Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA SANTOS | ||
Descritores: | ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTENCIA DE CONTRATO DE TRABALHO PLATAFORMA DIGITAL APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/14/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, a que se refere o artigo 12º A do CT, apenas é aplicável às relações contratuais posteriores à data da sua entrada em vigor, a saber, 1 de Maio de 2023 (art.º 35º nº 1 e 37º nº 1 da Lei 13/2023 de 03 de Abril). II – Não sendo aplicável a presunção a que alude o artigo 12º A referido em I, cumpre aferir da aplicação da presunção de contrato de trabalho a que se refere o artigo 12º do CT. III – Não estando verificados os factos índice descritos no artigo 12º do CT e, portanto, não funcionando a presunção aí prevista, cumpre recorrer ao método indiciário para aferir das características de laboralidade do caso. IV - A característica fundamental da laboralidade é a subordinação jurídica. V - Não existe subordinação jurídica se dos autos não resulta que o beneficiário da actividade exerce poderes de direcção e autoridade sobre o prestador da actividade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Ralação de Lisboa I – Relatório O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 15º A nº 3 da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, instaurou a presente acção de reconhecimento do contrato de trabalho, a seguir a forma de processo especial, contra UBER EATS, UNIPESSOAL, LDA, pedindo seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré e AA com início reportado a 1 de Maio de 2023. Alega, em síntese, que: a Ré é uma sociedade que tem como objeto social: “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos, atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração, consultoria, concepção e produção de publicidade e marketing, aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”; para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet; - actua como intermediária na entrega dos produtos encomendados; para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes; a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito; AA presta a referida atividade de estafeta para a plataforma UBER EATS pelo menos desde o Março de 2023, realizando a referida atividade, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado com a referida conta de email, e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone; para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, AA teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas no referido “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”, tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. (“As suas obrigações”); para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a Ré, tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens; pelos pagamentos da atividade prestada através da plataforma UBER EATS, emite recibos através do Portal das Finanças em nome da empresa “Uber Eats Portugal Unipessoal., Lda.”; para que lhe sejam distribuídas tarefas/pedidos na plataforma UBER EATS, tem que aceder ao seu “perfil da conta”, o qual deve estar atualizado com a sua foto de perfil, podendo a UBER EATS pedir a apresentação de prova da sua identidade mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que acontece com alguma regularidade; só quando o estafeta efetua o login na plataforma é que lhe é distribuído trabalho; as funções desempenhadas pelo estafeta consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final; o estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que deve consultar no telemóvel; AA, de um modo geral, presta atividade todos os dias da semana, iniciando o serviço com login na aplicação da UBER EATS, distribuindo refeições de almoço, de jantar e outras, sendo que a decisão de fazer login ou logout na aplicação compete ao estafeta/prestador de atividade; AA recebe como contrapartida da sua atividade um valor por cada pedido/entrega efetuada, não recebendo qualquer valor pelo tempo de espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido; a atuação do AA é controlada em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exata do estafeta é conhecida pela plataforma UBER EATS através do sistema de geolocalização. *** Citada, a Ré contestou, invocando desde logo a anulabilidade da participação da ACT ao Ministério Público, e alegando, em síntese, que, face à data em que o Ministério Púbico alega que AA iniciou a sua prestação laboral para a Ré não tem aplicação o disposto no artigo 12º A do CT, introduzido pela Lei 13/2023, de 3 de Abril, que entrou em vigor em 01 de Maio de 2023, e considera que não foram alegados factos que integrem os índices de laboralidade previstos no artigo 12º do CT, e que esses índices não estão verificados. Impugna os factos alegados pelo Ministério Público, alegando que o prestador de actividade tinha autonomia em relação á Plataforma e negando a existência de poder de direcção ou disciplinar da Plataforma em relação ao prestador de actividade, ou ainda uma relação intuitu personae entre a Ré e o Prestador de Atividade. Impugna o valor da causa indicado na p.i. Conclui que “i) se deverá absolver a Ré da instância, por procedência da exceção dilatória atípica derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público; ii) subsidiariamente, se deverá julgar o pedido do Autor improcedente, por não provado; e iii) subsidiariamente, se deverá julgar o pedido do Autor, por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho; iv) subsidiariamente, a ser declarada a existência de contrato o mesmo deverá considerar-se cessado desde o dia 14 novembro de 2023, por abando do trabalho, nos termos do artigo 141.º do Código do Trabalho.” *** O Ministério Público respondeu à excepção invocada, concluindo pela sua improcedência. *** Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância, julgando improcedente a excepção de preterição do direito de pronúncia, e ordenando o prosseguimento dos autos. *** Em sede de julgamento, as partes prescindiram da prova e acordaram quanto à matéria factual provada. *** A sentença julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido. *** Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que “1. O Ministério Público não se conformando com a decisão proferida por entender, conforme ab initio entendeu, que a relação existente entre o indicado estafeta AA e o Uber Eats – Portugal – Unipessoal, Lda. configura uma relação laboral, o que é patente da prova colhida e produzida nos autos, mas que não encontra respaldo, na respectiva fundamentação proferida pelo tribunal a quo. 2. Assim, remetendo-nos ao caso concreto devemos analisar os factos provados à luz do método indiciário. 3. A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: resulta verificado este indício na medida em que a Uber Eats opera e gere uma plataforma eletrónica que dispõe de um software complexo através do qual gere e controla uma organização produtiva. 4. Assim, podemos concluir que a infraestrutura essencial da actividade aqui em causa é o software gerido pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias, na medida em que na mera posse destes instrumentos de trabalho a prestação dos estafetas seria inviável, sendo a própria aplicação o único meio de subsistência deste sistema de entregas e deste modelo de negócio. 5. O poder de direcção e de conformação do modo como é prestada a actividade: também resulta verificado dado que é a Ré através da sua aplicação informática, organiza e gere a actividade de recolha, transporte e entrega de mercadorias. 6. Encontrando-se este procedimento perfeitamente padronizado visto que decorrerá da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestado e da concreta pessoa do estafeta, que se limitará a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré. 7. O exercício do poder sancionatório: também resulta verificado, entre outros motivos pelo facto da “plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desactivar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta (…)”. 8. O modo de cálculo da retribuição: que também indica subordinação, visto que é a Ré quem determina as regras essenciais de fixação da retribuição, tal como concluem os factos provados onde se diz que “a plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efectua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta filtrar, aceitando ou não os pedidos que aceita no ecrã”. 9. Pelo que depois de proceder à análise dos items que supra referimos, parece-nos que resultam provados indícios relevantes de um contrato de trabalho, que deveria ter sido declarado na douta sentença recorrida. 10. Acresce que, o legislador estabeleceu, no artigo 12º-A do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade que tem por objectivo dispensar o encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho. 11. Ou seja, de acordo com o normativo transcrito, o preenchimento da presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital está dependente da verificação de pelo menos dois dos seguintes requisitos que passamos a analisar. 12. a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela: resulta verificado tal como consta do ponto 18 dos factos provados “a plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efectua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta filtrar, aceitando ou não os pedidos que aceita no ecrã”. 13. b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade, também resulta verificado, dado que a Ré determina a conduta do prestador de actividade perante o utilizador do serviço e determina ainda regras especificas quanto à prestação da actividade em si mesmo. 14. Desde a fase inicial, que o estafeta para poder prestar a sua actividade tem obrigatoriamente de proceder ao seu registo no site da Ré, entregando a documentação que lhe é solicitada (incluindo certificado de registo criminal), declarar o meio de transporte que vai usar, diligenciar pelo seguro do mesmo e aderir ao “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”. 15. Acresce ainda que a Ré determina a conduta do prestador de actividade perante o utilizador do serviço e determina ainda regras especificas quanto à prestação da actividade em si mesmo. 16. Ou seja, o procedimento de recolha e entrega de mercadorias gerido pela Ré encontra-se perfeitamente padronizado e decorrerá da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestado e da concreta pessoa do estafeta, que se limitará a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré. 17. c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica, também resulta provado dado que para lhe ser atribuído um pedido, por banda da Ré, o estafeta tem que estar ligado na plataforma da Ré e para terminar tem que concluir o procedimento, nessa mesma plataforma, pelo que é manifesto que a Ré consegue controlar e supervisionar a prestação da actividade e o a sua execução. 18. Assim, a necessidade de manter o GPS activo não se circunscreve ao momento da proposta de entrega, prolonga-se durante o período de execução da tarefa, cedendo a Ré este registo de geolocalização ao cliente, para que este possa consultar em tempo real, qual o tempo que a encomenda irá demorar a chegar ao seu destino final. 19. e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta, resulta dos factos provados 48 e 49, que “a plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desactivar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta (…)”. 20. f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação, resulta dos factos provados que a Uber Eats opera e gere uma plataforma eletrónica que dispõe de um software complexo através do qual gere e controla uma organização produtiva que é sua, sendo ela quem recebe as solicitações de entrega por parte dos seus clientes e o distribui o trabalho de entrega conforme os seus critérios de gestão pelos estafetas. 