significa que não se consumou a apropriação do bem nem houve posse útil ou duradoura por parte do Arguido.
Y. A decisão de dar como provado o facto n.° 19 — segundo o qual o Arguido teria agido com o "propósito concretizado" de se apropriar dos bens da Ofendida — contraria frontalmente o conteúdo dos depoimentos e a lógica dos acontecimentos conforme estes foram relatados pelas testemunhas arroladas pelo ... em audiência.
Z. A única versão dos factos compatível com a prova produzida é a de que o Arguido tentou apropriar-se da mala, mas não logrou alcançar esse objetivo, tendo abandonado o objeto no decurso da fuga, frustrando-se assim o desígnio de obter qualquer vantagem patrimonial.
AA. O juízo de facto formulado pelo Tribunal a quo enferma de erro de julgamento, porquanto a convicção formada assenta em inferências que não encontram sustentação no conteúdo efetivo da prova, nomeadamente nas declarações da Ofendida e das testemunhas presenciais.
BB. O erro na apreciação da prova impõe, assim, a alteração dos factos provados nos termos das propostas apresentadas na motivação, devendo os factos n.°s 15, 18 e 19 ser reformulados nos seguintes termos:
Facto n.° 15 (reformulado): BB ofereceu resistência enquanto o arguido puxava pela mala, o que causou que a alça da mala rompesse e BB fosse projetada para o chão, momento em que o arguido tomou a posse da mala.
Facto n.° 18 (reformulado): De imediato foi perseguido por BB e por EE até às imediações de um prédio onde entrou. Durante a perseguição, o arguido abandonou a mala em causa, a qual foi recuperada por BB, contendo todos os objetos e bens pessoais.
Facto n.° 19 (reformulado): Agiu o arguido com o propósito de se apropriar dos bens pertencentes a BB, bem sabendo que o fazia contra a vontade da sua legítima proprietária, não tendo logrado concretizar tal propósito, por ter sido perseguido de imediato por BB e EE, o que levou o arguido a abandonar a mala, a qual foi de imediato recuperada por BB.
CC. Impõe-se, portanto, a procedência da impugnação da matéria de facto, com consequente reformulação da qualificação jurídica do comportamento como tentativa de roubo, nos termos dos artigos 23.° e 210.° do Código Penal.
DD. O Recorrente impugna, ainda, a decisão de facto quanto aos pontos 21, 22, 26 e 27 da matéria dada como provada, por considerar que os mesmos foram incorretamente julgados, em desconformidade com a prova produzida em audiência, violando os critérios de apreciação da prova consagrados no artigo 127.° do Código de Processo Penal.
EE. Da audição da testemunha CC, resulta que o objeto empunhado pelo Arguido era descrito como algo que "parecia um cano de arma", sendo admitido pelo próprio que não conseguia ver claramente por estar sem óculos no momento, e que apenas ponderou a possibilidade remota de perigo, avaliando racionalmente com o outro Ofendido se deveriam ou não encetar a fuga.
FF. Também a testemunha DD declarou que o objeto era de metal "como se fosse uma arma", mas que a reação foi de rapidez, frieza e ausência de pânico, passando para o banco da frente e arrancando com o veículo, sem qualquer contacto físico ou verbal direto com o Arguido.
GG. Os gestos do Arguido foram exclusivamente mímicos e ambíguos: bater com um objeto no vidro e esfregar os dedos em sinal de dinheiro. A ausência de qualquer exigência verbal explícita, ameaça ou coação, torna a reação dos Ofendidos um exercício de prudência defensiva, e não de medo paralisante.
HH. O objeto detido pelo Arguido era, conforme se apurou, um cachimbo de consumo de droga (facto provado n.° 26), não tendo sido sequer alterado ou manipulado para simular uma arma. A mera aparência metálica, desacompanhada de qualquer ação intimidatória relevante, não consubstancia ameaça com perigo iminente à integridade física, elemento essencial ao crime de roubo (artigo 210.°, n.° 1 do CP).
II. A convicção do Tribunal a quo de que os Ofendidos sentiram "grave receio pela integridade física e património" não tem correspondência objetiva com os depoimentos prestados, que revelam antes deliberação, ponderação e domínio da situação por parte dos visados.
JJ. A versão dos factos acolhida na decisão revela uma valoração excessiva e desproporcional dos depoimentos, assentando em presunções infundadas quanto à perceção subjetiva dos Ofendidos, sem que tal encontre suporte factual nos autos.
KK. Por conseguinte, os factos n.°s 21, 22, 26 e 27 devem ser alterados de acordo com a versão factual que decorre logicamente da prova produzida, nos seguintes termos:
Facto n.° 21 (reformulado) - Para o efeito, o arguido colocou o capuz da camisola que trazia vestido, dirigiu-se diretamente à porta da frente do lado direito e, usando o cachimbo metálico, bateu com o mesmo na janela, apontando o objeto com o cano na direção dos Ofendidos, ao mesmo tempo que gesticulou para estes saírem da viatura, e fez sinal relativo a dinheiro, esfregando os dedos anelar, médio e polegar.
Facto n.° 22 (reformulado) - DD e CC sentiram-se incomodados e apreensivos quanto ao seu património, ponderando entre ceder ao gesto do arguido ou afastar-se, optando por encetar a fuga após avaliarem a situação com calma e deliberadamente.
Facto n.° 26 (reformulado) - O arguido detinha na sua posse um cachimbo metálico usado habitualmente para fumar produtos estupefacientes, o qual empunhou no momento da abordagem.
Facto n.° 27 (reformulado) - O arguido atuou com a intenção de obter bens patrimoniais dos Ofendidos, por meio de gestos ambíguos, sem recurso a violência física nem ameaça concreta e iminente sobre a integridade física dos visados.
LL. A alteração da matéria de facto nos termos acima descritos impõe, necessariamente, a reponderação da subsunção jurídica efetuada, sendo juridicamente inviável a subsunção dos factos revistos ao tipo legal de roubo, ainda que na forma tentada.
MM. Termos em que se requer a procedência da impugnação da matéria de facto e a consequente alteração dos factos provados, com os efeitos legais daí decorrentes.
NN. O Tribunal a quo considerou que a conduta do Arguido, consubstanciada na tentativa de subtração de uma mala de mão à Ofendida BB, integra a prática de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 210.°, n.° 1 do Código Penal.
OO. Contudo, resulta da prova produzida em julgamento e dos factos dados como provados, que o Arguido não logrou apropriar-se da mala de forma útil e minimamente estável, pois abandonou-a no percurso da sua fuga, tendo a mesma sido de imediato recuperada pela própria Ofendida, com todos os objetos intactos.
PP. A jurisprudência e a doutrina penal portuguesa são pacíficas em reconhecer que, no crime de roubo, a subtração exige uma posse autónoma, ainda que momentânea, mas com aparência de definitividade, que permita ao agente exercer um mínimo de domínio sobre a coisa.
QQ. Quando a vítima recupera o bem de imediato, no seguimento direto da ação criminosa, e o agente não obtém qualquer benefício efetivo, não ocorre consumação da apropriação, mas sim a sua frustração por razões alheias à vontade do agente - o que determina a aplicação do regime da tentativa, nos termos do artigo 23.° do Código Penal.
RR. No caso concreto, a mala foi recuperada pela própria Ofendida durante a perseguição, sem qualquer intervenção do Arguido, sem que este tenha retirado proveito da sua conduta, nem tenha alcançado a consolidação da posse sobre o bem subtraído.
