Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO ALMEIDA | ||
Descritores: | ABANDONO DO TRABALHO SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/14/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Não há abandono do trabalho quando o trabalhador não comparece ao trabalho e se encontra ausente há anos por se encontrar em baixa médica, não obstante não justificar as faltas. II. Incorre em despedimento ilícito o empregador que considera cessado o contrato de trabalho com fundamento em abandono do trabalhador que não se verifica. III. Sendo, de todo o modo, dever do trabalhador a justificação das suas faltas, a sua conduta há-de ser tida em conta na fixação da indemnização de antiguidade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Autor (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.) e recorrente: AA. Ré (adiante designada por R.): Prenso-Metal, Lda. O A. propôs acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra a R, peticionando que fosse declarada ilícita a decisão do seu despedimento, juntando cópia da carta enviada pela Ré em 07 de Fevereiro de 2023. Não havendo acordo, a Ré apresentou articulado motivador, arguindo, como questão prévia, erro na forma de processo, pois a carta que enviou não pretendia o despedimento do A. mas o reconhecimento da denúncia deste, atentas as faltas injustificadas ao trabalho. Mais alegou ter organizado um processo disciplinar cuja decisão final foi proferida e notificada ao Autor em 01 de Junho de 2023. O A. violou o dever de assiduidade, pelo que deve ser considerada lícita a cessação do contrato de trabalho. Pediu a procedência do erro na forma do processo, a declaração da licitude do despedimento do Réu e a sua absolvição do pedido de condenação em indemnização. O Autor contestou, defendendo inexistir erro na forma de processo, pois a Ré despediu-o sem justa causa. Esteve de baixa médica até 02 de Abril de 2023; se a Ré tivesse pedido informação à Segurança Social teria verificado tal situação. Rematou pedindo que 1. Seja declarado sem justa causa o seu despedimento; 2. A Ré seja condenada no pagamento da indemnização de antiguidade em substituição da reintegração nos termos do art.º 391º do Código de Trabalho nos seus limites máximos. A Ré respondeu ao pedido do Autor, reafirmando que este não justificou, como admite, as faltas dadas, razão pela qual foi decidido terminar o seu contrato de trabalho. Saneados os autos, foi julgada procedente a excepção de erro na forma do processo e determinando o prosseguimento dos autos como processo emergente do contrato de trabalho, sob a forma de processo comum. Efectuado o julgamento o Tribunal proferiu sentença que julgou a ação improcedente e a) declarou que o contrato de trabalho entre AA e Prenso-Metal, Lda, cessou por denúncia do Autor, decorrente do abandono do trabalho; b) absolveu a Ré Prenso-Metal, Lda, dos demais pedidos formulados pelo Autor. * * Inconformado, o A. recorreu da sentença formulando as seguintes conclusões: 1. O A foi admitido ao serviço da R em 01 de Fevereiro de 1998; 2. Esteve de baixa médica desde 08 de Julho de 2018 até 02 de Abril de 2023 de forma ininterrupta; 3. O contrato de trabalho celebrado entre A. e R. estava suspenso desde 09 de Agosto de 2018 nos termos do art.º 296º do Código do Trabalho. 4. O A nunca apresentou qualquer pedido de demissão à R; 5. A R enviou uma carta ao A datada de 07 de Fevereiro de 2023, dizendo-lhe que o contrato de trabalho cessou por faltas injustificadas ocorridas desde Março de 2022, estando ainda e até Abril de 2023 o A. de baixa médica. 6. Carta esta cujo conteúdo é peremptório e definitivo sobre as intenções de fazer cessar o contrato de trabalho com o A. dizendo que “A entidade patronal, reconhece e aceita a denúncia unilateral do contrato de trabalho que com o mesmo trabalhador mantinha, dando por terminada a relação de natureza laboral com AA... e a finalizar” 7. Havendo a extinção do contrato de trabalho unilateralmente, não existe qualquer vínculo laboral entre as partes…” 8. Nesta carta não invoca o abandono do trabalho nem quaisquer factos que integrem o elemento subjectivo subjacente à figura jurídica do “abandono do trabalho”. 9. Na sequência declara à Segurança Social que o contrato cessou em 28 de Fevereiro de 2023. 10. Depois de comunicar à Segurança Social a cessação do contrato e já depois de ter sido citado para comparecer na Audiência de Partes, a R. elabora um processo disciplinar e envia nota de culpa ao trabalhador com intenção de despedimento por faltas injustificadas. 