Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
510/22.9PLLSB.L1-3
Relator: CARLOS ALEXANDRE
Descritores: MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Sumário (elaborado pela CIJ):
I - Em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.
II - O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.
III - O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.
IV - A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático.
V - Tendo presente as circunstâncias em que os factos ocorreram, os antecedentes criminais do arguido, a reiteração das condutas, entende este Tribunal de Recurso que não é possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de considerar que a simples censura do facto e a ameaça da pena, serão suficientes para afastar o arguido da criminalidade como entendeu o Tribunal a quo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a Conferência nesta 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

O Ministério Público recorreu da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 2, que condenou o arguido AA, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e nº 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nºs 1, alínea f) e nº4, e de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº1, e 184º, todos do CP, respectivamente, na pena de 3 anos de prisão, na pena de 3 meses de prisão, e na pena de 3 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 3 meses, com regime de prova.
O Ministério Público apresentou motivação, formulando as seguintes conclusões:
1. O arguido AA foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210°, n° 1 e n° 2, al. b), com referência ao artigo 204°, n°1, f) e n°4, ambos do Código Penal e ainda de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181°, n°1, e 184°, ambos do Código Penal, respectivamente, na pena de 3 anos de prisão, na pena de 3 meses de prisão e na pena de 3 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, que foi suspensa na sua execução, com regime de prova.
2. O Ministério Público discorda da sentença na parte em que foi determinada a suspensão da execução pena de prisão em que o arguido foi condenado, entendendo que deve ser determinado o seu cumprimento efectivo.
3. Discordamos veemente de tal decisão, considerando que no caso não se afigura possível suspender a execução da pena de prisão, tendo sido violado o artigo 50°, n°1 do Código Penal.
4. Na base da decisão de suspender a execução da pena, está sempre uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. Porém, o juízo de prognose que o tribunal faz não tem carácter discricionário e, muito menos, arbitrário.
5. O tribunal ao decretar a medida reflecte sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo que envolveu a sua conduta.
6. O arguido sofreu as condenações que constam do seu certificado de registo criminal.
7. O arguido conta com condenações pela prática de oito crimes de roubo, três dos quais agravados, dois crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e um crime de difamação agravada.
8. Dessas condenações, cinco foram em penas de prisão suspensas na sua execução, transitaram em julgado em datas anteriores aos factos em causa nestes autos, pela prática de sete crimes de roubo e de um de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
9. O crime de roubo em que foi condenado nestes autos ocorreu em ........2022 e os crimes de injúria agravada em ........2022.
10. Temos assim, que na data do cometimento desses ilícitos o arguido já havia sofrido as indicadas condenações, com excepção do crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n°1 do Código Penal em que foi condenado no processo n° 527/21.0PLLSB, cujo trânsito em julgado da sentença ocorreu em 17.11.2023 e o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade no Processo n° 54/22.9SULSB, cujo trânsito ocorreu em 05.09.2023.
11. O arguido cometeu os factos em causa nestes autos em pleno período da suspensão da execução da pena de prisão de 5 anos em que foi condenado no Processo cumulatório n° 115/16.3SWLSB, pela prática de seis crimes de roubo, três deles qualificados e que transitou em julgado em 15.09.2020.
12. É manifesto que as suspensões da execução das penas de prisão não surtiram qualquer efeito dissuasor no arguido, pois que voltou a praticar ilícitos no decurso das suspensões, não se podendo deixar de se concluir que o arguido revela evidente e manifesta falta de condições para manter uma conduta lícita, desprezando de forma ostensiva as prescrições legais.
13. Não obstante as oportunidades que foram concedidas ao arguido e a confiança que nele foi depositada com as suspensões da execução das referidas penas de prisão a que foi condenado, o arguido fez tábua rasa das mesmas e voltou a praticar ilícitos criminais, da mesma natureza no que respeita ao crime de roubo.