SS. O propósito do Arguido - apropriar-se da mala e do seu conteúdo - não se concretizou, não tendo ocorrido o resultado típico do crime de roubo. Logo, não se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo consumado.
TT. A decisão recorrida, ao considerar como consumado um roubo que não se traduziu numa apropriação efetiva e consolidada do bem, incorre em erro de subsunção jurídica da factualidade provada ao tipo legal, devendo a conduta ser requalificada como tentativa de roubo, nos termos dos artigos 23.° e 210.° do Código Penal.
UU. Termos em que se requer a procedência da impugnação da matéria de direito, devendo a decisão ser parcialmente revogada, com a consequente condenação do Arguido pela prática de um crime de roubo na forma tentada e não consumada, com todas as consequências legais ao nível da medida concreta da pena.
VV. O Tribunal a quo condenou o Arguido, pelos factos provados entre os pontos 1 e 12, pela prática, em concurso efetivo:
a) de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelos artigos 210.°, n.° 1 e n.° 2, alínea b), com referência às alíneas e) e f) do artigo 204.° do Código Penal;
b) de um crime de burla nas comunicações (burla informática), previsto e punível pelo artigo 221.° do Código Penal.
WW. Tal qualificação jurídica assenta num erro de subsunção do conjunto fáctico, traduzindo uma violação do princípio da unidade da resolução criminosa, consagrado no artigo 30.°, n.° 1 do Código Penal, bem como do princípio ne bis in idem (art. 29.°, n.° 5 da CRP), dado que a segunda infração resulta da exata concretização da primeira.
XX. Com efeito, os factos provados revelam que o Arguido, ao subtrair com violência a carteira da vítima (FF), apropriou-se de um cartão bancário e respetivo código, que usou poucos minutos depois numa caixa ATM, levantando €200,00 - tudo no decurso da mesma ação ilícita e no mesmo contexto temporal e espacial.
YY. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de que, quando o acesso aos dados bancários ou ao cartão de débito resulta diretamente de uma conduta de violência física ou coação, não se verifica autonomia típica da burla nas comunicações, mas sim a integração desse ato no próprio crime de roubo.
ZZ. A aplicação de pena por dois crimes distintos - roubo e burla informática - em face de uma única realidade factual, constitui não só uma interpretação extensiva contra reo do artigo 221.° do Código Penal, como também uma duplicação punitiva arbitrária e desproporcionada, violadora do princípio da legalidade penal e da proporcionalidade.
AAA. A correta subsunção jurídica determina que todos os atos, desde a subtração da carteira com recurso a ameaça até à utilização imediata do cartão para levantamento de numerário, se integrem no mesmo crime de roubo, porquanto a vantagem patrimonial obtida (200€) foi alcançada em consequência direta e necessária da ameaça exercida sobre o Ofendido.
BBB. Em face do exposto, deve ser reconhecido o erro de direito na qualificação jurídica dos factos, procedendo-se à revogação parcial da decisão recorrida, com a consequente absolvição do Arguido pela prática do crime de burla nas comunicações e integração da respetiva conduta no âmbito do crime de roubo consumado.
CCC. Termos em que se requer a procedência da impugnação da matéria de direito, com a requalificação jurídica dos factos dados como provados sob os pontos 1 a 12.
DDD. O Tribunal a quo condenou o Arguido na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva, afastando a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no artigo 50.° do Código Penal, por considerar que não se encontram preenchidos os pressupostos legais e valorativos para tal.
EEE. No entanto, o Tribunal incorreu em erro de julgamento de direito e de valoração de factos relevantes, ao não ponderar devidamente a evolução pessoal, social e comportamental do Arguido, revelada no decurso da sua prisão preventiva.
FFF. O artigo 50.°, n.° 1 do Código Penal estabelece que a suspensão da pena de prisão deve ser aplicada, sempre que, tendo em conta as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, a simples censura do facto e a ameaça da prisão sejam suficientes para satisfazer as finalidades da punição.
GGG. Nos presentes autos, o Arguido confessou os factos e expressou arrependimento em audiência; encontra-se em prisão preventiva desde ... de ... de 2024, ou seja, há mais de 1 ano e 5 meses, tempo durante o qual cessou integralmente o consumo de estupefacientes; frequentou durante este período formação profissional e mantém atividades estruturadas no EP, como o desporto e o desenho - cfr. facto provado n.° 43;
HHH. Acresce referir que o Arguido tem atualmente uma promessa de contrato de trabalho pela empresa ...., para funções de ....
III. Sem descurar que o Arguido conta com forte suporte familiar (progenitora e irmão), encontrando-se inserido no agregado de origem - cfr. facto provado n.° 35.
JJJ. Por fim, realça-se que o Arguido é pai de uma criança de 6 anos de idade, que reside em ..., e manifesta vontade em reconstruir o seu projeto de vida, como declarado em julgamento.
KKK. O tribunal não valorou devidamente estes elementos, focando-se exclusivamente nos consumos passados de estupefacientes, desconsiderando o esforço de superação já iniciado no contexto de privação de liberdade.
LLL. A suspensão da execução da pena pode funcionar como um mecanismo eficaz de reinserção social, mesmo em casos de algum passado delituoso, desde que existam perspetivas sérias de readaptação e estruturas de suporte suficientes.
MMM. O afastamento liminar da suspensão, fundado numa presunção de reincidência futura com base no passado de consumo, contraria o princípio da individualização da pena e a excecionalidade da prisão efetiva.
NNN. A opção do Tribunal a quo viola ainda os princípios da proporcionalidade e da última ratio da prisão efetiva, adotando uma solução mais gravosa do que a necessária à realização das finalidades preventivas da pena.
OOO. Impunha-se, pois, a suspensão da execução da pena, eventualmente acompanhada de regime probatório e/ou regras de conduta ajustadas (cf. arts. 51.° e 52.° do CP), como mecanismo pedagógico adequado e menos intrusivo do ponto de vista social e pessoal.
PPP. Termos em que se requer a revogação da decisão quanto à execução efetiva da pena, devendo o Arguido ser suspensa a pena de prisão aplicável ao Arguido, por igual período, nos termos dos artigos 50.° e seguintes do Código Penal, e conjugada com regime de prova, caso V.Exas. assim o entendam como necessário.
Nestes termos e nos demais de Direito que V.Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, requer-se que:
a) Seja admitido e considerado procedente o presente Recurso;
b) Seja declarado verificado o vício de contradição insanável da fundamentação da sentença, nos termos do artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo Penal, porquanto a decisão recorrida assenta em afirmações de facto mutuamente incompatíveis, cuja convivência lógica é objetivamente impossível, impondo-se a revogação parcial da decisão, nos termos legais;
c) Ser declarado verificado o erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal, por ter o Tribunal a quo retirado conclusões contrárias às regras da experiência comum e da lógica elementar, no que respeita à alegada tentativa de roubo ocorrida na ..., e por isso, ser a decisão parcial ou totalmente revogada.
d) Ser julgada procedente a impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e, em consequência:
a. Serem alterados os factos provados n.ºs 15, 18 e 19, no que respeita à situação da Ofendida BB;
b. Serem alterados os factos provados n.ºs 21, 22, 26 e 27, quanto à alegada tentativa de roubo aos Ofendidos DD e CC.
e) Ser julgada procedente a impugnação da matéria de direito, nos termos do artigo 412.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, e, em consequência:
a. Ser requalificada a conduta do Arguido relativamente à Ofendida BB como crime de roubo na forma tentada, e não consumada, por não se ter verificado a apropriação útil do bem;
b. Ser reconhecida a existência de unidade de resolução criminosa entre os factos que suportam a condenação pelos crimes de roubo e de burla nas comunicações, determinando-se a absorção da segunda pela primeira, com a consequente eliminação da condenação pelo crime previsto no artigo 221.º do Código Penal.
f) Ser reconhecida a existência de pressupostos legais e valorativos para a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos 50.º e seguintes do Código Penal, e, em consequência, ser substituída a execução efetiva da pena aplicada ao Arguido por pena suspensa na sua execução, eventualmente condicionada a regime de prova e/ou imposição de regras de conduta adequadas.
