Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR TABORDA LOPES | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO INUTILIDADE ACORDO DE REDUÇÃO DE DÍVIDA AUTORIZAÇÃO PARA MOVIMENTAR CONTA EFEITO LIBERATÓRIO PENHORA MORA DO CREDOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/13/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE A APELAÇÃO DA A./IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DA R. | ||
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Sumário: | I - Respeitando o princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que, para não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica.
II – No âmbito de um acordo de redução de dívida entre um Banco e uma empresa sua devedora, nos termos do qual esta transfere o valor acordado para uma conta sua no Banco, autorizando-o a movimentá-lo a seu favor, o pagamento (e consequente extinção da obrigação) só ocorre quando o Banco procede a este último movimento. III – A autorização dada ao Banco não produz os efeitos jurídicos de um pagamento, pois que apenas corresponde a uma intenção de pagamento (tal como ocorre com a emissão de um cheque), pelo que até à sua concretização com a movimentação feita pelo autorizado, não se produzem tais efeitos jurídicos. IV - Se ao nono dia posterior à transferência para a conta da devedora, o Banco é notificado para proceder à penhora do valor nesta existente, no âmbito de uma execução em que é executada a dita devedora, o pagamento por esta via fica impossibilitado (inexistindo mora creditoris, por não se ter estipulado que o movimento se faria de imediato, por não ter passado um tempo que pudesse considerar-se abusivo e por não lhe ter sido fixado um prazo para o efeito, pela devedora ou por um Tribunal). V – A devedora tinha o dever de assegurar que o dinheiro se mantinha na sua conta, podendo libertar-se a obrigação (extinguindo-a), notificando o Banco, com tal cominação, para proceder a essa movimentação no prazo que indique ou recorrendo a um Tribunal para lhe fixar um prazo para tal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa[1] Relatório B, S.A. intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra E, S.A., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €71.421,57, acrescida de juros de mora calculado desde a citação até integral pagamento. Alegou, em suma, a Autora, que: - emitiu garantias bancárias a favor da Ré, tendo-se esta obrigado a pagar as remunerações convencionadas e em vigor, a cada momento, a título de comissão; - desde 21.08.202 a Ré não procedia ao pagamento das comissões; mais tarde autor e Ré acordaram no pagamento do valor da dívida, reduzindo-o a 75%, a que acresceriam as despesas de cancelamento e IS, por ordem na conta de que a Ré era titular no autor; - em 25.05.2021 a Ré informou o autor de que provisionou a conta com os valores acordados; - por razões relacionadas com o sistema informático do autor, o valor depositado pela Ré não foi imediatamente executado; - em 04.06.2021, ao abrigo de acção judicial executiva de que a Ré era executada, o Autor recebeu uma ordem de penhora do saldo bancário da conta onde a Ré havia depositado os montantes referidos, razão pela qual tal montante ficou cativo. Citada a Ré, veio apresentar Contestação, com Reconvenção: - excepcionando o pagamento e o abuso de direito, - pedindo a condenação da Autora em multa e indemnização por litigância de má fé, impugnando alguns dos factos alegados por aquela e apresentando a respectiva versão dos factos: - pedindo a condenação da Autora a reconhecer: - que em maio de 2021 a Autora contrapropôs e a Ré aceitou que o valor das comissões devidas pela emissão das garantias bancárias n.ºs 36230488091608 e 36230488091609 num total de 40.961,97 € fosse reduzido para 75% daquele montante, num total de 40.961,97 €; - que em 25.05.2021 a Ré provisionou a sua conta à ordem com o IBAN PT50 …206 6 com o valor de 41.023,83 €, valor este bastante para pagamento do montante acordado de 40.961,97 €; - que em 25.05.2021, a Ré emitiu e lhe entregou as necessárias ordens de transferência para que este pudesse imputar o montante depositado pela Ré ao pagamento da dívida por comissões das garantias bancárias n.ºs 36230488091608 e 36230488091609 por si emitidas, e com isso proceder ao respectivo cancelamento; - que em 26.05.2021, a Autora mobilizou a sobredita quantia de 41.023,83 €, para a conta da Ré com o n.º 0000 3967 9639 0013 1 que era a do suporte das despesas das garantias bancárias; - que o acordo de pagamento das comissões devidas pela emissão das garantias bancárias nºs 36230488091608 e 36230488091609, foi escrupulosamente cumprido pela Ré em 25.05.2021; - que o cancelamento das garantias bancárias operou em 25.05.2021, com a mobilização, pela Autora, da sobredita quantia de 41.023,83 €, para a conta da Ré com o n.º 0000 3967 9639 0013 1 que era a do suporte das despesas das garantias bancárias; - que é imputável a própria Autora a responsabilidade pela inexecução do débito do respectivo valor e consequente imputação ao valor das comissões em dívida. A Autora respondeu, pugnando pelo indeferimento das excepções suscitadas, pela improcedência do pedido de condenação com fundamento em litigância de má fé e pela inadmissibilidade da reconvenção. Foi dispensada a realização de Audiência Prévia, tendo sido julgada inepta a Reconvenção e absolvida a Autora-Reconvinda da instância reconvencional. Proferido Despacho Saneador foi fixado o valor da causa (€71.421,57), identificado o objecto do litígio[2], e seleccionados os Temas da Prova. Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, dela constando a seguinte parte decisória: “Face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de 42.340,83 euros (quarenta e dois mil, trezentos e quarenta euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, às taxas legais aplicáveis a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados da citação, até efetivo e integral pagamento. Custas pelo autor e pela ré, na proporção do decaimento (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). Registe e notifique”. É desta Sentença que vem interposto Recurso de Apelação: - pela Ré, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: “1. A questão essencial em causa na presente acção, é decidir se à E deve, ou não, ser imposto o pagamento das quantias reclamadas pelo Banco. 2. Na sentença recorrida a Senhora Juiz a quo dá como não provado que «na comunicação referida em 39. (leia-se 40.) o autor invoca a sua qualidade de proprietário do valor penhorado». 3. Esta é matéria que não integra nenhum dos temas de prova que a Senhora Juiz a quo entendeu formular no despacho saneador sob a forma de «quesitos» 4. Para além disso, «proprietário» é um conceito de direito. 5. A aquisição de propriedade do referido montante é conceito de direito e expressão conclusiva que constitui, no caso, o cerne da questão a decidir. 6. Ora, quanto a tal facto, a análise crítica da prova do tribunal a quo é a seguinte: «R, funcionário bancário em Lisboa há 33 anos; reconheceu o e-mail de fls. 21, tendo precisado que foi o próprio que o redigiu e remeteu, tendo explicado o teor do mesmo (pontos (pontos 25., 40., 41. e alíneas b) e d) da fundamentação de facto).» 7. Quanto a esta questão, o que disse esta testemunha R, na passagem do seu depoimento gravada no sistema H@bilus Média Studio no dia 20.11.2024, aos minutos e segundos que abaixo se indicam foi o seguinte: «(...) 01:04 AR – Muito obrigado. Bom dia. 01:08 T- Bom dia. 01:09 AR- Olhe o senhor R recebeu, porque o tribunal enviou, um email com um documento certo? 01:20 T -Sim, sim. 01:20 AR- Pronto. tem conhecimento do teor desse documento? Se o tiver aí pode consultá-lo. 01:25 J- Qual o documento Sr. Dr.? 01:26 AR – É o documento 9 da PI, Sr.ª Dr.ª. O senhor tem memória disso? 01:39 T – Memória, quer dizer que eu fiz este email, sim. 01:45 AR - Mas não, já não se recorda do contexto em que escreveu esse email? 01:50 T - Contexto, portanto, terá sido um pedido interno, um pedido interno do banco para fazer este email para quem ordenou a penhora. 02:03 AR - Portanto, o texto do seu email, o teor do email que o senhor enviou a senhora agente de execução, reconhece esse texto como seu, como sendo 02:17 T- Sim, sim. 02:18 AR -Como seu, como sendo do banco. Na penúltima linha diz “isto não se trata de saldo cliente, mas antes valores entregues aos BC, ao banco.” O senhor quer dizer o quê com isto? Quer dizer que dinheiro é do banco? 02:40 T – Portanto, na última linha? 02:43 AR – Penúltima ou antepenúltima. “Isto não se trata de saldo de cliente, mas antes de valores entregues.” 02:54 T- Portanto, neste caso era para explicar que seriam valores que são devidos ao BCT. 03:10 AR -Sim, valores devidos, mas estavam recebidos, não estavam recebidos? O dinheiro já era do banco? Não era do banco? 03:18 J - Se a testemunha responder a isso eu vou-me embora está dada a sentença. 03:22 AR – Sr.ª Dr.ª... 03:24 J – É isso que estamos aqui a discutir, vai perguntar a testemunha se os valores eram do banco, se não eram do banco 03:28 AR -Não, Sr.ª Dr.ª 03:28 J – Aí eu vou-me embora, temos (impercetível) feita. Não precisamos da sentença para nada. 03:33 AA – Pode perguntar a opinião dele Sr.ª Dr.ª. 03:36 AR – O senhor é autor do contexto, eu não sei, a testemunha até pode dizer eu limitei-me a assinar, mas o texto não é meu, não sei, não faço ideia, não é? 03:44 J – Não, mas oiça. pronto, o senhor diz isto não está no saldo do cliente, mas antes de valores entregues ao banco, o que o senhor queria dizer com isto? 03:55 T – Eu... o eu tenho a dizer com isto é que, portanto, seriam valores entregues ao banco para pagar as responsabilidades que teria no banco. 04:09 AR - Pronto. tem de ser a Sr.ª Dr.ª a dar a sentença na mesma. (...)» 8. Muito embora estejamos perante um depoimento livremente ponderável, a regra da experiência comum permite concluir que tanto a parte do e-mail onde se refere que «o valor penhorado se trata de um valor negociado com o cliente (a qui ré) e imputado ao pagamento de uma dívida que apenas por atraso no sistema informático se mantinha na conta do Cliente. Isto é, não se trata de saldo do cliente, mas antes de valores ao BST», constitui evidente invocação da qualidade do Banco como proprietário do referido valor, o que aliás decorre da explicação dada pela testemunha R, que redigiu e enviou o dito e-mail, que referiu em audiência que o valor entregue ao Banco se destinou a pagar as responsabilidades que a E teria no Banco. 9. Pelo que, entendendo o tribunal a quo que a devedora E cumpriu a sua obrigação «depositando o montante mencionado por via de depósito à ordem na conta de que era titular no banco réu, autorizando o autor a imputar o valor depositado àquela dívida» nenhuma dúvida subsiste que, a partir da autorização dada pela E o Banco passou a ser o legítimo possuidor e proprietário do valor entregue para pagamento das responsabilidades que a devedora tinha no Banco e que, com o dito pagamento, o referido valor passou a partir de então para a esfera jurídica do Banco, passando este a ser o proprietário da quantia em apreço. 10. Tanto, é o bastante para justificar que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, devendo assim, por ter interesse para a decisão da causa: a. ser eliminado dos factos não provados a al. d); b. ser aditado aos provados o seguinte facto: «42 – O montante penhorado a que se refere na comunicação referida em 40., foi entregue pela E, para pagamento do montante acordado referido em 12.» 11. Está provado que: 10. Em maio de 2021, com o propósito de proceder ao cancelamento das garantias bancárias e na expectativa de obter a autorização da beneficiária, as partes encetaram negociações com vista à obtenção de um acordo para o pagamento do valor em dívida a título de comissões (alínea I) dos factos admitidos por acordo ou provados por documento). 