21. Assim, podemos concluir com segurança que a infraestrutura essencial da actividade aqui em causa é o software gerido pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias, na medida em que na mera posse destes instrumentos de trabalho a prestação dos estafetas seria inviável, sendo a própria aplicação o único meio de subsistência deste sistema de entregas e deste modelo de negócio. 22. Estão, assim, como vimos, preenchidos os factos índice da presunção enumerados nas alíneas a), b), c), d) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, pelo que podemos concluir que, no caso, operou a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo ao contrário do que considerou a sentença recorrida que não considerou preenchido nenhuma item elencado nesta presunção de inocência. 23. Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Ré ilidiu a presunção de laboralidade. 24. No nosso ponto de vista tal não acontece porque indícios como o horário, a exclusividade, a assiduidade, não se adequam a analisar o trabalho prestado no âmbito de uma plataforma digital. 25. Sintetizando, a Ré não se limita a ser um mero intermediário na prestação de serviços entre comerciantes e estafetas. 26. A Ré tem como fim a prestação de um serviço de recolha e entregas, que fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essências para a prestação do referido serviço. 27. Resulta ainda dos autos que os estafetas que não dispõe de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da Ré, submetidos à sua direcção e organização, como demonstra o modo como a Ré estabelece os preços dos serviços de entrega. 28. O estafeta não negoceia preços ou condições do serviço com os proprietários dos estabelecimentos onde efectua a recolha dos bens, nem recebe a retribuição dos clientes finais. 29. Em suma, concluímos que a prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho determinada pela Ré, que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidência a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral 30. Assim, entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria sub judice, designadamente o artigo 11.º e 12-A do Código do Trabalho. 31. Patente se torna a existência de um contrato de trabalho no âmbito da relação jurídica aqui em causa. Pelo exposto, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada na parte das suas conclusões jurídicas e substituída por outra, ou por Douto Acórdão, que declare a existência do presumido e, em concreto, provado pelo Ministério Público, aqui recorrente, contrato de trabalho entre AA e o Réu, Uber Eats Portugal – Unipessoal, Lda., desde 1 de maio de 2023. Assim se fazendo sã, inteira e costumada JUSTIÇA.” *** A Ré contra-alegou, concluindo que “1) A matéria de facto que resultou provada nos presentes autos não permite alcançar uma decisão distinta daquela que foi proferida pelo douto Tribunal a quo. 2) Conforme se pode ler, designadamente, no sumário do acórdão datado de 04 de julho de 2018, processo n.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1 (Relator: Chambel Mourisco), disponível em www.dgsi.pt, “a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que, estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes”. 3) Este tem sido, aliás, o entendimento dos nossos Tribunais superiores, nomeadamente o Tribunal da Relação de Évora, que chamado a pronunciar-se relativamente a esta questão, concluiu pela inaplicabilidade da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho – e consequente aplicação da presunção prevista no artigo 12.º do mesmo normativo legal – a relações cuja vigência tenha iniciado em data anterior a 1 de maio de 2023, como é o caso do estafeta visado na presente ação. 4) Em face do exposto, e percorrendo os factos provados, não se vislumbra que alguma das características previstas nas várias alíneas do indicado artigo 12.º esteja verificada. Vejamos: 5) Foi o prestador de atividade que escolheu a cidade onde querem prestar atividade e que escolhem o local onde aguardam o pedido e ainda que escolhem o caminho que os leva aos locais de recolha e de entrega que livremente aceitaram realizar – Factos Provados 15, 17 e 33. 6) Não se provou que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam à Recorrida. 7) Resultou provado (Factos Provados 35, 36, 37) que é o próprio prestador de atividade que escolhe quando se ligam à aplicação e, dentro desse período, escolhe os pedidos que quer fazer ou não, sendo ainda livre de estar desligado vários dias, semanas ou meses (Facto Provado 41) sem necessidade de apresentar qualquer justificação. 8) Não se provou que a Recorrida paga uma quantia certa com periodicidade aos estafetas, sendo que o estafeta pode resgatar o valor das entregas que concluiu a qualquer momento (Facto Provado 24). 9) Por fim, não se provou que os prestadores de atividade desempenhem quaisquer funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da Recorrida. 10) Assim, não se verifica a presunção da existência de contrato de trabalho, pelo que, sem necessidade de maiores considerações e desenvolvimentos, aplicando-se o artigo 12.º do Código do Trabalho, deve a sentença recorrida ser mantida, não se reconhecendo a existência de um contrato de trabalho. 11) Defende o Recorrente que os factos que resultaram provados permitem funcionar a presunção de laboralidade consagrada pelo legislador no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, nomeadamente por se verificarem as características previstas nas alíneas a), b), c), e) e f). Todavia, tal entendimento está errado: 12) A alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho refere-se a “retribuição” e não a taxa de entrega ou preço do serviço de entrega. Trata-se de um conceito definido no Código do Trabalho, no artigo 258.º, e que consiste numa contrapartida pela trabalho/atividade prestada. 13) Como entendeu o Tribunal a quo, não só a Recorrida não fixa unilateralmente a retribuição, como não determina limites mínimos e máximos da taxa de entrega. 14) O elemento copulativo «e» inserido pelo legislador na alínea a) reconduz-nos à convicção de que pretendeu que tal pressuposto se baseasse na inflexibilidade da componente remuneração, ou seja, que esta fosse fixada com a intervenção exclusiva da plataforma, pelo menos em termos de moldura de retribuição, e não numa flexibilidade mitigada, em que o estafeta tem o poder de impor limites mínimos, como sucede na relação em apreço – Facto Provado 18. 15) Como aponta o douto Tribunal a quo “Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega mas sim o próprio estafeta que o faz. Ele é que fixa o seu valor mínimo. No entanto, mesmo depois de o fazer ele pode aceitar algo que esteja aquém desse valor”. 16) Para além disso, o prestador de atividade tem sempre a possibilidade de recusar as propostas que lhe são apresentadas (Facto Provado 38), o que não seria possível se o mesmo não tivesse qualquer palavra a dizer relativamente ao preço que é proposto. 17) Na verdade, a possibilidade expressa de recusar as propostas apresentadas, independentemente do motivo e sem que qualquer consequência negativa daí advenha não pode deixar de ser vista como uma forma de negociação, na medida em que, com essa recusa, o prestador da atividade não está a aceitar o preço proposto e, assim, está a exigir um preço mais elevado para os serviços que presta, nomeadamente por não concordar com o preço originalmente proposto. 18) A retribuição por cada serviço não é, pois, fixada unilateralmente pela Recorrida, antes é proposta por esta ao prestador da atividade, tendo em conta o preço mínimo por quilómetro por si definido, sendo que o estafeta pode, ainda assim, recusá-la. Trata-se de uma proposta de serviço, não de uma imposição da sua prática. 19) Assim, dificilmente se poderá concluir pela fixação da retribuição – como aconteceria se o pagamento do serviço fosse apresentado depois de ele ser realizado ou se o estafeta não pudesse recusar a sua realização com a inerente imposição do seu pagamento. 20) Podendo o estafeta recusar o serviço (já se está no domínio da possibilidade de uma negociação e, portanto, não se pode concluir que a Recorrida fixe a retribuição. 21) No que concerne ao exercício do poder de direção e da determinação de regras específicas quanto à prestação da atividade, conclui o Recorrente que “resultou provado que o estafeta para iniciar a sua atividade por conta da Ré registou-se na plataforma da Ré e teve que demonstrar cumprir todos os requisitos por esta exigidos designadamente ter conta bancária, ter atividade aberta, ter uma mochila térmica”, bem assim, que a Recorrida impõe “a necessidade de utilização da aplicação onde são inseridas todas as informações necessárias à execução do serviço, por exemplo os tramites necessários quando o cliente escolhe na aplicação da Ré pagar em numerário” e ainda a instalação do GPS aos estafetas. 22) É certo que existem regras para que os prestadores de atividade iniciem o seu relacionamento com a Recorrida, como a forma de inscrição na plataforma. Não menos certo é que não se pode falar, nessa fase, de qualquer prestação de atividade, pelo que tais regras não têm a virtualidade de fazer funcionar a presunção. 23) Note-se que a alínea b) do art.º 12.º-A do Código do Trabalho se refere expressamente a “regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade” e não a regras específicas para o acesso à prestação da atividade na plataforma, diferença que pode passar despercebida numa leitura menos atenta e que deve, por isso, ser salientada. 24) Por conseguinte, assumir a definição de regras para registo na plataforma como uma regra específica quanto à prestação da atividade não pode deixar de ser vista como uma interpretação demasiado extensiva, sem qualquer base legal ou interpretativa que o sustente. 25) A necessidade de registo não é (nem pode ser) uma regra quanto à prestação da atividade, antes sim um passo essencial para aceder a qualquer tipo de plataforma ou aplicação informática. 26) Por outro lado, a Recorrida acredita que a referência à existência de “tramites necessários quando o cliente escolhe na aplicação da Ré pagar em numerário” se trate de um mero lapso, uma vez que tal referência não tem qualquer sustentação no elenco de factualidade dada como provada. 27) O mesmo se diga em relação à imposição de instalação do GPS aos estafetas, uma vez que tal facto não resultou provado, antes pelo contrário, uma vez que ficou provado que o prestador de atividade tem total liberdade para utilizar qualquer GPS ou até não utilizar qualquer GPS. 28) A factualidade relevante para este efeito deve consistir na prova e demonstração de factos concretos de onde resulte, no fundo, o poder de direção, mas da análise dos presentes autos verifica-se que não foi alegado nem apurado um único facto concreto que permita concluir pela verificação destas características, nem os factos provados conseguem cumprir esse desiderato. 29) No que concerne à característica da alínea c), a Recorrida não compreende a alegação de que controla o prestador de atividade em tempo real através de GPS, uma vez que do elenco de factos provados não se vislumbra um único facto passível de concluir por qualquer controlo por parte da Recorrida, antes pelo contrário. 30) De facto, e como acertadamente aponta o Tribunal a quo, o estafeta “escolhe o modo como executa o seu trabalho. Este escolhe de forma totalmente livre o percurso” (Facto Provado 33), bem assim, a utilização de GPS “não importa controlo algum pela R. pois esta nem sequer pode interferir no percurso, nem impor que seja seguido o do GPS”. 