11. Com a elaboração do processo disciplinar e o envio da nota de culpa ao trabalhador, a própria R reconhece não ter havido qualquer abandono de trabalho, caso contrário não faria sentido a abertura do processo disciplinar. 12. Nota de culpa que não foi obviamente respondida, dado estar já a decorrer em juízo ação de impugnação do despedimento sem justa causa. 13. A comunicação ao trabalhador da “extinção do contrato de trabalho” e subsequente comunicação à Segurança Social a cessação do vínculo laboral, consubstancia, na verdade, um despedimento ilícito, porque não precedido de processo disciplinar, uma vez que, estando o contrato suspenso e o trabalhador ainda de baixa médica à data dos factos, não poderia este cometer a infracção de faltar injustificadamente ao trabalho. 14. O envio da nota de culpa com intenção de despedimento ao A. após ser citada do processo judicial de impugnação do despedimento ilícito, é, sem dúvida, o assumir explícito por parte da entidade patronal de que assiste toda a razão ao trabalhador. Pede a final que se revogue a sentença com as legais e pretendidas consequências, condenando-se a R. como no pedido. * A R. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo: I. O Recurso não afecta a matéria de facto, visto que o A09utor/Recorrente não deu cumprimento aos requisitos do art.º 640.º do CPC; II. Não havendo impugnação da matéria de facto nem a concretização de qualquer sentido probatório diverso, toda a matéria de facto da douta sentença recorrida mantém-se em pleno; III. Deste modo, carece de fundamento todo o Recurso de Apelação. IV. Isto porque a sentença é muito clara ao utilizar os pontos 10 a 14 da matéria de facto para concluir, e bem, que houve lugar ao abandono do posto de trabalho; V. Isto porque o trabalhador faltou, de modo injustificado, durante um período superior a 10 dias – na verdade, o total de 381 dias; VI. Não havendo justificação para tal, com a total omissão do dever de apresentar atestado médico - mesmo quando expressamente instado a tal –, o Autor violou o seu dever de assiduidade; VII. E tornou, nos termos do art.º 403.º do CT, totalmente inviável a manutenção do contrato de trabalho, devendo concluir-se que a sua ausência constitui uma denúncia unilateral do seu contrato de trabalho; VIII. Deste modo, a comunicação enviada pela Ré ao Autor, que consta como ponto 5 da matéria de facto, preenche os requisitos formais do art.º 403.º do CT, como bem julgou o Tribunal a quo; IX. Razão pela qual o presente Recurso deve totalmente improcedente, por não ter qualquer cabimento face aos factos dados como provados e ao direito aplicável. * O MP emitiu parecer. A R. respondeu ao parecer. Colhidos os vistos legais cumpre decidir. * * FUNDAMENTAÇÃO Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se, face aos factos apurados, existe abandono ou despedimento e com que consequências. No entanto, ao abrigo do disposto no art.º 662, n.º 1, do CPC, retificar-se-ão as respostas à matéria de facto nos termos que se passam a referir. A resposta dada ao facto n.º 13 (“A Ré solicitou a justificação das faltas ao Autor”.) não é esclarecedora. Na verdade, o que a ré enviou foram dois e-mails ao trabalhador perguntando se continuava de baixa e dando conta no segundo de que o autor não remeteu o documento comprovativo (cfr. doc. de fls. 42, sendo que, conforme fundamentação da sentença, a testemunha ouvida, BB se pronunciou sobre estes documentos). Também ficou demonstrado com fundamento nos mesmos documentos, e se adita, por relevante, que: 10A. O A. em 7.2.2022 enviou comprovativo da baixa, que a R. recebeu. Finalmente, a resposta que consta do n.º 10 padece de mero lapso de escrita (Por razões de saúde, o Autor esteve ausente do trabalho entre 05 de Fevereiro de 2023 e 06 de Março de 2022), que ora se retifica (para constar 5 de fevereiro de 2022). * * São estes os factos provados (inserindo-se a cheio as alterações): 1 – O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 01 de Fevereiro de 1998. 2 – O Autor nunca apresentou qualquer pedido de demissão à Ré. 3 - O Autor entrou de baixa médica em 08 de Julho de 2017, onde se manteve até 02 de Abril de 2023. 4 - A Ré comunicou à Segurança Social a cessação do contrato a partir de 28 de Fevereiro de 2023. 