Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ROSA MARIA CARDOSO SARAIVA | ||
| Descritores: | AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO PRESENÇA DO ARGUIDO ARGUIÇÃO DE NULIDADES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (da responsabilidade da Relatora) I. Do disposto no art. 333º, 1 do CPPenal, resulta que a presença do arguido é obrigatória desde o início da audiência, excepcionando-se, designadamente, a situação daquele que regularmente notificado não estiver presente na hora agendada, quando o tribunal considerar que a sua presença não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material; neste caso, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz (cfr. art. 333º, 3 do CPPenal). II. Ou seja, o dever/direito do arguido estar na audiência relativiza-se perante a ideia matricial da continuidade da audiência. III. O arguido regularmente notificado que não compareça, assume um comportamento demonstrativo de uma renúncia ao seu direito de presença, pelo que não se verifica qualquer nulidade por falta de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade material, com a sua não audição em julgamento. IV. De qualquer modo, no que tange às nulidades processuais, com excepção das nulidades insanáveis, as mesmas têm de ser arguidas em reclamação a efectuar para o juiz do processo e, só depois de proferida decisão sobre a aludida invocação, poderá o interessado recorrer, não podendo as mesmas ser directamente arguidas em sede de recurso – só as nulidades da sentença podem ser suscitadas directamente no recurso interposto (cfr. art. 379º/2 do CPPenal). V. Sendo a moldura penal correspondente ao crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º1, 182.º, 183.º, n.º1, alínea b) do CPenal, de prisão entre 1 mês e 10 dias e 8 meses ou multa de 13 até 320 dias é excessiva a pena fixada em 280 dias de multa, na medida em que a arguida não tinha antecedentes criminais e actuou no contexto de uma convivência extremamente degradada com o assistente, sendo assim adequada e suficiente a pena de 180 dias de multa. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (9ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório No Juízo local criminal de Lisboa – Juiz 5, foi proferida sentença em .../.../2024, que decidiu do seguinte modo (transcrição): IV. DISPOSITIVO Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo procedente a pronúncia e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente e, em consequência: A) AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º1, 182.º, 183.º, n.º1, alínea b) (absolvendo-a da alínea a), do n.º1, do artigo 183.º), todos do Código Penal, numa pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), o que perfaz um total de €1.400 (mil e quatrocentos euros). B) Condeno a arguida AA a pagar ao assistente BB a quantia de €1.500 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização civil por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado. * Inconformada, a arguida interpôs recurso, apresentando motivações, bem como as seguintes conclusões, após convite ao aperfeiçoamento das mesmas (transcrição): “CONCLUSÕES a) A acusação Particular do Assistente não foi acompanhada pelo Ministério Público, tendo-o o mesmo declarado expressamente. b) O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal – Juiz ajuizou uma acusação particular do assistente, progenitor do filho da ora Recorrente, que a acusava de difamação pelo envio de uma carta à Polícia Judiciária, onde a ora Recorrente relatava um caso de graves ameaças sofridas que se prolongou por mais de um ano, e que envolveu o nome do assistente (sendo que, como bem explicitou a ora Recorrente, as ameaças não foram feitas pelo assistente, mas sim por uma mulher, de seu nome CC, que chegou a mencionar ela sim o nome do Assistente, de cuja Recorrente dava conhecimento à PJ para que investigasse). c) Não se tratou de uma queixa contra o Assistente, mas antes pelo contrário um relato/participação contra quem a andava a ameaçar, tentar chantagear e procurar burlar, que usava entre outros o nome de CC. d) A ora Recorrente não foi a única mãe/Avó a ser repetidamente ameaçada por CC, pelo que achou por bem fazer queixa à PJ, dado que outras mulheres em situação de conflito familiar foram igualmente chantageadas por CC usando exactamente o mesmo modus operandi, por tempo considerável e com termos similares (como exemplo, a testemunha DD. e) Pese embora que na audiência de Julgamento foi a mesma impedida pela Mmª Juiz A quo de contar o que com ela se tinha passado, que poderia esclarecer a razão de ciência e motivação de facto para o envio da referida carta, o que se traduziu numa clara redução na defesa da arguida. f) A ora Recorrente, no presente processo de difamação, é condenada pelo Tribunal a quo por supostamente mencionar os casos de Tribunal já vivenciados com o suposto ofendido, nomeadamente, de violência doméstica e de abuso sexual sobre o filho menor não só numa carta à Polícia Judiciária (onde sublinha bem que o que pretende é que investiguem a pessoa que a anda a chantagear, usando de tais casos, e não o assistente) mas também por ter mencionado tudo isso no Tribunal de Família, onde foi explicitamente interrogada sobre estes assuntos em específico. g) De referir que nenhuma das testemunhas arroladas pelo Assistente quando confrontadas com os factos declara ter sequer lido a carta e estamos a falar da filha e da companheira. h) Mas dizem que o mesmo se encontrava abatido com a situação de não ver o filho e o que se passou aquando da queixa de abuso sexual que foi arquivada com base no princípio in dúbio pro reo. i) Ora o que estava em julgamento nestes autos eram tão somente os factos relacionados com a carta que foi enviada para a Polícia Judiciária onde a Recorrente se queixava da actuação da supradita CC e a sua junção ao processo de família e menores para comprovar a existência de ameaças sobre as quais havia sido interrogada, e não a sua avaliação criminal por factos ocorridos aquando da queixa-crime de abusos sexuais e eventuais danos que daí tivessem advindo. j) A douta sentença foi muito além do objecto do processo fazendo um julgamento por factos que não estavam em julgamento e sobre os quais o Assistente não se tinha oportunamente queixado, o a torna nula. k) A Recorrente reside em Taiwan, morada que foi considerada no termo de identidade e residência e onde foi ouvida e constituída arguida através de Videochamada. l) Antes do início do Julgamento a Arguida declarou que no âmbito da sua defesa pretendia prestar declarações requerendo que a mesma fosse prestada do mesmo modo que as que havia prestado no inquérito ou seja por videoconferência m) O artigo 332.º do CPP assegura que a audiência de julgamento deve realizar-se com a presença do arguido, salvo nos casos expressamente previstos na lei. n) A ausência da Recorrente no julgamento, sem motivo que justificasse tal omissão, viola o direito de defesa e o contraditório. o) Nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, constitui nulidade insanável qualquer ato que impeça o exercício dos direitos de defesa do arguido. Que afeta a validade da sentença. p) Porém o Tribunal A Quo em claro prejuízo dos direitos de defesa não permitiu a audição da Arguida aqui Recorrente. q) A Recorrente apesar de solicitar que fosse pedido ao processo de família e menores o envio de certidão das actas e das gravações do depoimento do menor e do Pedo Psiquiatra Dr EE viu por este tribunal indeferido esse pedido sendo tal matéria de crucial importância r) A negação destes direitos contraria e viola o disposto no artigo 332 do Código de Processo Penal Português que assegura o direito ao arguido de ser ouvido em audiência s) Audição que solicitou e que lhe foi negada sendo igualmente por tal via negado o Direito Constitucionalmente consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa que determina o seguinte: t) Violando igualmente o Tribunal a Quo com essa proibição o disposto no artigo 32 da Constituição da República Portuguesa. u) Sendo nessa consequência a sentença recorrida, para além de nula por violação do disposto no artº 332 do CPP Inconstitucional por violação do estabelecido no artigo 32º da CRP. v) Note-se ainda a severidade da pena aplicada por este Tribunal, que condenou a ora Recorrente a indemnizar o assistente em 1500 euros pelo acima exposto sendo que para esse cálculo a Mmª Juiz a quo não valorou apenas os elementos relativos à carta, mas antes pelo contrário o sofrimento com a privação do convívio do Assistente com o filho que não estava em discussão nestes autos w) Por outro lado, a pena de 280 dias de multa foi fixada nos limites superiores, desconsiderando a ausência de antecedentes criminais por parte da Recorrente e o impacto limitado do ato. x) Tanto mais que se encontra em falta no caso vertente o elemento subjectivo do crime de Difamação, ou seja, a intenção de difamar, a qual não existiu face à convicção da Recorrente, assente nas declarações do menor e no depoimento do Pedo Psiquiatra que o acompanhava à data Dr. EE.” * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. * O MP respondeu ao recurso, alegando, designadamente que a arguida prestou termo de identidade e residência a fls. 234 dos autos, tendo indicado como morada para efeito de notificações judiciais a ..., correspondente ao escritório do seu Ilustre Mandatário. Ora a sua notificação da data para a realização da audiência de discussão e julgamento foi feita para tal morada, estando assim, devidamente notificada. É certo que a arguida apresentou, em .../.../2024, o requerimento constante de fls. 454-455, nos termos do qual peticionou a respectiva audição através de videoconferência. Por despacho judicial proferido em .../.../2024 foi indeferido o requerido, mormente, por ausência de fundamento legal. O sobredito despacho judicial não foi objecto de recurso por parte da arguida, tendo, assim, transitado em julgado. Acrescenta que a arguida regularmente notificada para o efeito não compareceu na audiência de julgamento na data agendada (.../.../2024 - fls. 483), não justificou a respectiva falta, tampouco requereu que o sobredito julgamento fosse realizado na sua ausência. Assim, foi proferida decisão a determinar o inicio do julgamento na ausência da arguida por se considerar que a presença da mesma desde o início não se revelava indispensável à busca da verdade material e à boa decisão da causa. Com tais fundamentos considera que o Tribunal não violou o disposto no art.