31) Em consonância, ficou ainda provado que os prestadores de atividade podem utilizar os sistemas de navegação GPS que preferirem utilizar ou até mesmo não utilizar nenhum sistema de navegação GPS (Facto Provado 33), pelo que não é possível concluir pelo controlo ou orientação por parte da Recorrida na forma como os estafetas se apresentam ou como prestam a sua atividade – tal conclusão mostra-se totalmente ilógica com os factos provados em causa. 32) Note-se que o legislador não quis estabelecer a verificação do indício com a simples existência de um sistema de geolocalização, sendo que do elenco dos factos provados não constam sequer factos que permitam concluir que o Sr. AA alguma vez tenha sido sujeito a controlo e supervisão através do GPS, antes pelo contrário. 33) O invocado pelo Recorrente a este propósito não faz referência a uma única regra específica que permita aferir direção ou controlo relativamente à apresentação, conduta ou prestação de atividade do prestador de atividade. 34) Entende o Recorrente que tendo em conta os factos provados 47 e 48 a plataforma digital exerce o poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta. 35) A alínea e) do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho reporta-se ao exercício de poderes laborais (poder disciplinar) sobre o prestador de atividade, sendo que o poder disciplinar visa sancionar o trabalhador pela violação de deveres laborais. 36) O poder disciplinar corresponde a um poder punitivo do empregador, que visa atuar sobre condutas do trabalhador consideradas censuráveis no contexto da relação laboral estabelecida. 37) Percorrido o elenco dos factos provados, não se encontra um único facto que evidencie que a Recorrida, de algum modo, exerce ou exerceu algum tipo de poder disciplinar sobre o prestador de atividade, no sentido de ter a possibilidade de sancionar um comportamento do prestador que não respeitasse as suas obrigações/deveres ou os padrões de comportamento determinados pela mesma. 38) Sem prejuízo da ausência de factualidade concreta, sempre se refira que nenhuma das situações que se encontra elencada nos termos e condições aplicáveis consiste na violação de um dever laboral, sendo que, como aponta o Tribunal a quo “qualquer contrato, de qualquer natureza, pode ser resolvido, desde que as condições contratuais sejam violadas, e o cometimento de uma fraude, a colocação em causa da segurança dos clientes, ou a não observância de obrigações legais têm necessariamente de conduzir ao mesmo resultado de resolução do contrato. Se a Uber não o fizesse, e permitisse aos estafetas continuar a fazer entregas nessas circunstâncias, estaria a prestar um mau serviço aos comerciantes e clientes que a ela recorrem” 39) No caso concreto, trata-se, inclusivamente, de uma prorrogativa dos serviços de intermediação em linha, que se encontra prevista no artigo 4.º do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (Regulamento P2B), como o da Recorrida. 40) Não se vislumbra, assim, como é que a Recorrida exerce poderes laborais, nomeadamente o poder disciplinar, já que, como ficou demonstrado, a desativação de contas (i) não constitui uma manifestação do poder disciplinar, (ii) não é exercida como forma de orientar comportamentos e (iii) é reconhecida pelo Direito da União Europeia como sendo uma prerrogativa das plataformas digitais perante profissionais independentes, pelo que não se pode concluir pela verificação da característica prevista na alínea e) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho. 41) Defende a Recorrente que a aplicação é o instrumento de trabalho essencial do estafeta. 42) Um software não pode ter-se como um utensílio nos mesmos moldes que um hardware (um bem corpóreo), ou seja, o equipamento de trabalho é o telemóvel onde é instalada a aplicação informática e não esta (da mesma forma que o instrumento de trabalho de um advogado é o computador que utiliza, não o software “word” onde escreve as suas peças processuais ou o software “adobe reader” com o qual abre as notificações do tribunal em formato pdf). 43) Para além disso, a referência do legislador à possibilidade de exploração de instrumentos de trabalho por contrato de locação não pode deixar de ser salientada e vista como um indício de que o legislador estava claramente a pensar em bens corpóreos. 44) Interpretação contrária, para além de absolutamente ilógica, terá o seguinte resultado prático: a alínea f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho estará sempre automaticamente verificada, sem necessidade de quaisquer indagações por parte do Tribunal, o que não pode deixar de ser tido como atentatório dos mais elementares e basilares direitos de defesa. 45) Por fim, o legislador quis claramente distinguir plataforma digital, onde inclui o conceito de aplicação informática (cfr. artigo 12.º-A, n.º 2 do Código de Trabalho), de equipamento e instrumento de trabalho (previsto no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea f) do Código do Trabalho). Conforme decorre do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, a plataforma digital (alegadamente a Recorrida) é o sujeito da relação contratual estabelecida com os prestadores da atividade, logo, a Recorrida não pode ser, simultaneamente, o sujeito da relação contratual e o equipamento ou o instrumento de trabalho do prestador de atividade. 46) Sempre sem conceder, mesmo que se considere a app como um verdadeiro instrumento de trabalho sempre terá de se concluir que o mesmo se revela insuficiente para que se considere esta característica como verificada, tal como concluiu o douto Tribunal a quo, porquanto tal alínea refere-se a equipamentos/instrumentos e não apenas a um único instrumento. 47) In casu, não se verifica qualquer dos indícios presentes no artigo 12.º ou 12.º-A do Código do Trabalho, não podendo, por isso, presumir-se a existência de um contrato de trabalho. 48) No entanto, caso assim não se entenda e se conclua pelo preenchimento de alguns dos pressupostos de aplicação da presunção de laboralidade, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, é certo que a Recorrida ilidiu qualquer presunção que eventualmente se verificasse. 49) O que se afirma resulta expressa e claramente da análise dos seguintes factos provados: O prestador de atividade não está obrigado a realizar qualquer número mínimo de entregas, a permanecer conectado na aplicação ou, estando conectado, a aceitar qualquer pedido – Facto Provado 37; O prestador de atividade decide quando se liga e desliga da plataforma e pode passar dias, semanas ou meses sem se ligar – Factos Provados 35, 36, 37 e 41; O prestador de atividade não presta atividade desde 29 de outubro de 2023 – Facto Provado 43; O prestador de atividade é livre de recusar qualquer serviço proposto, sem qualquer consequência, incluindo cancelar já depois de aceitar – Facto Provado 38; Para além disso, o prestador de atividade é livre de decidir não receber propostas de entrega de determinados clientes e/ou comerciantes, igualmente sem qualquer consequência – Facto Provado 16; Os Prestadores de atividade têm liberdade para estabelecer um valor mínimo por quilómetro abaixo do qual não efetuam entregas – Facto Provado 18; Os prestadores de atividade não estão sujeitos a qualquer tipo de exclusividade, que resulta da possibilidade de prestar o mesmo serviço para as empresas que diretamente concorrem no mercado com a Recorrida ou até mesmo a título individual em concorrência com a Recorrida ou exercer qualquer outra atividade remunerada, o que sucede in casu, já que a disponibilidade para estar a executar a prestação destes serviços apenas depende dos próprios – conforme Facto Provado 63; Para se registar e começar a prestar atividade o prestador de atividade não foi sujeito a qualquer tipo de processo de recrutamento, como seja análise de CV, entrevistas ou qualquer tipo de processo de seleção – Facto Provado 64; A Recorrida também não restringe ou impõe qualquer obrigatoriedade quanto ao local de exercício de atividade, podendo o prestador de atividade prestar a sua atividade em qualquer localidade e sem qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde deve estar para receber propostas de entregas – Factos Provados 15 e 17; Quando presta a sua atividade, o prestador de atividade pode seguir as rotas que desejar, bem como utilizar os sistemas de navegação GPS que preferir utilizar ou até mesmo de não utilizar nenhum sistema de navegação GPS – Facto Provado 33; O prestador de atividade tem a possibilidade de designar outras pessoas (também registadas) para substituição no exercício da atividade, o que demonstra que o que interessa à Recorrida não é a atividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua atividade, característica do contrato de prestação de serviços – Facto Provado 62; A remuneração auferida é variável e por entrega, e não fixa em função do tempo despendido na realização da atividade; O prestador de atividade escolhe a forma como se apresenta, nomeadamente a roupa e o equipamento que quer usar (incluindo utilizar a marca de concorrentes) – Facto Provado 28; Por fim, todos os instrumentos utilizados no desempenho da atividade pertencem aos prestadores de atividade e não à Recorrida – Facto Provado 14. 50) Este conjunto de elementos apontam no sentido da inexistência de uma relação com carácter de subordinação jurídica, pelo que, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 4, do Código do Trabalho e artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil, resulta ilidida qualquer presunção de laboralidade que eventualmente se verificasse. 51) Defende o Recorrente que a aplicação do chamado método indiciário permite concluir pela existência de subordinação jurídica na relação estabelecida entre Sr. AA e a Recorrida e, consequentemente, pela existência de contrato de trabalho. 52) Caracterizando-se a relação jurídica laboral, essencialmente, pela existência de subordinação jurídica, é firme entendimento da Recorrente que, globalmente considerados os factos provados, não se vislumbra que os mesmos permitam concluir pela existência de subordinação jurídica na relação estabelecida entre o prestador de atividade visado e a Recorrida, não se descortinando, nomeadamente, qualquer factualidade de onde se possa concluir a sujeição do mesmo ao controlo, poder de direção e poder disciplinar da Recorrida, pelo que não é possível concluir pela existência de subordinação jurídica e, por consequência, de qualquer contrato de trabalho. 53) Por razões de economia processual – e atendendo que a argumentação do Recorrente a este propósito não passa de uma repetição da argumentação utilizada no que concerne à aplicação da presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (ou vice-versa) – dão-se aqui por reproduzidas as considerações acima tecidas quanto à não verificação de qualquer presunção de laboralidade, bem assim, sobre todas as circunstâncias que permitem dar como ilidida qualquer presunção de laboralidade que eventualmente se verificasse no caso concreto, acrescentando-se o seguinte: 54) Do elenco da factualidade dada como provada nos presentes autos resulta que, para além de ser autónomo na fixação do tempo e local de prestação da sua atividade, o prestador de atividade visado tem uma profunda liberdade para definir que tarefas aceita ou não prestar, uma vez que inexistem limites ou consequências para a não aceitação. Aqui reside uma característica que se afigura de difícil compatibilização com a ordenação típica da relação laboral, o que, aliás, foi já apreciado e assim concluído, pelo colendo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 9 de janeiro de 2019, no processo n.