5 – A Ré enviou uma carta ao Autor, datada de 07 de Fevereiro de 2023, da qual consta o seguinte: “Considerando o constante da informação dos serviços departamento dos recursos humanos, e sem prejuízo do previsto na lei geral do trabalho (Código de Trabalho e demais legislação aplicável), nomeadamente o recurso à sanção disciplinar de despedimento com justa causa, se houvesse necessidade substancial e formal de recorrer a esse procedimento. Entende-se que o trabalhador AA, unilateralmente, extinguiu o contrato de trabalho que o ligava à Prenso metal, sem ter cumprido os requisitos, formalidades e prazos impostos por lei. É inequívoco e inquestionável que a falta de consideração, respeito e zelo, assiduidade e lealdade, com a extinção unilateral que se verifica, a entidade patronal tem de optar por aceitar as ausências como consubstanciando uma extinção unilateral pelo trabalhador da relação laboral existente até à prática dos actos ora comunicados. A entidade patronal, reconhece e aceita a denúncia unilateral do contrato de trabalho que com o mesmo trabalhador mantinha, dando por terminada a relação de natureza laboral com AA, com o fundamento de que a sua ausência, provocam faltas injustificadas, nos termos da lei, faltas correspondentes ao período de 07.03.2022 até 31.12.2022 a que acrescem as faltas dadas de 01.01.2023. Havendo a extinção do contrato de trabalho unilateralmente, não existe qualquer vínculo laboral entre as partes, ressalva-se que esta posição é tomada pela entidade patronal, sem prejuízos ou renúncia a qualquer direito que a lei lhe faculte, se, eventualmente houver divergências jurídicas de interpretação. Comunique-se por meio de carta registada com aviso de recepção este despacho, acompanhado da informação prestada pelo departamento dos recursos humanos, datada de 05-02-2023.” 6 – A Ré instaurou um processo disciplinar ao Autor em 03 de Abril de 2023. 7 - O trabalhador foi notificado da nota de culpa a 20 de Abril de 2023. 8 - Após a devida tramitação (e não tendo o Autor exercido o seu direito de defesa), foi emitida decisão de despedimento individual por facto imputável ao trabalhador. 9 – A decisão final do processo disciplinar foi notificada ao trabalhador em 01 de Junho de 2023. 10 - Por razões de saúde, o Autor esteve ausente do trabalho entre 05 de Fevereiro de 2022 e 06 de Março de 2022. 10A. O A. em 7.2.2022 enviou comprovativo da baixa, que a R. recebeu. 11 – A partir de 07 de Março de 2022 e até 03 de Abril de 2023 o Autor não compareceu ao trabalho, num total de 383 dias. 12 – O Autor não apresentou justificação para as faltas referidas em 11. 13 – A ré enviou dois e-mails ao trabalhador perguntando se continuava de baixa e dando conta no segundo de que o autor não remeteu o documento comprovativo. 14 - À data da cessação do contrato de trabalho, 28 de Fevereiro de 2023, o Autor auferia o vencimento mensal ilíquido de € 942,42. * * De Direito O abandono é uma figura que enquadra “as situações em que… o trabalhador assume uma postura reveladora de que não pretende a manutenção do vínculo contratual” (cfr. O Abandono do Trabalho, do ora relator, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Dezembro 2010, 138). Podemos enunciar destarte as suas características1: a) é um incumprimento contratual unilateral e voluntário, consubstanciado de ordinário numa falta de comparência do trabalhador2,3; b) a ausência é qualificada, de tal modo que da sua materialidade extrai-se inequivocamente a intenção de pôr fim à relação laboral, distinguindo-se por isso de uma ausência vulgar; c) é eficaz para fazer cessar os efeitos do contrato; d) e é ilícita e susceptível de gerar responsabilidade civil4. Dentro da classificação quadripartida das causas de cessação do contrato laboral o abandono do trabalho tem a natureza de uma denúncia tácita, que se deduz do comportamento do trabalhador (face a um comportamento do qual se deduz com toda a probabilidade a vontade da parte - art.º 217.º, n.º 1, Código Civil). O abandono, como resulta do disposto no art.º 403 do Código do Trabalho, dois pressupostos “1 – objetivo – ausência do trabalhador no local e tempo de trabalho (…); 2 – subjetivo – a existência de factos que, com toda a probabilidade revelam a intenção de não retomar a atividade (animus extintivo)” (idem, 143-144). É preciso, naturalmente, que o empregador prove estes dois pressupostos (art.