º 332.º do Código de Processo Penal e art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa ou em qualquer outro preceito normativo, não estando assim a sentença proferida ferida de qualquer nulidade. Já no que tange à decisão de indeferimento judicial da junção aos autos da gravação das declarações prestadas pelo menor (filho do assistente e da ora arguida) no âmbito do processo que corre(u) termos nos Juízos de Família e Menores, considera, igualmente que nenhum reparo merece tal decisão na medida em que o assistente havia sido absolvido âmbito do processo-crime contra o mesmo instaurado pela prática, em abstracto, do crime de abuso sexual de menores na pessoa do seu filho menor, ao que acresce o facto de a decisão judicial de absolvição proferida na 1.ª instância ter sido confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que os elementos de prova requeridos pela recorrente não revestiam qualquer utilidade à boa decisão da causa e à busca da verdade material. Acrescenta que, após prolação de tal despacho que indeferiu a junção requerida, a recorrente nada arguiu (mormente, a nulidade do indeferimento), conformando-se, por conseguinte, com a bondade do decidido. Mais afirma que a condenação da arguida pela prática do crime que lhe é imputado na sentença proferida não merece qualquer reparo, face à factualidade dada como provada. Menciona, igualmente, que a sentença se encontra devidamente fundamentada, nos termos do disposto no art. 374º do CPPenal, não padecendo de qualquer vicio, não merecendo a matéria de facto provada qualquer reparo, mesmo no que tange à medida da pena concretamente fixada, devendo o recurso interposto improceder na totalidade. * Por sua vez o assistente respondeu ao recurso alegando, desde logo, a irrecorribilidade da decisão que condenou a arguida no pagamento de uma indemnização civil no valor de €1 500,00. Com efeito, refere que deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 3.000,00€ (três mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde o trânsito em julgado até efectivo e integral pagamento. Na sentença recorrida a arguida foi condenada no pagamento de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar desde o trânsito em julgado até efectivo e integral pagamento. Na verdade, o seu pedido é inferior à alçada do tribunal recorrido, sendo certo, por outro lado, que tal decisão não é desfavorável para a arguida em valor superior a 2.500,00€, ou seja, metade da alçada do tribunal de primeira instância. Acrescenta que a sentença proferida não padece de qualquer nulidade, acompanhando os argumentos da resposta ao recurso do MP relativamente a tais questões. Conclui, igualmente no sentido de que face à matéria dada como demonstrada - não impugnou a matéria de facto nos termos do artº 412º, nºs 3 e 4 do CPP – dúvidas não existem de que a arguida cometeu o crime de difamação por que foi condenada, não merecendo a sentença proferida qualquer censura, mesmo no que tange à pena concretamente aplicada. * Uma vez remetido a este Tribunal, a Ex.mª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que (transcrição parcial): “Assim, acompanhando os fundamentos da resposta do Ministério Público, emite-se parecer consonante, no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.” * Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência. * II- Questão prévia: Estatui o n.º 2 do artigo 400º, do CPPenal, que “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. Ora, na hipótese dos autos o assistente/demandante deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 3.000,00€ (três mil euros) a título de danos não patrimoniais causados pela arguida com a prática do crime, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde o trânsito em julgado até efectivo e integral pagamento. Na sentença em recurso a arguida foi condenada no pagamento de 1 500,00 € (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais originados pela prática do crime, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar desde o trânsito em julgado até efectivo e integral pagamento. Ora, preceitua o art. 44º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto que: 1 - Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5 000,00. 2 - Em matéria criminal não há alçada, sem prejuízo das disposições processuais relativas à admissibilidade de recurso. 3 - A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a ação. Ou seja, a alçada do tribunal recorrido é de €5000,00, sendo assim indubitável que o pedido efectuado pelo demandante é inferior à alçada do Tribunal recorrido. Acresce que, no caso dos autos, também se verifica que a decisão objecto de recurso, condenando no pagamento da quantia de €1 500,00, também não é, evidentemente, desfavorável para a recorrente em valor superior a €2 500,00 – isto é, metade da alçada do tribunal de primeira instância. Ou seja, do exposto resulta que o recurso, em tal segmento, é inadmissível por a decisão ser, nessa parte, irrecorrível. No sentido do texto veja-se o que refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª Edição Actualizada, pág. 1019: “Não é admissível o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil se o valor do pedido não for superior à alçada do tribunal recorrido (...) A versão inicial do CPP só previa a regra da sucumbência, mas a Lei 59/98 de 25.8, acrescentou-lhe a exigência do pedido superior à alçada do tribunal recorrido, pondo fim ao tratamento privilegiado dos recursos em matéria civil interpostos no processo penal.”. Assim, face ao ditame contido no n.º 3, do artigo 414º, do CP Penal, não obstante o recurso ter sido admitido pelo Tribunal a quo, não pode, neste momento, deixar de ser rejeitado, ao abrigo do disposto no art.º 420.º, n.º 1, al. b), por não estarem reunidos os pressupostos da respectiva admissibilidade; com efeito, no que tange à parte cível, dado o valor do pedido, a sentença é manifestamente irrecorrível, pelo que, nesse domínio, vai o recurso liminarmente rejeitado. * II– Objecto do recurso: De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. No caso, as questões a decidir prendem-se com o seguinte: - nulidades processuais; - enquadramento jurídico da matéria de facto; - (in)existência do elemento subjectivo do tipo - determinação da medida da pena III – Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte (transcrição): “II. DOS FACTOS 1. Factos Provados Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultou assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão da causa: A) No processo n.º 1752/13.3..., que corre termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa – J6, é requerente o aqui assistente BB e requerida a aqui arguida AA, reportando-se o referido processo o exercício das responsabilidades parentais e respectivos incidentes referentes ao filho menor de ambos FF. B) No referido processo a arguida AA imputou ao assistente BB e à avó paterna do menor FF, indícios da prática de abuso sexual sobre FF, tendo o processo crime, no qual a arguida foi assistente, findado com a absolvição de BB e da avó paterna do menor FF da prática do crime, absolvições confirmadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão datado de .... C) O assistente e a arguida encontram-se em litígio judicial relativamente ao exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho FF, que está ausente do país com a arguida AA desde data não concretamente apurada mas posterior à aludida decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. D) O assistente não está, vê ou tem qualquer notícia do seu filho FF desde o ano de 2013. E) No dia .../.../2022 a arguida dirigiu aos autos com o n.º 1752/13.3...-C no Juízo de Família e Menores de Lisboa – J6 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, requerimento, por si redigido e assinado, no qual escreveu: “Aqui envio por carta registada o que já enviei por e-mail relativo às provas de violência doméstica. No email, as fotografias são muito claras, dado serem fotos digitais.”. F) Com o mesmo requerimento, a arguida escreveu e assinou uma comunicação/carta, dirigida ao Inspector da Polícia Judiciária, identificado como GG, onde escreveu: “na minha situação pessoal, tratava-se de um caso de seis abusos sexuais sobre o meu filho menor (sendo o autor o pai deste, BB) bem como o respectivo caso em Tribunal de Família. As provas contra BB foram consideradas insuficientes, sendo o resultado desse processo de abusos sexuais “in dúbio pro reo”, ou seja, no fundo inconclusivo, em ..., razão pela qual eu e o meu filho, então com oito anos, saímos imediatamente de Portugal, aproveitando o facto de o pai, estar ainda inibido de quaisquer poderes parentais e porque a criança estava aterrorizada pela possibilidade de voltar a contactar o violador. Repare o Sr. Inspector que estando eu em Taipe, sem informação legal adequada, aterrorizada com a possibilidade do meu filho poder a ser violado novamente (…); Efetivamente, pelas suas ligações, também o progenitor do meu filho conseguiu muita coisa e lamentavelmente ainda consegue, mantendo o meu filho em absoluta situação de precariedade. Dava-se o caso de nem eu ter dinheiro nem eu jamais permitir que um violador voltasse a estar com o meu filho, até porque a criança não o suportava. Porém, continuei a afirmar que nunca entregaria o meu filho ao abusador.”