14. Neste circunstancialismo, não é de todo, em nosso entender, razoável formular um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não sendo, assim de aplicar o instituto da suspensão da execução da pena ao arguido, devendo o cumprimento dessa pena única de prisão ser efectivo.
15. O arguido desde 2016 vem cometendo crimes, designadamente de roubo e já lhe foram concedidas por diversas vezes a possibilidade de reverter o seu caminho criminoso, com a suspensão da execução das penas de prisão, mas tal não surtiu qualquer efeito. Pelo contrário, continuou a enveredar pelo mundo do crime, não havendo qualquer vislumbre de que seja possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro.
O arguido não apresentou resposta ao recurso interpostos pelo Ministério Público.
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer em 25/02/2025, corroborou a posição expressa em primeira instância.
Os autos foram a vistos e à conferência.
Do âmbito do recurso e da decisão recorrida:
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem, apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º nº 1 e 412º nºs 1 e 2, ambos do CPP.
Em face da motivação, são as seguintes as questões a considerar:
- Ocorre violação do disposto nos artigos 50º e 51º do CP?
A decisão condenatória sob recurso fixou os factos, nos seguintes termos (transcrição parcial):
2.1. - Matéria de facto provada
a) O Ofendido BB é ... ao serviço da plataforma ....
b) No dia ... de ... de 2022, pelas 14h00, o Ofendido, via aplicação ..., recebeu um pedido para a ..., tratando-se de uma encomenda do ...
c) Ao chegar junto da morada, o Ofendido deparou-se com um grupo de 5 indivíduos, entre os quais os AA e CC.
d) Nessa altura, o AA disse ao Ofendido que a encomenda era para si.
e) Perante o número de indivíduos que se encontravam à sua volta, os dois Arguidos e outros cinco indivíduos, o Ofendido sentiu-se constrangido e entregou a encomenda, mesmo sem se certificar que aquele era o real destinatário.
f) Ao exigir o dinheiro da encomenda, no valor de 29,60€, o AA exibiu-lhe uma faca que trazia junto à cintura, e, por duas ocasiões, disse ao Ofendido para se ir embora, para que nada de mal lhe acontecesse.
g) Perante a superioridade numérica em que os denunciados se encontravam, e, ainda mais, o AA na posse de uma faca, o Ofendido BB de imediato abandonou o local, abandonando a encomenda, sem trazer a quantia devida, dirigindo-se de imediato a uma Esquadra da P.S.P..
h) Ao actuar da forma descrita, os Arguidos CC e AA, e bem assim os demais indivíduos não concretamente identificados, actuaram em conjugação de esforços e intentos, com a intenção de subtrair e apropriar-se da encomenda do Macdonald’s que o Ofendido trazia, não se inibindo de intimidar o mesmo, com a ameaça de uso de uma faca, e com a superioridade numérica que exibiam, o que lograram conseguir.
i) Em todas as suas condutas, os Arguidos CC e AA actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas pela Lei Penal.
j) No dia ... de ... de 2022, pelas 15h00, na ..., os Agentes da P.S.P. DD e EE encontravam-se uniformizados com a farda da P.S.P., na sequência de uma acção de patrulhamento adstrita à 14.ª Esquadra de ..., havendo-se dirigido ao AA, no sentido de o abordar.
k) Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o Arguido dirigiu-se aos Agentes da P.S.P. DD e EE e proferiu, contra eles, as seguintes expressões, “o meu irmão é bófia e não é uma merda como vocês”; “vocês sem farda são uma merda”; “se vos apanho na rua estão fodidos”.
l) O Arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de dirigir aos Agentes da P.S.P. DD e EE palavras e expressões insultuosas, de forma a atingir a honra e consideração profissional e pessoal daqueles Agentes da P.S.P., que sabia estarem uniformizados e em exercício de funções, ciente de que as expressões utilizadas eram aptas para o efeito e que actuava contra Agentes de autoridade no exercício das suas funções.