º 1376/16.3T8CSC.L1.S1. 55) Para além disso, foi essa independência que fundou a decisão do Tribunal Justiça da União Europeia proferido no Caso B/Yodel Delivery Network. 56) As quatro características identificadas pelo TJUE como inconsistentes com a qualificação de trabalhador estejam todas verificadas nos presentes autos, o que cumpre realçar. 57) Em sentido convergente, o Supremo Tribunal de Justiça16 do Reino Unido, em decisão de 21 de novembro de 2023, decidiu que os estafetas que prestam atividade (no caso, para a plataforma Deliveroo) não podem ser considerados trabalhadores subordinados, uma vez que são “livres de rejeitar ofertas de trabalho, de se tornarem indisponíveis e de realizarem trabalhos para concorrentes”, concluindo que “estas características são fundamentalmente inconsistentes com qualquer noção de relação de trabalho”(tradução nossa)171. 58) Cumpre ainda recordar dois acórdãos do nosso Supremo Tribunal de Justiça, nos quais foi decidido que o facto de prestador de atividade poder escolher o próprio 16 Decisão integral disponível no seguinte endereço da internet: https://www.supremecourt.uk/cases/docs/uksc-2021-0155- judgment.pdf .” horário, não exercer a atividade em regime de exclusividade, ter a possibilidade de aceitar ou rejeitar serviços, ter a possibilidade de se fazer substituir e a possibilidade de agendar férias sem ser pago durante esse período e ser o titular dos instrumentos de trabalho permite ilidir a presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho ou distinguir uma prestação de serviços de um contrato de trabalho182, não obstante, nestes casos concretos ser evidente que os prestadores de atividade não têm uma estrutura organizativa própria, não são empresários e não têm os seus próprios clientes. 59) A ausência de exclusividade (Facto Provado 58) – nomeadamente o facto de a Recorrida permitir o “multiapping” – é um fator determinante do trabalho autónomo, que tem sido recorrentemente identificado não só pelos tribunais nacionais193, mas também pelo Tribunal de Justiça da UE204. 60) A este propósito, argumenta o Recorrente, que “nada impede que o trabalhador subordinado tenha mais do que um contrato de trabalho com diferentes empregadores, ou um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços, porquanto o pluriemprego não é proibido”. 61) No entanto, cumpre não olvidar que qualquer trabalhador por conta de outrem se encontra vinculado a um conjunto de deveres, entre os quais o dever de lealdade (artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho). 62) O dever de lealdade do trabalhador para com o empregador manifesta-se na obrigação de não concorrência, obrigação que constitui corolário do dever de lealdade, impondo ao trabalhador o dever de se abster de comportamentos contrários ou lesivos dos interesses da entidade empregadora – “não negociando por conta própria ou alheia em concorrência”. 63) Nesse âmbito, é vedado a qualquer trabalhador “o exercício de actividade concorrencial nos termos aí previstos, proibindo a lei a possibilidade de aquele desenvolver uma atividade, por si ou no seu interesse, que conflua ou entre em concorrência com o empregador, pondo em causa a sua organização em matéria comercial, de produção, negocial ou económica”215. 64) É entendimento unânime, tanto na doutrina como na jurisprudência, que o dever de lealdade constitui um valor absoluto, não suscetível de graduações. Assim, o reconhecimento, ainda que hipotético e que por mero dever de patrocínio se concebe, de um contrato de trabalho entre os prestadores de atividade visados e a Recorrida redundaria na obrigatoriedade de os prestadores de atividade deixarem de prestar a sua atividade de estafeta para plataformas concorrentes, sob pena de violação automática do dever de lealdade a que passará a estar vinculado e adstrito. 65) A violação do dever de lealdade e a obrigação legal de não concorrência que impende sobre o trabalhador não dependem da verificação, em concreto, de um efetivo prejuízo para o empregador, nem sequer do efetivo desvio de clientela, sendo suficiente a potencialidade desse prejuízo226. 66) Na verdade, o próprio legislador, ao estabelecer que o trabalhador não pode negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador, está a proibir o trabalhador de qualquer atuação que possa entrar em concorrência com a atividade desenvolvida pelo empregador, proibição que é justificada, porquanto “se alguém contrata trabalhadores, não pode estar sujeito ao risco de estes entrarem em concorrência com a sua actividade”237. 67) De facto, a contratação de trabalhadores tem como desiderato o desenvolvimento e o sucesso da empresa, pelo que “seria absurdo aceitar que aqueles pudessem desenvolver actividades susceptíveis de conduzir ao desvio de clientela da própria empresa onde trabalham e, consequentemente, dessa forma, potenciar uma limitação do seu volume de negócios e dos seus proveitos”248. 68) São estas as razões pelas quais a ausência de exclusividade assume decisiva importância neste tipo de ações e na análise da relação jurídica em apreço, o que não deve ser ignorado: é que os deveres e obrigações a que estão adstritos os trabalhadores não permite a prestação de trabalho simultâneo a duas (ou mais) entidades concorrentes distintas, situação que é admitida no âmbito de uma prestação de serviços, na qual é o próprio prestador, dotado de autonomia na organização da sua atividade, quem decide quando presta a sua atividade, para quem, e de que forma, tal como sucede in casu. 69) Alega ainda o Recorrente, embora sem concretizar em qualquer factualidade concreta, que o estafeta “se encontra inserido numa estrutura organizativa da empresa que gere a plataforma, recebendo ordens e instruções através do procedimento padronizado que se mostra instituído, estando também sujeito ao regime sancionatório por aquela implementado”. 70) Não se provou que existam quaisquer ordens e instruções através de qualquer procedimento padronizado, bem assim, que haja algum tipo de exercício de poder disciplinar da Recorrida perante o estafeta, pelo que tais alegações são totalmente infundadas, não tendo qualquer suporte factual. 71) Quanto ao facto de o estafeta estar inserido na organização produtiva da Recorrida, resultou provado (Facto 40) que não são raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega e ainda (Facto Provado 6) que a Ré atua na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma, isto é, estabelecimentos comerciais, os utilizadores estafetas e os utilizadores clientes, nada mais. 72) Um empregador necessita de contar com a disponibilidade dos seus trabalhadores para poder organizar a sua atividade, pelo que, verificando-se que a Recorrida não pode contar com a regularidade efetiva do prestador de atividade, decidida única e exclusivamente por este, não se vislumbra como se poderá considerar o vínculo estabelecido como um contrato de trabalho, porquanto absolutamente incompatível. 73) No caso concreto, o prestador de atividade nunca assumiu qualquer vinculação, muito menos com o grau de compromisso esperado e que é expetável num contrato de trabalho. 74) O prestador de atividade não presta atividade desde 29 de outubro de 2023 – Facto Provado 43. 75) Uma organização produtiva pressupõe isso mesmo: organização, o que implica planeamento e disponibilidade de mão-de-obra para o efeito. 76) Contrariamente ao que sucede numa relação laboral, a Recorrida não organiza a atividade do prestador de atividade de maneira alguma, pois este é livre para escolher o seu horário, ligar e desligar-se da plataforma, e decidir durante quanto tempo permanece ligado, sendo ainda livre para rejeitar e aceitar as propostas de entrega que bem entender, conforme decorre da factualidade provada. 77) Tudo isto resulta na impossibilidade prática de a Recorrida saber quanto prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as propostas de entrega disponibilizadas. 78) Não se pode, assim, concluir que a Recorrida disponha de uma organização de prestação de serviços de entrega. 79) Sem prejuízo, ainda que se possa considerar a integração do estafeta na organização produtiva da Recorrida, o que por mero dever de patrocínio se concebe, é necessário ponderar a natureza da atividade em questão, pois não se pode afirmar que esta atividade específica — a recolha e entrega de produtos — exija o recurso a meios produtivos de grande envergadura ou uma complexidade organizativa considerável. 80) Por fim, cumpre realçar que o prestador de atividade tem a possibilidade de designar outras pessoas para substituição no exercício da atividade, o que demonstra que o que interessa à Recorrida não é a atividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua atividade, característica do contrato de prestação de serviços. 81) De facto, e como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12 de setembro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 3842/23.5T8PTM.E1 (Relator: João Luís Nunes), “Particularmente decisivo apresenta-se o facto do estafeta poder subcontratar outro prestador de serviço para realizar a entrega: sendo o contrato de trabalho um contrato intuitu personae, em que as qualidades pessoais do trabalhador são elementos essenciais para a conformação da relação de trabalho, a possibilidade de subcontratação de outro prestador da atividade não se harmoniza com tal caraterística. Como bem assinala o tribunal a quo, através da possibilidade de os estafetas se fazerem substituir por outras pessoas o que demonstra é que à ré não interessa a atividade em si daquele concreto estafeta, mas sim o resultado da mesma (entrega dos produtos), caraterística do contrato de prestação de serviço”. 82) Tendo em conta a factualidade provada constata-se que não existe o mínimo resquício de subordinação jurídica. 83) Ao concluir o registo na plataforma e concordar com os termos e condições aplicáveis, o prestador de atividade não se comprometeu a prestar qualquer atividade em nome da Recorrida. 84) A Recorrida não conseguirá garantir a disponibilidade de mão-de-obra, que é aquilo que permite um contrato de trabalho, sem retirar a liberdade de os prestadores de atividade organizarem a sua atividade. 85) Por isso, caso se entendesse que existe um contrato de trabalho entre os prestadores de atividade e a Recorrida, esse contrato nunca poderá ser igual aquele que atualmente vincula as partes, de outro modo, os prestadores de atividade poderiam sempre imiscuir-se de cumprir a principal obrigação de um trabalhador (a de trabalhar) e a Recorrida nada poderia fazer quanto a isso. 86) Um contrato de trabalho é o que é, conforme definido na lei, não o que alguma doutrina e jurisprudência quer que seja, sem qualquer alteração legislativa que o sustente. 87) Ainda que a doutrina ou a jurisprudência possam ser sensíveis à alegada precaridade e dependência económica de alguns prestadores de serviços (precariedade essa que, existindo, impõe a intervenção do legislador para os proteger), a verdade é que a solução não poderá passar por alterar aquela que é a definição de contrato de trabalho prevista na lei (definição essa que não é dada nem pelo art.º 12º-A, nem pelo art.º 12º nem pelo método indiciário, que preveem apenas factos índice da sua existência). 88) Nestes termos, deve a sentença recorrida ser mantida, não se reconhecendo qualquer contrato de trabalho entre a Recorrida e o prestador de atividade visado, o Sr. AA. Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve o recurso apresentado pelo Autor/Recorrente ser julgado totalmente improcedente.” *** Os autos foram aos vistos às Exmas Desembargadoras Adjuntas. Cumpre apreciar e decidir *** II – Objecto Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir se o vínculo jurídico que existe entre a Ré e AA configura um contrato de trabalho. *** III – Fundamentação de Facto São os seguintes os factos considerados provados pela 1ª instância: 1. A Ré é uma sociedade que tem como objeto social: “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; Atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; Consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; Aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”. 2. A Ré é uma plataforma de prestação de serviços de entregas on line, nomeadamente de refeições, através de uma aplicação informática criada e desenvolvida para tal efeito, efetuando a mencionada plataforma a gestão de um negócio que estabelece a ligação entre o estafeta e o cliente, assegurando ainda as necessárias parcerias com empresas do setor da restauração e do comércio. 3. Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados. 4. Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito. 5. As funções desempenhadas pelo estafeta consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final. 6. Assim, a Ré atua na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: Os utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo); - Os utilizadores estafetas; e - Os utilizadores clientes. 7. A atividade da Ré inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e – A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas. 8. AA, natural da República Federativa do Brasil, NIF..., NISS..., Título de Residência n.º ..., titular do endereço eletrónico..., com residência na... presta a referida atividade de estafeta para a plataforma UBER EATS pelo menos desde Março de 2023. 9. AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone. 10. No decurso de uma ação inspetiva realizada pela ACT no dia 27/09/2023, pelas 19H18, foi verificado que AA se encontrava em frente à entrada do Av. …, em Lisboa, a aguardar a preparação para recolha de pedido efetuado por cliente na aplicação móvel Uber Eats e posterior entrega na morada indicada pelo cliente, tendo-se apurado que desenvolve a sua atividade da seguinte forma: - O estafeta estava registado na plataforma digital UBER EATS, como “Parceiro de Entregas Independente”, através da criação de uma conta na plataforma, na aplicação disponibilizada na internet para o efeito; - Visando o registo em causa, e de acordo com exigência da aplicação UBER EATS, foram submetidos pelo estafeta na referida aplicação os seus documentos de identificação, bem como o certificado de registo criminal, o comprovativo de abertura de atividade como trabalhador independente, entre outros; - Foi ainda associado à conta do estafeta o meio de transporte em que este se desloca, no caso, a mota, conforme requerido pela plataforma; - O estafeta, para finalizar o registo, ficou ainda obrigado a aderir aos termos e condições aplicáveis constantes do “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”. 11. Embora a UBER EATS não mantenha um suporte em papel da adesão aos termos e condições aplicáveis, tem um registo eletrónico de adesão aos mesmos com data e hora. 12. AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone. 13. Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, AA teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa sendo que, uma vez ativada a conta, é iniciada a atividade como estafeta e o início da sessão na plataforma é feito através das credenciais de identificação do estafeta e de uma palavra passe, sendo que, para receber os pedidos, coloca-se em estado de disponibilidade. 14. Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a Ré, AA tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens. 15. Os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país. 16. Podem inclusivamente bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar. 17. A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique aceite e efetuado por parte da UBER. 18. A plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efetua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta “filtrar", aceitando ou não os pedidos que aparecem no ecrã, através do preço por quilómetro (designado de “Taxa Mínima por Quilómetro”)". 19. Com efeito, apesar de o estafeta poder definir na aplicação o valor mínimo por quilómetro, ou seja, o montante mínimo que aceita para proceder à entrega de cada pedido, não existe qualquer negociação entre o prestador e a plataforma quanto aos critérios que estão subjacentes à definição dos valores. 20. Não existe também qualquer intervenção do estafeta no processo de negociação de preços entre a plataforma e os parceiros de negócio, nomeadamente, restaurantes e estabelecimentos comerciais. 21. Cada serviço tem o seu valor definido que o estafeta vê na plataforma e é livre de aceitar, ou não, mas apenas por esse valor. 22. Na Plataforma, os prestadores de atividade dispõem de uma ferramenta que lhes permite visualizar outras ofertas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”. 23. Desta forma, os prestadores de atividade podem ajustar o seu preço por quilómetro sempre que quiserem sem o baixar e assim não perder qualquer oferta de entrega que possa surgir na Plataforma. 24. Os prestadores de atividade escolhem quando são pagos, através da ferramenta "Cashout". Apenas no caso de não optarem por recolher os rendimentos através do Cash Out é que os mesmos são pagos semanalmente. 25. O estafeta é pago por transferência bancária e fica disponível na plataforma o registo de todos os pagamentos recebidos ao longo de um ano, assim como o comprovativo da transferência. 26. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo. 27. A plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos UBER EATS, sendo que, para a plataforma validar o perfil no ato de criação da conta o estafeta tem de submeter prova de detenção da mochila de transporte, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões – 44 cm de largura x 35 cm de profundidade x 40 cm de altura - assim como quanto ao estado de conservação e limpeza. 28. O estafeta não está obrigado a usar roupa distintiva da marca UBER EATS nem a apresentar-se em conformidade com qualquer critério que não seja o pessoal. 29. A partir do momento em que o estafeta AA faz login na aplicação e passa a estar online, a plataforma, ora Ré, fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização do dispositivo que tem de estar obrigatoriamente ligado para que a aplicação funcione e permita ao estafeta receber pedidos de entrega, sendo, pois, indispensável ao exercício da atividade e à atribuição dos pedidos dos clientes. 30. O GPS é uma ferramenta necessária para o funcionamento da Plataforma e para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade. 31. A localização é um dos fatores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade. 32. O GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe. 33. O Estafeta é livre de escolher o percurso que entender para fazer cada entrega, assim como o tempo que cada entrega possa levar escolhendo o sistema de GPS que entende para efetuar o percurso ou até nem o utilizar. 34. A plataforma tem a possibilidade de recolher a classificação efetuada ao estafeta, quer pelo cliente quer pelo comerciante/restaurante, através de meios eletrónicos inseridos na aplicação. 35. O estafeta é livre para escolher o seu horário. 36. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma. 37. E durante quanto tempo permanece ligado. 38. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender. 39. O que resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas. 40. Não são raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega.; 41. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si. 42. E a sua conta continua ativa.; 43. O estafeta não fez entregas desde 29 de Outubro de 2023.; 44. O estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que deve consultar no telemóvel. 45. A prática de partilha de contas, por motivos de segurança e conformidade legal, não é permitida na Plataforma, conforme decorre da cláusula 5.n. dos termos e condições aplicáveis. 46. Ou seja, o estafeta não pode permitir que terceiros utilizem a sua conta, devendo manter os seus detalhes de login confidenciais a todo o tempo; 47. Só quando o estafeta efetua o login na plataforma é que pode aceder às ofertas de entregas disponíveis. 48. A plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos do contrato de utilização da aplicação, designadamente, se permitir a utilização de conta por terceiros não autorizados, ou por comportamentos fraudulentos". 49. Conforme decorre da cláusula 14 dos termos e condições aplicáveis a Ré tem o direito de restringir o acesso à Plataforma e a resolver o contrato com o prestador de serviços nas seguintes situações: 50. Quando a Ré está a cumprir uma obrigação legal; 51. Quando o prestador de atividade não cumpre as suas obrigações contratuais; 52. Quando está em causa a segurança dos clientes; e 53. Por motivos de autoproteção (situações de fraude). 54. O sinal de GPS deve encontrar-se ativo entre os pontos de recolha e de entrega, de outro modo, o bom funcionamento da aplicação e o próprio serviço ficam comprometidos. 55. O estafeta autoriza a UBER a aceder à localização do seu dispositivo quando está logado. 56. Aliás, se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona para entregas, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha. 57. O estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido podem introduzir dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega. 58. A Plataforma faz a ligação entre comerciantes, que desejam vender os seus produtos (não só alimentos), clientes, que desejam adquirir bens e que os mesmos lhes sejam entregues ou optem por eles próprios fazer a sua recolha, e estafetas (como o Prestador de Atividade em causa na presente ação) que desejam fazer entregas aos clientes. 59. A aplicação e o site da Uber Eats Portugal (ora ré) são pertença da Uber Eats dos Estados Unidos. 60. A Ré contratou um seguro de responsabilidade civil com a Zurich Insurance e um seguro de proteção de parceiros de entrega que abrange o Prestador de Atividade.". 61. Após aceitar a entrega o estafeta não se pode fazer substituir por ninguém. 62. Antes de aceitar uma entrega existe na plataforma a possibilidade de o estafeta designar um substituto, o qual tem que estar registado na Uber com conta ativa e como substituto, para que este aceite os pedidos que entre ambos entenderem, sendo que a ré procederá ao pagamento ao estafeta substituído. 63. O estafeta pode prestar atividade a terceiros, incluindo via outra plataforma. A Plataforma é uma das muitas ferramentas que eles têm para realizar entregas. Os prestadores de atividade podem ter sua própria clientela e atendê-la com liberdade e sem necessidade de comunicar isso à Uber Eats. Eles também podem usar outras plataformas concorrentes, incluindo ao mesmo tempo que estão a prestar a sua atividade na Plataforma. Cabe esclarecer que os prestadores de atividade não estão adstritos a qualquer obrigação de exclusividade, podendo livremente escolher por prestar a sua atividade através de outras plataformas digitais ou qualquer outro meio que escolham, sem necessidade de consentimento ou de dar conhecimento à Uber Eats. 64. Para se registarem na Plataforma, os prestadores de atividade não estão sujeitos a qualquer tipo de processo de recrutamento, no sentido de não haver análise de CV, entrevistas ou qualquer tipo de processo de seleção, exceto o preenchimento dos requisitos contratuais já mencionados supra. 65. A R. não faz uso do feedback dado pelos clientes a cada entrega do estafeta, apenas lhe atribuindo pontos por cada entrega que efetua para efeitos de descontos na aquisição de material diverso. 