. G) A arguida escreveu estas frases em requerimento por si escrito e assinado, juntando documento, por si escrito e assinado, no processo judicial supra identificado, imputando ao assistente a prática de violência doméstica, de ser abusador sexual do filho menor de ambos FF, bem como de o assistente não prestar auxílio ao seu filho menor FF, deixando-o em situação de precariedade. H) A arguida AA bem sabia que não tinha fundamento sério para escrever as frases que escreveu e assinou, quer no requerimento apresentado quer no documento que o acompanhou, visando as mesmas, apenas e somente, denegrir a imagem do assistente BB, fazendo crer aos demais que o assistente praticou aqueles factos. I) A arguida AA bem sabia que o assistente nunca foi condenado pela prática do crime de violência doméstica. J) A arguida AA bem sabia que o assistente nunca foi condenado pelo crime de abuso sexual do seu filho menor conhecendo a fundamentação que levou à absolvição daquele. K) A arguida AA bem sabia que o assistente sempre pagou pensão de alimentos ao seu filho menor FF, o que mantém, bem como sabia que se nega a dar os seus elementos de identificação bem como do seu filho FF, ao longo de todos estes anos, inviabilizando a recepção de subsídio relativo a filho menor, nas entidades europeias onde o assistente tem vindo a exercer funções. L) Bem sabia a arguida AA, que imputando os factos supra descritos ao assistente BB ofendia a sua honra e consideração, pessoalmente, profissionalmente e socialmente; bem sabendo que não tem fundamento sério para crer que tais factos são verdadeiros, e que o relato dos mesmos, por si, visam criar uma imagem do assistente de pessoa perversa, um predador, um abusador do seu próprio filho, violento em contexto familiar e que vota o seu filho a situação de precariedade, o que não corresponde à verdade. M) Bem sabia a arguida AA, que imputando os factos supra descritos directamente ao assistente criava uma suspeita sobre este, quando o mesmo nunca foi condenado por qualquer crime de violência doméstica ou criou qualquer situação de precariedade ao seu filho FF. N) A arguida AA bem sabia que as suas condutas, supra descritas, lhe estavam vedadas por lei, e por isso ilícitas, tendo-as praticado livre, voluntária e conscientemente. O) Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o assistente sentiu-se triste, humilhado e angustiado, porque a arguida continuar a dar a imagem daquele como violento, abusador sexual do seu filho e que deixa o filho menor na precariedade. P) A arguida não tem averbada qualquer condenação ao respectivo certificado do registo criminal. * 2. Factos não provados 1) Que o facto descrito em D) ocorra desde o dia .... 2) A arguida nunca teve qualquer intenção de difamar o assistente tendo feito todas as imputações contra aquele com a convicção e certeza de que são verdade e de justificar o motivo da sua saída de território nacional da forma como o fez. 3) A arguida faz uma exposição objectiva dos factos, não proferindo juízos de valor, nem emitindo opiniões, limitando-se a relatar as razões que a afastaram de Portugal. 4) A arguida AA imputou tais factos ao assistente BB através de meio que facilita a sua divulgação utilizando requerimento e documento junto em processo judicial, que por não estar sujeito a qualquer sigilo, é de fácil acesso, e por isso permite a sua fácil divulgação por internet e/ou comunicação social, bem como a quaisquer terceiros que a ele tenham acesso, sendo os processos judiciais passíveis de serem consultados, por qualquer pessoa e que actualmente são de fácil partilha na internet, comunicação social ou entre cidadãos, numa dimensão internacional. Não resultaram provados outros factos com relevância para a causa, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a decisão da causa. * 3. Motivação da matéria de facto A convicção do tribunal estribou-se, no que respeita aos factos pelos quais a arguida vinha pronunciada, na prova documental constante dos autos e nas declarações produzidas pelo assistente e pelas testemunhas HH (companheira do assistente desde ...), II (filha do assistente), DD (amiga da arguida desde o final do ano de ...) e JJ (amiga da arguida desde ...) em audiência de discussão e julgamento. A prova da factualidade descrita em A) a O) resultou do cotejo do teor da certidão do processo n.º 1752/13.3... junta a fls. 13 a 65, da certidão do acórdão proferido no processo n.º 3873/13.3..., a correr termos no Juízo Central Criminal de Lisboa de fls. 86 a 148, da certidão de fls. 150 a 159, da certidão do processo n.º 94/12.6... de fls. 163 a 165 (auto de notícia referente a situação de violência doméstica em que figura como vítima AA e denunciado BB) e certidão do processo n.º 94/12.6... de fls. 171 e seguintes (do qual resulta que foi proferido despacho de arquivamento do inquérito por não se terem coligido indícios suficientes de se ter verificado o crime de violência doméstica), da certidão de fls. 424 a 430 e de 455 e seguintes com as declarações produzidas pelo assistente e pelas testemunhas HH, II, DD e JJ em audiência de discussão e julgamento. O assistente, prestando um depoimento espontâneo e firme, confirmou ao tribunal os processos crime mencionados na acusação particular e que teve pendentes contra si e o resultado dos mesmos. Mais referiu que teve conhecimento dos documentos de fls. 14 e 15 e seguintes porquanto a sua ilustre mandatária lhos mostrou com a informação de que foram juntos ao processo de família e menores n.º 1752/13.3...-C, o que se mostra consonante com o teor da certidão de fls. 150 a 159. Agastado, mencionou que o teor de tais documentos da arguida (que estão assinados pela mesma) não correspondem à verdade porquanto foi absolvido (e bem assim a sua mãe) do crime de abuso sexual do filho FF (o que se mostra condizente com o teor da certidão de fls. 85 a 148, da qual constam acórdãos do tribunal de primeira instância e do Tribunal da Relação de Lisboa que decidem pela absolvição e pela improcedência do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante e assistente AA), não praticou o crime de violência doméstica nem foi acusado da prática do mesmo (resulta do teor das certidões de fls. 163 a 165 e 171 a 189 que AA denunciou a prática, pelo ora assistente, de factos referente a crime de violência doméstica, tendo sido proferido despacho de arquivamento dos mesmos) e foi acordado o pagamento, por parte do próprio ao seu filho de uma pensão de alimentos (confirmando o teor de fls. 424 e seguintes), que sempre pagou, explicitando que por desempenhar funções como ... marinho no ..., que é um organismo da Comissão Europeia e que funciona no Luxemburgo, é necessário que a arguida forneça determinados elementos para que seja processado um pagamento de um determinado montante por aquela entidade, nunca tendo a arguida efectuado tais diligências (o que se mostra condizente com o teor de fls. 426 a 430). Importa ainda referir que do teor de fls. 449 verso a 452 resulta que foi proferido despacho de arquivamento de inquérito crime em que era denunciante AA e denunciado BB pela prática de crime de violação de obrigação de alimentos devidos a menor e referente a incumprimento de pensão de alimentos, constando de tal despacho de arquivamento “que desde .../.../2013 não houve alteração do montante da pensão de alimentos, que nunca correu termos qualquer incidente de incumprimento por não pagamento de pensão de alimentos, nem qualquer execução por alimentos, o que contraria a queixa vertida pela denunciante”. Espontaneamente, BB referiu não ter qualquer explicação para a arguida ter remetido ao processo n.º 1752/13.3..., a correr termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa-J6 os documentos com o teor de fls. 13 a 22, explicitando que apenas vislumbra que a mesma pretenda denegri-lo e difamá-lo. Mais referiu, emocionado, que não vê nem contacta com o filho, nem mesmo por videochamada, há anos, explicitando que sempre conviveu com FF desde o seu nascimento, em ..., e até ... de ... de 2013 (pelo que o facto descrito em 1) não resultou demonstrado), data em que o viu pela última vez tendo conhecimento (o que justificou com o facto de ter verificado a retirada de quantias em dinheiro de contas bancárias de FF) que a arguida foi viver com o filho para Taiwan após a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de ... (o que foi confirmado por DD e JJ), não permitindo os contactos entre pai e filho, o que conduziu à instauração de processo por subtracção de menor contra a arguida no qual foi deduzida acusação contra aquela (o que se mostra consonante com o teor de fls. 491 a 504). Emocionado e agastado, BB relatou o impacto e as consequências que os factos em causa nos autos tiveram em si em consonância com o vertido em O) admitindo, no que evidenciou isenção, desconhecer se a arguida transmite ao filho a imagem que a mesma verte nos requerimentos e processos crime que já foram instaurados contra o assistente. A testemunha HH confirmou ao tribunal, de modo espontâneo e firme, o impacto que os presentes autos têm no seu companheiro BB, fazendo-o em consonância com as declarações produzidas pelo próprio, relatando, inclusivamente, que o assistente celebrou 50 anos de idade e, pese embora a depoente estivesse a preparar-lhe uma festa surpresa, teve que a cancelar a pedido do companheiro que recusou a realização da festa por não ter “nada para festejar” (sic) enquanto não reencontrasse o filho. II também relatou o impacto que os presentes autos tiveram no seu pai, ora assistente, fazendo-o em conformidade com o declarado pelo próprio, o que observou no estado emocional do pai com o qual mantém contacto regular, via telefone e por videochamada, verificando a tristeza, indignação e frustração que o mesmo evidencia para com os factos, justificando a depoente o recurso aos referidos meios de comunicação com BB com a