12. Foi acordado o pagamento do montante de € 42.340,83 incluindo as comissões de cancelamento e o IS: (i) € 40.961,97 a título de comissões de manutenção das Garantias Bancárias; (ii) € 1.228,86, a título de IS à taxa legal de 3%; (iii) € 150,00 a título de duas comissões de cancelamento, acrescido de 1,04% de IS (alínea M) dos factos admitidos por acordo ou provados por documento). 13. A ré obrigou-se a pagar o valor acordado por via de depósito à ordem na conta de que era titular, autorizando o autor a imputar o valor depositado àquela dívida (alínea N) dos factos admitidos por acordo ou provados por documento). 14. Em 25.05.2021, a ré informou o autor que provisionou a conta com os valores destinados à regularização das responsabilidades (alínea O) dos factos admitidos por acordo ou provados por documento). 15. Por motivos relacionados com o sistema informático, o débito daquele valor por parte do autor, e consequente imputação ao valor das comissões em dívida, não foi imediatamente executado (alínea P) dos factos admitidos por acordo ou provados por documento). 16. Em 04.06.2021, ao abrigo do processo n.º 6560/16.7T8FNC, a correr termos no Juiz 2 do Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira e em que a ré era executada, o autor recebeu uma ordem de penhora do saldo bancário da conta n.º 0018000039679639001 titulada pela ré (alínea Q) dos factos admitidos por acordo ou provados por documento). 12. Como exposto na contestação, entende a E que com o depósito à ordem na conta de que era titular, seguida da autorização ao Banco para imputação do valor depositado ao valor acordado da dívida e subsequente entrega das ordens de transferência, cumpriu a obrigação que neste procedimento lhe cabe. 13. Quanto ao mais, a E é alheia a todas as vicissitudes ocorridas, quer quanto à não mobilização pelo Banco do montante correspondente ao valor das comissões cuja transferência autorizou, quer também quanto à tramitação processual da penhora subsequente. 14. O preenchimento de cada uma das hipóteses a que alude o artigo 813.º do CC (ou seja: a fixação dos termos em que o credor devia ter aceitado ou a determinação dos actos que devia ter praticado) faz-se atendendo às regras que, para o caso concreto, forem ditadas pela aplicação do princípio da boa-fé (n.º 2 do artigo 762.º do CC). 15. A menção do artigo 813.º do CC à falta dos actos necessários ao cumprimento da obrigação, alude àqueles cuja prática incumbe ao credor – não, positivamente, àqueles que o obrigado deva praticar. 16. A colaboração exigida ao credor naquele artigo 813.º CC assenta em deveres secundários, ou de conduta, que interessam ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas, mas que devem ser essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. 17. Ou seja, a mora do credor ali subjacente, refere-se às situações em que o cumprimento da obrigação pressupõe a colaboração do credor, sendo que só faltando esta (pressuposta) colaboração se constitui o credor em mora. 18. À devedora E não podem ser assacadas quaisquer responsabilidades pelos motivos relacionados com o sistema informático que possam ter impedido a mobilização do montante depositado para pagamento da dívida acordada. 19. Desde logo, porque o alegado impedimento perdurou até 9 dias depois de a E ter dado autorização à Banco para imputar o valor depositado à dívida acordada. 20. A partir da autorização para mobilização do valor depositado, bastante para regularização das respectivas responsabilidades, o dito valor deixou de pertencer à E e passou a integrar o conjunto de direitos e vinculações de que o banco é titular e a que ficou adstrito a partir desse momento, passando a partir de então para a esfera jurídica do Banco. 21. O momento relevante e decisivo para apurar do cumprimento da obrigação (do dever de prestar emergente da relação jurídica que vinculava a devedora E, e o Banco credor) é o da entrega da prestação ao credor. 22. A prestação a que a E se vinculou foi pontualmente realizada, devendo ter-se por cumprida, nos termos do artigo 762.º, n.º 1 do CC. 23. Mas ainda que se entendesse que «O momento relevante e decisivo para apurar do cumprimento da obrigação (do dever de prestar emergente da relação jurídica que vincula a ré, devedora, ao autor (credor) é o do recebimento da prestação pelo credor ou seu representante», e se considere que no presente caso a devedora E não está desonerada da sua obrigação de pagamento da quantia de 42.340,83 € acordada entre as partes a que se alude no ponto 12. dos factos provados, não recai sobre a E a obrigação de pagamento de juros. 24. Resulta evidenciado na sentença recorrida, que no caso sub judice está configurada uma situação de mora do Banco credor, por este não ter sido diligente na imputação do valor depositado à dívida assumida pela E na sequência do acordo estabelecido pelas partes. 25. Durante cinco meses, entre a data do recebimento da ordem de penhora em 4.06.2021, e a entrega do montante penhorado em 5.11.2021, o Banco credor nada fez, no sentido de ilidir a presunção de titularidade desse crédito por parte da aí Executada e aqui Ré E, demonstrando nos referidos autos executivos que o dito saldo só existia na conta da Executada E porque o Banco não havia ainda imputado esse crédito à dívida acordada. 26. A «mora creditoris» supõe uma omissão injustificada (culposa ou não) pelo credor da sua cooperação necessária para o cumprimento, donde, para a verificação da mora do credor, não é bastante que este se recuse a colaborar com o devedor no respectivo cumprimento, sendo indispensável que a omissão do credor seja determinante para o cumprimento, de tal sorte que sem ela o devedor não possa validamente prestar. 27. Não havendo a necessária actuação colaborante por parte do Banco credor, temos que a mora ou atraso no cumprimento da obrigação de entrega não é da devedora E, mas do Banco credor, mora esta durante a qual a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionais como decorre, aliás, do n.º 2 do artigo 814.º do CC. 28. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 236.º, 762.º, 769.º, 796.º, 813.º, 814.º, 815.º, 1268.º e 1305.º do CC, e 615.º, n.º 1, al. b) e 616.º, n.º 2, als. a) e b) do CPC. NESTES TERMOS e melhores de direito, cujo douto suprimento se invoca, deve o recurso ser admitido e a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente; na eventualidade, que só por mera cautela de patrocínio se concede, de se entender que a devedora E não está desonerada da sua obrigação de pagamento da quantia de 42.340,83 € acordada entre as partes, sempre deverá ser absolvida da obrigação de pagamento de juros, assim se fazendo JUSTIÇA!”; - pela Autora, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: “1) Não estamos perante uma situação de mora do credor, nos termos e para os efeitos dos artigos 813.º a 816.º do Código Civil, nem, consequentemente, perante uma impossibilidade temporária da prestação, nos termos e para os efeitos do artigo 792º do mesmo diploma. 2) A Recorrente não recusou a prestação por parte da Recorrida, nem a falta de concretização da prestação se deveu à ausência injustificada de colaboração da Recorrente na prática dos atos necessários ao efeito. 3) A existência de motivos/erros informáticos que impediram o recebimento da prestação jamais podem ser imputados à Recorrente, na medida em que constituem verdadeiros eventos de força maior, que escapam por completo ao controlo não só da Recorrente, mas de ambas as partes. 4) Perante a falta de recebimento da prestação pela Recorrente, a Recorrida, em momento algum procedeu à repetição da prestação. 5) Considerando a supramencionada falta de repetição da prestação e, bem assim, o – provado (facto n.º 19) - pressuposto da redução de dívida acordada entre as partes (a concretização imediata da obrigação de pagamento pela Recorrida e inerente recebimento da mesma pela Recorrente), evidente é que o pressuposto do negócio nunca se veio a concretizar. 6) Nessa medida, é evidente que, tendo o acordo sido formalizado sob aquela condição/pressuposto (cfr. facto provado n.º 19), a sua não verificação (pela falta do seu recebimento) sempre determinaria, impreterivelmente, a perda de interesse na prestação por parte da Recorrente, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 792.º do Código Civil, 7) Pelo que a conclusão pela existência de uma impossibilidade objetiva da prestação é evidente e inegável. 8) Tornando-se uma das prestações impossível por motivo não imputável a qualquer das partes, inevitável é a extinção da outra. 9) Consequentemente, extingue-se a relação contratual, na exata medida em que a obrigação principal deixou de poder ser cumprida, nos termos e para os efeitos do artigo 795º do Código Civil. 10) Mais se diga, por mera cautela de patrocínio, que a perda do interesse verificar-se-ia, em qualquer caso, ainda que se entendesse pela impossibilidade temporária da prestação. 11) Pelo que, sempre estaríamos, a final, perante uma impossibilidade objetiva e definitiva, com as respetivas consequências e efeitos. 12) Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se considera, sempre se dirá que a responsabilidade pela mora se encontrava do lado do devedor, nos termos e para os efeitos dos artigos 804.º, n.º 2 e 805.º, n.º 1, ambos do Código Civil. 13) Conforme, aliás, afirma o próprio Tribunal na fundamentação de direito, ao referir que “(…) não obstante a ré se ter constituído em mora desde a data referida no ponto 20. da fundamentação de facto (…)” (negrito nosso), ainda que a propósito dos juros de mora. 14) Sendo que, em qualquer caso, a situação sempre se reconduziria a um caso de não cumprimento da obrigação de pagamento, nos termos e para os efeitos do artigo 808.º do Código Civil, face à perda de interesse na prestação pela Recorrente na sequência do cumprimento imediato da prestação, mesmo depois da interpelação da Recorrida para o efeito. 15) Assim, independentemente da imputabilidade da mora ao devedor ou a nenhuma da parte, é a Recorrida responsável pelo prejuízo e, bem assim, pelo pagamento integral da dívida, na exata medida em que a Recorrente, considerando o facto provado n.º 19, deixou, há muito, de ter interesse no recebimento da prestação acordada. 16) Estamos inevitavelmente perante uma errada interpretação, determinação e aplicação dos artigos 813º a 816º e 792º, n.º 1 do Código Civil, 17) Tendo o Doutro Tribunal a quo andado mal ao referir que “(…) a redução de dívida acordada entre as partes em maio de 2021 referida no ponto 19. Dos factos provados, terá que manter-se, pois que, o pressuposto a que alude o mesmo ponto dos factos provados apenas não se efetivou porque a autora nada fez (…)”, 18) Resultou provado através do facto n.º 19, que a redução da dívida da Recorrida, para com a Recorrente, tinha como pressuposto que a prestação/obrigação de pagamento fosse concretizado no imediato. 19) A partir daí, é inequívoco que a concretização do pagamento naquele preciso e imediato momento constituía condição essencial do acordo de redução de dívida, 20) Da carta de interpelação endereçada à Recorrida a 12/05/2023 (DOC. 12 junto com a Petição Inicial), também se retira a essencialidade do cumprimento deste pressuposto e, bem assim, o seu caráter “condicional” perante o acordo de redução de dívida em questão. 21) A Recorrente apenas acordou o pagamento de um valor reduzido, face à dívida original, na premissa daquele pressuposto/condição ser cumprido. 22) O cumprimento da obrigação assumida pela Recorrida não se efetivou em maio de 2021 por motivos fortuitos. 23) Não tendo sido a obrigação efetivamente cumprida em prazo razoável e, tendo em conta o tempo passado, deixou a obrigação de poder ser cumprida, com inerente perda de interesse por parte da Recorrente na sua concretização – razão pela qual se tornou impossível. 24) Face a tal impossibilidade de cumprimento do acordo entre as partes, constitui-se, deste modo, a Recorrida, em dívida para com a Recorrente no valor integral de 56.410,44 EUR (cinquenta e seis mil quatrocentos e dez euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescentando os juros de mora a este valor. 