3. A Magistrada do ... junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, no sentido da sua improcedência, rematando com as seguintes conclusões:
1. Invoca o recorrente padecer o acórdão recorrido de: contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no art.° 410.°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo Penal; e erro notório na apreciação da prova, previsto no art.° 410.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
2. O vício da contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão também apenas poderá resultar do texto da decisão e ocorre quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insusceptível de ser ultrapassada e de relevo entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal contradição é insanável quando não seja ultrapassável com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com recurso às regras da experiência, e incida sobre elementos relevantes do caso submetido a julgamento.
3. O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, mas não concernente à análise da prova produzida, antes respeitando somente ao texto da decisão recorrida, verificando-se o erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, deflua de forma fácil, evidente e ostensiva que a factualidade ali exarada é arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum, ou seja quando se se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, ou assenta na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis.
4. Porém, do douto acórdão recorrido consta a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, em conformidade com o disposto no art.° 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, e evidenciando um raciocínio lógico que permite a completa restituição dos procedimentos que presidiram à solução encontrada e determinou que certos factos fossem dados como provados, tendo sido feita uma análise crítica dos depoimentos e dos outros meios de prova, de modo a formar a sua convicção, de resto formada com base na valoração lógica e racional da prova, segundo o bem senso e as regras normais da experiência comum, preenchendo a factualidade a solução de direito adoptada.
5. Pelo exposto não se verifica padecer o acórdão recorrido do invocado vício ou irregularidade, improcedendo o alegado.
6. O que o recorrente realmente pretende é pôr em crise a livre convicção do tribunal, que levou a que se tivesse convencido da credibilidade de determinados meios de prova, olvidando o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.° 127.° do Código de Processo Penal.
7. Assim, impugna o recorrente os pontos n.° 15, 18 e 19, no que respeita à situação da ofendida BB, bem como os pontos n.° 21, 22, 26 e 27, quanto à tentativa de roubo aos ofendidos DD e CC, da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, considerando-os incorretamente julgados.
8. No entanto, não restam quaisquer dúvidas de que o tribunal a quo procedeu ao exame crítico das provas e decidiu em conformidade a factualidade dada como provada e, em conclusão, não assiste qualquer razão ao recorrente quanto à correcção da livre e fundamentada apreciação da prova efectuada pelo tribunal.
9. Pretende o recorrente seja requalificada a conduta do arguido relativamente à ofendida BB (NUIPC 1255/23.8DGLSB) como crime de roubo na forma tentada, e não consumada, por não se ter verificado a apropriação útil do bem.
10. Considerando resultar provado que o arguido puxou e garrou com força a mala da vítima, ficando na posse da mesma contra a vontade da sua dona, actuação que previu e quis, e ainda que posteriormente tenha a mala sido recuperada, contra a vontade do arguido, encontram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal do crime de roubo, impondo-se a condenação do arguido e nada havendo a apontar à decisão recorrida.
11. Pretende ainda o arguido ser absolvido da prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, quanto aos ofendidos DD e CC (NUIPC 1155/24.9SGLSB).
12. Porém, como se explica no acórdão recorrido, a ameaça para o preenchimento do tipo de roubo não tem de ser séria, nem de estar dependente do ameaçador, bastando a aparência dessa seriedade e dependência.
13. O tribunal condenou, então o arguido pela prática de um crime de roubo simples, na forma tentada, atento o enquadramento jurídico efectuado pelo ... na acusação pública deduzida.
14. Entende o arguido dever ser reconhecida a existência de unidade de resolução criminosa entre os factos que suportam a condenação pelos crimes de roubo e de burla nas comunicações (quanto ao ofendido FF), determinando-se a absorção da segunda pela primeira, com a consequente eliminação da condenação pelo crime previsto no artigo 221.° do Código Penal.
15. Ora, no caso dos autos, encontrando-se sem dúvida preenchido, com a conduta do arguido, o crime de burla informática, verifica-se concurso real e efectivo com o prévio crime de roubo qualificado, considerando, desde logo, os diversos bens jurídicos tutelados por cada uma das normais penais que prevêem, por um lado, o crime de roubo, o crime de burla informático, como pelas diferentes resoluções criminosas tomadas pelo arguido relativamente à prática de cada um dos crimes, improcedendo o pretendido pelo recorrente.
16. A pena de prisão concretamente aplicada permite a suspensão da sua execução - cfr. art.° 50.°, n.° 1, do Código Penal -, que é pretendido pelo recorrente.
17. Todavia, não se encontram reunidos os requisitos para aplicação de tal mecanismo, na medida em que a mera censura do facto e a ameaça de prisão não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto, não sendo possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que o arguido sentiria a sua condenação como uma advertência e de que não cometeria no futuro nenhum crime, designadamente da mesma espécie, em especial tendo em conta as prementes necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.
18. Em face de todo o exposto, não deve ser dado provimento ao recurso interposto.
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a resposta ao recurso apresentada pelo ... em 1.ª instância, acrescentando o seguinte:
- quanto à posse útil do bem (mala da ofendida BB), é por demais evidente que da factualidade dada como provada resulta que o arguido foi de imediato seguido e encontrado nas imediações de um prédio onde entrou na posse do bem subtraído que assim, depois de o levar consigo, foi recuperado, contra o que era sua vontade.
O imediato refere-se à perseguição movida e não ao tempo que demoraram a encontrar o suspeito nas imediações, no interior de um prédio, e a recuperar o bem.
De todo o modo, “O crime de roubo, tal como o crime de furto, consuma-se com a violação do poder de facto de guardar ou de dispor da coisa que tem sobre ela o primitivo detentor, e com a substituição desse poder pelo do agente, independentemente de tal coisa ficar ou não pacificamente, por maior ou menor tempo, na posse do infrator”- cfr. Ac TRE de 05-03-1984;CJ, IX, Tomo 2, 291.
Ou seja, o crime consuma-se quando se verifica a subtração ou a entrega coagida da coisa.
A subtração implica a aquisição de um poder de facto de disposição sobre a coisa alheia, com a concomitante cessação ou ablação desse poder de facto pelo seu legítimo possuidor ou detentor – cfr. Comentário do CP, Paulo Pinto de Albuquerque, anotações 18 e 19 aos arts. 210º e 203º respetivamente.
Quanto à autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, quanto aos ofendidos DD e CC, com fundamento na ameaça com perigo iminente para a integridade física, consubstanciada no facto do arguido ter empunhado um cachimbo metálico, o qual as vítimas teriam, supostamente, confundido com uma arma de fogo. E o apontado erro notório na apreciação da prova, afigura-se-nos que aquilo que releva é a utilização do objeto por forma a criar nos ofendidos a ideia de se tratar de uma verdadeira arma de fogo e se, assim, os mesmos ficaram intimidados pelos seu uso e exibição. Ora, no caso concreto, a encenação criada pelo arguido parece objetivamente credível.
E não obstante a violência ter sido exercida sobre duas pessoas, perante a unidade da ação violenta, o Tribunal entendeu configurar-se um único crime de roubo, embora na forma tentada.