circunstância de a própria residir na ... desde ..., tendo anteriormente habitado nos ..., o que mencionou denotando verosimilhança. As testemunhas DD e JJ relataram ao tribunal o que lhes foi transmitido pela arguida, tendo DD relatado, a propósito da carta que a arguida remeteu para a polícia judiciária, uma história com pormenores que se traduzem em uma senhora de nome CC, que também chantageou a depoente levando a que a própria recorresse ao ... (segundo mencionou), e que, segundo a arguida lhe relatou, também foi por aquela chantageada. DD relatou ainda que segundo lhe foi relatado por AA, a dita senhora ter-lhe-á dito que caso não lhe entregasse dinheiro que “o menino viria para ...” (sic), fazendo alusão ao nome do assistente, o que provocou pânico em AA, tendo FF sido “perseguido em Taiwan” (sic), onde está a residir com a mãe desde .... Mais referiu que AA lhe transmitiu que iria remeter uma queixa para a Polícia Judiciária, que a testemunha confirmou ser a de fls. 15 e seguintes, para dar conhecimento da chantagem de que estava a ser vítima por parte de CC, nada tendo a queixa de fls. 15 e seguintes a ver com o assistente. Questionada, DD respondeu que não acompanhou AA até à Polícia Judiciária, mencionando que a mesma remeteu um mail para esta órgão de polícia criminal com a queixa. Confrontada, referiu desconhecer que AA tivesse remetido a carta de fls. 15 e seguintes para outro processo, sendo certo que apesar de DD mencionar que a queixa remetida pela arguida não visava o assistente, certo é que do teor de fls. 13 a 22 resulta que a arguida remeteu tais comunicações ao processo de família e menores em que o assistente é requerido imputando-lhe os factos ali vertidos, sobre os quais recaíram decisões proferidas em processos crime e actos constantes do processo de família e menores que contrariam tais imputações o que a arguida não podia ignorar. Caso o propósito da arguida fosse apenas o de apresentar queixa ou denúncia por um crime cometido por uma terceira pessoa seria destituído de sentido remeter tais escritos ao processo de família e menores onde não se investigam factos ilícitos penais cometidos por pessoas adultas. JJ mencionou ao tribunal manter contacto com a arguida (que conheceu enquanto técnica de apoio à vítima), que confirmou ter viajado para Taiwan em ... de ... de 2017, dias após a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a absolvição do arguido com base em in dubio pro reo decidida pelo tribunal de primeira instância, tendo a arguida verbalizado ter “a certeza que filho foi abusado e querer protegê-lo” (sic). Peremptória, a testemunha referiu ter visto fls. 15 e seguintes por a arguida lhe ter mostrado tal documento, confirmando a depoente que a assinatura aposta a fls. 14 é a da arguida. Explicitou que a arguida pretendia que se descobrisse quem era a pessoa que estava a ameaçá-la, tendo a suspeita que o assistente estivesse por detrás dos factos que são narrados na carta de fls. 15 e seguintes. Questionada, JJ referiu desconhecer se o assistente tem ou não alguma participação nos factos narrados na carta e bem assim se a arguida remeteu a carta para o processo de família e menores. Do cotejo da prova produzida, verificamos que o conteúdo dos documentos de fls. 13 a 22 remetidos ao processo n.º 1752/13.3... de fls. 13 e seguintes é apto a ofender, como ofendeu (conforme resulta dos depoimentos prestados), a honra e a consideração do assistente, não sendo plausível que o propósito da arguida fosse o de ser averiguada a responsabilidade criminal de “CC” quando inclusivamente estava a dirigir os escritos ao processo que corre termos no tribunal de família e menores, neles aludindo, inclusivamente, a questões já objecto de decisões proferidas em processos que correram termos nos tribunais, ainda que em sentido contrário ao que a arguida pretendia e com as quais discordará, sendo certo que a sua discordância com tais decisões de absolvição e de arquivamento (do processo de violência doméstica e do processo por violação de obrigação de alimentos devidos a menor) não pode materializar-se em produzir afirmações repetidas sobre o assistente ser “o autor de seis abusos sexuais do filho”, “ser violador”, ser “abusador”, ter cometido violência doméstica e não prestar auxílio ao filho menor deixando-o em situação de precariedade quando o assistente foi julgado e absolvido do crime de abuso sexual e foram arquivados os inquéritos crime referentes aos delitos de violência doméstica e de violação de obrigação de alimentos. A alegação, no escrito de fls. 15 e seguintes, de que os fundamentos para a absolvição do assistente do crime de abuso sexual foram sustentados em in dubio pro reo, e pese embora notícias como as de fls. 458, não legitimam a arguida a, no exercício da sua liberdade de crítica, persistir na repetição e reprodução de tais afirmações (já objecto de decisão em processos que correram termos em tribunais e em serviços do Ministério Público), mormente com escritos dirigidos a processos que correm termos em tribunais (como os de família e menores) onde não se investigam factos ilícitos penais (eventualmente perpetrados por CC) como os relatados pela arguida, porquanto ao apelidar o assistente nos termos descritos na acusação particular e imputando-lhe factos pelos quais o mesmo já foi julgado e absolvido ou que tenham sido arquivados, votando-o a uma “condenação perpétua” com a reprodução de tais afirmações referentes a crimes dos quais o mesmo foi absolvido ou pelos quais não foi acusado. Da prova produzida não resultou porém demonstrado que os referidos escritos tenham sido divulgados na internet ou noutros meios de comunicação social, sendo que a circunstância de terem sido remetidos ao processo que corre termos no juízo de família e menores, não pode, ipso facto, ser considerado como um meio que facilita a divulgação do seu teor resultando demonstrada a factualidade descrita em A) a O) e não a vertida em 2) a 4). No que respeita aos antecedentes criminais, o tribunal valorou o certificado do registo criminal constante dos autos. * III. DO DIREITO 1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL A arguida vem pronunciada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º1, 182.º, 183.º, n.º1, alíneas a) e b), todos do Código Penal. Estatui o artigo 180.º, do Código Penal, que “1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.”. Determina o artigo 182.º, do Código Penal, que “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.”. De acordo com o disposto no artigo 183.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal, “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º: a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou, b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.” O bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora é a honra. O tipo objectivo é constituído pela imputação de um facto ofensivo da honra a outra pessoa, a formulação de um juízo ofensivo da honra de outra pessoa ou a reprodução daquela imputação ou deste juízo. A difamação distingue-se da injúria porquanto aquela é dirigida a um terceiro enquanto que esta se dirige ao próprio ofendido. Segundo uma concepção fáctico-normativa de honra (que perfilhamos), esta é entendida como um bem jurídico complexo que inclui “não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade (honra externa) mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa independentemente do seu estatuto social (honra interna)”1. Assume, pois, uma dupla dimensão: pessoal (fundada no valor da pessoa humana enquanto tal, portadora de uma dignidade singular) e normativa (reputação, consideração de que a pessoa goza no seio da comunidade em que se insere). O facto desonroso consiste num “acontecimento da vida real cuja revelação atinge a honra do seu protagonista”2, podendo ser comunicado “sob a forma de uma suspeita, ou seja, de uma proposição dubitativa sobre a verificação do facto”3 ou sob a forma de uma proposição incompleta sobre a realidade (a “meia-verdade”), omitindo-se a parte da realidade favorável ao visado”. Um juízo de valor ofensivo da honra é “um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objecto do juízo”5, podendo ser formulado na afirmativa, na negativa ou de modo dubitativo (insinuação). No caso dos autos resultou demonstrada a factualidade elencada que aqui se dá por integralmente reproduzida. Referindo-se ao assistente, nos escritos que dirigiu ao processo n.º 1752/13.3..., que corre termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa- J6 nos termos mencionados em E) a G), apelidando-o de “violador”, “abusador” do filho, imputando-lhe o cometimento de ilícitos criminais de abuso sexual e de violência doméstica e de não pagar pensão de alimentos a arguida imputou-lhe os factos sendo as expressões mencionadas atentatórias da honra e consideração de BB, pelo que o requisito se mostra verificado. Da agravação Nos termos do disposto no artigo 183.º, n.º 1, do Código Penal, “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º: a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou, b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”. A circunstância agravante da publicidade é a que amplia o impacto nocivo da ofensa à honra. Assim, a difamação praticada através de meio de comunicação social (televisão, rádio ou internet) integra esta previsão normativa. A calúnia (conhecimento da falsidade do facto imputado ao ofendido) também constitui uma circunstância agravante da difamação, sendo que o facto falso é o que não corresponde à verdade histórica. Nos presentes autos verificamos que os escritos foram dirigidos a um processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, não podendo o mesmo considerar-se amplificador do impacto nocivo da ofensa em termos de permitir a divulgação das expressões utilizadas pela arguida. Quanto à alínea b) do artigo 183.