66. O estafeta em apreço estava associado a um intermediário, Frota WBS II, veículos Lda, sendo este que procedia ao pagamento das entregas que este efetuava, ficando registado na plataforma toda a atividade de entrega por este realizada. 67. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, descontando a comissão do intermediário, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo. *** IV – Apreciação do Recurso A questão a decidir é da qualificação do vínculo jurídico estabelecido entre AA e a Ré, UBER EATS, UNIPESSOAL, LDA. Pretende o Ministério Público que esse vínculo assume a natureza de um contato de trabalho. O tribunal a quo considerou que não. O Ministério Público peticiona que a laboralidade do vínculo seja considerada a partir de 1 de Maio de 2023. No entanto, o que resulta da matéria de facto é que o referido AA presta a actividade de estafeta para a Ré, pelo menos desde Março de 2023 (ponto 8 da matéria de facto), pelo que à subsunção dos factos ao direito é aplicável o Código do Trabalho de 2009, na versão anterior à que nele foi introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, lei esta entrada em vigor em vigor no dia 1 de Maio de 2023 (cfr., o art.º 37º nº 1 da Lei 13/2023, de 3 de Abril, e artigo 12.º do Código Civil). Como se afirma no acórdão do STJ de 04-07-20289, “A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.”. No presente caso, e não resultando da matéria de facto uma mudança essencial na configuração da relação jurídico-contratual a que se referem os autos após Março de 2023, não tem aplicação, ao contrário do referido na sentença recorrida e daquele que é o entendimento do recorrente, a presunção de laboralidade de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, introduzida pela referida Lei 13/2023, que instituiu o artigo 12º A do CT. Vejamos então se a relação jurídica estabelecida entre AA e a Ré reveste as necessárias características de laboralidade para ser definida como um contrato de trabalho à luz do CT, na versão assinalada. Como se sabe, nem sempre é fácil distinguir entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços, dado que não estamos em presença de negócios formais, antes consensuais, o que propicia uma grande variabilidade de situações concretas, pelo que a determinação da sua existência e dos respectivos contornos deve ser aferida pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto. Nos termos da lei, o contrato de trabalho “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.” (sic art.º 11º do CT e art.1152º do C.Civil). O “contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (cfr. art.º 1154º C.Civil). São três as diferenças fundamentais entre ambos os contratos: - relativamente ao objecto de cada um: no contrato de trabalho, uma das partes obriga-se a prestar a sua actividade à outra, e no contrato de prestação de serviço, apenas fica obrigada a proporcionar à outra um certo resultado do seu trabalho, da sua actividade; - relativamente à retribuição: no contrato de trabalho existe sempre retribuição, ao contrário do contrato de prestação de serviços que pode ser celebrado com ou sem retribuição; - relativamente à forma de prestação do trabalho: no contrato de trabalho existe um vínculo de subordinação jurídica, enquanto no contrato de prestação de serviço tal vínculo não acontece. É esta diferença na forma como o trabalho é prestado que verdadeiramente diferencia ambos os tipos contratuais, não podendo os demais critérios enunciados ser distanciados deste10. O artigo 128º do CT, referente aos deveres do trabalhador, determina que o mesmo deve “Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; …” (artigo 128º nº1 e) do CT). Como dita a definição legal, no contrato de trabalho alguém se obriga a prestar a outrem a sua actividade, sob as ordens ou autoridade e direcção desse outrem. O trabalhador encontra-se sujeito à autoridade, direcção e fiscalização da respectiva entidade patronal, que lhe dá ordens e instruções, das quais depende, quanto ao modo como desenvolve a sua actividade, dentro dos limites do contrato. “Não estamos pois em presença de um devedor que organiza o seu programa de prestação, mas sim de um devedor cuja prestação é organizada pelo respectivo credor. A cargo da entidade patronal está o poder determinativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um “destino concreto” à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na empresa, quer determinando-lhe singulares operações executivas”11. Estes poderes de “autoridade e direcção” do empregador podem apresentar-se como meros elementos potenciais; a verificação da sua existência traduz-se num juízo de possibilidade e não de realidade. “É que, sendo a prestação devida pelo trabalhador, por força do contrato e em contrapartida da remuneração, um facere, ela carece, para se concretizar, da definição, por parte da entidade patronal, do modo, tempo e lugar de execução. Pressupõe, pois, a direcção da entidade patronal e, no verso da medalha, a subordinação jurídica do trabalhador. Embora o empregador vise obter da actividade do trabalhador um determinado resultado, esse resultado não faz parte do contrato. Já no contrato de prestação de serviços o objecto do contrato é um determinado resultado, que pressupõe naturalmente uma actividade. Mas, agora, o processo conducente à obtenção do resultado, a organização dos meios necessários e a própria ordenação da actividade estão fora do contrato, são determinados apenas pelo prestador, autonomamente, sendo indiferente para o credor do serviço.”12 No contrato de prestação de serviço, o que é proporcionado é um resultado, o resultado de certa actividade, sendo essa actividade exercida com plena autonomia, não estando o devedor sujeito a qualquer controle por parte do credor. O prestador de serviço adopta os meios e técnicas que, segundo a sua capacidade e conhecimentos, melhor se adaptam à eficiente prossecução da actividade a prestar, e gere livre e autonomamente, no tempo e no espaço, o exercício da sua actividade. “No contrato de prestação de serviços pode haver instruções por parte do beneficiário, mas apenas quanto ao objectivo do resultado a alcançar, e já não quanto à forma de o atingir, quanto ao modus operandi”. 13 Acresce que, como afirma Bernardo Lobo Xavier, “…em certos contratos de trabalho a prestação do trabalhador é efectuada com tanta autonomia que dificilmente se divisam traços da subordinação jurídica … Por outro lado, a autonomia do trabalho não é incompatível com a execução de certas directivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço é prestado.”14 Na verdade, no contrato de prestação de serviço, pode acontecer que o trabalhador esteja contratualmente obrigado a respeitar determinadas condições impostas pelo credor da prestação, por exemplo, relativamente aos materiais a utilizar, ao figurino a seguir, ao local onde a actividade deve ser prestada, ao horário dentro do qual a mesma pode ser prestada, etc, mas, nestes casos, já se estará, como se disse, perante condições contratualmente estabelecidas e não no exercício do poder de direcção do credor perante o prestador de trabalho15. A demonstração da subordinação jurídica pode ser feita através da prova directa de factos que a atestem, a saber, da existência de ordens, directivas e instruções, ou, dado que a prova directa não é fácil, é, quase sempre, através de prova indirecta ou indiciária, que se apura a existência do vínculo. Trata-se nestes casos, que são a maioria, de recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios, sendo que nenhum deles é absolutamente decisivo, revestindo-se, de per se, de patente relatividade dado que cada um pode assumir um valor significante, diverso de caso para caso, para além de que alguns dos indícios aparecem tanto num contrato como noutro – no que respeita ao contrato de prestação de serviço, os mesmos aparecem, não por força do contrato em si, mas das estipulações contratuais acordadas entre as partes - e não é pelo número de índices que se procede à qualificação, exigindo-se sempre um juízo global de valoração relativamente ao tipo de contrato enunciado. Muitas vezes, só mesmo a execução efectiva do contrato permite determinar a vontade das partes que o celebraram, prevalecendo a qualificação jurídica dos factos efectivamente acontecidos. Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 10-12-2012 “ I - Para proceder ao juízo de qualificação contratual a formular perante a situação concreta e alcançar, eventualmente, a identificação da relação laboral, haverá que interpretar o comportamento declarativo expresso nas estipulações contratuais e, depois, analisar a conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que envolveu a execução do negócio indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou do modelo da prestação de serviço. II - O esquema contratual laboral mostra-se pensado, em princípio, para uma relação minimamente durável, sendo atributo da laboralidade um mínimo de consistência no tempo e a regularidade da prestação. III - Por seu turno o esquema do contrato de prestação de serviço parece que melhor se adequará a prestações curtas e esporádicas, que o prestador é livre de aceitar ou não, desenvolvendo-as sem que simultaneamente se submeta ao poder de direcção, regulamentar e disciplinar de outrem, como é próprio do contrato individual de trabalho; a vinculação de acordo com as conveniências e disponibilidades do prestador só pode significar que o mesmo não estava incondicionalmente à disposição do beneficiário para prestar o trabalho que este lhe quisesse atribuir.” 16 São vários os indícios da subordinação jurídica que a doutrina e a jurisprudência referem. “No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido … ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem”17. Outros são ainda referidos, embora menos significativos, como, a título exemplificativo, a denominação dada ao contrato escrito, se o houver, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, o número de beneficiários a quem o trabalhador presta a sua actividade, etc. A liberdade de escolha do local de trabalho, a inexistência de horário de trabalho, pertencerem os instrumentos de trabalho ao trabalhador, o pagamento de remuneração em função das tarefas realizadas, o não pagamento de subsídio de férias e de Natal, a inexistência do direito a férias remuneradas, o recurso a colaboradores, por parte do trabalhador, a inscrição nas finanças e na segurança social como trabalhador independente, constituem indícios de que estamos perante um contrato de prestação de serviço. Tendo presentes as regras de repartição do ónus da prova, é ao trabalhador que compete alegar e provar a existência do contrato de trabalho, caso assente nesse pressuposto a sua pretensão, como acontece no caso sub judice (cfr. art.º 342º nº1 do C.Civil). A lei, ante a extrema variabilidade das situações da vida, e reconhecendo a manifesta dificuldade em surpreender em muitos casos os elementos que permitam a subsunção jurídica a uma realidade laboral, criou uma presunção de laboralidade a partir de indícios reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como integrando essa realidade. Assim, e tal como já acontecia no CT/2003, também o CT/2009 estabelece uma presunção de laboralidade, a saber, “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.” Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, cabendo à parte contrária ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, salvo se a lei o proibir (art.