m) Embora o Arguido tivesse perfeito conhecimento de que tais condutas lhe eram proibidas por lei e punidas por lei penal, não se absteve de as prosseguir.
n) O CC encontra-se desempregado e vive em casa de seus pais.
o) O AA encontra-se em prisão domiciliária; mas, vai brevemente trabalhar como técnico de ar condicionado, auferindo 850€ por mês; vive em casa arrendada, pagando uma renda mensal de 50€; tem dois filhos, de 1 e 5 anos de idade.
p) Do certificado de registo criminal do AA constam condenações pela prática de crimes de difamação agravada, tráfico de estupefacientes de menor gravidade, roubo e roubo qualificado.
q) Do certificado de registo criminal do CC constam condenações pela prática de crimes de detenção de arma proibida e roubo.
2.2. - Matéria de facto não provada
Com interesse para a decisão da causa, nenhuma.
2.3. – Motivação
“O que significa (...), exactamente, livre apreciação da prova, valoração desta segundo a livre convicção do juiz? (...) se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária tem evidentemente esta discricionaridade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (...). (...) Do mesmo modo, a «livre» ou «íntima» convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (...) Se a verdade que se procura é, já o dissemos, uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (máxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando (...) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.”
[Jorge de Figueiredo Dias – Direito Processual Penal – 1ª ED. 1974 Reimpressão – Coimbra Editora 2004, pág. 202 e ss.]
O Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações prestadas pelos Arguidos CC e AA, relativas às respectivas condições pessoais, familiares e profissionais.
Atendeu o Tribunal ao depoimento do Ofendido BB, ..., a qual esclareceu que trabalhava na ... e que, num dia de...de 2022, pelas 14h00, recebeu um pedido de encomenda do Macdonald´s, para alguém que se identificava como “FF”. O depoente deslocou-se à Rua e ao lote indicados (lote C2), e deparou-se com um grupo de indivíduos em frente ao referido lote. Nessa altura, o AA disse que a encomenda era para ele. Pelo que o depoente lha entregou, pedindo o respectivo pagamento, no montante de 29,60€. Nessa altura, o AA - que trazia uma faca, visível, na cintura das bermudas que vestia – disse ao depoente para ir embora, para que nenhum mal lhe acontecesse. O depoente viu, também e nesse momento, o CC a aproximar-se, rindo. Pelo que o depoente abandonou o local, por temer pela sua vida, uma vez que o AA trazia consigo uma faca, e se encontrava acompanhado por outros indivíduos, nomeadamente pelo CC; e foi apresentar denúncia à P.S.P. de .... Nesse mesmo dia, na Esquadra, fez um reconhecimento; mostraram-lhe fotografias, tendo reconhecido ambos os Arguidos. O Ofendido prestou um documento claro, denotando ter a situação bem presente na sua memória, um depoimento que se afigurou objectivo e isento. Pelo que mereceu todo o crédito ao Tribunal.
O Tribunal atendeu ao depoimento de GG, Agente da P.S.P.. O depoente esclareceu que os colegas do turno anterior lhe passaram informação sobre um crime de roubo que ocorrera. Nesse contexto, o depoente fez um aditamento, tendo contactado com o Ofendido. De acordo com as características dadas pelo mesmo, a respeito dos Arguidos, que o Ofendido reconheceu, o depoente fez uma pesquisa. Afirmou que os Arguidos estavam referenciados, já, por crimes de roubo e de tráfico. A testemunha prestou um depoimento claro, sem qualquer obscuridade ou incongruência, evidenciando objectividade e isenção; pelo que mereceu todo o crédito ao Tribunal.