“(…)Para efeito de preenchimento do tipo legal de crime de roubo, «[Constranger é coagir, obrigar, pressionar, afetando a liberdade pessoal do coagido; () o constrangimento reveste a natureza de uma obrigação de 'facere' no caso de entrega coisa móvel ou 'non facere ', no caso de subtracção da mesma, sujeitando-se o coagido, neste caso, a consentir na apropriação ilegítima da coisa móvel, que passa da sua esfera dominial para a de terceiro, por qualquer dos modos previstos no art.º 210.º, do CP.: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física do visado ou colocação na impossibilidade de resistir.».
VI. Entre o conseguir apoderar-se de coisa móvel alheia e os meios empregues tem, pois, de se verificar um nexo de imputação, o qual, estando em causa uma tentativa, se traduzirá na idoneidade desses meios para, em abstrato, alcançar esse resultado típico, como prescrito pelo disposto no art. 22º/2,b) do Código Penal.
VII. A violência empregue pode ser física ou psicológica, desde que seja suficiente, do ponto de vista do homem médio, para determinar a vontade do ofendido à entrega da coisa e superar a sua resistência ou oposição.
VIII. Pode não chegar sequer a registar-se contacto físico entre o agente e a vítima, e a ameaça não tem que ser expressa, podendo ser velada, decorrendo, por exemplo, da adoção de um gesto do qual resulte de forma inequívoca poder fazer-se uso de uma arma como forma de vergar a resistência da pessoa visada. Cfr. Ac. do TRL de 19-03-2024, P. 25/23.8PALSB.L1-5, Relatora Ana Cláudia Nogueira.
Quanto ao concurso entre o crime de roubo p. e p. pelo art. 210º do C.P. e o crime de burla informática e nas comunicações, p.p., pelo art.221º, nº1, do Código Penal, este último preceito protege bens jurídicos distintos dos subjacentes ao crime de roubo, justificando-se a condenação pelos dois crimes, em concurso real – cfr. ATRL de 06-11-2018 lavrado no Processo 329/17.9PALSB.L1-5 (Relator : VIEIRA LAMIM) . Na verdade, e como é sabido, no crime de roubo protegem-se bens jurídicos de carácter patrimonial, e ainda bens jurídicos eminentemente pessoais, como o são a liberdade, a integridade física ou até a própria vida do ofendido, enquanto no crime de burla informática se protege o património, e ainda os programas informáticos, o respetivo processamento e os dados, na sua fiabilidade e segurança.
Por fim sempre se dirá que os crimes perpetrados pelo arguido, em particular os de roubo, reclamam, por veementes razões de prevenção geral e rigor punitivo.
E a prática pelo arguido, no período de cerca três meses e em três ocasiões diferentes, de factos integradores do crime de roubo, revela atuação não ocasional e uma tendência da própria personalidade para determinado tipo de atuação ilícita, o que aumenta as exigências ao nível da prevenção especial de socialização e deve ser tido em conta na graduação da pena única.
(…)
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
*
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do mesmo diploma legal.
No caso concreto, conforme as conclusões da respetiva motivação, cumpre apreciar as seguintes questões:
• Dos vícios do art. 410.º do CPP:
• contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
• erro notório na apreciação da prova produzida em audiência.
• Da impugnação da matéria de facto provada: factos 15, 18 e 19 (ofendida BB) e factos 21, 22, 26 e 27 (ofendidos DD e CC).
• Da impugnação da matéria de direito:
• Da requalificação da conduta do arguido relativamente à ofendida BB como crime de roubo na forma tentada, e não consumada, por não se ter verificado a apropriação útil do bem;
• Da absolvição do arguido quanto à prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, quanto aos ofendidos DD e CC;
• Da unidade de resolução criminosa entre os factos que suportam a condenação pelos crimes de roubo e de burla nas comunicações;
• Da suspensão da pena de prisão, eventualmente condicionada a regime de prova e/ou imposição de regras de conduta adequadas.
2. Do acórdão recorrido
2.1. O tribunal a quo deu como provada e não provada a seguinte factualidade:
Factos provados:
NUIPC 1129/23.2SGL5B
1. No dia ... de ... de 2023, cerca das 20h50, o arguido AA dirigiu-se à ..., com a intenção de se introduzir dentro daquela residência e do seu interior retirar os objetos de valor que lá se encontrassem.
2. Já no local o arguido aproximou-se da janela correspondente à residência de FF, e exerceu força na mesma para lograr a sua abertura e assim se introduzir no seu interior, concretizando, desta forma, os seus intentos de se apropriar de objetos de valor.
3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, encontrava-se FF, dentro da sua residência, quando se apercebeu de um barulho vindo da janela, aproximou-se, percebendo que estava do lado de fora o arguido a tentar abri-la.
4. FF fez então força contrária do lado de dentro, com vista a impedir a entrada do arguido, contudo este logrou a abertura completa das janelas, entrando em seguida para o interior da residência, um TO térreo.
5. Em acto continuo, e munido de um objecto em riste, semelhante a um X-acto, disse para FF: "não te mexas, dá-me tudo o que tens de valor", para logo exigir verbalmente os seus cartões bancários, o telemóvel e respetivos códigos de ambos.
6. De seguida, já no interior da residência, o arguido dirigiu-se ao espaço da cozinha, onde agarrou uma faca de ‘chef’ que apontou na direção de FF, voltou a ameaçar o mesmo, desta feita invocou que conhecia a sua família e que lhe faria mal caso não colaborasse.
7. Face à atuação do arguido, FF ficou estarrecido de medo, pelo que sentindo forte receio na sua integridade física, entregou-lhe os seus cartões bancários, e respetivos códigos de acesso, que o arguido anotou num pequeno pedaço de papel.
8. Logo após, o arguido deambulou pela residência e apoderou-se dos seguintes objetos:
Uma consola de marca ..., no valor de 300 euros;
Um computador portátil de marca ..., no valor de 800 euros;
Um relógio de marca ..., no valor de 400 euros;
Um Telemóvel da Marca ..., modelo ..., no valor de 800 euros;
Uma câmara fotográfica de marca ..., no valor de 300 euros;
Duas camisolas de marca desconhecida, no valor de 40 euros;
Um casaco, de marca própria ..., de cor cinza escuro, no valor de 30 euros;
Um par de sapatilhas da marca ..., no valor de 40 euros;
Uma mochila de marca ..., no valor de 40 euros; mochila esta onde colocou os objectos.
Cartão de Débito ... - número: ...;
Cartão de Débito ...) - número: ...;
9. Na posse dos objectos pertencentes a FF, o arguido saiu da residência e fugiu para parte incerta.
10. De seguida, o arguido dirigiu-se à ..., em concreto à ATM exterior do ... e mediante utilização de dados sem a autorização do legitimo proprietário procedeu ao levantamento de 200 euros em numerário, pelas 20h52 e pelas 20hh53.
11. Em todas as suas condutas, o arguido actuou com a intenção de subtrair e se apropriar dos objectos de valor pertencentes a FF, o que logrou conseguir mediante a ameaça de uso de violência e de uso de objectos corto-perfurantes, mesmo sabendo que aqueles não lhe pertenciam.
12. Mais actuou o arguido com a intenção de obter um enriquecimento para si e prejuízo a FF, mediante utilização dos dados bancários deste, que inseriu na ATM, e assim proceder aos levantamentos de numerário, logrando alcançar os seus propósitos.
NUIPC 1255/23.8D6LSB
13. No dia ... de ... de 2023, cerca das 18h00, o arguido AA circulava na … e dirigiu-se a BB, com intenção de se apropriar de bens e quantias monetárias que aquela detivesse.