º 350º do Código Civil). Comecemos por verificar se os factos permitem a subsunção aos índices presuntivos de laboralidade identificados na lei, dado que os mesmos, como referido, visam facilitar a prova e a apreciação do tipo contratual em causa. A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado – o que resulta da matéria de facto é que, no exercício da tarefa de entrega de refeições, os pedidos são realizados através da plataforma Uber Eats, na qual o estafeta se encontra registado e à qual acede através da APP instalada no seu telemóvel/smarphone. Ou seja, é a partir da aplicação que é determinado o local de exercício da atividade, mas o estafeta decide livremente o local onde presta a actividade, se numa determinada zona da cidade ou até do país, sendo que a plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando quiserem, desde que previamente efectuem o registo da mudança e esse registo seja aceite pela Ré (pontos 9, 12, 15, 17, 44 e 56 dos factos provados). Daqui resulta que não está preenchido tal índice de laboralidade. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade - resulta provado que a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual as operações comerciais se concretizam, sendo a atividade de prestação de serviços exercida através de uma aplicação informática, pertencendo a aplicação e o site à Uber Eats Estados Unidos (pontos 2, 3, 4 e 59 dos factos provados) Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a Ré, AA tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens (ponto 14 dos factos provados). Daqui resulta que os instrumentos utilizados pelo prestador de actividade como o veículo (que pode, ou não, ser essencial, na medida em que o prestador de actividade poderá deslocar-se a pé se a distância assim o permitir), a mochila e o telemóvel, que são essenciais à prestação da actividade, pertencem ao próprio. Relativamente à plataforma, como referimos, não tem aplicação o disposto no artigo 12º A nº2 do CT. A Lei 45/2018, de 10 de Agosto, que define o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica, caracteriza a plataforma como “as infraestruturas eletrónicas da titularidade ou sob exploração de pessoas coletivas que prestam, segundo um modelo de negócio próprio, o serviço de intermediação entre utilizadores e operadores de TVDE aderentes à plataforma, na sequência efetuada pelo utilizador por meio de aplicação informática dedicada.” (artigo 16º). Também a Lei 96/2015, de 17 de Agosto, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública, caracteriza a plataforma como a “infraestrutura tecnológica constituída por um conjunto de aplicações, meios e serviços informáticos necessários ao funcionamento dos procedimentos eletrónicos de contratação pública nacional, sobre a qual se desenrolam os referidos procedimentos.”(artigo 2º nº1 e). Ou seja, a plataforma digital é a pessoa colectiva que presta serviços à distância. Já a APP é um dos meios electrónicos que são utilizados pela plataforma digital para prosseguir o seu objecto e sem o qual o prestador da actividade não a pode exercer. É duvidoso que seja um instrumento de trabalho18. Mas, seja como for, o que resulta da matéria de facto e que a APP não pertence à Ré mas à Uber Eats dos EUA. Ou seja, os instrumentos de trabalho não pertencem à beneficiária da actividade. O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma - resulta provado que o estafeta é livre para escolher o seu horário, para decidir quando se liga e desliga da Plataforma, e durante quanto tempo permanece ligado (pontos 35 a 37 dos factos provados). Portanto, não se verifica o facto índice. Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma - resulta provado que a plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efetua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta “filtrar", aceitando ou não os pedidos que aparecem no ecrã, através do preço por quilómetro (designado de “Taxa Mínima por Quilómetro”)" (facto 18); cada serviço tem o seu valor definido que o estafeta vê na plataforma e é livre de aceitar, ou não, mas apenas por esse valor (facto 21); os prestadores de atividade escolhem quando são pagos, através da ferramenta "Cashout". Apenas no caso de não optarem por recolher os rendimentos através do Cash Out é que os mesmos são pagos semanalmente; o estafeta é pago por transferência bancária e fica disponível na plataforma o registo de todos os pagamentos recebidos ao longo de um ano, assim como o comprovativo da transferência; o estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo (factos 24 a 26). Ou seja, nada resulta da matéria de facto que nos indique que o prestador de actividade, era pago com determinada periodicidade, e que lhe era paga uma quantia certa, sendo que, tendo resultado provado que o prestador de actividade pode aceitar ou rejeitar as ofertas de entregas que entender, naturalmente que a conclusão a retirar é a de que a quantia é variável em função do número de entregas que aquele aceitar efectuar, sendo manifesto que o prestador de actividade recebe à peça. Donde se conclui que não está preenchido o índice de laboralidade em causa. O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa - Nada resulta dos autos a este propósito. Tudo visto, à luz do artigo 12.º do Código do Trabalho não é possível concluir pela presunção de existência de um contrato de trabalho. Cumpre agora proceder à análise global dos factos, com vista ao apuramento dos indícios em presença com recurso ao modelo indiciário. O Apelante refere que a titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho pertence à Ré pois a mesma opera e gere uma plataforma eletrónica que dispõe de um software complexo através do qual gere e controla uma organização produtiva. Acrescenta que o poder de direcção e de conformação do modo como é prestada a actividade é da Ré, pois é esta, através da sua aplicação informática, que organiza e gere a actividade de recolha, transporte e entrega de mercadorias, encontrando-se este procedimento perfeitamente padronizado visto que decorrerá da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestado e da concreta pessoa do estafeta, que se limitará a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré. E acrescenta ainda que o exercício do poder sancionatório existe pois a “plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desactivar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta (…)”.O modo de cálculo da retribuição: que também indica subordinação, visto que é a Ré quem determina as regras essenciais de fixação da retribuição, tal como concluem os factos provados onde se diz que “a plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efectua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta filtrar, aceitando ou não os pedidos que aceita no ecrã”. Como já referimos o elemento fundamental que distingue o contrato de trabalho de outros tipos contratuais é a existência de subordinação jurídica, e já acima referimos índices, considerados pela doutrina e pela jurisprudência que auxiliam a avaliação sobre a existência, em concreto, de uma relação de dependência do trabalhador na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem. Trata-se de uma tarefa complexa a de determinar, em muitos casos, sobre se estamos ante um contrato de trabalho ou outra forma jus contratual fundada, em maior ou menor grau, num certo indice de autonomia. O trabalho através das plataformas digitais veio acrescentar complexidade a esta tarefa. De facto, “hoje, através da gestão algorítmica de uma multidão de prestadores de atividade disponíveis para trabalhar (daí o termo crowdwork), estas empresas conseguem desenvolver o seu negócio e usufruir da respetiva mão-de-obra sem necessidade de recorrer a esses institutos tradicionais do Direito do Trabalho, provindos da era industrial”. Sinalizando-se que, em conformidade com o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, “a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital”. E para concluírem que “a subordinação jurídica não pode ficar refém do paradigma da sociedade industrial, em que todos os aspetos da prestação laboral eram determinados pela entidade empregadora (ou pelos superiores hierárquicos do trabalhador) e em que se registou, como bem observa Lorena Porto, como que «a sinédoque da subordinação»[7]. É hoje pacífico que a subordinação jurídica constitui uma noção de geometria variável, comportando uma extensa escala gradativa, sendo inequívoca a flexibilização e a sofisticação da subordinação na sociedade pós-industrial. De resto, isso mesmo é, quiçá, testemunhado, entre nós, pela evolução da própria noção legal de contrato de trabalho, na medida em que o atual Código do Trabalho, de 2009, deixou de aludir à direção da entidade empregadora (como consta do Código Civil, de 1966), substituindo essa ideia pela de inserção no âmbito de organização da entidade empregadora. 19 Também recentemente, o STJ afirmou que a inserção estável e duradoura na organização da contraparte contratual, a exclusividade, a utilização de meios de produção disponibilizados pela contraparte, as instruções concretas para o exercício das funções são indícios que, avaliados no seu conjunto, levam à conclusão da existência de uma relação de trabalho subordinado.20 O presente caso em nada difere daquele que foi julgado nos autos 29383/23.2T8LSB.L1, relatado pela ora Exma 1ª adjunta, e com cujos considerandos acerca da aplicação do método indiciário concordamos inteiramente, não se descortinando qualquer razão válida para divergirmos dessa argumentação e decisão. Dá-se assim como reproduzida a fundamentação ali expedida e que é a seguinte: “É inegável que a principal ferramenta para o exercício da atividade – o software – é indispensável a tal exercício. E é também uma especificidade desta atividade, pelo que a sua gestão desacompanhada de prova da efetiva quebra de autonomia não deve assumir importância preponderante. Claro que dos autos emerge a vinculação do prestador a uma determinada plataforma que, como não poderá deixar de ser comporta regras próprias para o efeito. À semelhança, aliás, do que ocorrerá em qualquer empresa tradicional com a qual se contrate, seja em regime de prestação de serviços, seja de contrato de trabalho. Também não podemos deixar de reconhecer algum nível de inserção numa certa organização. Desde logo a vinculação mediante registo prévio a uma certa plataforma digital (ponto 13), acedendo o prestador a uma prestação de serviço intermediada por essa mesma plataforma (ponto 7), associando-se à respetiva conta o meio de transporte em que este se desloca (ponto 10), com adesão aos termos do contrato de parceiro de entregas (ponto 10) e mediante preços definidos por aquela (ponto 18) e usando um sistema de geolocalização que é o da plataforma (ponto 29, 30), o que permite à UBER aceder à localização do dispositivo do prestador (ponto 50). O que, do nosso ponto de vista, falha em absoluto é a prova da submissão à autoridade da organização. Senão vejamos! A factualidade apurada revela o exercício de uma atividade remunerada que pressupõe o uso de instrumentos próprios do prestador (ponto 14), prestador que livremente decide o local e o melhor percurso (ponto 15, 33), o horário onde presta atividade (ponto 35, 36, 37, 41) e a quem presta (ponto 16, 17, 38), bem como o momento do cumprimento da obrigação retributiva (ponto 24). Esta obrigação está conexa com o resultado e não com a atividade (ponto 26), não sendo impostos sinais exteriores de pertença a alguma organização (ponto 28). Acresce a possibilidade de contratar com terceiros, incluindo concorrentes, e inerente não sujeição a exclusividade relacional (ponto 58) e, bem assim, a inexistência de controle acerca do desempenho (ponto 60). Dir-se-á que o algoritmo exerce tal controle e que os tradicionais indícios como sejam a ausência de dever de assiduidade ou não concorrência, e mesmo