º 344/2, CC). Se, porém, beneficiar da presunção, nem sequer carecerá de provar os factos de onde se extrai o animus extintivo. Não poderá, porém, beneficiar da presunção caso existam elementos concretos que ponham em causa a existência de vontade da resolução. É que ao abandono não basta a materialidade da conduta omissiva traduzida na não comparência no local de trabalho; é preciso que tal ausência seja qualificada pela intenção (extintiva) que se deduz dos factos. Muitos casos há em que inexiste a vontade de pôr fim ao contrato, apesar de existir ausência. Quando, por exemplo o trabalhador: a) desconhece onde é o local de trabalho – v.g. após suspensão do contrato ou na sequência de sentença que declarou ilícito o despedimento (ac. STJ de 24.10.2002, Mário Torres; RL, acórdão de 6.2.2, Sarmento Botelho); b) vai de férias convencido que tal lhe é permitido; c) está de baixa ou incapacitado por qualquer motivo comunicado ao empregador, mesmo que olvide juntar oportunamente prorrogações de baixa – desde logo atenta a suspensão do contrato passados 30 dias - art.º 296/1, Código do Trabalho (ac. STJ de 10.07.96, Carvalho Pinheiro, RC de 12-02-2009, Fernandes da Silva; RL, ac. de 6.12.2000, Manuela Gomes); d) aguarda contacto após determinação judicial de reintegração; e) a entidade patronal o dispensa do dever de assiduidade e não chama ou revê tal situação (RC, 17.02.2002, Serra Leitão; RL. de 22.09.99, Andrade Borges); f) o empregador recusa receber o atestado médico; g) a trabalhadora ausenta-se por motivo de nascimento de filho (RP, ac. 9.5.2007, Fernanda Soares); h) a empregadora manda o trabalhador para casa até lhe ser dada nova ordem, ou indicado local de trabalho, ou até que obtenha “alta” da seguradora ou de outra entidade; i) é suspenso por decisão judicial em procedimento cautelar movido pela empregadora; j) não comparece apenas por considerar ter sido despedido (RP. 31.05.99, Machado Silva); m) não comparece porque foi suspenso pelo empregador em sede disciplinar; n) tem o contrato de trabalho suspenso (ac. STJ de 16.02.2000, Diniz Nunes; RP 10.02.2003, Sousa Peixoto); o) está impedido por doença do conhecimento do empregador (ac. STJ de 10.07.1996, Carvalho Pinheiro)5. * Vejamos os factos. O trabalhador encontrou-se em situação de baixa no período compreendido entre 8/07/2017 e 2/04/2023 (facto provado n.º 3; e ainda 10 e 11). A ré solicitou-lhe a justificação das faltas (fp. 13), porém o A. não justificou as ausências dadas entre 7/03/2022 e 3/04/2023 (fp 12 e 11). Em 3/04/2023 a ré instaurou um processo disciplinar ao autor (fp 6), que foi notificado da nota de culpa em 20/04/2023 (fp 7) e de cuja decisão final foi notificado em 1/06/2023 (fp 10). Daqui resulta que o trabalhador esteve vários anos sem comparecer ao serviço, e embora a decisão da matéria de facto seja omissa nesta parte, antevê-se que a ré não ignorava de todo a sua situação. Também é certo que as ausências tiveram por fundamento baixa médica. Previstas no art.º 248 do Código do Trabalho, as faltas consubstanciam a ausência da presença física do trabalhador, por motivos determinantes ligados à sua pessoa, ao local do trabalho, no período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito (art.º 248/1, CT). Traduzem, pois, violação do dever de assiduidade que lhe é imputável. Nem toda a ausência constitui falta. Por exemplo, o trabalhador impedido de entrar nas instalações da empresa pelo piquete de greve não falta, já que o motivo determinante da ausência não está ligado à sua pessoa (assim como, v.g., suspenso durante o processo disciplinar). Por outro lado, as faltas podem ser justificadas ou injustificadas, consoante previstas no n.º 2 ou 3 do art.º 249, cabendo notar que as al. i) e j) contêm cláusulas extremamente abertas, capazes de abranger uma enorme multiplicidade de situações. Só relevam disciplinarmente as injustificadas6. Mas mais, a mera verificação objectiva do número de faltas injustificadas não é suficiente para justificar o despedimento, exigindo-se que o mesmo seja culposo e, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho - neste sentido, cf., entre outros, Ac. R.L. de 21/05/2008, www.dgsi.pt. Dispõe o art.º 296 do CT, sob a epígrafe “Facto determinante da suspensão respeitante a trabalhador”, que 1 - Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar. 2 - O trabalhador pode suspender de imediato o contrato de trabalho: a) Na situação referida no n.º 1 do artigo 195.º, quando não exista outro estabelecimento da empresa para o qual possa pedir transferência; b) Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 195.º, até que ocorra a transferência. 3 - O contrato de trabalho suspende-se antes do prazo referido no n.º 1, no momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo. 4 - O contrato de trabalho suspenso caduca no momento em que seja certo que o impedimento se torna definitivo. 