25) Da factualidade dada como provada resulta, necessariamente, a conclusão de que a Recorrida, com a sua atuação, não só agiu de má fé, como beneficiou da ordem de penhora sobre o saldo alocado ao pagamento da dívida que a mesma detinha para com a Recorrente. 26) Não poderia a Recorrente ter agido de outra forma, não estando ao seu alcance controlar o sistema informático, no caso concreto. 27) Não se configura razoável que a Recorrida seja condenada apenas ao pagamento do valor parcial em dívida, e não no valor integral. 28) Estando provado que era condição essencial o pagamento imediato, torna-se evidente que a Recorrente deixou de ter interesse no cumprimento da prestação, uma vez que apenas se aceitaria o valor parcial na medida em que esse pressuposto fosse cumprido. 29) Desde o acordo de redução realizado em maio de 2021 até à data em que a Recorrente intentou ação judicial contra a Recorrida, passaram cerca de 29 meses, nos quais a Recorrida não procedeu ao devido pagamento, desconsiderando as interpelações do Recorrente nesse sentido. 30) Não se pode ignorar, de igual forma, o facto de a Recorrente não ter conhecimento da existência do Processo Executivo que deu origem à penhora do valor debitado. 31) Assim como, o facto de a Recorrida nada ter dito em relação à possibilidade de esse valor ser penhorado, uma vez que esta era a titular da conta, não propondo outra forma de pagamento. 32) Resultou provado através do facto nº 13 que a Recorrida era titular da conta onde se encontrava a quantia destinada a saldar a dívida. 33) Ora, nesta medida, a Recorrente não tinha legitimidade para deduzir embargos de terceiro no Processo Executivo que levou à penhora, assim como não pôde beneficiar do mecanismo previsto no número 3 do artigo 764º do Código de Processo Civil. 34) Face ao exposto, deve a Recorrida ser condenada ao pagamento do valor integral da dívida, pois o acordo de redução adequava-se apenas ao momento em que foi realizado, por isso, tendo sido incumprido, já não é interesse da parte da Recorrente continuar com o mesmo. 35) Deve ainda ser reconhecido que não existiu mora do credor, sendo pago o valor integral. Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. que seja dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, seja a decisão recorrida substituída por outra que conclua pela cessação dos efeitos da redução de dívida acordada entre as partes, e nessa medida, condene a Recorrida ao pagamento do valor integral da dívida peticionada, uma vez que só assim será feita a tão costumada Justiça. Nenhum dos Recursos teve Contra-Alegações. * Questões a Decidir São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes[3]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. In casu, e na decorrência das Conclusões dos Recorrentes, importará verificar: I – se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa, se se mostra necessário eliminar o facto não provado d) e acrescentar à factualidade apurada um facto com a seguinte redacção[4]: “O montante penhorado a que se refere na comunicação referida em 40., foi entregue pela E, para pagamento do montante acordado referido em 12». II - se a acção se mostra correctamente decidida em função da factualidade apurada, nomeadamente quanto ao putativo cumprimento da obrigação da Ré, à alegada mora creditoris e à manutenção ou não do valor acordado para redução da dívida. ** Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. * Fundamentação de Facto O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade[5]: 1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, à actividade bancária. 2. A Ré é cliente da Autora e, no contexto da relação comercial mantida entre as partes, solicitou-lhe a emissão de duas garantias bancárias. 3. Nessa sequência, em 21.11.2007, foram emitidas pela Autora as seguintes garantias bancárias, nos termos das quais a Ré assumiu a qualidade de Ordenante, e cujo beneficiário era a Câmara Municipal do Funchal: (i) Garantia bancária n.º 36230488091608 no valor máximo de € 80.000; (ii) Garantia bancária n.º 36230488091609 no valor máximo de € 140.670. 4. De acordo com o estipulado contratualmente no ponto (2) das propostas de emissão, a Ré obrigou-se a pagar à Autora as remunerações convencionadas e em vigor a cada momento, a título de comissão pela emissão das aludidas garantias bancárias. 5. Em 02.02.2012, a Autora comunicou à Ré a actualização do valor das comissões devidas por cada uma das garantias bancárias emitidas. 6. Assim, a partir de Maio de 2012, passaram a ser cobrados trimestralmente os seguintes valores de comissão: (i) Pela garantia bancária n.º 36230488091608 - € 550,00, acrescido de IS à taxa legal; (ii) Pela garantia bancária n.º 36230488091609 - € 967,11, acrescido de IS à taxa legal. 7. As garantias bancárias não tinham prazo de validade, podendo ser canceladas por comunicação escrita do beneficiário ou por devolução do original da mesma, ao Banco, após a extinção das obrigações caucionadas. 8. As garantias bancárias foram canceladas em 01.03.2023. 9. Desde 21.08.2012 que a Ré não procedia ao pagamento das comissões devidas pela manutenção das identificadas garantias bancárias. 10. Em Maio de 2021, com o propósito de proceder ao cancelamento das garantias bancárias e na expectativa de obter a autorização da beneficiária, as partes encetaram negociações com vista à obtenção de um acordo para o pagamento do valor em dívida a título de comissões. 11. O qual ascendia, então, a € 54.615,96, montante ao qual acrescia (i) Imposto de Selo e (ii) € 75, acrescido também de Imposto de Selo, a título de comissão de cancelamento devida por cada uma das garantias. 12. Foi acordado o pagamento do montante de € 42.340,83 incluindo as comissões de cancelamento e o IS: (i) € 40.961,97 a título de comissões de manutenção das Garantias Bancárias; (ii) € 1.228,86, a título de IS à taxa legal de 3%; (iii) € 150, a título de duas comissões de cancelamento, acrescido de 1,04% de IS. 13. A ré obrigou-se a pagar o valor acordado por via de depósito à ordem na conta de que era titular, autorizando o autor a imputar o valor depositado àquela dívida. 14. Em 25.05.2021, a ré informou o autor que provisionou a conta com os valores destinados à regularização das responsabilidades. 15. Por motivos relacionados com o sistema informático, o débito daquele valor por parte do autor, e consequente imputação ao valor das comissões em dívida, não foi imediatamente executado. 16. Em 04.06.2021, ao abrigo do processo n.º 6560/16.7T8FNC, a correr termos no Juiz 2 do Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira e em que a ré era executada, o autor recebeu uma ordem de penhora do saldo bancário da conta n.º 0018000039679639001 titulada pela ré. 17. Em 07.06.2021, o autor informou a ré que foi dado cumprimento ao solicitado por via da ordem de penhora, ficando cativo à ordem daqueles autos o valor de € 41.023,83 como saldo não onerado da conta n.º 0018000039679639001. 18. A Autora deu conhecimento à Ré, em 29.11.2021, que procedeu ao envio à Agente de Execução, do valor penhorado de € 41.023,83, o qual abrangia o valor de € 40.979,14 depositado pela Ré para efeitos de pagamento à Autora da dívida relativa às comissões devidas pela vigência das duas garantias bancárias. 19. A redução de dívida acordada entre as partes em Maio de 2021 tinha como pressuposto que a mesma fosse paga naquele momento, o que, aliás, sustentou o depósito efectuado pela Ré. 20. Por comunicação de 12.05.2023, por intermédio dos seus mandatários, a Autora interpelou a Ré para proceder ao pagamento do valor em dívida. 21. As garantias em apreço, com os n.ºs 36230488091608 e 36230488091609, foram emitidas pela Autora a favor da Câmara Municipal do Funchal para garantia da reposição do estado do terreno referente ao processo de obras n.º 3597/07 nas condições que estavam antes da escavação (no valor de 80.000 €) e para garantia da reparação de danos que eventualmente pudessem ser causados nas infraestruturas públicas, (no valor de €140.670), actos estes a praticar pela Ré . 22. A Autora enviou à Ré declaração com o seguinte teor: “O B, S.A. (...) declara para os efeitos tidos por convenientes que o valor de € 207.867,00, constante da Centralização de Responsabilidades do Banco de Portugal, na situação de crédito vencido à data de 30/04/2021, em nome do cliente A S.A., com o número único de matrícula e pessoa coletiva 511 023 235, encontra-se na presente data regularizado e não tem nenhuma responsabilidade vencida à data junto da nossa instituição”. 23. A Autora aceitou a proposta referida em 13. 24. A Ré informou a Autora no sentido de que estaria a tentar alcançar um acordo de pagamento com o exequente, mas o mesmo não se concretizou. 25. A Agente de Execução não aceitou o pedido da Autora, por via do qual se explicava que o montante em causa não pertencia à Ré, ali executada, apesar de depositado em conta por si titulada, destinando-se, sim, à Autora. 26. Em 05.11.2021 a Autora, para cumprir a ordem de penhora, procedeu ao envio, à Agente de Execução, do valor penhorado de € 41.023,83, o qual abrangia o valor de €40.979,14 depositado pela Ré para efeitos de pagamento à Autora da dívida relativa às comissões devidas pela vigência das duas garantias bancárias. 27 - Sem a redução da dívida, o montante do pagamento das comissões em falta seria o seguinte: 28. Não obstante a interpelação referida em 20 ter sido recepcionada pela Ré em 15.09.2023, a Autora não recebeu qualquer contacto da Ré e, consequentemente, não procedeu esta a qualquer pagamento. 29. Por e-mail de 15.03.2021 subscrito por J, colaborador da Autora e pela mesma enviado ao colaborador R, foi a Ré questionada quanto ao «ponto da situação sobre o pedido de cancelamento das garantias bancárias da E junto da Câmara Municipal do Funchal. 30. Em resposta, foi enviado por V, administrador da Ré, ao colaborador da Autora J (CC ao colaborador R), um e-mail em 16.03.2021 nos seguintes termos: «De momento aguardamos resposta da CM Funchal. Foi feito um recurso hierárquico uma vez que o pedido de cancelamento foi recusado… o terreno já nem é nosso, e tanto quanto sabemos já emitiram licença à V”. 31. Em aditamento a esta informação, o administrador da Ré enviou ao colaborador da Autora J (CC ao colaborador R), um e-mail em 10.05.2021 no qual se referiu «Soubemos agora que a CM Funchal irá despachar favoravelmente o nosso recurso para cancelamento das garantias bancárias, dentro de alguns dias iremos ter o despacho. Para além desse documento é necessário algo mais para que as mesmas sejam canceladas pelo B?» 32. Como resposta, o colaborador da Autora J informou, por e-mail de 11.05.2021 (CC ao colaborador R), que «Para cancelarmos as garantias bancárias temos de liquidar as comissões em falta». 33. Em 21.05.2021, foi enviado por V, administrador da Ré, ao colaborador da Autora J (CC aos colaboradores M e R, um e-mail referindo que, em relação ao cancelamento das garantias, propunha a «Redução de 50% no montante em dívida de comissões não cobradas da E, com pagamento de 27.319,43 € simultâneo ao da entrega do ofício da CM Funchal a cancelar as garantias bancárias». 34. Em 21.05.2021, foi enviado ao colaborador da Autora J (CC aos colaboradores M, R e G, e aos colaboradores da Ré C, J, MM e departamento financeiro da A) um e-mail referindo que «No seguimento da chamada telefónica e conversa que mantive com o Dr. G, vimos por este meio informar que aceitamos a contraproposta apresentada: - redução de 25% na comissão da E, e não liquidação de encargos adicionais nos próximos 3 meses, para formalizar o cancelamento das garantias bancárias por parte da CM Funchal.» 35. É o seguinte o teor integral do referido e-mail de V administrador da Ré: «Caros, No seguimento da chamada e conversa que mantive com o Dr. G, vimos por este meio informar que aceitamos a contraproposta apresentada: Redução de 25% na comissão da E, e não liquidação de encargos adicionais nos próximos 3 meses, para formalizar o cancelamento das garantias bancárias por parte da CM Funchal; Isenção da comissão do MLP da A. Portanto os valores a liquidar seriam os seguintes:
O circuito de pagamento será o seguinte (irão receber as instruções): A: 40.000,00 € P BST C BCP: 219.000,00 € C BCP A BST: 219.000,00 € A BST A BST E BST: 40.979,14 € A BST A BST: 178.202,86 € A BCP A BST: 4.166,08 € As transferências que entrarem nas contas, apesar do descritivo liquidação de responsabilidades, nos termos do presente email serão estritamente destinadas à amortização das seguintes responsabilidades: Liquidação MLP A (com isenção de comissão) Liquidação desconto A e aceite HLiquidação desconto A e aceite E Liquidação comissões 2 garantias bancárias da E (com redução de 25%) Conforme também combinado, e com os pagamentos, iremos necessitar que emitam declaração que a A tem a sua situação perante o B, S.A., e conforme as comunicações ao Banco de Portugal, integralmente regularizadas. Melhores cumprimentos, V Administrador». 36. Ainda na referida data de 21.05.2021, L, colaboradora do Departamento de Contabilidade da A, enviou ao colaborador (CC aos colaboradores do Autor, M, R e G e aos colaboradores da Ré C e V) um e-mail referindo «Remeto em anexo as ordens de transferência para serem efetuadas, logo que o dinheiro fique disponível. O meu colega entre hoje e segunda entrega os originais nas vossas instalações. Remeto em anexo a transferência da A pela CGD, para vosso conhecimento». 37. Os originais das referidas ordens de transferência foram entregues no balcão da Autora no Funchal em 25.05.2021. 38. Nessa data de 25.05.2021, o administrador da Ré enviou ao colaborador da Autora J (CC aos colaboradores da Autora M, R e G, e aos colaboradores da Ré C, J e MM e departamento financeiro da A) um e-mail com o seguinte teor: «Atendendo a que já procedemos aos movimentos por forma a provisionar as contas com os valores das responsabilidades, e conforme acordado, aguardo o envio de documento que ateste que A regularizou junto do BST. Temos urgência neste documento, por favor. Melhores cumprimentos, V Administrador». 39. Como resposta, o V/ colaborador J remeteu um e-mail (CC aos Vs/ colaboradores M, R e G, e aos colaboradores da Ré C, J e MM e departamento financeiro da A) nessa mesma data de 25.05.2021 referindo «Enviamos a declaração solicitada em anexo». 40. A Autora enviou comunicação à agente de execução na qual refere que o montante penhorado se trata de «um valor negociado com o cliente» (a aqui Ré) «e imputado ao pagamento de uma dívida que apenas por atraso no sistema informático se mantinha na conta do cliente. Isto é, não se trata de saldo do cliente (a aqui Ré) mas antes de valores entregues ao BST». 41. Tendo a Agente de Execução respondido, por e-mail de 28.06.2021 que «a penhora não poderá ser levantada com base simplesmente no alegado no e-mail abaixo. Deverão V. Ex.s recorrer ao Tribunal e requerer o que tiverem por conveniente». *** O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida: a) Em março de 2021, a Ré diligenciou junto do balcão da Autora no Funchal relativamente ao cancelamento das garantias bancárias emitidas pela Autora; b) Subsequentemente ao envio desse e-mail, foi estabelecida uma conversação telefónica entre o administrador da Ré (V) e o representante da Autora (G), no âmbito da qual este contrapropôs e aquele aceitou, que o montante a pagar seria de 75% do valor em dívida ou seja, seria o valor dessa dívida reduzido em 25%; c) O referido em 22. ocorreu imediatamente após o email com a data de 25.05.2021; d) Na comunicação referida em 40.[6] a Autora invoca a sua qualidade de proprietária do valor penhorado; e) A Ré propôs o pagamento de 75% do valor em dívida a título de comissões. **** Apreciação da Matéria de Facto O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[7]. Como, aliás, assinala o Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”. Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[8], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de: 1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a); 2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c). Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[9], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[10], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[11]. Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[12] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco). Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância”[13] (sublinhado e carregado nossos). Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[14]. O Tribunal da Relação deve usar aquilo a que Miguel Teixeira de Sousa chama de “um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação”[15]. Verificadas as Alegações e Conclusões da Ré-Recorrente verifica-se que nada obsta à apreciação da sua impugnação, uma vez que cumpre todos os ónus e requisitos necessários para o efeito. Vejamos, então, a divergência da Ré-Recorrente, que pretende eliminar o facto não provado d), acrescentando um facto à matéria adquirida. Não lhe assiste razão de forma alguma. É que a impugnação da matéria de facto tem um carácter instrumental perante a decisão de mérito da acção. E a eliminação do facto não provado d) é inútil e irrelevante e o facto pretendido acrescentar ainda mais o é. Inútil porque nada traz de relevante ao processo (dissesse o Banco o que dissesse na mensagem em causa, nada alteraria a sua situação jurídica relativamente ao valor depositado pela Ré na sua – da Ré – conta), sendo certo, por outro lado, que o que consta do facto não provado em causa só pode ser lido e entendido de forma literal (na comunicação transcrita no Facto 40, efectivamente, a Autora não invoca qualquer qualidade de proprietária, pelo que sempre haveria de ser dado como não provado) e só assim poderia ser relevado (sob pena de conclusividade ou, pior ainda, de constituir matéria de Direito, o que, em qualquer dos casos, o tornaria inaproveitável e inócuo). Inútil porque o facto que a Recorrente-Ré pretende acrescentar já está no Facto 26 (Em 05.11.2021 a Autora, para cumprir a ordem de penhora, procedeu ao envio, à Agente de Execução, do valor penhorado de € 41.023,83, o qual abrangia o valor de € 40.979,14 depositado pela Ré para efeitos de pagamento à Autora da dívida relativa às comissões devidas pela vigência das duas garantias bancárias). Por isso, importa convocar os princípios da utilidade, da economia e da celeridade processuais, que nos levam a descartar a reapreciação de factos que sejam insusceptíveis de assumir relevância jurídica, em face do Direito aplicável (ou passível de ser aplicado). Fazê-lo seria levar a cabo uma actividade processual à partida irrelevante, inconsequente e inútil[16]. Trata-se da aplicação directa do princípio da limitação dos actos, que ressalta do artigo 130.º do Código de Processo Civil[17]. É isto que temos tido oportunidade de referir em vários Acórdãos (por exemplo, de 04 de Julho de 2023 - Processo n.º 20210/20.3T8LSB.L1-7 e de 19 de Março de 2024 - Processo n.º 27889/21.7T8LSB.L1-7), no sentido de sublinhar que convém ter presente que, respeitando tal princípio, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que (Acórdão de 20 de Junho de 2023, desta mesma Secção – Processo n.º 11680/21.3T8LSB.L1), para “não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica”[18]. É isto também que escreve Carlota Spínola, quando conclui que o Tribunal da Relação “está eximido do exercício do dever de modificabilidade da decisão de facto nas situações de irrelevância processual que ficam, por conseguinte, excluídas do campo de aplicação do art.º 662.º. Esta constatação lapalissiana baseia-se no princípio da limitação dos atos expressamente previsto no art.º 130.º, enquanto manifestação do princípio da celeridade e da economia processual, acolhidos nos arts. 2.º/1 e 6.º/1. Como é aludido nos acs. do TR de Guimarães (TRG) de 20/10/2016 (proc. n.º 2967/2012, ID 369508) e de 26/11/2018 (proc. n.º 272/2017, ID 400002), a Relação não deve reapreciar a matéria factual quando os concretos factos objecto da impugnação forem insuscetíveis, “face às circunstância(s) próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito”, de ter “relevância jurídica”, sob pena de executar uma atividade processual que já previamente sabia ser “inútil” ou “inconsequente”. Por outras palavras, o exercício dos poderes-deveres de investigação pela Relação só é admissível se recair sobre factos com interesse para o recurso, i. e., factos que a serem demonstrados, modificados ou dados como provados alteram a solução ou o enquadramento jurídico do objeto recursório”[19]. Ora, o que sucede quanto a esta pretensão da Ré-Recorrente é que, considerando o objecto do processo, considerando o pedido e a causa de pedir formulados, o facto que se pretende eliminar dos Factos não provados está bem decidido (para a utilidade que dele se pode retirar) e o facto que se pretende acrescentar já consta como provado, pelo que, a pretensão impugnatória nada traria de relevante ao processo e não seria susceptível de alterar o rumo da acção, do que decorre o seu indeferimento. *º* Fundamentação de Direito A Sentença sob recurso, em termos de apreciação de Direito, utiliza o seguinte processo de raciocínio: I - A questão a decidir prende-se com a responsabilidade da Ré pelo pagamento da quantia peticionada pela Autora. II - O princípio basilar que serve de trave mestra da teoria dos contratos é o da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil), do qual decorre que, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, podendo ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. III - Reconhece-se aos contraentes, além da liberdade de contratar e da liberdade de escolha do outro contraente, a faculdade de fixarem livremente o conteúdo do contrato; IV - A regra fundamental é a contida na primeira afirmação do texto da norma - livre fixação do conteúdo dos contratos – não sendo as outras duas proposições mais do que simples aplicações ou explicitações do pensamento anterior. V - A liberdade contratual é corolário da autonomia privada concebida como um poder que os particulares têm de fixar, por si próprios, o conteúdo, a disciplina juridicamente vinculativa dos seus interesses. VI - A autonomia privada é mais ampla do que a liberdade contratual, que se limita ao poder de auto-regulamentação dos interesses concretos e contrapostos das partes, mediante acordos vinculativos. VII - Assim, a liberdade de contratar envolve nos seus dois termos a expressão de duas ideias sucessivas de sinal oposto: - a faculdade de os indivíduos formularem livremente as suas propostas e de decidirem sem nenhuma espécie de coação externa sobre a adesão às propostas que os outros lhe apresentem; - a liberdade reconhecida às partes aponta para a criação do contrato e este é um instrumento jurídico vinculativo, um acto com força obrigatória (a lex contractus); VIII - Liberdade de contratar é, por conseguinte, a faculdade de criar sem constrangimento de um instrumento objetivo, um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar (unilateralmente) dele – pacta sunt servanda (ao interesse da livre ordenação dos interesses recíprocos das partes sucede a necessidade de protecção da confiança de cada uma delas na validade do pacto firmado, e essa vinculação recíproca não viola o princípio da autonomia privada, na medida em que assenta sobre a auto-determinação de cada um dos contraentes). IX – O artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil ao proclamar que o contrato “deve ser pontualmente cumprido” e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”, é a regra mais importante a observar no cumprimento das obrigações, a da pontualidade, sendo que, o advérbio “pontualmente” é aqui usado