º, do Código Penal, verificamos que a arguida tinha conhecimento da falsidade das imputações que realizava, não podendo reputá-las como verídicas atentos os resultados dos processos crime referentes aos ilícitos de abuso sexual e de violência doméstica. A circunstância agravantes a que alude o artigo 183.º, n.º1, alínea b) do Código Penal, mostra-se, pois, verificada, mas não a alínea a) do referido normativo. O tipo subjectivo é doloso, de acordo com o disposto nos artigos 13.º e 14.º, ambos do Código Penal. O dolo abrange os elementos intelectual (conhecimento dos elementos objectivos do tipo objectivo) e volitivo (vontade de praticar um acto ou de atingir um resultado). Nos presentes autos, a arguida AA bem sabia que não tinha fundamento sério para escrever as frases que escreveu e assinou, quer no requerimento apresentado quer no documento que o acompanhou, visando as mesmas, apenas e somente, denegrir a imagem do assistente BB, fazendo crer aos demais que o assistente praticou aqueles factos. A arguida AA bem sabia que o assistente nunca foi condenado pela prática do crime de violência doméstica. A arguida AA bem sabia que o assistente nunca foi condenado pelo crime de abuso sexual do seu filho menor conhecendo a fundamentação que levou à absolvição daquele. A arguida AA bem sabia que o assistente sempre pagou pensão de alimentos ao seu filho menor FF, o que mantém, bem como sabia que se nega a dar os seus elementos de identificação bem como do seu filho FF, ao longo de todos estes anos, inviabilizando a recepção de subsídio relativo a filho menor, nas entidades europeias onde o assistente tem vindo a exercer funções. Bem sabia a arguida AA, que imputando os factos supra descritos ao assistente BB ofendia a sua honra e consideração, pessoalmente, profissionalmente e socialmente; bem sabendo que não tem fundamento sério para crer que tais factos são verdadeiros, e que o relato dos mesmos, por si, visam criar uma imagem do assistente de pessoa perversa, um predador, um abusador do seu próprio filho, violento em contexto familiar e que vota o seu filho a situação de precariedade, o que não corresponde à verdade. Bem sabia a arguida AA, que imputando os factos supra descritos directamente ao assistente criava uma suspeita sobre este, quando o mesmo nunca foi condenado por qualquer crime de violência doméstica ou criou qualquer situação de precariedade ao seu filho FF. A arguida AA bem sabia que as suas condutas, supra descritas, lhe estavam vedadas por lei, e por isso ilícitas, tendo-as praticado livre, voluntaria e conscientemente Ambos os elementos do dolo estão, por isso, presentes no caso dos autos, sendo o mesmo directo- cfr. artigo 14.º, n.º1, do Código Penal. Das causas de exclusão da ilicitude Determina o artigo 180.º, n.os 2 a 4, do Código Penal, que “2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. 3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. 4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.” Os juízos de valor desonrosos estão subordinados à causa de justificação a que alude o artigo 31.º, n.º2, alínea b), do Código Penal. A imputação de factos desonrosos está subordinada à causa de justificação a que alude o artigo 180.º, n.º2, do Código Penal, que, sendo especial prevalece sobre a causa de justificação do estado de necessidade justificante. Estatui o artigo 31.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal, que “1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. 2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: b) No exercício de um direito;”. Importa ainda referir a este propósito o disposto no artigo 37.º, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”. O artigo 19.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, estatui que “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.” De acordo com o disposto no artigo 10.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”. Sendo a liberdade de expressão e a honra direitos fundamentais, com o mesmo valor jurídico e com consagração constitucional integrados na categoria dos direitos, liberdades e garantias, aplica-se-lhes o regime previsto no artigo 18.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa que prevê o princípio da proporcionalidade ou também denominado de princípio da proibição do excesso. Assim, verificando-se uma colisão de direitos importa proceder a uma ponderação de bens que, assumindo uma natureza concreta, se esgota no caso específico a que corresponde. O conflito entre a liberdade de expressão e a honra de pessoas denominadas de “figuras públicas” decorre sob influência do paradigma jurisprudencial europeu, prevendo o artigo 16.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, que os preceitos constitucionais e legais sejam interpretados e integrados de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Na interpretação e aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sufragado um entendimento que reforça a liberdade de expressão nos casos em que o visado pelos juízos de valor desonrosos e pela imputação de factos é figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral. Os tribunais nacionais não podem, por conseguinte, deixar de ter em consideração esta orientação jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quando têm que ponderar, num balanceamento concreto (e não abstracto) se a liberdade de expressão é ofensiva do bom nome de uma pessoa legitimando a reprovação por parte da ordem jurídica. Exige-se, pois, um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem adoptaria se o caso concreto lhe fosse submetido para decisão e se entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, “O juízo de valor desonroso não é ilícito quando resulta do exercício da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e da liberdade de criação artística numa sociedade democrática e tolerante (…) Mas o juízo de valor é ilícito quando enxovalha e rebaixa a pessoa visada à condição de quem não é sequer reconhecido como interlocutor, sendo-lhe atribuídas características que o singularizam como pessoa especialmente merecedora de repugnância”6. O referido autor dá como exemplo a caricatura de um indivíduo, em que a generalidade das pessoas que o conhecem viram o ofendido com uma farda que copia as usadas pelas forças do regime nazi alemão. O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 07/03/2007, proferido no processo n.º 07P440, disponível in www.dgsi.pt, entendeu “I - No conflito entre o direito à honra e a liberdade de expressão, tem vindo a verificar-se um ponto de viragem, tendo por base e fundamento o relevo, a dignidade e a dimensão da liberdade de expressão considerada numa dupla dimensão, concretamente como direito fundamental individual e como princípio conformador e essencial à manutenção e aprofundamento do Estado de Direito democrático, reconhecendo-se que o exercício do direito de expressão, designadamente enquanto direito de informar, de opinião e de crítica, constitui o próprio fundamento do sistema democrático, o que justifica a assunção de uma nova perspectiva na resolução do conflito. II - Neste contexto, temos vindo a defender, na esteira da orientação assumida por Costa Andrade, deverem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoal do cientista, do artista, do desportista, do profissional em geral, nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. III - Mais entende aquele insigne Mestre que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do MP, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento. IV - Por outro lado, segundo ele, a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva. V - Costa Andrade defende mesmo que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto, esclarecendo, no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar e, bem assim, em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignando expressamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma esconsideração dirigida à sua pessoa. VI - Parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sufragando tal orientação, sendo que, de acordo com a mesma, entendemos que o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa à honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e de humilhar.” Acompanhando esta posição, verificamos que nos presentes autos, sendo indiscutível que a arguida tem direito a ter a sua opinião sobre as decisões judiciais que absolveram o assistente da prática do crime de abuso sexual do filho FF e bem assim de que o assistente não foi condenado por crime de violência doméstica, certo é que a expressão dessa discordância ultrapassa a fronteira do permitido quando atinge directamente a substância pessoal do assistente no respeito de que toda a pessoa é credora por força da sua dignidade humana. Acresce que o escrito não se traduz num meio necessário e proporcional ao exercício, por parte da arguida, de qualquer direito, legítimo atenta a gratuitidade e injustificação do mesmo, que não podia deixar de pretender visar e ofender o assistente, denegrindo-o na sua imagem e consideração. Entende, pois, o tribunal que tais expressões e imputações levadas a cabo pela arguido são ofensivas da honra e consideração do assistente. Inexistem, pois, causas de justificação e de exclusão da culpa nos termos supra mencionados. Pelo exposto, a arguida cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º1, 182.º, 183.º, n.º1, alínea b) (devendo ser absolvida da alínea a) do n.º1, do artigo 183.º), todos do Código Penal, pelo qual vinha pronunciada. * 2. DOSIMETRIA DA PENA O crime de difamação é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias, sendo os limites mínimo e máximo da moldura agravados nos termos previstos no artigo 183.º, n.º1, do Código Penal. Sendo o ilícito punível com pena de multa em alternativa à pena de prisão, importa optar por uma das sanções, tendo presente o critério orientador fixado no artigo 70.