14. Nessa sequência, aproximou-se daquela pela retaguarda e puxou-lhe a mala que trazia a tiracolo.
15. BB ofereceu resistência enquanto o arguido puxava pela mala, acabando por cair ao chão; momento em que o arguido logrou ficar na posse da mala.
16. A mala, no valor de € 20,00 (vinte euros), continha:
a. uma carteira preta, sem marca, com o valor de € 10,00 (dez euros).
b. Documentos pessoais (cartão de cidadão, carta de condução, seguro de saúdo e cartão de crédito/débito),
c. Um par de óculos de marca ..., no valor de € 40,00 (quarenta euros),
d. Um baton, de cor vermelha, sem valor, e
e. Uma nota de 10 USD
f. Tudo no valor de € 70,00 (setenta euros).
17. Após e na posse da referida mala, colocou-se em fuga.
18. De imediato foi perseguido por BB e por EE, até às imediações de um prédio onde entrou e onde a mala ora em causa, foi recuperada.
19. Agiu o arguido com o propósito concretizado de se apropriar dos bens pertencentes a BB, bem sabendo que o fazia contra a vontade da sua legitima proprietária, não se coibindo de actuar de surpresa para fazer valer os seus intentos e de a colocar na impossibilidade de reagir mediante o recurso a violência.
NUIPC 1155/24.9SOLSB
20. No dia ... de ... de 2024, cerca das 0lh00, o arguido AA, circulava na ..., quando ao ver a viatura de matrícula ..-..-QS, marca …, com DD e CC, no interior da mesma no banco traseiro, logo formulou o desígnio de os abordar, com vista a sonegar-lhe bens e quantias monetárias que estes pudessem ter consigo.
21. Para o efeito, o arguido colocou o capuz da camisola que trazia vestido, dirigiu-se diretamente à porta da frente do lado direito e usando o cachimbo metálico que usava habitualmente para fumar estupefaciente, bateu com o mesmo na janela, apontou o objecto com o cano na direção dos mesmos, fazendo crer que portava uma arma de fogo, ao mesmo tempo que gesticulou para estes saírem da viatura, para logo em seguida lhes exigir dinheiro também gestualmente, esfregando os dedos anelar, médio e o polegar.
22. DD e CC sentiram grave receio na sua integridade física, bem como no seu património, pois para além dos gestos efetuados pelo arguido serem inequívocos para estes saírem do carro e para lhe entregarem dinheiro, na altura foram levados a acreditar que o objecto metálico a bater no vidro do carro poderia tratar-se de uma arma de fogo.
23. Repentinamente, DD e CC passaram para os bancos da frente, tendo o primeiro colocado a viatura em marcha e desceram a artéria, virando à esquerda, em direcção à Esquadra da PSP aí existente e de molde a evitarem que o arguido se apropriasse de bens seus.
24. Após, ambos acompanharam os elementos da PSP, na procura do arguido.
25. Pouco depois, na ...o arguido foi localizado, e identificado de imediato, como sendo a pessoa que os abordou.
26. O arguido detinha na sua posse o objecto que DD e CC pensaram ser uma arma de fogo, mas que era um cachimbo vulgarmente usado para fumar as drogas duras.
27. O arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se de objectos de valor que DD e CC tivessem na sua posse, não se inibindo de utilizar a ameaça de um objecto que aqueles entenderam como sendo uma arma de fogo.
28. O arguido não logrou alcançar os seus intentos apenas porque DD passou rapidamente para o banco da frente da viatura conseguindo coloca-la em funcionamento e fugindo daquele local.
29. Em todas as suas condutas, o arguido AA atuou de forma livre, deliberada e conscientemente.
30. Na data dos factos supra enunciados, o arguido integrava o agregado familiar materno composto pela progenitora e o irmão mais velho, de 42 anos de idade, ....
31. O arguido tem mais dois irmãos, um mais velho e outra mais nova, ele ... e ela ligada à área do ..., ambos já autonomizados.
32. O sustento do agregado é suportado pela mãe do arguido, que aufere um subsídio por baixa médica, que provém de ..., no valor de €543,00 euros mensais e do apoio financeiro do irmão do arguido, que suporta o pagamento de algumas despesas correntes.
33. Não obstante, em período prévio à sua reclusão e desde 2023 que AA passava muitos dias fora de casa, dormindo na rua ou em casa de amigos.
34. O arguido mantinha consumos de substâncias estupefacientes, nomeadamente cocaína e crack, que contribuíam para a disfuncionalidade na organização do seu quotidiano.
35. O arguido AA é natural de ... e veio definitivamente para Portugal no final de 2022, juntando-se à mãe e aos irmãos que já cá viviam.
36. Nessa altura, o seu pai havia falecido e o arguido, que se encontrava em ... havia alguns meses pelo nascimento da filha, não terá conseguido viajar para ... por questões de documentação, situação que teve um elevado impacto negativo em si em termos emocionais e com a qual não foi capaz de lidar.
37. Esta situação terá contribuído fortemente para o início do período de destruturação, agravado pelo consumo de substâncias estupefacientes e álcool.
38. Após completar o 12° ano de escolaridade, até à sua vinda para Portugal.
39. Em Portugal, ainda trabalhou no sector da construção civil, executando tarefas de remodelações, sem vínculo contratual por não ter conseguido renovar o seu documento de identificação.
40. AA foi pai em 2022, na sequência de um relacionamento afetivo que iniciou em 2019, com uma cidadã francesa, entretanto terminado.
41. A filha reside actualmente com a mãe em ....
42. AA cessou os consumos de produto estupefaciente, aquando da reclusão, mantendo-se em abstinência.
43. Ocupa o seu tempo livre com a prática de desporto regular e com o desenho, tendo frequentado a formação promovida pela ..., vocacionada para a inserção socioprofissional dos reclusos.
44. Não tem sanções averbadas no seu registo disciplinar.
45. Recebendo visitas regulares por parte da mãe.
46. Do seu certificado de registo criminal consta a prática:
-em ........2023, de um crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foi condenado na pena de 50 dias de multa, por sentença transitada em julgado no dia 11.9.2024 e proferida no âmbito do processo abreviado 2185/23.9PKLSB, que corre termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa-J3.
2.2. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resulta da conjugação e análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento da prova documental constante dos autos, designadamente:
O arguido prestou declarações apenas no final da audiência de julgamento, após a produção de toda a prova. Tendo, nesse momento, admitido a prática dos factos e afirmado que estava muito arrependido. Explicando que estava a passar muito mal, com consumos activos de cocaína e crack. Pedindo igualmente desculpa às vítimas.
Com efeito, as declarações finais do arguido, foram de encontro àquela que havia sido já a prova produzida.
O assistente FF prestou declarações muito completas, precisas e coerentes. Explicando toda a dinâmica que teve com o arguido desde o momento em que apercebeu que este estava a tentar entrar pela janela. Enunciou ainda os sentimentos que foi vivenciando, as expressões que lhe foram dirigidas bem assim como os objectos que foram levados e respectivo valor.
Mais deu ainda nota dos contactos que efectou com a sua instituição bancária e o concreto valor que lhe foi retirado da conta.
As declarações do assistente foram conjugadas com o auto de notícia de fls.2 a 4, no que respeita à data, hora e local; auto de visionamento de fls .11 a 16 (onde é possível ver o arguido a levantar dinheiro na ATM) e auto de reconhecimento pessoal de fls.69 a 70.