no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. X - A Autora funda a sua pretensão num acordo levado a cabo com a Ré para pagamento do valor em dívida a título de comissões que haviam sido estipuladas como remuneração das da emissão de garantias bancárias, mediante o qual as partes reduziram o montante em dívida e a Ré se obrigou a pagar o valor acordado por via de depósito à ordem na conta de que a mesma Ré era titular na Autora, autorizando esta a imputar o valor depositado àquela dívida (Facto 13), valor este que foi efectivamente depositado (Facto 14), mas que acabou por ser penhorado à ordem de uma acção executiva em que a Ré era executada (Facto 16) e remetido à respectiva agente de execução (Facto 18). XI - A Ré pugna pela extinção da obrigação pelo pagamento, uma vez que procedeu a depósito do montante em causa, nos precisos termos acordados. XII - A invocação do pagamento consubstancia um facto extintivo do direito da autora e, nessa medida, uma exceção peremptória, nos termos do disposto nos artigos 476º do Código de Processo Civil. XIII - Estabelece o artigo 5º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “princípio do dispositivo”, que às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções. Coloca, deste modo, tal normativo, a cargo das partes a alegação dos factos em que se funda a sua pretensão. XIV - Por seu turno, dispõe o artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. XV - Tal ónus traduz-se no encargo imposto à parte a quem o mesmo compete de fornecer ao tribunal a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova, ou, na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184). XVI - Ora, resulta do que ficou dito que cabia à ré alegar e provar os factos conducentes à extinção do direito da requerente pelo pagamento. XVII - O cumprimento (nas obrigações pecuniárias comummente designado por pagamento (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, 2ª edição revista e actualizada, p. 1, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, revista e actualizada, p. 13 e INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 6ª Edição, revista e actualizada, p. 208) constitui-se na realização voluntária da prestação, traduzindo a actuação da relação obrigacional, no que toca ao dever de prestar (ANTUNES VARELA, Das Obrigações (…), vol. II, p. 7) – o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762º, nº 1 do Código Civil). XVIII - Modo paradigmático de extinção da obrigação, pois consubstancia a satisfação do interesse do credor (do titular ativo da obrigação), o cumprimento é a actuação da obrigação, a realização da prestação debitória – cumpre àquele que executa a sua obrigação, entregando a soma de dinheiro ou a coisa devida ou prestando os serviços a que está adstrito (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações (…), p. 207). XIX - A prestação (como determina o artigo 769º do Código Civil e resultaria dos princípios gerais) deve ser efectuada ao sujeito activo da relação jurídica obrigacional – o credor – ou a quem o represente – como parece evidente, o preço deve ser entregue ao comprador, ou a quem o represente, a coisa vendida deve ser entregue ao comprador, ou a quem o represente, assim se realizando o fim e a razão de ser da obrigação (FERNANDO FERREIRA PINTO/ISABEL TEIXEIRA DUARTE, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, [coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença], Universidade Católica, p. 1045 (nota I ao art.º 769º). XX - A legitimidade para receber a prestação é, em regra, do credor – e o que se diz do credor, diz-se do seu representante, cuja actuação jurídica vale como se fora do representado (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações (…), p. 225) XXI -Interessa reter que a obrigação se extingue pelo cumprimento quando a prestação devida é realizada ao sujeito ativo da relação jurídica ou aos seus representantes – a lei restringe a legitimidade para receber a prestação ao destinatário natural do cumprimento (o credor) ou ao seu representante, com vista a assegurar a satisfação do interesse creditório, por via do quadro legal que melhor proporcione a tutela do crédito e a prevenção da dissipação do mesmo, donde resulta que a realização da prestação a qualquer outro sujeito que não o credor ou um seu representante, ressalvadas as hipóteses previstas no artigo 770º do Código Civil, deixa intocado o direito do credor (e por isso que tal prestação do devedor não extingue a obrigação) (ANTUNES VARELA, Das Obrigações (…), vol. II, p. 30 e FERNANDO FERREIRA PINTO/ISABEL TEIXEIRA DUARTE, Comentário ao Código Civil (…), p. 1046 (nota IV ao art.º 769º). XXII - Na situação dos autos, o titular passivo da obrigação - a Ré, obrigada ao pagamento do montante acordado de 42.340,03 euros (Facto 12) - artigos 874º e 879º, a) do Código Civil), realizou a prestação, depositando o montante mencionado por via de depósito à ordem na conta de que era titular no banco Autor-Reconvindo autorizando este a imputar o valor depositado àquela dívida (Facto 14). XXIII - Efetuou, pois, a devedor a – a Ré -, a prestação nos termos acordados (depositando o montante mencionado por via de depósito à ordem na conta de que era titular no banco Autor). XXIV - No entanto o titular activo da obrigação, o credor – o Autor – não recebeu a prestação, por, entretanto, o montante depositado ter sido penhorado à ordem de acção executiva de que a Ré era executada e, por isso, ao realizar a prestação pela forma como o fez, mas sem que a mesma tenha sido recebida pelo autor, a Ré, não cumpriu a obrigação, ou melhor, não a fez extinguir na exacta medida do montante depositado e devido. XXV - O efeito extintivo da obrigação ocorreria apenas no momento do recebimento da prestação pelo credor – o Autor Banco -, isto é, no momento em que os efeitos do acto jurídico (o recebimento da prestação) praticado pela Ré se repercutissem na esfera jurídica do Autor Banco(credor). XXVI - O momento relevante e decisivo para apurar do cumprimento da obrigação (do dever de prestar emergente da relação jurídica que vincula a Ré, devedora, ao Autor Banco (credor) é o do recebimento da prestação pelo credor ou seu representante, o que, no presente caso, não se verificou. XXVII - Pelo exposto, improcede a exceção peremptória do pagamento invocada pela Ré XXIX - No entanto, estabelece o artigo 813º do Código Civil que “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação”. XXX - Se a impossibilidade temporária do cumprimento da prestação for imputável a uma conduta do próprio credor produz-se a chamada mora do credor (artigos 813º a 816º, Código Civil) e, assim, há mora do credor sempre que a obrigação não foi cumprida no momento próprio porque o credor, sem causa justificativa, recusou a prestação que lhe foi regularmente oferecida ou não realizou os actos de cooperação da sua parte, necessários ao cumprimento (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 5.ª ed., 1992, p. 159). XXXI - Como escreve ALMEIDA COSTA (Direito Das Obrigações, 6.ª ed., 1994, p. 947) a cooperação do credor pode assumir várias expressões como sejam “apresentar-se o credor ele próprio ou um seu representante, no lugar convencionado para a prestação (domicílio do devedor ou outro local), exercer o direito de escolha numa obrigação genérica ou alternativa, passar quitação, restituir o título da dívida, etc.”. XXXII - Por outro lado, a mora do credor, ao contrário dos casos de impossibilidade da prestação por causa imputável ao credor, não desonera o devedor da sua obrigação, dela resultando tão só uma atenuação da sua responsabilidade, nos termos do disposto no artigo 814.º do Código Civil (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, cit., p. 162). XXXIII - O preenchimento de cada uma das hipóteses a que alude aquele artigo 813º do Código Civil (ou seja: a fixação dos termos em que o credor devia ter aceitado ou a determinação dos actos que devia ter praticado) faz-se atendendo às regras que, para o caso concreto, forem ditadas pela aplicação do princípio da boa-fé (n.º 2 do artigo 762.º, Código Civil). XXXIV - Verificado este circunstancialismo, para todos os efeitos, o devedor não executou a prestação. Porém, uma vez que o seu oferecimento infrutífero não lhe é imputável, tal torna-o não apenas irresponsável pela falta de cumprimento (aplicando-se-lhe, assim, em geral, o regime contido entre os artigos 790º e 797º), como, inclusive, pode atenuar a respectiva (eventual) obrigação de indemnizar por danos atribuíveis à sua própria actuação (artigo 814.º, Cód. Civil) Ac. STJ, de 06/11/2007, Proc. n.º 07A3056, www.dgsi.pt). XXXV - Podemos sintetizar assim as consequências da mora creditoris: 1. Atenuação da responsabilidade debitória (artigo 814º Código Civil): estando o credor em mora, nos termos do estatuído no aludido artigo 813º Código Civil, os eventuais danos que o objecto da prestação venha a sofrer por razões imputáveis à conduta do devedor somente o responsabilizam na medida em que ela tenha assumido carácter doloso, não constituindo a mera sua negligência na obrigação de indemnizar; 2. O “risco de impossibilidade superveniente de prestação” é imputável ao credor (artigo 815º Código Civil); 3. Ocorre um agravamento da responsabilidade creditória por causa do acréscimo de despesas que o devedor tenha sido “obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respetivo objecto” (artigo 816º do Código Civil). Tendo o devedor tentado cumprir a sua obrigação atempadamente, mas não contribuindo o credor para o recebimento da prestação como devia, aquele permanece adstrito a realizá-la de novo (pois, para todos os efeitos, não a executou). Mas, na medida em que a reprodução do acto executivo provoque despesas acrescidas, o credor é por elas responsável. XXXVI - Como é bom de ver, no que tange à mora do credor, em causa importa aferir do eventual preenchimento do segmento aludido no citado artigo 813º do Código Civil: “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, (…) não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”. XXXVII - Note-se, desde já, que, diferentemente do que ocorre com a mora do devedor, em que a lei exige que haja culpa sua (artigo 804º, n.º 2 do Código Civil), a mora do credor não depende de existência de culpa sua (CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág. 118), isto é, não se exige que a sua não aceitação da prestação ou a omissão da sua colaboração sejam censuráveis. XXXVIII - O que se quer, então, significar com aquela expressão, em termos de suficiência para o preenchimento da mora creditoris? Quando pode dizer-se que o credor não praticou os actos indispensáveis para que o cumprimento da prestação pudesse ter lugar? XXXIX - Como ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA estes Mestres (Código Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição Revista e Atualizada, pág. 75-76), o primeiro dos requisitos para que se verifique a mora do credor é que este não tenha motivo justificado para não aceitar a prestação (sine justa causa accipere recusare). XL - Depois, há que ter sempre presente que (como já ficou dito) a mora do credor não depende da culpa deste, ao contrário da mora do devedor, a qual depende sempre de culpa, pois que (como ali ensinam aqueles Mestres) se o devedor está obrigado a cumprir, já o credor “não está propriamente obrigado a aceitar a prestação”. XLI - Mas o requisito atinente à mora do credor, nuclear na economia do mérito da presente demanda (como se verá), é, como vimos, a falta de prática pelo credor dos “actos necessários ao cumprimento da obrigação”. XLII - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, no local citado, dão exemplos elucidativos da previsão legal, concluindo, quanto a este “segmento” do preceito legal, que, “De qualquer modo, é evidente, porém, que “quando a lei fala na falta dos actos necessários ao cumprimento da obrigação, se quer apenas referir àqueles cuja prática incumbe ao credor – não, positivamente, àqueles que o obrigado deva praticar.” XLIII - De forma muito elucidativa sobre o âmbito ou sentido da exigência legal da prática pelo credor dos “atos necessários ao cumprimento da obrigação”, esclarece JOÃO ABRANTES (A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 1986, pág. 42, nota 8) que essa colaboração exigida ao credor assenta em deveres de conduta que “não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas” - assim secundando o entendimento já firmado por ANTUNES VARELA, este, porém, sustentando que os aludidos deveres secundário ou de conduta exigíveis ao credor ser essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra” (Das Obrigações em Geral, 7ª ed., pp 124-125). XLIV - Igualmente impressiva é a afirmação de JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA (Lições De Cumprimento E Não Cumprimento Das Obrigações, 2011, a págs. 197-198) de que se impõe separar “os casos em que o credor se limita a dificultar o cumprimento, aqueles em que a falta de colaboração, não impedindo o cumprimento, apenas vai provocar uma crise na função da obrigação (…), dos casos (…) em que a não aceitação da prestação por parte do credor é impeditiva de uma posterior realização” (acrescentando que “O interesse fundamental que preside ao papel colaborante do credor tem a ver com a satisfação do seu direito e não com o escopo de liberação do devedor” - Cit., pp 203-204). XLV - Também abordando as situações em que é devida a colaboração do credor e cuja falta preenche a mora creditoris, MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, Vol. II, 6.