º, do Código Penal. Segundo este normativo, sempre que os fins das penas possam ser alcançados por vias alternativas à pena privativa da liberdade deve dar-se-lhes prevalência, desde que as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A aplicação de sanções penais visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade- cfr. artigo 40.º, do Código Penal. Assim, por referência ao citado artigo 70.º, a opção por uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão deve ser realizada em função das exigências de prevenção geral (positiva ou de integração e negativa ou de intimidação) e especial (positiva e negativa) que a situação concreta oferece. No caso dos autos, as exigências de prevenção geral são elevadas porquanto o crime de difamação é recorrentemente praticado, especialmente através da internet e em contexto de redes sociais. Justifica-se, pois, a afirmação da norma jurídica infringida. As exigências de prevenção especial revelam-se diminutas porquanto a arguida não apresenta antecedentes criminais, não podendo olvidar-se que persiste o conflito com o assistente devido à regulação do exercício das responsabilidades parentais referente ao filho de ambos. Ponderados estes factores, as finalidades da punição ficam ainda suficientemente realizadas com a aplicação, in casu, de uma pena de multa. A moldura da pena de multa tem por limites mínimo e máximo, respectivamente, 13 e 320 dias. Nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente- que constitui o limite máximo daquela (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal)- e das exigências de prevenção. As exigências de prevenção geral e especial são as supra referidas pelo que damos aqui por integralmente reproduzidos os argumentos aí expendidos. O grau de culpa da arguida é elevado considerando que actuou dolosamente. Entende, por isso, o tribunal que se mostra adequada e suficiente a aplicação de uma pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa. Na determinação do quantitativo diário da multa há que ponderar, ao abrigo do disposto no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, a situação económica e financeira da arguida e os seus encargos pessoais. O quantitativo diário da multa deve, porém, importar para aquela um sacrifício patrimonial, sob pena de perder a característica de uma pena. Não pode, no entanto, implicar uma total privação do sustento da arguida e o do respectivo agregado familiar. No presente caso, o tribunal entende que se mostra razoável a aplicação de um quantum diário de €5 (cinco euros). * 3. PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL O assistente BB deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida com fundamento nos factos vertidos na acusação particular, peticionando a condenação daquela no pagamento da quantia de €3.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento. Determina o artigo 129.º, do Código Penal, que “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.” Estatui o artigo 483.º, n.º1, do Código Civil, que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” Exige o instituto da responsabilidade civil aquiliana que estejamos perante um facto ilícito, culposo, causador de um dano, existindo um nexo de causalidade entre aquele facto e o dano. No caso dos autos resultou demonstrada a existência de um facto voluntário do agente (acção dominada ou dominável pela vontade- a arguida actuou conforme descrito na factualidade assente). Tal facto é ilícito porque violador do direito à honra do assistente. É também culposo (artigo 487.º, n.º2, do Código Civil) uma vez que a arguida actuou em termos merecedores de reprovação e censura por parte da ordem jurídica. Podia e devia ter agido de modo diverso, o que não sucedeu. O princípio geral em termos indemnizatórios está consagrado no artigo 562.º, do Código Civil, nos termos do qual “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”. O propósito da indemnização é, pois, o de colocar o lesado na situação em que se encontraria caso o evento danoso não tivesse ocorrido. No cálculo da indemnização são de considerar quer os danos patrimoniais quer os não patrimoniais, assentando a distinção entre ambos na circunstância de as utilidades que se frustraram serem ou não, respectivamente, susceptíveis de avaliação pecuniária. Os danos peticionados são de ordem não patrimonial. Quanto a estes prevê o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” O n.º4, do mesmo normativo, determina que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.” Nas palavras do Professor Antunes Varela, “o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”7. A finalidade desta indemnização é, pois, a de minorar/atenuar o mal sofrido. No caso dos autos, resultou demonstrado que como consequência directa e necessária da actuação da arguida, o assistente sofreu as consequências descritas na factualidade assente e que nesta sede se dão por reproduzidas, as quais não são despiciendas. 7 VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, Almedina, 1.º volume, páginas 627 e 628. Ponderados todos estes elementos, o tribunal entende que se mostra adequado fixar, reportando-se aos danos não patrimoniais sofridos até à presente data, uma indemnização no montante de € 1.500. Finalmente, refira-se que existe nexo de causalidade entre o dano verificado e a conduta do arguido (artigo 563.º, do Código Civil), porquanto os factos perpetrados por esta foram causa adequada dos danos verificados. JUROS DE MORA Ao valor da indemnização acrescem juros de mora, nos termos do disposto nos artigos 805.º e 806.º, n.os 1 e 2, ambos do Código Civil. Os juros de mora devidos (vencidos e vincendos) correspondem à taxa legal supletiva de juros civis (porquanto a responsabilidade em que assenta a obrigação em questão é a aquiliana), a qual é de 4% (Portaria n.º 291/03, de 08 de Abril). Relativamente ao momento a partir do qual se inicia a contagem dos juros de mora, determina o artigo 805.º, n.º3, do Código Civil, que “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”. No que concerne aos juros de mora incidentes sobre o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais (€1.500), importa considerar que o montante fixado a este título teve em consideração os danos actualizados à data da presente decisão. Por conseguinte, impõe-se ter em conta o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/20028, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”. 8 Publicado no Diário da República n.º146, I Série A, de 27 de Junho de 2002. Assim, e quanto a este tipo de danos é desde a data do trânsito em julgado da presente sentença, e até efectivo e integral pagamento, que se contabilizam os respectivos juros de mora.” * IV - Do mérito do recurso: No recurso interposto vem, desde logo, invocar-se que ao não ter sido permitido que interviesse à distância, designadamente através de zoom, na audiência de julgamento agendada, foram violados os seus direitos de defesa e do contraditório, o que, na sua perspectiva constitui nulidade que qualifica de insanável, apesar de invocar o disposto no art. 120º, 2, al. d) do CPPenal. Do exame dos autos constata-se que a arguida prestou termo de identidade e residência a fls. 234 dos autos, tendo indicado como morada para efeito de notificações judiciais a ..., correspondente ao escritório do seu Ilustre Mandatário. Em .../.../2024, por requerimento efectuado no processo, a arguida solicitou a sua audição à distância, nomeadamente através da plataforma zoom, invocando encontrar-se no estrangeiro. Por despacho judicial proferido em .../.../2024 foi indeferido o requerido, mormente por ausência de fundamento legal. Por decisão proferida em .../.../2024 foi designada data para realização da audiência de julgamento, que foi notificada à arguida na morada indicada no TIR. Em .../.../2024 iniciou-se a audiência de julgamento, não tendo a arguida comparecido e tendo sido proferida decisão a considerar que a presença da mesma, desde o início do julgamento, não se revelava indispensável à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa. Até ao encerramento da audiência, a recorrente continuou ausente, nada mais tendo requerido relativamente à respectiva audição. Relativamente à presença do arguido em audiência decorre do disposto no art. 333º, 1, do CPPenal, que a mesma é obrigatória desde o início da audiência, mas existindo excepções, designadamente quando o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência e o tribunal considerar que a sua presença não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, desde o início da diligência (cfr. art. 333º, 1 do CPPenal), caso em que o julgamento não é adiado, sendo ouvidas as pessoas presentes (cfr. art. 333º, 2 do CPPenal). Em tal hipótese, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz (cfr. art. 333º, 3 do CPPenal). Ou seja, o arguido tem um direito e um dever de estar presente na audiência de julgamento. Com efeito, “Por um lado, estamos perante uma garantia de defesa do arguido, com respaldo no art. 32º/1 CRP e, também, art. 20º, enquanto direito de acesso à justiça e tribunais e salvaguarda do processo equitativo. A presença física é encarada como um ponto estrutural no exercício do contraditório do arguido. (…) Sob outro prisma a obrigatoriedade de comparência corresponde a um dever processual. O arguido tem o dever de comparecer fisicamente na audiência de julgamento, sob pena de incorrer em sanções processuais – v.g. multa ao abrigo do art. 116º - e ser compelido coercivamente a comparecer – v.g. com emissão de mandado de detenção cf. Arts. 116º e 254º (…) Esta imposição de comparência presencial – tal como sucede com outros intervenientes processuais – resulta do facto de se perspectivar a presença do arguido em audiência como essencial para lograr o desiderato do processo penal. (…) também porque é considerado importante para a descoberta da verdade material e ditar a justiça do caso concreto. Para esclarecer factos e apresentar