a circunstância de não se estar vinculado a um horário de trabalho não constitui obstáculo à presença de subordinação jurídica. Porém, isso não ficou demonstrado no caso concreto e, logo, não pode pressupor-se. Não fundamenta qualquer quebra de autonomia no exercício da atividade a circunstância de haver regras instituídas para a partilha de contas (ponto 44, 45) ou para restringir o acesso (ponto 47, 48). Isso apenas significa que cabe ao proprietário da plataforma a sua gestão. E nem mesmo impressiona a circunstância de a substituição do prestador por terceiros não ser inteiramente livre (ponto 56, 57), pois só o deixa de ser após aceitação da entrega por parte do estafeta. A plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efetua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta “filtrar", aceitando ou não os pedidos que aparecem no ecrã, através do preço por quilómetro (designado de “Taxa Mínima por Quilómetro”)". Com efeito, apesar de o estafeta poder definir na aplicação o valor mínimo por quilómetro, ou seja, o montante mínimo que aceita para proceder à entrega de cada pedido, não existe qualquer negociação entre o prestador e a plataforma quanto aos critérios que estão subjacentes à definição dos valores. A fixação de uma retribuição do trabalho constitui fator relevante, sendo de ponderar, como reforço a favor do Apelante, que a fixação de preços por parte do prestador não é negociada. Por outro lado, na relação que se estabelece com os parceiros de negócio o estafeta não tem qualquer intervenção, tendo cada serviço o seu valor definido, valor que este pode ou não aceitar. Circunstâncias das quais emerge a falta de autonomia negocial do prestador, mas que, de algum modo é atenuada pelo facto de na Plataforma, os prestadores de atividade disporem de uma ferramenta que lhes permite visualizar outras ofertas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”. Desta forma, os prestadores de atividade podem ajustar o seu preço por quilómetro sempre que quiserem sem o baixar e assim não perder qualquer oferta de entrega que possa surgir na Plataforma. Relativamente ao modo de cumprimento da retribuição, provou-se que os prestadores de atividade escolhem quando são pagos, através da ferramenta "Cashout", tendo o estafeta em apreço escolhido ser pago semanalmente. Por outro lado, o estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo. Ou seja, beneficia de liberdade na sua disponibilização para trabalhar. A plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos UBER EATS, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões, assim como quanto ao estado de conservação e limpeza. Porém, o estafeta não está obrigado a usar roupa distintiva da marca UBER EATS nem a apresentar-se em conformidade com qualquer critério que não seja o pessoal. Os factos revelam ainda que, não obstante a ferramenta de geolocalização, esta não cumpre alguma finalidade de controle. Antes se destina a permitir o funcionamento da aplicação de modo a permitir ao estafeta receber pedidos de entrega, sendo, pois, indispensável ao exercício da atividade e à atribuição dos pedidos dos clientes. Trata-se, pois, de algo inerente à especificidade do modo de exercício da atividade laboral, permitindo também aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe. De salientar, a este propósito, que se provou que o sinal de GPS deve encontrar-se ativo entre os pontos de recolha e de entrega, de outro modo, o bom funcionamento da aplicação e o próprio serviço ficam comprometidos. O estafeta autoriza a UBER a aceder à localização do seu dispositivo quando está logado e se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona para entregas, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha. Ou seja, daqui não emerge nada que abale a autonomia do trabalhador, antes estes são factos reveladores do modo específico de exercício da atividade. Acresce que, conforme provado, o Estafeta é livre de escolher o percurso que entender para fazer cada entrega, assim como o tempo que cada entrega possa levar escolhendo o sistema de GPS que entende para efetuar o percurso ou até nem o utilizar. O estafeta é livre para escolher o seu horário, para decidir quando se liga e desliga da Plataforma durante quanto tempo permanece ligado. Com o que não está sujeito a períodos normais de trabalho ou horários previamente estabelecidos. Tem, é claro, liberdade para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender, assim definindo, ele próprio, o resultado do seu trabalho. Na verdade, também conforme emerge da factualidade supra exposta, o Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si, continuando ativa a sua conta. Não desprezível é ainda a matéria que enforma os pontos 39 e 40, a saber, a impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas. Não são raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega. Esta matéria tem, como parece óbvio, consequências ao nível dos resultados para a R.. Enfim, tudo ponderado não vemos no conjunto de factos cuja prova se obteve indícios de contrato de trabalho, não obstante se admitir a inserção numa certa organização, porém sem que os autos evidenciem o exercício de poderes de autoridade conformes à disciplina laboral (Artº 11º do CT).” De realçar sobretudo que o prestador de actividade pelo facto de se ligar à app não passa a fazer parte da organização produtiva da Ré, pois, como vimos, o que resulta provado, é que o estafeta é livre para escolher o seu horário, é livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma e durante quanto tempo permanece ligado, e ainda para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender. O que tudo resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas, não sendo raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega (facto 40); e o Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si. Aliás, o estafeta a que se referem os autos já não faz entregas desde 29 de Outubro de 2023. Não podemos, portanto, afirmar que o estafeta observa os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, e que se submete à sua autoridade. E assim sendo, não podemos considerar que esteja sujeito a subordinação jurídica, não estando vinculado a um contrato de trabalho. Também o acórdão proferido por esta Secção no processo 30383/23.8T8LSB.L1-4, em que foi relatora a ora Exma 2ª Adjunta e subscrito pela ora Exma 1ª Adjunta, proferido em 29-01-2025, em situação idêntica à presente quer a decisão quer a respectiva fundamentação não divergem essencialmente do agora decidido. Em face do exposto, improcede o recurso. *** V – Decisão Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação interposto pelo Ministério Público. Sem custas, por o Apelante delas estar isento (artigo 4º/1-a) do RCP). Registe e notifique. Lisboa, 14-05-2025 Paula de Jesus Jorge dos Santos Manuela Fialho Alexandra Lage _______________________________________________________ 1. 17 No texto original: “Riders are thus free to reject offers of work, to make themselves unavailable and to undertake work for competitors. Once again, these features are fundamentally inconsistent with any notion of an employment relationship – Nota de rodapé das contra-alegações. 2. 18 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de janeiro de 2019, no processo n.º 1376/16.3T8CSC.L1. S1 (disponível aqui) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de setembro de 2016, no processo n.º 329/08.0TTFAR.E1.S1 (disponível aqui). – Nota de rodapé das contra-alegações. 3. 19 A título de exemplo, refira-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2017, no processo n.º 2242/14.2TTLSB. L1. S1 e de 9 de janeiro de 2019, no processo n.º 1376/16.3T8CSC. L1. S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. – Nota de rodapé das contra-alegações. 4. 20 A título de exemplo, Processo C-692/19 B contra Yodel Delivery Network Ltd., ECLI:EU:C:2020:28, já citada nas presentes Alegações. – Nota de rodapé das contra-alegações. 5. 21 Entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de setembro de 2015, proc. N.º477/11.9TTVRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt. - Nota de rodapé das contra-alegações. 6. 22 Entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datados de 20/4/2005, no âmbito da Revista nº 160/05, de 12/09/2012, no âmbito da revista 492/08 e de 12/09/2012, no Recurso 605/07, todos disponíveis em www.dgsi.pt. - Nota de rodapé das contra-alegações. 7. 23 Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, págs. 917 e ss. - Nota de rodapé das contra-alegações. 8. 24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.09.2015, proc. n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1.. - Nota de rodapé das contra-alegações. 9. Processo 1272/16.4T8SNT.L1.S1 e jurisprudência aí citada. E, no mesmo sentido, e mais recentemente, vejam-se os acórdão do STJ de 25-09-2024 – Processo 12510/19.1T8SNT.L1.S1 - vide ainda acórdão desta Relação de 15-01-2025 – Processo 29383/23.2T8LSB.L1, relatado pela Exma ora 1ª Adjunta, de 30-04-2025 – Processo 30225/23.4T8LSB.L1-4 - e de 09-04-2025 – Processo 729/24.8T8LSB.L1-4. 10. Acórdão da Relação de Lisboa de 27-04-2005 - Processo 197/2005.4. 11. Acórdão do STJ de 30-09-2004 – Processo 03S2053. 12. Acórdão da Relação de Lisboa de 27-04-2005 - Processo 197/2005.4, 13. Acórdão da Relação do Porto de 04-10-2005 – Processo 0524527. 14. Curso de Direito do Trabalho, 2º edição, pág. 302, citado no Ac. STJ de 08 de Fevereiro de 2006 – Processo 05S3485. 15. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 16º edição, pág. 120 e 121 e vide também Ac. STJ de 28-06-2006 - Processo 06S5892. 16. Processo 643/09.7TTVNG.P1. 17. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 16º edição, pág. 123 e 124. 18. Ponderou-se no acórdão da Relação de Guimarães de 17-10-2024 que “Por sua vez, a App administrada pela ré, enquanto plataforma digital que gere os serviços de entrega que AA assegura, não pode ser incluída nos “equipamentos ou instrumentos de trabalho” que se procura determinar se pertencem à beneficiária da actividade de prestação de serviços de entrega, porquanto: uma plataforma digital não pode “pertencer” à ré, pois esse verbo reconduz-nos a uma ideia de propriedade, e o direito de propriedade só pode ser constituído relativamente a coisas corpóreas (cfr. artigo 1302.º, n.º 1, do Código Civil), entre as quais não se conta uma plataforma digital/app22; os vocábulos “equipamentos ou instrumentos de trabalho” traduzem uma ideia de materialidade, de utensílio ou aparelho empregado na execução de qualquer trabalho, um bem físico, sendo que uma plataforma digital de “per si” constitui uma criação do espírito humano e não uma coisa com existência física, à semelhança, por exemplo, do sistema de G.P.S., de que o estafeta poderá utilizar para se orientar durante uma entrega; o proémio do artigo 12.º-A, n.º 1, do C.T., faz corresponder, ainda que de forma imprópria, o empregador à “plataforma digital”, pois a entidade patronal será sempre a pessoa singular ou colectiva que gere a plataforma digital (cfr. artigo 12.º-A, n.º 2, do C.T.), enquanto sujeito detentor de personalidade e capacidade jurídicas; mas se assim é, a App, que mais não é do que uma plataforma digital, não pode ser considerada instrumento ou equipamento pertencente a uma plataforma digital que o estafeta utiliza na sua actividade (cfr. artigo 12.º-A, n.º 1, al. f), do C.T.” 19. João Leal Amado, Teresa Coelho Moreira, As plataformas digitais, a presunção de laboralidade e a respetiva ilisão: nótula sobre o Acórdão da Relação de Évora, de 12/09/2024 https://observatorio.almedina.net/index.php/2024/10/08/as-plataformas-digitais-a-presuncao/ 20. Acórdão de 25/09/2024 - Processo 12510/19.1T8SNT. |