ª Edição, pp 243-244), usa uma expressão particularmente impressiva para o caso sub judice, qual seja, de que a mora do credor se conexiona com as situações em que o cumprimento da obrigação pressupõe a colaboração do credor, sendo que só faltando esta (pressuposta) colaboração se constitui o credor em mora: é que só não pode ser imputada ao credor a não realização da prestação quando a tal inexistente colaboração do credor não teve lugar, sim, mas era suposto que existisse (era necessária para que pudesse levar a cabo o cumprimento da prestação nos termos ajustados ou clausulados). XLVI - Anote-se que a recusa pelo credor da prática dos actos necessários ao cumprimento da obrigação é eficaz (em termos de funcionamento da mora do credor), não apenas quando essa colaboração do credor era esperável ou suposto ter lugar, mas ainda quando o credor não tiver motivo justificado para recusar a prestação. É que em certos casos o credor pode ter motivo justificado para recusar a prestação, como é o caso de esta não coincidir plenamente com a obrigação a que o devedor se vinculou. XLVII - Atentemos, então, na factualidade assente nos autos, subsumindo-a às notas doutrinais e jurisprudenciais aqui deixadas. XLVIII - Na situação a que os autos se reportam estava ou era pressuposta a colaboração do credor/autor para que o devedor/Ré pudesse levar a cabo a sua obrigação de pagamento. XLIX - Efetivamente, após o provisionamento da conta pela Ré a que alude o Facto 14, impunha-se que o autor/credor retirasse, debitasse da mesma o valor depositado, assim concretizando o recebimento da quantia depositada que se impunha para concretização do pagamento, com consequente extinção da obrigação da Ré. L - Sucede que, não obstante a Ré ter informado o Autor Banco do provisionamento da conta, este assim não procedeu, até que, nove dias depois, recebeu uma ordem de penhora do saldo bancário da conta em que o depósito da Ré havia sido efectuado (Factos 15 e 16). LI - Nesta sequência, ainda que a inacção do autor Banco se tivesse devido a questões relacionadas com o sistema informático (Facto 15), não poderá deixar de se concluir que o autor Banco não praticou os actos necessários ao cumprimento da obrigação, tendo assim incorrido em mora creditoris. LII - Como consequência, tendo o devedor (a Ré) tentado cumprir a sua obrigação atempadamente, mas não contribuindo o credor para o recebimento da prestação como devia, aquele (devedor-Ré) permanece adstrito a realizá-la de novo (pois, para todos os efeitos, não a executou). LIII - No entanto, estando em causa uma impossibilidade superveniente temporária, nos termos previstos no artigo 792º do Código Civil, pois que, trata-se obrigação pecuniária, nada constando, também, dos autos no sentido de que o credor tenha perdido o interesse nessa prestação, impõe-se a reprodução do acto executivo do cumprimento, nos precisos termos e condições do primeiro. LIV - Assim sendo, a redução de dívida acordada entre as partes em Maio de 2021 referida no Facto 19, terá que manter-se, pois que, o pressuposto a que alude o mesmo ponto dos factos provados apenas não se efectivou porque o Autor Banco nada fez para o efeito (sendo certo que o depósito foi atempadamente efectuado pela Ré, isto, independentemente da materialidade enunciada no Facto 20). LV - Deverá, deste modo, proceder parcialmente a acção, até ao montante de 42.340,83 euros (Facto 12). LVI - Vem a Autora ainda pedir juros de mora, às taxas legais de que são titulares as empresas comerciais contados desde a citação e até integral pagamento, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 804º, n.º 2, do Código Civil, o devedor se constitui em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não efectua a sua prestação no tempo devido. LVI – Ora, tal mora existirá depois de o devedor ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, de acordo com o preceituado no artigo 805º, n.º 1, do Código Civil, havendo mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo (artigo 805º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal. LVII - Atendendo a que, não obstante a Ré se ter constituído em mora desde a data referida no Facto 20, o autor Banco pede juros desde a citação, será a partir dessa data que os juros serão contabilizados. LVIII - De acordo com o estabelecido no artigo 804º, n.º 1, do Código Civil a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Tratando-se de uma obrigação pecuniária, tal indemnização corresponde aos juros legais contados a partir da constituição em mora (cfr. artigo 806º, n.ºs. 1 e 2, do Código Civil). LIX - É de obrigação pecuniária que tratam os presentes autos, sendo a Ré, por conseguinte, não só devedora para com o Autor Banco da quantia de 42.340,83 euros, mas também dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação. LX - Nos termos do disposto no artigo 559º, do Código Civil, a taxa de juros legais e os estipulados sem determinação de data ou quantitativo é fixada por Portaria conjunta do Ministro das Finanças e da Justiça. LXI - Os juros peticionados pela autora são comerciais, ou seja, relativos a obrigações emergentes de atos comerciais, nos termos do artigo 102º do Código Comercial: os juros de mora, sendo o Autor Banco uma sociedade anónima que exerce uma actividade comercial (Facto 1), são devidos à taxa de juro moratória prevista para as empresas comerciais – artigo 102º § 3º do Código Comercial (normativo que estabelece uma taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais). LXII - O Acórdão do STJ, de 9.12.1999 sentenciou: “Para os efeitos do artigo 230º do Código Comercial, uma empresa comercial pressupõe uma atividade exercida profissionalmente e dotada de organização, ainda que rudimentar” (CJSTJ, 1999, III, 136.). LXIV - A Ré, na contestação, alega que o autor Banco ao invocar o incumprimento contratual da Ré e reclamar o pagamento da quantia peticionada, pretende fazer valer uma posição jurídica em contradição com a conduta de aceitação do depósito antes feito por si e sem dele reclamar, traduzindo, no seu entender, o exercício de tal direito um venire contra factum proprium e, por conseguinte, um abuso do direito. LXV - A respeito do abuso do direito, diz o artigo 334º, do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bens costumes ou pelo fim social e económico desse direito. LXVI - Antes de mais, importa salientar que o abuso do direito, enquanto princípio de ordem e interesse público, é constatado pelo tribunal, mesmo quando o interessado o não tenha mencionado, não dependendo, por isso, da invocação das partes a apreciação da questão - puramente de Direito – de saber se quem exercita o direito a que se arroga, age motivado e sob condicionantes que tornem o seu exercício ilegítimo (cfr. Acórdão do S.T.J., de 5.2.87, B.M.J., nº. 364, pág. 787). LXVII - Na verdade, o tribunal não fica limitado pelas invocações jurídicas das partes: pedido um certo efeito e constando do processo, os factos necessários, pode o juiz optar pelo abuso do direito, mesmo que este não tivesse sido expressamente invocado (cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 1999, pág. 197). LXVIII – O artigo 334º, do Código Civil, adoptou uma concepção objetiva de abuso de direito, uma vez que, não é necessária a consciência de que se excederam, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 298). LXIX - Significa isto, em primeiro lugar, que o excesso cometido no exercício do direito tem que ser manifesto: o julgador estará perante um abuso do direito quando constata que este foi exercido, em termos objectivos, inequivocamente em ofensa da justiça. Por isso, não é necessária a consciência do abuso, é suficiente o excesso objetivo (cfr. HEINRICH EWALD HORSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pág. 282). LXX - A concepção geral do abuso do direito postula a existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual, limites que advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e de boa fé. LXXI - A função económica e social do direito tem a ver com a sua configuração real, a apurar através da interpretação. Se um direito é atribuído com um certo perfil, já não haverá “direito” quando o titular desrespeite tal norma constitutiva. LXXII - Como verdadeiro campo de conformação do abuso do direito surge a boa fé: o titular excede manifestamente os limites da boa fé quando o exercício do direito estaria, em princípio, a coberto de uma norma, mas, no caso concreto, existem circunstâncias ou relações especiais em virtude das quais, a invocação da norma incorre em contradição com a ideia de justiça (cfr. HEINRICH EWALD HORSTER, ob. cit., pág. 284). LXXIII - Como alvo preferencial para uma proibição de venire contra factum proprium radicada na boa fé, surgem as situações em que há uma aparência que suscite a confiança das pessoas (cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pág. 201). LXXIV - Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência humana e da cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade de comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação, logo, da paz jurídica (cfr. BAPTISTA MACADO, Tutela da Confiança e “Venire Contra Factum Proprium”, RLJ, Ano 117, págs. 228 e seguintes). LXXV - Pelo que fica dito, impõe-se a constatação de que não estão assentes, nem tão pouco estão alegados, factos suscetíveis de conduzir à conclusão de que o autor Banco, ao invocar o incumprimento por parte da Ré e reclamar o montante peticionado, actua em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ou de modo gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na colectividade, ou ainda em contradição com o comportamento que assumiu anteriormente (da factualidade concreta apurada resulta que a prestação debitória não se mostra extinta, impondo-se a respectiva realização, pese embora em montante inferior ao peticionado). LXXVI - Nem a matéria assente, nem mesmo a matéria alegada na contestação se mostra susceptível se enquadrar no citado artigo 334º do Código Civil, por da mesma não ser possível extrair que a Ré, ao exercer o seu direito tenha excedido os limites impostos pela boa fé e, muito menos, pelos bons costumes, ou tenha agido fora do fim social e económico do seu direito, designadamente em contradição com conduta anterior. LXXVII - Conclui-se, assim, não se verificar in casu qualquer abuso do direito. LXXVIII – Quanto à condenado em multa e indemnização por litigância de má fé, em face do preceituado pelo artigo 542º, n.