O Tribunal atendeu ao depoimento de DD, Agente da P.S.P.. O depoente esclareceu que, em ...de 2022, numa altura em que o AA fazia apresentações diárias na P.S.P. (pelo que não teve quaisquer dúvidas a respeito da sua identidade), viram que o mesmo, à aproximação do depoente e do colega que o acompanhava, ambos devidamente uniformizados, se introduziu no lote ...da .... Mais recordou o depoente que o AA, da varanda do ... (onde reside), se lhes dirigiu, dizendo que, sem farda, eram uma merda, e que se os apanhasse fodia-os, entre outras coisas. O depoente afirmou sentir-se injuriado e ameaçado. A testemunha prestou um depoimento claro, sem qualquer obscuridade ou incongruência, evidenciando objectividade e isenção; pelo que mereceu todo o crédito ao Tribunal.
O Tribunal atendeu ao depoimento de EE, Agente da P.S.P.. O depoente esclareceu que, no dia ..., realizavam uma acção de patrulhamento normal na .... Numa altura em que o AA fazia apresentações diárias na P.S.P. (pelo que não teve quaisquer dúvidas a respeito da sua identidade), estando já referenciado. Naquele dia, viram o AA, e o depoente sentiu um odor a estupefaciente. O mesmo, à aproximação do depoente e do colega que o acompanhava, ambos devidamente uniformizados e circulando em viatura caracterizada da P.S.P., introduziu-se no lote C3 da .... Mais recordou o depoente que o AA, da varanda do seu domicílio, se lhes dirigiu, dizendo que, o irmão era Polícia, e não era uma merda como eles, e que se os visse na rua fodia-os, entre outras coisas. O depoente afirmou sentir-se injuriado e ameaçado. A testemunha prestou um depoimento claro, sem qualquer obscuridade ou incongruência, evidenciando objectividade e isenção; pelo que mereceu todo o crédito ao Tribunal.
No que à Defesa do AA diz respeito:
Atendeu Tribunal ao depoimento de HH, a qual trabalha no Aeroporto, e é mãe do AA. A depoente esclareceu que o filho, à data dos factos, trabalhava. É do conhecimento da depoente que o mesmo fala com o CC, o qual mora no mesmo bairro. A testemunha prestou um depoimento tributário da sua condição de mãe do AA, pouco ou nada sabendo sobre os factos que ao mesmo são imputados.
Atendeu Tribunal ao depoimento de II, a qual trabalha como Auxiliar num Lar, e é mulher do AA. A depoente esclareceu que, da primeira situação descrita, apenas sabe o que o Arguido lhe contou. Relativamente à segunda situação, afirmou não o ter ouvido a injuriar os Agentes da P.S.P., Mais afirmou que, em breve, o Arguido vai começar a trabalhar. A testemunha prestou um depoimento tributário da sua condição de mulher do AA, pouco ou nada sabendo sobre os factos que ao mesmo são imputados.
O Tribunal atendeu à demais prova junta aos autos, nomeadamente: - Auto de denuncia, de fls. 2; - Aditamento, de fls. 9 a 15; - Reconhecimento pessoal, de fls. 32 e 33; - Reconhecimento pessoal, de fls. 42 e 43; - Auto de notícia, de fls. 2 e 3 (processo apenso). Antecedentes criminais: C.R.C. juntos aos autos.
Vejamos então:
O Ministério Público e o arguido não põem em causa a factualidade dada por provada na sentença recorrida, consubstanciadora do cometimento, em autoria material, dos referidos ilícitos.
O Ministério Público não coloca em causa que os factos merecem censura penal, apenas coloca em causa, a inobservância, a seu ver, das regras dos artigos 70º e 71º do CP e, bem assim, no tocante à suspensão da execução da pena.
Logo, o Ministério Público e o arguido não discutem que da sentença constam a exposição de motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão de aplicação das penas, nem questiona a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo, apenas manifesta a sua discordância, quanto à fundamentação que subjaz à aplicação do regime de suspensão de execução da pena.
Neste particular, cumpre assinalar:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 3/12/20, pela 5ª Secção, no âmbito do Processo 565/19.3PBTMR.E1.S1, em que foi relatora Margarida Blasco, consultável em www.dgsi.pt:
I - Nos termos do art. 40.º, do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º, do mesmo diploma.
Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no art. 18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.
A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (arts. 40.º, e n.º 1, do 71.º, do CP).
A medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o art. 71.º, n.º 2, do CP considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na al. a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na al. b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a al. c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a al. a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na al. d) (condições pessoais e situação económica do agente), na al. e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na al. f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [al. e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [al. f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das als. e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial
II - O objecto do presente recurso – tal como definido pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação e que delimitam o objecto do recurso - cinge-se, unicamente, à apreciação da medida da pena aplicada que o recorrente considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40.º e 71.º, ambos do CP, pugnando pela sua redução…”
Por seu turno, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido 25/05/16, pela 3ª Secção, no âmbito do Processo 101/14.8GBALD.C1.S1, em que foi relator Pires da Graça, consultável em www.dgsi.pt:
“I - O art. 71.º, do CP estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
II - A decisão recorrida descreve os factos necessários à decisão da acusa, incluindo, factos sobre a personalidade do arguido e a sua vida pregressa, sendo que a decisão recorrida pronunciou-se sobre os factores alegados pelo recorrente. Ou seja, o recorrente não indica qualquer outra circunstância a que o tribunal devesse ter atendido. Mais, as penas parcelares aplicadas (4 anos de prisão pela prática de 1 crime de roubo qualificado, 3 meses de prisão pela prática de 1 crime de violação de domicílio, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de roubo e 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de roubo na forma tentada) não se revelam desadequadas, nem desproporcionais, atentas as fortes exigências de prevenção geral e especial e a intensidade da culpa.
III - É o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. A determinação da pena do cúmulo exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.
IV - Valorando o ilícito global, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, como determina o art. 77.º, n.º 1, do CP, tendo em conta a natureza e gravidade dos ilícitos, as fortes exigências de prevenção geral na defesa e restabelecimento das normas violadas, sendo forte a intensidade do dolo e da culpa, bem como as exigências de socialização, em que os factos praticados face à vida pregressa do arguido revelam tendência criminosa, não se revela desadequada a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão aplicada pela 1.ª instância.”
Por outro lado, a respeito dos critérios de valoração das penas parcelares e da pena unitária, em casos como o presente, de concurso real de crimes, atemo-nos ao entendimento sufragado no aresto acabado de citar e aplicando ao caso concreto, temos presente o seguinte:
- Os factos em apreciação são graves, embora não tenham resultado para o ofendido consequências na sua integridade física, advenientes da entrega da encomenda Macdonald´s nas circunstâncias descritas na sentença, pois, o ofendido, assim que chegou ao local e perante a superioridade numérica dos indivíduos que o abordaram, incluindo o arguido AA com os artefactos descritos, entregou de imediato a encomenda e determinou-se a ausentar-se do local;
- O arguido AA revela ter uma personalidade impulsiva e reativa, em situações de tensão emocional;
- O arguido AA não revelou nem expressou sentido crítico quanto ao comportamento que adotou, nem demonstra compreensão quanto ao desvalor deste tipo de condutas;
- O arguido já regista anteriores contactos com o sistema de justiça, traduzidos em várias condenações pela prática de crimes de difamação agravada, tráfico de estupefacientes de menor gravidade e roubo e roubo qualificado, pelo que demonstra alguma propensão para a assunção de comportamentos ilícitos.
Efectivamente, na data do cometimento desses ilícitos o arguido AA já tinha sido condenado pelos mencionados crimes, com excepção do crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1 do CP, tendo sido condenado no Processo nº 527/21.0PLLSB, cujo trânsito em julgado da sentença ocorreu em 17/11/2023 e do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, pelo qual foi condenado no âmbito do Processo nº 54/22.9SULSB, cujo trânsito em julgado ocorreu em 05/09/2023.
Do certificado de registo criminal do arguido AA resulta que, os factos em causa nos presentes autos, foram cometidos no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, de 5 anos, em que foi condenado no Processo nº 115/16.3SWLSB, onde lhe foi operado cúmulo jurídico, pela prática de seis crimes de roubo, três deles qualificados, cuja decisão transitou em julgado em 15/09/2020.