a sua versão dos acontecimentos, indicar prova que, por algum motivo justificado, ainda não tenha sido produzida, ou referida atempadamente” – TIAGO CAIADO MILHEIRO, in Comentário Judiciário do CPPenal, Tomo IV, 2ª ed., Almedina, pag. 312 e 314. Como já se disse supra, casos há, previstos na lei, em que o julgamento é efectuado sem a presença do arguido, desde logo quando o mesmo, devidamente notificado, não compareça, ou quando se encontre praticamente impossibilitado de estar na audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro e consinta que o julgamento se faça na sua ausência – cfr. art. 334º, 2 do CPPenal. De qualquer das formas, no caso de o arguido, devidamente notificado, não comparecer, demonstrando assim desinteresse pela garantia dada pela lei de em julgamento poder exercer os seus direitos de defesa, o tribunal pode sempre concluir, ou no início do julgamento, ou mesmo posteriormente, que a presença do arguido é indispensável aos trabalhos, situação em que não poderá encerrar o julgamento sem efectuar diligências no sentido de obter o respectivo comparecimento, como sejam a eventual aplicação de uma multa e a emissão de mandados de detenção. Ou seja, como refere o autor acabado de citar, na obra referida, pág. 351, “(…) resulta inequivocamente que o legislador pretendeu evitar adiamentos de julgamento com fundamento na ausência de o arguido, criando um regime assente na prestação de TIR e em um feixe de deveres que legitimam a audiência na ausência daquele. (…) Sendo que a lei, justamente por preocupações de celeridade processual, e ciente que a regularidade da notificação pressupõe, em regra, a prestação de TIR através do qual o arguido sabe que faltando à audiência, o julgamento inicia-se, desenrola-se e finaliza na sua ausência, e que será representado por Defensor, apenas admite o adiamento em casos muito residuais. (…) o que a lei impõe é que o tribunal deve tentar que o arguido compareça. Utilizando os meios possíveis e não conseguindo a comparência do arguido, então já não existem motivos para paralisar o julgamento”. Com efeito, o arguido regularmente notificado que não compareça, assume um comportamento demonstrativo de uma renúncia ao seu direito de presença. Na hipótese dos autos constata-se que a recorrida, devidamente notificada da data designada para o julgamento, na morada constante do TIR, não compareceu. No início do julgamento foi proferida decisão, ao abrigo do disposto no art. 333º do CPPenal, a considerar que a presença da mesma não era indispensável desde o início da audiência e a determinar a realização daquela diligência sem a presença da arguida, com a produção da prova. Ora, nesse momento, a recorrente, designadamente através do Ilustre Defensor, nada requereu – por exemplo, a respectiva audição em data posterior. Assim, não pode deixar de se considerar que, devidamente notificada, na morada constante do TIR, a requerente não compareceu na audiência, revelando manifesto desinteresse em estar presente no acto; ora, em tal caso, a lei permite que o julgador prossiga com o julgamento, mesmo na ausência do arguido, prevalecendo assim os interesses da celeridade processual, administração da justiça penal e da vítima na prossecução do processo. Ou seja, do exposto decorre que, no caso dos autos, não se verifica a nulidade a que alude o recorrente, não tendo sido omitida nenhuma diligência essencial na fase de julgamento. Note-se, aliás, que face ao teor do escrito elaborado pela arguida e que esteve na origem da respectiva condenação, também se não vê como se poderia considerar que a sua presença era indispensável para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa. A idêntica solução se deve chegar relativamente à solicitada junção aos autos de certidão das declarações prestadas pelo seu filho e pelo psiquiatra KK no processo que corre termos no Tribunal de Família. Na verdade, como bem se decidiu no tribunal a quo, tais declarações em nada justificariam, de que forma fosse, que a recorrente, depois do desfecho dos processos crimes que correram termos visando o aqui assistente, continuasse a imputar-lhe perante terceiros a prática de crimes relativamente aos quais tinha existido a sua absolvição ou o arquivamento do inquérito. De qualquer das formas, como também salientam quer o Ministério Público, quer o assistente nas respectivas respostas ao recurso, mesmo que se estivesse, em um caso ou outro, perante qualquer nulidade processual o que é certo é que a arguida não invocou tempestivamente tais vícios junto do tribunal a quo. Ou seja, estando a nulidade em causa sujeita ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120.° e 121º, do CPP, tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105.°, n.º 1, do CPP), se outra coisa não resultar do nº 3 do mesmo art. 120.°, designadamente da sua alínea a), que impõe que a nulidade deve ser arguida «antes que o acto esteja terminado», tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista. Aliás, no que tange às nulidades processuais, com excepção das nulidades insanáveis, as mesmas têm de ser arguidas em reclamação a efectuar para o juiz do processo, e só depois de proferida decisão sobre a aludida invocação poderá o interessado recorrer, não podendo as mesmas ser directamente arguidas em sede de recurso. Na realidade, nos termos do disposto no art. 379º, 2, do CPPenal apenas as nulidades da sentença podem ser arguidas directamente em sede de recurso. Ou seja, do exposto resulta que não cabe ao Tribunal da Relação, como pretende a recorrente, conhecer de nulidades não invocadas junto do tribunal que supostamente as terá cometido; na verdade, no âmbito do recurso apenas se poderá sindicar decisão que tenha sido proferida a respeito de eventuais nulidades cometidas e já e não conhecer, ab initio, de tais nulidades – cfr. Acórdão do TRL de 07/11/2024, proferido no Proc. nº 968/23.9PVLSB.L1-9, relatado por IVO ROSA. Ora, verificando-se que as alegadas nulidades não foram tempestivamente suscitadas junto do Tribunal a quo, teriam de ser consideradas sanadas, não podendo, assim, ser invocadas em sede de recurso. A recorrente veio ainda invocar uma outra nulidade cujo conhecimento terá ficado prejudicado com a decisão supra proferida relativamente à inadmissibilidade do recurso relativamente ao PIC deduzido. No entanto, uma vez que a recorrente não é completamente clara, aludindo nas suas conclusões à existência de factos de que a sentença tomou conhecimento e que não estavam em julgamento, sempre se dirá que também aqui lhe não assiste qualquer razão. A sentença proferida limitou-se a ter em consideração as afirmações escritas apostas pela recorrente na carta que remeteu para a Polícia Judiciária e nada mais. i) Ora o que estava em julgamento nestes autos eram tão somente os factos relacionados com a carta que foi enviada para a Polícia Judiciária onde a Recorrente se queixava da actuação da supradita CC e a sua junção ao processo de família e menores para comprovar a existência de ameaças sobre as quais havia sido interrogada, e não a sua avaliação criminal por factos ocorridos aquando da queixa-crime de abusos sexuais e eventuais danos que daí tivessem advindo. j) A douta sentença foi muito além do objecto do processo fazendo um julgamento por factos que não estavam em julgamento e sobre os quais o Assistente não se tinha oportunamente queixado, o a torna nula. A recorrente veio ainda invocar que se não verificava o elemento subjectivo do tipo, uma vez que não tinha a intenção de difamar, face à sua convicção, assente nas declarações do menor e no depoimento do Pedo-Psiquiatra que o acompanhava à data Dr. EE, da verdade das imputações que efectuava. Diga-se que também aqui lhe não assiste qualquer razão. Com efeito, da materialidade dada como provada na sentença objecto de recurso constam elencados os factos que permitem a conclusão de que a arguida actuou dolosamente com a intenção de difamar o assistente, sendo certo que a recorrente não impugnou tal factualidade, de acordo com o preceituado no art. 412º, 3 do CPPenal, não tendo, designadamente indicado quais os concretos factos que pretendia impugnar e muito menos indicando as concretas provas que imporiam decisão diversa da recorrida. Efectivamente, no que respeita ao elemento subjectivo do tipo de difamação, a factualidade demonstrada traduz a existência de dolo, na modalidade directa: K) A arguida AA bem sabia que o assistente sempre pagou pensão de alimentos ao seu filho menor FF, o que mantém, bem como sabia que se nega a dar os seus elementos de identificação bem como do seu filho FF, ao longo de todos estes anos, inviabilizando a recepção de subsídio relativo a filho menor, nas entidades europeias onde o assistente tem vindo a exercer funções. L) Bem sabia a arguida AA, que imputando os factos supra descritos ao assistente BB ofendia a sua honra e consideração, pessoalmente, profissionalmente e socialmente; bem sabendo que não tem fundamento sério para crer que tais factos são verdadeiros, e que o relato dos mesmos, por si, visam criar uma imagem do assistente de pessoa perversa, um predador, um abusador do seu próprio filho, violento em contexto familiar e que vota o seu filho a situação de precariedade, o que não corresponde à verdade. M) Bem sabia a arguida AA, que imputando os factos supra descritos directamente ao assistente criava uma suspeita sobre este, quando o mesmo nunca foi condenado por qualquer crime de violência doméstica ou criou qualquer situação de precariedade ao seu filho FF. N) A arguida AA bem sabia que as suas condutas, supra descritas, lhe estavam vedadas por lei, e por isso ilícitas, tendo-as praticado livre, voluntária e conscientemente. Por outro lado, o conteúdo da carta remetida pela arguida à policia judiciária é indubitavelmente ofensivo da honra e bom nome do assistente, designadamente quando o apelida de violador, sendo certo que na parte referente à