º 1, do Código de Processo Civil, do alegado pelas partes e dos elementos constantes dos autos, não se vislumbra que o autor Banco tenha litigado de má-fé, na medida em que o mesmo instaurou a ação alicerçada numa fundamentação factual que não se mostra suscetível de enquadrar uma das enunciadas situações, nem de caracterizar a respectiva atuação como dolosa ou gravemente negligente. LXXIX – A Ré será pois condenada a pagar ao autor Banco a quantia de 42.340,83 euros, acrescida de juros de mora, às taxas legais aplicáveis a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados da citação, até efectivo e integral pagamento. ** Raciocínio claro, escorreito, pragmático e sem “ruído”, estando juridicamente bem fundamentado. Resta saber se também com razão. Ambas as partes entendem que… sem razão: - O Banco Autor por pretender que inexistiu qualquer mora da sua parte (artigos 813.º a 816.º do Código Civil), ou impossibilidade temporária da prestação (artigo 792.º), que não recusou a prestação por parte da Ré, nem a falta de concretização da prestação se deveu à ausência injustificada de colaboração da sua parte enquanto credora (pois os problemas informáticos constituíram eventos de força maior), acrescendo que a Ré, não procedeu à repetição da prestação, sendo que o pressuposto da redução de dívida acordada era a concretização imediata da obrigação de pagamento (que, não se tendo concretizado determinou a impossibilidade objectiva da prestação e a perda de interesse nesta por parte do Autor-Banco, enquanto credor - n.º 2 do artigo 792.º). Entende assim o Banco Autor que se extinguiu a relação contratual, na exacta medida em que a obrigação principal deixou de poder ser cumprida, nos termos e para os efeitos do artigo 795.º (sendo que, mesmo que se tratasse de uma impossibilidade temporária da prestação, haveria perde de interesse do credor, estando – em qualquer caso – presente uma situação de mora da devedora e, tendo o credor perdido o interesse no recebimento da prestação - Facto 19 - sempre a Ré seria responsável). - A Ré por pretender que existiu uma situação de mora do credor (por ter demorado 9 dias a movimentar o dinheiro e por não ter deduzido embargos de terceiro na execução em que foi decretada a penhora) e que, a partir da autorização para mobilização do valor depositado, regularizou as suas responsabilidades para com o Banco, sendo que, o valor depositado deixou de lhe pertencer, passando para a titularidade do Banco Autor (sendo que, o momento relevante e decisivo para apurar do cumprimento da sua obrigação é o da entrega da prestação ao credor, pelo que deve ter-se esta por cumprida, nos termos do artigo 762.º, n.º 1), pelo que a acção deve ser julgada improcedente (ou, no mínimo, não ter de pagar juros sobre os € 42.340,83 acordados). Começa por dizer-se que a abordagem jurídica geral formulada pelo Tribunal a quo, não merece reparos, pelo que nos dispensaremos de a repetir. Todavia, existem alguns pontos que exigem uma expressa referência e, em concreto, uma distinta conclusão. Assentemos em que o ponto de partida é o dos artigos 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, do Código Civil, segundo os quais os contratos devem ser pontualmente cumpridos e o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou (como refere Enzo Roppo, cada um "é absolutamente livre de comprometer-se ou não, mas, uma vez que se comprometa, fica ligado de modo irrevogável à palavra dada : pacta sunt servanda"[20]), sendo certo que - recorrendo a Paul Ricoeur - é "nesta estrutura de confiança que se intercala o laço social instituído pelos contratos e pelos pactos de todos os tipos que conferem uma estrutura jurídica à troca das palavras dadas", e que, o "facto de os pactos deverem ser observados é um princípio que constitui uma regra de reconhecimento que ultrapassa o face a face da promessa de pessoa a pessoa"[21]. Aliás, repare-se que é o respeito por esta regra, que enquadra (e permite obter), aquilo a que Jean-Pierre Dupuy chama de "fluido misterioso, cujo nome evoca mais os ardores da religião do que a racionalidade fria do cálculo : a confiança . De facto, a linguagem da economia demonstra que o seu fundamento é a fé : confiança, crédito, trust, moeda fiduciária, etc."[22] [23]. Ora, não há dúvida que a Ré desrespeitou tal regra e incumpriu as suas obrigações contratuais (Factos 2 a 7 e 9), violando - deste modo - a confiança que nela depositou o seu contraente (o Autor Banco), o que levou a que as partes, perante os montantes em dívida (Factos 10 e 11) estabelecessem entre si um novo acordo (Facto 12), que passava pelo pagamento de € 42.340,83. Este pagamento passava pelo provisionamento da conta à ordem da Ré junto do Banco Autor (Facto 13 e 23), ficando este autorizado a imputar o valor depositado à referida dívida de € 42.340,83 (Facto 12). E a Ré fez esse depósito e disso informou o Banco Autor, a 25-05-2021 (Facto 14). Este é o primeiro ponto em que importa dissipar dúvidas, nomeadamente os equívocos em que a Ré assenta o seu recurso. Temos vários momentos a relevar: - um primeiro momento em que a Ré faz tudo o que formalmente se lhe exigia no âmbito do acordo de regularização da sua dívida - depósito do dinheiro na sua conta junto do Banco Autor; - um segundo momento em que o Banco Autor não procede à transferência do dinheiro depositado para si (durante nove dias); - um terceiro momento, em que o Banco Autor é confrontado com uma penhora do valor em causa e fica impedido de fazer seu o dinheiro transferido, no uso da autorização de que dispunha; - um quarto momento em que a Ré é confrontada (Facto 20) para proceder ao pagamento em face da penhora ocorrida (sem que tenha dado qualquer resposta – Facto 28). Ora, dentro dos dois primeiros momentos constatamos que a Ré, que tinha o dever de assegurar que o dinheiro se mantinha na sua conta (e não estamos sequer a falar de meses ou anos, mas de singelos nove dias), não o fez, porque - entretanto - se concretizou uma penhora de um processo em que era executada! Sublinhe-se e assente-se: a Ré, ao transferir ou depositar o dinheiro na sua conta bancária junto do Banco Autor não pagou nada, desde logo porque, com esse depósito, nada entrou na esfera jurídica do seu credor (Banco Autor), o qual apenas ficou com autorização para movimentar esse valor a seu favor. Esse pagamento ficou pois dependente de uma acção do seu credor, para a qual estava autorizado (transferi-lo para si próprio), mas que este não chegou a conseguir fazer pois que, entretanto (a 04 e 05 de Junho de 2021), o montante depositado pela Ré foi penhorado no âmbito da aludida execução em que esta era executada (Factos 16 e 17). Aquela autorização, tal como nos parece evidente, “não produz os efeitos jurídicos do pagamento, pois que, como a doutrina sublinha, o dar uma ordem de pagamento não é um pagamento, mas uma intenção de pagamento”[24], tal como ocorre com a emissão de um cheque ou de uma letra que não são dinheiro e que, embora de “utilização imediata e rápida”, são “meios indirectos de pagamento”[25], ou de “cumprimento”[26], pelo que “até que não sejam convertidos ou realizados não produzem os efeitos jurídicos do pagamento”[27]. Não pode, assim, dizer-se que a Ré tenha procedido a qualquer pagamento (isso teria ocorrido sim, se tivesse sido feita uma transferência para uma conta do Banco, ou para uma conta por este indicada), donde não ter ocorrido a extinção da sua obrigação[28]. É certo que, depois de ter feito a transferência para a sua conta (Facto 14), a Ré ficou dependente da referida acção do Banco Autor, mas ela própria sabia disso. E que fazer neste período? Maria de Lurdes Pereira escreve que, confrontada “com a ausência de uma regulação que proteja o «interesse sério e legítimo do [devedor] em libertar-se da obrigação», quando esta tenha por objecto uma prestação de facto (positivo), essa doutrina mune o obrigado com a faculdade de por termo à sua vinculação: o que para alguns Autores operará por intermédio da aplicação analógica do art.º 808.º, n.º 1, segunda parte (estipulação de um prazo peremptório pelo devedor, acompanhado da expressa advertência de que, uma vez aceite, o devedor se considerará liberado), enquanto que para outros, suporá a «criação» de uma via autónoma consistente na possibilidade de o devedor requerer ao tribunal a fixação de um prazo, no termo do qual se extinguirá o seu dever de prestar”[29]. A Ré pretende com a sua tese um manifesto abuso que chocaria com qualquer razoabilidade: pretende que a transferência que fez para a sua conta a liberaria da dívida para com o seu credor Banco-Autor, assistindo inocentemente ao pagamento (total ou parcial, o que é irrelevante) de uma outra dívida pela qual estava a ser executada noutro processo (através da penhora concretizada), constituiria um verdadeiro milagre de multiplicação de pagamentos, um dois-em-um fantástico, um matar dois coelhos (dois créditos) com uma cajadada (uma mesma quantia). E não se diga que se tinha criado uma situação de mora do credor (artigo 813.º[30]), pois não pode dizer-se que o credor Banco Autor tenha rejeitado ou não tenha aceitado a prestação da Ré ou que tivesse ultrapassado os limites razoáveis em termos de prazo para praticar os actos necessários ao cumprimento da obrigação[31]. Repare-se que não houve interpelação nesse sentido (fixar um prazo ao credor Banco Autor para transferir para si o dinheiro), nem sequer tinha passado um tempo que pudesse ser considerado excessivo ou abusivo para este credor (o Banco) fazer “a sua parte” (nove dias, não tendo sido acordado um prazo concreto para o Banco retirar o dinheiro da conta, não é significativo[32], sendo certo que convém ter presente que a penhora podia ter ocorrido logo que a transferência ocorreu, ou um ou dois, ou três dias depois…) . E a devedora tinha de estar atenta a essa acção do Banco, porque só ela a liberaria da sua dívida (embora ela própria não estivesse em mora em face do n.º 2 do artigo 804[33] e do n.º 2 do artigo 805.º[34]). O objectivo – relembre-se – era o pagamento e o pagamento nunca chegou a ocorrer. E só o pagamento seria liberatório da obrigação da Ré perante o Autor Banco. Assim, o que temos é a criação de condições por parte da Ré devedora para fazer o pagamento[35] (depósito e autorização) e a circunstância de, antes de o credor Banco Autor o fazer seu, ficar disso impedido pela penhora (que, aliás, é a prova provada que o dinheiro não saiu da esfera jurídica da Ré). Trata-se de uma circunstância imponderável e imprevisível por parte do Autor-Banco e que não fez com que a dívida se extinguisse. De referir que não faz sentido a alegação da Ré no sentido de a mora de credor decorrer da circunstância de o seu credor Banco Autor não ter deduzido embargos de terceiro relativamente à penhora concretizada sobre os valores depositados na conta de depósito da Ré: é que não há dúvidas de que o Banco não é titular daqueles valores (é um mero depositário) pelo que não poderia arvorar-se em seu proprietário, entrando numa lide absolutamente temerária (uma coisa são as tentativas feitas junto do Agente de Execução – Factos 25, 40 e 41 -, outra, bem distinta, é o intentar de uma acção em Tribunal condenada ao insucesso). Nestes termos e até este momento, ainda nenhum dos intervenientes tinha entrado numa situação de mora. Esta surge, todavia, no quarto momento, quando (ao não poder fazer seu o dinheiro por aquela depositado - Facto 20), a Ré é confrontada pelo credor Banco Autor para proceder ao pagamento, sem que aquela tenha pago, ou sequer tenha dado qualquer resposta (Facto 28). A partir de 15 de Setembro de 2023 (Facto 28) a Ré entrou em mora, situação que releva para efeitos de pagamento de juros, matéria que está abordada de forma correcta na Sentença sob recurso, nomeadamente na