Sopesando aquele critério que define como limite máximo a soma das penas parcelares de prisão, temos que o limite máximo é de três anos e seis meses de prisão, sendo o limite mínimo de três anos de prisão, pelo que, operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal e considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido AA, reputa-se ajustada a pena única de três anos e três meses de prisão, efectiva.
Escrevia CESARE BECARIA – Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Montesquieu – é tirânica.” (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)
Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.
E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.
Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”
Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.
As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)
A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade
E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.
A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)
O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.
Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”
Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”
Ou, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
É no âmbito do exposto, que o Supremo Tribunal de Justiça vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
O artigo 71º do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, Proc. n.º 2555/06- 3ª)
Perscrutando as penas parcelares, verifica-se que, como fundamenta a sentença recorrida, tais penas se mostram claramente adequadas e proporcionais aos critérios estabelecidos e a que fizemos alusão.
Tendo presente as circunstâncias em que os factos ocorreram, os antecedentes criminais do arguido AA, a reiteração das condutas, entende este Tribunal de Recurso, no entanto, que não é possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de considerar que a simples censura do facto e a ameaça da pena, serão suficientes para afastar o arguido da criminalidade como entendeu o Tribunal a quo.
Na verdade, os Tribunais já condenaram o arguido AA em várias penas de prisão cuja execução declaram suspensa, por “acreditarem” que o arguido tomaria outro caminho, mas tais suspensões não se relevaram eficazes e aptas a dissuadi-lo da prática de condutas desconformes ao direito e censuráveis penalmente.
Destarte, o arguido AA até praticou os factos em causa nestes autos no decurso do período de suspensão de execução de pena, de 5 anos de prisão, que lhe foi aplicada, por crimes de roubo, estatuto esse de que se alheou.
Este Tribunal de Recurso, acolhe o entendimento propugnado pelo Acórdão proferido a 9/02/2023, no âmbito do Processo 80/21.5PCLRS.L1-9, em que foi Relatora a Desembargadora Renata Whytton da Terra:
“1.–As finalidades que estão na base da suspensão da execução da pena de prisão consistem, no essencial, na reintegração plena do agente na sociedade através de um comportamento responsável e sem praticar crimes. Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes.
2.–O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
3.–A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado.
4.–Na jurisprudência, tanto no Tribunal Constitucional como no Supremo Tribunal de Justiça, foi defendida a necessidade de fundamentação, face à versão anterior, justificando-se de pleno a mesma posição face à nova lei, em que apenas foi alterado o pressuposto formal passando do limite de 3 para 5 anos de prisão.
5.–A caracterização da suspensão da execução da pena de prisão como um poder vinculado conduz à necessidade de fundamentação da decisão que a aplica, ou a desconsidera, incorrendo em nulidade a decisão que não contemple tal injunção, de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Código de Processo Penal.
6.–A conjunção de necessidades de prevenção geral face ao bem jurídico lesado e cuja validade da norma que o protege tem de ser reafirmada, com outras de prevenção especial que as qualidades da personalidade do arguido infirmam, não permitem preencher o juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir.” – consultável em www.dgsi.pt
Perante tudo isto, o recurso deve proceder, impondo-se que a pena aplicada ao arguido AA em cúmulo seja declarada efectiva e não suspensa na sua execução.

Dispositivo:
Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar totalmente provido o recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que suspende a execução da pena, aplicada ao arguido AA, declarando-se por consequência, como efectiva a pena que aí lhe foi imposta.
Sem custas.
Acórdão elaborado pelo Primeiro signatário em processador de texto que reviu integralmente, sendo assinado pelo próprio e pelas Desembargadoras Adjuntas.

Lisboa, 7 de Maio de 2025
Carlos Alexandre
Ana Rita Loja
Maria da Graça Santos Silva