imputação de factos, dúvidas não existem de que a recorrente tinha conhecimento da falsidade das imputações que propalava, face às decisões anteriormente proferidas de absolvição do assistente dos crimes de abuso sexual de menor e do arquivamento do processo de inquérito pelos crimes de violência doméstica e de violação de obrigação de alimentos devidos a menor. Na verdade, no que diz respeito ao tipo objectivo, o mesmo mostra-se preenchido mediante a ofensa, que pode ser concretizada por qualquer pessoa, por meio de imputação de facto ofensivo da honra de outrem, ou através da formulação de um juízo de valor. De facto, o legislador equiparou a imputação desonrosa de um facto à formulação, igualmente desonrosa, de um juízo. Concretamente, no que tange à difamação, tem de existir a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, não perante o próprio, mas veiculada através de terceiros. Difamar é desacreditar, diminuir a reputação, o conceito público em que alguém é tido; isto é, imputar a outra pessoa um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou da sua consideração. Já relativamente ao tipo subjectivo de ilícito, estamos perante um tipo doloso, que se basta com a emergência do dolo em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do CPenal. Ou seja, apenas é necessário que o agente actue com o conhecimento da adequação da sua conduta, activa ou omissiva, para a produção do resultado proibido como consequência directa, necessária ou eventual daquela. FARIA E COSTA, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, p. 630, ensina-nos que o carácter ofensivo de certas palavras tem de ser visto “à luz do concreto contexto situacional” de vivência humana em que as mesmas foram proferidas e que, se o significante das palavras permanece intocado, o seu significado poderá variar consoante os contextos. Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros, se for atendido o mínimo de respeito cívico e social. Este mínimo de respeito não se confunde, note-se, com educação ou com cortesia. De facto, os comportamentos indelicados, mesmo crassamente boçais, não merecem a tutela do Direito Penal; na verdade, este ordenamento não deve – nem pode – proteger as pessoas de meras impertinências, indelicadezas, grosserias ou erupções de má educação de um agente, desde que não adquiram repercussão relevante na dignidade ou do bom nome do visado. E isto porque a riqueza da vida nos ensina que é recorrente – quase se diria “normal” – algum grau de conflitualidade animosa entre membros de uma comunidade, podendo originar situações em que pessoas que a integram possam expressar-se, ao nível da linguagem, de forma excessiva, deselegante ou indelicada. De resto, como é consabido, o direito penal assume uma natureza subsidiária ou fragmentária (cfr. artigo 18º, nº 2 da Constituição). Esta subsidiariedade impõe certos limites à aplicação do direito penal e, consequentemente, às condutas que se podem considerar “típicas” para efeito de perseguição criminal. Há, assim, um patamar mínimo exigível de carga ofensiva, abaixo do qual não se justifica a tutela penal (é abundante a jurisprudência neste sentido, citando-se, a título meramente exemplificativo, o Ac. TRP de 04-11-2020 e o Ac. TRG de 23/2/2015, ambos in www.dgsi.pt). Na realidade, nestes casos, a difamação não é punida – não por existir uma causa de exclusão da tipicidade quando se verificam as circunstâncias previstas cumulativamente no n.º 2 do art. 180º ou porque ocorra alguma das causas que, em termos gerais, excluem a ilicitude, nomeadamente as previstas no n.º 2 do art. 31º do Código Penal – mas por se estar perante a designada cláusula geral de “adequação social”, quer se considere a mesma como uma causa de justificação implícita ou supra legal, quer como uma causa de exclusão da tipicidade – cfr. no sentido do texto GERMANO MARQUES DA SILVA, in Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, Verbo, 2005, pág. 83-85. Contudo, não foi isso que ocorreu no caso dos autos. Com efeito, da materialidade dada como demonstrada resulta que a arguida no dia .../.../2022 (..) dirigiu aos autos com o n.º 1752/13.3...-C no Juízo de Família e Menores de Lisboa – J6 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, requerimento, por si redigido e assinado, no qual escreveu: “Aqui envio por carta registada o que já enviei por e-mail relativo às provas de violência doméstica. No email, as fotografias são muito claras, dado serem fotos digitais.” Com o mesmo requerimento, a arguida escreveu e assinou uma comunicação/carta, dirigida ao Inspector da Polícia Judiciária, identificado como GG, onde escreveu: “(…) na minha situação pessoal, tratava-se de um caso de seis abusos sexuais sobre o meu filho menor (sendo o autor o pai deste, BB) bem como o respectivo caso em Tribunal de Família. As provas contra BB foram consideradas insuficientes, sendo o resultado desse processo de abusos sexuais “in dúbio pro reo”, ou seja, no fundo inconclusivo, em ..., razão pela qual eu e o meu filho, então com oito anos, saímos imediatamente de ..., aproveitando o facto de o pai, estar ainda inibido de quaisquer poderes parentais e porque a criança estava aterrorizada pela possibilidade de voltar a contactar o violador. Repare o Sr. Inspector que estando eu em Taipe, sem informação legal adequada, aterrorizada com a possibilidade do meu filho poder a ser violado novamente (…); Efetivamente, pelas suas ligações, também o progenitor do meu filho conseguiu muita coisa e lamentavelmente ainda consegue, mantendo o meu filho em absoluta situação de precariedade. Dava-se o caso de nem eu ter dinheiro nem eu jamais permitir que um violador voltasse a estar com o meu filho, até porque a criança não o suportava. Porém, continuei a afirmar que nunca entregaria o meu filho ao abusador.” Na verdade, a recorrente não se limita a imputar factos ao assistente que sabia não corresponderem à verdade (afirmando-o designadamente autor de 6 crimes de abuso sexual, bem como de um crime de violência doméstica – isto no ano de ... e depois de há muito o assistente ter sido absolvido dos citados crimes e de ter visto arquivado o processo de inquérito que correu termos por violência doméstica e violação da obrigação de alimentos devidos a menor) mas também emitindo juízes de valor desonrosos, apelidando-o de violador e abusador do seu filho. Assim, nada há, em tal segmento a censurar à decisão objecto de recurso, improcedendo o recurso interposto também nessa parte. Medida da pena aplicada: A recorrente veio ainda insurgir-se relativamente à pena aplicada considerando-a excessiva porque fixada muito perto do limite máximo da pena aplicável e desconsiderando a ausência de antecedentes criminais e o impacto limitado do acto. Vejamos se lhe assiste razão. A moldura penal correspondente ao crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º1, 182.º, 183.º, n.º1, alínea b) do CPenal é a de prisão um mês e 10 dias até 8 meses ou pena de multa de 13 até 320 dias. No caso dos autos não veio posta em causa a opção pela pena multa, mas unicamente a determinação da sua medida concreta. Ora, no que tange a tal operação devem ter-se em consideração os critérios do art. 71º, 1, CPenal e funcionando a culpa do agente como limite máximo da sanção a não ultrapassar em caso algum, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana, enquanto as exigências de prevenção – geral e especial – determinarão a decisão última a ser tomada na matéria. Deve ainda referir-se que, no atinente à determinação concreta da pena de multa, a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), intervêm apenas na fixação do número de dias de multa e não também – sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração – na determinação do quantitativo diário, em que relevam exclusivamente a situação económico-financeira e os encargos pessoais dos agentes do crime. Ora, a espécie de ponderação que supra se convoca é efectuada na sentença. Com efeito, a mesma enquadra dogmática e jurisprudencialmente a materialidade atinente a este segmento da juridicidade e argumenta, de forma robusta, fixando os elementos a considerar na determinação da pena. Todavia, no que tange à hipótese concreta, importa averiguar e aferir se a citada dimensão substantiva dos princípios reitores da operação de determinação da medida da pena conhecem adequada tradução na situação examinada. Com efeito, terá de se ter presente a orientação que as penas só deverão ser alteradas em recurso desde que ressaltem razões que levem a crer que as mesmas são, de alguma forma, desproporcionais. Ora, no caso dos autos, no que tange ao grau de ilicitude dos factos, o mesmo é indubitavelmente elevado, na medida em que a arguida apesar da absolvição do assistente e das decisões de arquivamento dos processos de inquérito relativamente aos crimes que a mesma lhe imputava, continua a insistir em atribuir-lhe a prática daqueles ilícitos e fazendo juízos de valor desonrosos. Por outro lado, a arguida actuou com dolo directo e, portanto, de modo intenso; contudo, não se pode olvidar a ausência de antecedentes criminais, bem como, por outro lado, o contexto de uma convivência extremamente degradada entre ambos – em que os escritos em causa nos autos vieram a irromper. Em face de todo o exposto, ponderando todas as circunstâncias descritas, julga-se adequada a aplicação à arguida de pena de 180 dias de multa, mantendo-se o montante diário da multa determinado pelo Tribunal. V – Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em: - julgar parcialmente procedente o recurso interposto e em consequência condenar a arguida na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, no montante global de 900,00€ (novecentos euros). No demais, manter a sentença recorrida. Sem custas – art. 513º/1 do Código de Processo Penal. * Lisboa, 9 de Outubro de 2025 Rosa Maria Cardoso Saraiva Ana Paula Guedes Ivo Nelson Caires B. Rosa |