constatação de que “não obstante a ré se ter constituído em mora desde a data referida no ponto 20[36]. da fundamentação de facto, o autor pede juros desde a citação, pelo que será a partir dessa data que os juros serão contabilizados. E a partir daqui resta a abordagem de uma questão final: a de saber se se mantém o valor da dívida reduzida ou o valor inicial. Quanto a esta matéria refere a Sentença sob apreciação que “a redução de dívida acordada entre as partes em maio de 2021 referida no ponto 19. dos factos provados, terá que manter-se, pois que, o pressuposto a que alude o mesmo ponto dos factos provados apenas não se efetivou porque a autora nada fez”. Cremos que não assiste razão ao Tribunal a quo. De facto, houve uma redução do valor da dívida acordada, mas assente num determinado pressuposto, pressuposto este que ficou provado no Facto 19 (A redução de dívida acordada entre as partes em Maio de 2021 tinha como pressuposto que a mesma fosse paga naquele momento, o que, aliás, sustentou o depósito efectuado pela Ré). E este facto não pode deixar de ser relevado, até ao momento em que o pagamento deixa de poder ser feito nos termos previstos e o credor Banco Autor notifica novamente a Ré para pagar. Ou seja, há uma redução da dívida acordada, a devedora começa por fazer a sua parte (depositando o dinheiro na conta bancária), o credor não faz a sua parte durante nove dias (retirando de lá o dinheiro), surge uma penhora sobre o depósito da conta da devedora, o credor volta a notificar esta para pagar e o pagamento não é feito… De forma alguma podemos concluir que o pagamento da dívida reduzida só não ocorreu por força da conduta do credor Banco Autor (ou como diz a Sentença, “porque a autora nada fez”). Repete-se: a causa da não efectivação do pagamento não foi a conduta do credor Banco Autor[37] (que não fez seu o dinheiro existente na conta da Ré durante nove dias, mas nem tinha expressa obrigação de o fazer de imediato, nem foi interpelado para o fazer de imediato, nem lhe foi fixado um prazo pelo Tribunal para o fazer), mas sim uma penhora ordenada num processo em que a executada era a devedora ora Ré (e onde esta tentou mesmo alcançar um acordo de pagamento com o exequente – Facto 24). Assim, perante o ocorrido, e diante do não escamoteável Facto 19, não tendo o pagamento sido feito ao credor Banco Autor no momento previsto (Maio-Junho de 2021 – Factos 10 a 17), dois anos depois (Factos 20 e 28), é inevitável que este possa exigir a dívida inicial, não reduzida. A Ré não soube merecer a confiança que lhe foi dada no acordo para redução da dívida e voltou a não cumprir a sua parte no contrato. Portanto, a partir do não pagamento posterior à interpelação referida no Facto 20[38], não pode manter-se a redução da dívida e a prestação devida volta ao seu valor inicial de €56.410,44, valor a que terão de acrescer os juros de mora, desde data da citação, nos termos referidos na Sentença. Contratar é sempre assumir riscos. É confiar[39]: essa é natureza do comércio e o que dele faz o motor do crescimento económico das sociedades. Em concreto, as partes assumiram os seus riscos e, pelos imponderáveis que sucederam, esses riscos acabaram por se concretizar, levando a que os objectivos de cada um dos envolvidos se não concretizassem como previsto. O que correu mal foi o que resultou expresso na factualidade apurada no processo -a verdade judiciária- e esta é a que releva. O Recurso da Autora será, assim, provido na totalidade e o Recurso da Ré não provido, também in totum. ** Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[40]. Autora e Ré escolheram o seu caminho de actuação. Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", dar razão à Recorrente Autora e não a dar à Recorrente Ré, considerando procedente o recurso daquela e improcedente o desta (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[41]). ** DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em: - julgar procedente a Apelação da Autora e, em consequência, condenar a Ré no pagamento do montante de cinquenta e seis mil quatrocentos e dez euros e quarenta e quatro cêntimos, acrescido de juros de mora, às taxas legais aplicáveis a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento; - julgar improcedente a Apelação da Ré. ** As custas dos recursos ficam a cargo da Ré. As custas da acção ficam a cargo de Ré e Autora na proporção dos decaimentos. * Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil). *** Lisboa, 13 de Maio de 2025 Edgar Taborda Lopes Luís Lameiras Ana Mónica Pavão _______________________________________________________ [1] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as). A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. [2] “A questão essencial a decidir reconduz-se a saber se à ré deverá ser imposto o pagamento à autora das quantias reclamadas e a que título.”. [3] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [4] Sublinha-se que os Recorrentes, apesar de referirem que o Tribunal a quo omite a referência aos artigos 2.º a 9.º, 11.º, 13.º, 16.º, 20.º, 23.º, 24.º, 26.º, 33.º e 34.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 42.º, 43.º a 45.º, 47.º a 53.º, 55.º, 56.º parcialmente, 57.º, 58.º a 61.º, 63.º, 64.º, parte final, 66.º, 71.º, 72.º, 73.º, 75.º, 76.º e 77.º parcialmente, 80.º a 82.º, 85.º, 93.º a 97.º e 105.º, da Petição Inicial, o certo é que nada requereu quanto a eles, de forma que essa matéria é insusceptível de ser apreciada. [5] Os Factos colocados em causa pelos Recorrentes estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico). [6] Na Sentença consta “39”, o que corresponde a um manifesto lapso, que aqui se corrige ao abrigo do artigo 249.º do Código Civil. [7] “O atual art.º 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332. [8] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210. [9] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200. [10] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201-205. [11] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207. [12] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…)). Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, (…)). Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…). No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”. [13] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos. [14] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18 [consultado a 23/04/2025] [15] Blog do IPPC, 19/05/2017, Jurisprudência (623), em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-623.html [consultado a 23/04/2025] Vd. também, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1-Fernanda Pinheiro). [16] Assim, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019 (Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco): “Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)”. [17] “Não é lícito realizar no processo actos inúteis”. [18] Nesta mesma linha: - o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 30 de Abril de 2020 (Processo n.º 01058/10.0BEPRT-Helena Ribeiro), assinala que o “tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo que vem impugnado pelo recorrente, julgando inútil essa apreciação, quando a matéria de facto impugnada, independentemente do resultado dessa impugnação, ponderadas as várias soluções de direito plausíveis suscetíveis de serem aplicadas ao caso concreto, é insuscetível de se projetar na decisão de mérito proferida, não implicando qualquer alteração dessa decisão de mérito, sob pena de estar a levar uma atividade processual que sabe, de antemão, ser inconsequente e inútil e, por isso, proibida por lei (art.º 130º do CPC)”; - o Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2014 (Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1-Henrique Antunes), assenta em que, de “harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (art.º 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC). Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo Réu, com a contestação. Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da ação”; - o Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Abril de 2012 (Processo n.º . 219/10.6T2VGS.C1 (Beça Pereira), conclui que a “impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º”. [19] Carlota Spínola, O segundo grau de jurisdição em matéria de facto no processo civil português, AAFDL Editora, 2022, páginas 44-45. [20] Enzo Roppo, O Contrato, Almedina, 1989, página 34. [21] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, página 32. [22] Jean-Pierre Dupuy, A ética dos negócios, in A Sociedade em Busca de Valores - Para Fugir à Alternativa entre o Cepticismo e o Dogmatismo, Instituto Piaget, 1998, página 82. [23] Sobre a confiança e o seu papel no comércio, na economia e na vida social, vd. com interesse, Pierre Rosanvallon, Les Institutions Invisibles, Éditions du Seuil, Paris, 2024, páginas 31 a 50. [24] Jose Bonet Correa, Las Deudas de Dinero, Civitas, 1981, página 370. [25] Jose Bonet Correa, Las Deudas…, ob. loc. cit.. [26] Jose Bonet Correa, Las Deudas…, ob. cit., página 374. [27] Jose Bonet Correa, Las Deudas…, ob. cit., páginas 374-375. [28] Tal como se tivesse emitido um cheque e tendo dinheiro na conta, o emitente não ficaria desonerado da sua obrigação se, entretanto, tal dinheiro fosse penhorado (este dinheiro, enquanto não fosse levantado pelo portador do cheque sempre seria do depositante). [29] Maria de Lurdes Pereira, Conceito de Prestação e Destino da Contraprestação, Almedina, 2001, páginas 215-216. [30] “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”. [31] Convém, aliás, não esquecer, que a causa para o credor (Autor-Banco) não ter retirado o dinheiro não foi a sua inacção (considerando o pouco tempo que está em causa), mas a penhora… (e esta, sendo um factor estranho ao credor Banco-Autor, não o é à devedora executada, ora Ré, a qual chegou mesmo a informar o credor Banco Autor de que estaria a tentar alcançar um acordo de pagamento com o exequente, mas que o mesmo não se concretizou, como resulta apurado no Facto 24). [32] E mesmo assim, está explicado pelos problemas informáticos apurados no Facto 15 (Por motivos relacionados com o sistema informático, o débito daquele valor por parte do autor, e consequente imputação ao valor das comissões em dívida, não foi imediatamente executado). [33] “ O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”. [34] Por não preencher nenhuma das suas alíneas: n.º 2: “Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a obrigação provier de facto ilícito; c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido”. [35] E não um pagamento. [36] Haveria de ser a data referida no Facto 28 (15 de Setembro de 2023), pois foi o momento em que chegou ao destinatário. [37] O que logo nos coloca fora do alcance do artigo 815.º. Normativo este do qual, aliás, apenas se retiraria que “a factispécie da mora do credor só pode coincidir com uma situação de retardamento, de inexecução transitória da prestação” (Maria de Lurdes Pereira, Conceito..., cit. página 218). [38] Intrinsecamente ligado ao Facto 28 onde se assenta que Não obstante a interpelação referida em 20. ter sido recepcionada pela Ré em 15.09.2023, a Autora não recebeu qualquer contacto da Ré e, consequentemente, não procedeu esta a qualquer pagamento. [39] Dizia Fernando Pessoa (não nas suas vestes de poeta), que “Todo o pensador de sistemas fixos, todo o organizador de conteúdos definidos, sofre fatalmente desilusões, quando não desastres. Em toda a organização prática há pois que contar com o inesperado e indefinido da vida. E o facto de que o organismo artificial é remodelável, e substituíveis todas as suas peças, torna possível, até certo ponto, a preparação para o inesperado, digamos mesmo a previsão do imprevisível” – Sociologia do Comércio, Colecção Antologia, C.E.P., s/data, páginas 94-95. [40] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95. [41] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24. |