No que se reporta à factualidade do Apenso 1255/23.8SCLSB, o tribunal havia fundado a sua convicção na conjugação dos depoimentos de BB, GG, EE e HH, agente da PSP.
Este último não teve conhecimento directo dos factos, tendo sido chamado ao local por forma a tomar conta da ocorrência.
Porém, GG e EE presenciaram os mesmos. A primeira porque acompanhava BB e o segundo porque se encontrava a trabalhar numa obra nas imediações e ouvido os gritos de BB, foi atrás desta para a ajudar.
Todos prestaram declarações de forma clara, com maior ou menor pormenor, de acordo com o momento em que começaram a prestar atenção ao que sucedida e à memória que guardam os factos.
BB, narrou de modo muito completo toda a dinâmica. Explicando as suas acções e as do arguido, bem como os motivos pelos quais não tem qualquer dúvida de que foi este quem lhe puxou a mala.
Tendo igualmente dado nota dos objectos que tinha dentro da mesma, o seu valor e o facto de a ter recuperado, por acção de EE.
Por fim, a demais factualidade resultou provada da conjugação das declarações confessórias do arguido com os depoimentos de CC e DD; bem como do agente da PSP II
Na verdade, CC e DD, explicaram de forma muito completa, pormenorizada e clara, o modo como foram abordados pelo arguido, os concretos gestos que aquele lhes fez e os sentimentos que vivenciaram.
Ambos descreveram o objecto que o arguido tinha na mão, sendo muito explícitos ao afirmarem que não sabiam se se tratava ou não de uma arma, mas que a aparência do objecto era a de um cano de uma arma.
O que se mostra plausível e lógico, atendendo ao Auto de apreensão de fls. 14 e 15 e à fotografia do cachimbo metálico que o arguido trazia consigo, a fls. 16 do Apenso 155/24.9S6LSB.
O agente da PSP II, prestou depoimento igualmente de forma clara, objectiva e desinteressada. Tendo explicado em que contexto os ofendidos se dirigiram à esquadra da PSP, o estado emocional em que se encontravam e as diligências que desenvolveram logo em seguida e que culminaram com a identificação do arguido.
No que concerne às condições pessoais e económicas do arguido e seus antecedentes criminais, o tribunal fundou a sua convicção da análise critica do relatório social de f ls.329 a 331 e do Certificado de Registo Criminal de f ls.322 e 322v.
3. Apreciando
3.1. Do erro de julgamento
Conforme resulta do art. 428.º, n.º 1, do CPP “as relações conhecem de facto e de direito”.
A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias:
- com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de revista alargada);
- ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP (impugnação em sentido lato).
No que se refere à impugnação em sentido restrito, apela o recorrente, em primeira linha, à verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP, concretamente, por referência às als. b) e c) do CPP.
Estão, pois, em foco vícios, que sendo de conhecimento oficioso devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à sua verificação no texto da decisão recorrida e, não podendo saná-los, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426.º, n.º 1 do CPP).
Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e não vícios de julgamento, e não se confundem nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida.
Quanto ao vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão“incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão” (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, “Recursos Penais”, 9.ª ed. 2020, Editora Rei dos Livros, p. 78), entende o recorrente que o acórdão recorrido padece de uma incongruência injustificada entre os factos dados como provados sob os n.ºs 18 (“De imediato foi perseguido por BB e por EE, até às imediações de um prédio onde entrou e onde a mala ora em causa, foi recuperada”) e 19 (“Agiu o arguido com o propósito concretizado de se apropriar dos bens pertencentes a BB, bem sabendo que o fazia contra a vontade da sua legitima proprietária, não se coibindo de actuar de surpresa para fazer valer os seus intentos e de a colocar na impossibilidade de reagir mediante o recurso a violência”), e entre o facto dado como provado sob o n.º 18 e a decisão proferida no final, que o condenou pela prática de um crime de roubo consumado nos autos principais (NUIPC 1255/23.8SGLSB).
Contudo, olhando nós ao texto da decisão recorrida, não o alcançamos, uma vez que não percebemos qualquer oposição, concretamente, qualquer premissa inconciliável ou contraditória, ou qualquer contrariedade entre a fundamentação e a decisão, sendo antes evidente que o recorrente centra a sua análise apenas nestes dois pontos (18 e 19), descontextualizando-os dos demais (13 a 17), procurando impor uma outra leitura da factualidade apurada, de modo a que se conclua pela não consumação do crime de roubo.
Melhor dizendo, a contradição invocada pelo recorrente não existe, pois que o mesmo não tem em conta a globalidades dos factos provados, dos quais resulta a consumada apropriação pelo arguido da mala da ofendida, consumação essa que não é afetada pela circunstância igualmente tida como assente, que, seguidamente à fuga do arguido do local onde ocorreu a subtração, ter o mesmo sido de imediato perseguido e de a mala ter vindo a ser recuperada.
Já no que diz respeito ao vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), que o recorrente igualmente invoca – erro notório na apreciação da prova -, o mesmo haveria de traduzir-se numa “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum (…) de onde resulta que o “tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das lege artis” (in op. cit. p. 81).
É isso que precisamente o recorrente aponta, pois que na sua perspetiva o tribunal a quo retirou conclusões contrárias às regras da experiência comum e da lógica elementar, no que respeita à tentativa de roubo em que são ofendidos CC e DD, ao considerar provados os factos n.°s 21, 22, 26 e 27, com base numa interpretação ilógica e desproporcional.
Procura, pois, desvalorizar o conteúdo objetivo do objeto apreendido (cachimbo metálico que o arguido trazia consigo), pois que não lhe reconhece semelhança visual com uma arma de fogo real, considerando que a sua utilização apenas causou desconforto, mas não pode ser tida como geradora de medo sério e fundado, não resultando, na sua opinião, qualquer conduta que objetivamente integre a ameaça com perigo iminente exigida pelo tipo legal roubo.
Mais uma vez não lhe assiste razão.
Com efeito, quanto à semelhança do cano do cachimbo metálico com o cano de uma arma de fogo, a mesma resulta da visualização do objeto, conforme explanado no texto da decisão recorrida quando a isso se refere em conjugação com o teor dos depoimentos prestados pelos ofendidos em julgamento (“Na verdade, CC e DD, explicaram de forma muito completa, pormenorizada e clara, o modo como foram abordados pelo arguido, os concretos gestos que aquele lhes fez e os sentimentos que vivenciaram. Ambos descreveram o objecto que o arguido tinha na mão, sendo muito explícitos ao afirmarem que não sabiam se se tratava ou não de uma arma, mas que a aparência do objecto era a de um cano de uma arma. O que se mostra plausível e lógico, atendendo ao Auto de apreensão de fls. 14 e 15 e à fotografia do cachimbo metálico que o arguido trazia consigo, a fls. 16 do Apenso 155/24.9S6LSB.”)
Quanto à reação das vítimas, fugindo do local e dirigindo-se à esquadra de polícia na proximidade, a mesma é conforme às regras da experiência e do senso comum, não encerrando em si nada de anormal ou sequer que seja exigível qualquer outra reação, de forma mais ou menos paralisante.
Tais raciocínios não repugnam a razão e a lógica ou sequer afrontam as regras da experiência comum, antes discordando o recorrente do correspondente juízo probatório, o que não se confunde com o vício em questão.
Por conseguinte, impõe-se concluir que a decisão recorrida não padece de nenhum dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP.
Fundamentalmente, considera o recorrente que foram incorretamente julgados os factos 15, 18 e 19 (ofendida BB) e os factos 21, 22, 26 e 27 (ofendidos DD e CC), discordando do correspondente juízo probatório positivo e com isso procurando impugnar de forma ampla a decisão sobre a matéria de facto.
Nessa medida, impõe-se, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), que o recorrente enumere/especifique os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como que indique as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, como também, sendo o caso, as que devem ser renovadas (estas, nos termos do art. 430.º, n.º 1 do CPP, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existirem razões para considerar que a renovação permitirá evitar o reenvio), assim como que especifique, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada.
Porém, conquanto o recorrente individualize os factos que considera incorretamente julgados, não indica qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa em relação aos mesmos.
Com efeito, não invoca em seu apoio meios de prova que se imporiam ao tribunal, mas antes questiona a avaliação realizada, propondo uma “reavaliação” dos depoimentos prestados pela ofendida BB e pela testemunha EE, quanto à sua condenação pela prática de um crime de roubo (factos 15, 18 e 19), e pelos ofendidos CC e DD, quanto à sua condenação pela prática de um crime de roubo sob a forma tentada (factos 21, 22, 26 e 27), sendo tudo de modo a impor a sua visão da prova.
Contudo, essa “reavaliação” nem sequer permite uma decisão diferente da consagrada pelo tribunal a quo, o que desde logo se retira das próprias transcrições apresentadas pelo recorrente.
Assim, no caso da vítima BB, conforme observado pela Digna Magistrada do ... e que se passa a transcrever, resulta “que foi o arguido quem puxou a mala que a mesma trazia consigo e que continuou a puxá-la, apesar da resistência oferecida pela vítima, até que o arguido, com a sua actuação, fez com que a alça da mala se quebrasse, apoderando-se da mala e fugindo com a mesma do local, a correr, ainda que tivesse sido seguido e depois tenha sido recuperada a mala.
É ridículo que o arguido pretenda imputar à resistência oferecida pela vítima e ao facto de ter vindo a ser recuperada a mala - não por qualquer voluntarismo do arguido em devolvê-la à sua legítima dona - a não concretização da ilegítima apropriação pelo arguido do bem em causa e o afastamento do elemento volitivo do arguido precisamente em se apropriar desse objecto.”
Por seu turno, no caso dos ofendidos DD e CC, resulta, à evidência, das correspondentes transcrições, aquilo que de facto importa e que também foi salientado pela Digna Magistrada na sua resposta, isto é, “foi precisamente por os ofendidos não saberem com certeza de que se tratava o objecto usado pelo arguido, mas por o mesmo ter a aparência do cano de uma arma, que sentiram justificadamente medo e a necessidade de arriscar fugir do local e procurar ajuda junto de elementos policiais, sendo que quanto a esta factualidade, o tribunal a quo não teve, e bem, quaisquer incertezas.”
Em outras palavras, enquanto o recorrente procede à sua própria leitura da prova, toldada pela perspetiva de interessado direto no resultado, o tribunal recorrido procurou e justificou a cronologia dos factos, numa análise global e imparcial da prova produzida.
Deveras, da análise da peça processual colocada em crise, em confronto com a fundamentação de facto da decisão, que acima se deixou integralmente transcrita, não se vislumbra a ocorrência de qualquer erro, mas antes que o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos factos impugnados pelo recorrente é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção, tendo estas sido apreciadas segundo as regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art. 127.º do CPP.
Destarte, não merece qualquer censura, visto que não foi obtido através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou contra as regras de experiência comum, ou sequer afronta o princípio in dubio pro reo.
Por conseguinte, improcede a verificação de qualquer vício, que sempre seria de conhecimento oficioso, bem como o invocado erro na decisão sobre a matéria de facto, improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto.
2. Da qualificação jurídica dos factos
a. Da consumação do crime de roubo (NUIPC 1255/23.8DGLSB – Factos 13 a 19)
Mostra-se definitivamente fixada a matéria de facto.
Não obstante, considera o recorrente que a decisão recorrida, ao considerar como consumado o roubo que, na sua perspetiva, não se traduziu numa apropriação efetiva e consolidada do bem, incorre em erro de subsunção jurídica da factualidade provada ao tipo legal, devendo a conduta ser requalificada como tentativa de roubo, nos termos dos artigos 23.° e 210.° do Código Penal.
Em causa estão os factos provados em 13, 14, 15, 16, 17 e 19.
Olhando aos mesmos e ao conceito de subtração, assenta este último em dois elementos: um primeiro, que consiste na quebra de uma detenção originária, e um segundo que se traduz na constituição de uma nova detenção.
Nestes termos, sempre que uma relação de poder material, numa relação de detenção social de uma coisa, é quebrada por alguém, dá-se uma rutura de uma detenção originária. Constitui-se uma nova detenção quando a coisa é colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, independentemente de existir um ato de contacto entre o agente e a coisa, relevando apenas a transferência de domínio de poder sobre a coisa.
Melhor dizendo, o crime fica consumado com a tomada da posse de coisa alheia, sem qualquer título de transmissão do direito.
No que respeita ao dolo específico, não estamos perante este tipo penal se não existir, por parte do autor, intenção ilegítima de apropriação da coisa. A ilegitimidade consiste no facto de o autor ter conhecimento de que a coisa pertence a outrem e de que não detém qualquer direito ou título para a possuir. A intenção de apropriação tem sempre que coexistir, como elemento subjetivo fundamental.
Ora, olhando ao caso dos autos, em que ficou provado que o arguido puxou e agarrou a mala da vítima, ficando na posse da mesma contra a vontade da sua dona, atuação que previu e quis, e ainda que posteriormente tenha a mala sido recuperada, contra a vontade do arguido, encontram-se preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal do crime de roubo, não sendo de exigir a posse pacífica da coisa, ou seja, a fuga do arguido bem sucedida, para que se tenha como assente a consumação.
Consequentemente, impõe-se a condenação do arguido pela prática de um crime de roubo consumado, nada havendo a alterar à decisão recorrida.
b. Do preenchimento do tipo legal do crime de roubo tentado (NUIPC 1155/24.9SOLSB – Factos 20 a 28)
Mostra-se incólume a factualidade a esse propósito tida como assente, quer na perspetiva do invocado vício de erro notório, quer na perspetiva da impugnação de facto enquanto erro de julgamento.
Nessa medida, inexiste qualquer “espaço” para pretendida requalificação dos factos “como juridicamente atípicos” (cf. conclusão S).
Assim sendo, e para além daquilo que supra se consignou, a propósito do invocado erro de julgamento (ponto 3.1.), nada há alterar à decisão recorrida, pois como bem se explica no acórdão recorrido, “o arguido desenvolveu as acções necessárias a que a sua intenção apropriativa se concretizasse. Sendo que a mesma apenas não veio a ter lugar, por acção externa à sua vontade.”
Ou seja, “a adequação dos meios para constranger, tem de ser analisada à luz de um critério objectivo-individual. Deste modo, a ameaça não tem de ser séria, nem de estar dependente do ameaçador, bastando a aparência dessa seriedade e dependência”.
Sendo essa também a nossa perspetiva, nada temos a apontar à decisão recorrida ao concluir, como concluiu, pela prática pelo arguido de um crime de roubo sob a forma tentada.
c. Do concurso efetivo entre o crime de roubo e o crime de burla informática (NUIPC 1129/23.2SGL5B – Factos 1 a 12)
A propósito dos factos assentes de 1 a 12, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo qualificado e de um crime de burla informática, sendo ofendido FF.
Contra isso se insurge o recorrente, defendendo a unidade da resolução criminosa, bem como a violação do princípio ne bis in idem (art. 29.°, n.° 5 da CRP), dado que a segunda infração resulta da exata concretização da primeira, devendo por isso ser integrada no âmbito do crime de roubo consumado.
Vejamos.
Existe concurso de crimes, na aceção de verdadeiro ou efetivo, quando não há uma mútua exclusão entre as normas nas quais é subsumível um comportamento, sendo tal concurso real quando existe uma pluralidade de ações que preenchem vários tipos de crimes.
Paralelamente, falamos em concurso aparente de crimes quando várias previsões legais são preenchidas, mas uma delas basta para esgotar o conteúdo ilícito do facto, segundo regras de especialidade (quando um crime qualificado contem em si todos os elementos de um tipo geral, acrescentando-lhe um ou alguns elementos especializadores), subsidiariedade (quando um crime se apaga perante outro, como forma menos intensa de agressão), ou consumpção (quando a realização de um crime implicou a realização de um outro).
Tendo isso presente, nada temos a apontar à decisão recorrida, pois que o critério da efetividade do concurso de crimes (“crimes efetivamente cometidos”) do artigo 30.º do Código Penal remete essencialmente ao critério do bem jurídico protegido em cada crime, do seu sentido e alcance.
Nesse pressuposto, sabendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal não tem sido uniforme sobre a questão do concurso entre o crime de roubo e o crime de burla informática (decidiu-se pela consunção, designadamente, nos Ac. de 5.12.2007, de 29.05.2008, de 5.11.2008, de 10.09.2009; decidiu-se pelo concurso efetivo, designadamente nos Ac. de 10.01.2001, de 4.11.2004, de 6.10.2005), acompanhamos os considerandos a esse propósito expendidos no Acórdão do STJ de 01.04.2020 (Proc. n.º 643/18.6PTLSB.L1.S1, RELATOR Nuno Gonçalves, disponível in http://www.dgsi.pt), que passamos a transcrever:
«O roubo é um crime que ofende sempre e pelo menos dois direitos, o direito de propriedade, e algum daqueles direitos pessoais, que são direitos fundamentais reconhecidos nos instrumentos convencionais mencionados e na Constituição da República. Daí que seja um crime pluriofensivo de bens jurídico distintos, qualquer deles penalmente protegido por si só, que também se vem definindo, desde há muito, como “crime complexo” ou “crime composto” porque contém um crime contra direitos pessoais (a saúde, a integridade física, a liberdade) e um crime contra a propriedade de coisas móveis.
(…)
A incriminação da burla informática, protege o património, sem dúvida. Mas também sustém a utilização não fraudulenta de sistemas informáticos, de redes e de dados informáticos. A burla informática é também um crime composto ou complexo que incorpora um crime contra o património e um crime de acesso ilícito a sistema informático. Não é, pois, um crime uniofensivo de bens jurídicos, em que esteja exclusivamente em causa a proteção do património de outra pessoa.
Assentes nesta interpretação, logo se conclui que os bens jurídicos protegidos com a incriminação do roubo – a propriedade de coisas móveis (e somente destas) e a integridade física, a liberdade pessoal -, não amparam bens jurídicos protegidos com a tipificação da burla informática – o património e o acesso ilegítimo a sistema informático. Em linguagem geométrica não estamos, do ponto de vista dos bens jurídicos, perante dois círculos que coincidem na sua área maior e mais valiosa. Não há, por isso uma relação de sobreposição entre uma e a outra incriminação. A pretendida – pelo recorrente - consunção da burla informática pelo roubo desamparava a utilização não autorizada de dados que o legislador entendeu merecedora de sanção penal.
O que exclui que possa afirmar-se uma relação de consunção entre o roubo e a burla informática, por ser inquestionável que aquele não abarca no seu campo de proteção os bens jurídicos que a incriminação desta visa defender. (…)”
Encontramos, pois, acerto no decidido pelo tribunal recorrido quanto à questão do concurso efetivo entre o crime de roubo e o crime de burla informática, nada havendo a alterar.
Nessa perspetiva, está afastada a invocada violação do princípio ne bis in idem (art. 29.°, n.° 5 da CRP), não se vislumbrando a violação de qualquer preceito constitucional.
Em suma, improcede esta questão.
Da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão
Considera ainda o arguido que a pena em que se mostra condenado deverá ser suspensa na sua execução, eventualmente condicionada a regime de prova e/ou imposição de regras de conduta adequadas.
De acordo com o disposto no artigo 50.º n.º 1 do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E, segundo o n.º 5 da mesma disposição legal, o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
Cumulativamente com a suspensão simples pode o tribunal impor ao agente o cumprimento de deveres e de regras de conduta ou até sujeitá-lo a regime de prova.
Perante este regime, a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido é de facto suscetível de ser suspensa na sua execução.
Contudo, não foi essa a opção tomada pelo tribunal de primeira instância, que, para o que importa, considerou o seguinte:
“Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.
No caso em apreço, verifica-se que o arguido não tem verdadeiramente interiorizado o desvalor da sua conduta. A qual se mostra associada aos consumos de produto estupefaciente e à inerente necessidade de os obter. Não tem uma estrutura profissional ou familiar estável; já que esta última apenas existe caso se mantenha a abstinência de consumos de estupefacientes. Facto que constitui um potencial elevado de reincidência.
Entendendo-se que, a simples ameaça de cumprimento de pena (ainda que sujeita a regras de conduta), não se mostra suficiente a que se satisfaçam as fortes necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.”
Tudo observado, e não obstante o arguido apenas registar uma condenação pela prática de crime de natureza diversa (condução sem habilitação legal), somos igualmente por concluir no sentido de não estarem reunidos os pressupostos para se formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do recorrente.
Com efeito, não é verdadeiro que se lhe tenha identificado um verdadeiro juízo de autocensura, antes tendo a decisão recorrida consignado algumas reservas a essa propósito (“A assunção da sua responsabilidade, ainda que em momento posterior ao da produção de prova, a indicar algumas reservas quanto à verdadeira e completa interiorização do desvalor da sua conduta.”).
Por outro lado, independentemente da desejável evolução pessoal, social e comportamental no decurso da sua prisão preventiva, bem como do apoio familiar de que possa beneficiar (“recebendo visitas regulares por parte da mãe”), certo é que o arguido exibiu um período de destruturação, agravado pelo consumo de substâncias estupefacientes e álcool a reclamar cautelas, pois que a referida fase de abstinência apenas foi obtida em reclusão.
Para além do mais, e não com menos importância, não podem ser defraudadas as expectativas comunitárias de reposição da ordem jurídica, da confiança na validade das normas violadas e no cumprimento do direito.
É que se mostram em destaque elevadíssimas exigências de prevenção geral, e logo o alarme social gerado por crimes desta natureza, relembrando-se que:
- mesmo verificando que FF se encontrava no domicílio, o arguido manteve o propósito de aí entrar, usando de objeto corto-perfurante;
- perante a resistência de BB, aumentou a força exercida, mantendo o propósito de ficar na posse da mala desta;
- simulou, perante os ofendidos DD e CC, a existência de uma arma de fogo.
Por tudo isso, não pode a suspensão ser vista pela comunidade como um perdão judicial, uma vez que assim o impedem fortes razões de reprovação e prevenção deste tipo de crimes.
Melhor dizendo, a não suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrente mostra-se conforme às exigências do caso e ao direito aplicável, sendo, por isso mesmo, de manter.
Em suma, improcede totalmente o recurso.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s.
Notifique.
*
Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.
*
Lisboa, 21 de outubro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Paulo Barreto
Alexandra Veiga