5 - O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei. É certo, pois, que na altura em que devia ter justificado as faltas em causa o contrato se encontrava suspenso, uma vez que o autor estava em situação de baixa médica há mais de 30 dias Dizemos devia porque, efetivamente, o facto de o contrato estar suspenso não dispensa o trabalhador do dever de comunicar a manutenção da sua situação, como resulta do disposto no art.º 253, n.º 4 e 5, do CT. De outro modo, o empregador poderia desconhecer a subsistência da situação (neste sentido, escreveu João Reis, ainda ao abrigo da legislação anterior ao código laboral, que “não interessa apenas avisar a verificação de uma doença impeditiva da realização do trabalho; interessa igualmente atestar que tal doença continua a impedir a atividade laboral, isto é, que a causa de inexecução continua a ser legítima” (in Questões Laborais, ano 1, n.º 2, 88). A ré não desconhecia que o autor se encontrava em situação de ausência há vários anos, até face à justificação por baixa médica de 7.2.22. Por seu turno, o trabalhador devia observar um cuidado acrescido no cumprimento do dever de comunicação (art.º 253, CT). De todo o modo, o que importa não é aferir se a conduta do trabalhador é ou não culposa, e por essa via suscetível de suportar um juízo de censura disciplinar, na medida em que o regime de faltas e o regime do abandono do trabalho constituem realidades distintas. Com efeito, no que toca a faltas, trata-se de aferir se o trabalhador incumpriu o dever contratual de assiduidade, por ter faltado e não ter observado os trâmites previstos na lei para que a sua ausência se não considere injustificada (art.º 253/5). Está em causa, não só a perda da retribuição no contexto do contrato de trabalho mas, também, saber se não poderá ser assacada ao trabalhador a prática de uma infracção disciplinar que, em casos mais graves, pode vir a custar-lhe a subsistência do vínculo laboral, caso o empregador entenda instaurar procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento. Nestas circunstâncias, incumbe ao trabalhador (art.º 342.º do Código Civil) o ónus da prova de que cumpriu o dever de comunicar ao empregador a ausência e o motivo justificativo nos exactos termos previstos na lei, que mantém a obrigação de comunicação “mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato” (n.º 4 do artigo 253.º). De outro lado, trata-se de aferir se o contraente trabalhador esteve ausente do serviço – o que implica que o mesmo se encontra adstrito a ali comparecer – e se a sua vontade, revelada inequivocamente pelo seu comportamento, ou presuntivamente (caso se verifiquem os elementos que integram a hipótese da norma que estabelece a presunção de abandono) é no sentido de pôr fim ao contrato. É sobre o empregador que recai o ónus de demonstrar que a ausência verificada neste circunstancialismo faz presumir, nos termos da lei, que o trabalhador expressou a sua intenção de não manter o vínculo laboral. * Do ponto de vista da conduta material, a ausência do trabalhador tem relevância ao aferir-se a existência do abandono do trabalho, sendo de excluir esta forma de cessação contratual quando o trabalhador cumpre escrupulosamente o respetivo regime de faltas; inversamente, porém, a mera ocorrência de faltas não basta para que exista abandono. Ora, se com vista à justificação das faltas a suspensão do contrato de trabalho não liberta o trabalhador da obrigação da sua comunicação (art.º 253.º/4 do CT), para efeitos de se apurar a existência da obrigação do trabalhador de se apresentar ao serviço que é pressuposto da qualificação da ausência como fundamentadora do abandono (art.º 403.º CT) nos termos do disposto no art.º 297.º, quando o contrato de trabalho se encontra suspenso por impedimento respeitante ao trabalhador, há que ter presente que a obrigação do trabalhador de se apresentar ao empregador para retomar a actividade apenas nasce “[n]o dia imediato à cessação do impedimento”. Destarte, tendo o trabalhador a obrigação legal de se apresentar ao serviço e retomar funções apenas a partir do dia imediato à cessação do impedimento, no caso sub judice, a obrigação de o A. se apresentar ao serviço da ré apenas passou a recair sobre ele no dia 3 de abril de 2023 (cfr. facto 2. Convergindo, por todos, vide ac. da Relação de Coimbra de 12 de fevereiro de 2009 (processo n.º 28/08.2TTCVL.C1), que decidiu que “a relação juslaboral só se restabelece definitivamente, pondo assim termo à suspensão operada ope legis, quando cessado de vez o impedimento”, à luz do art.º 334º do Código do Trabalho de 2003 que estabelecia regime idêntico ao do art.º 297.º do Código do Trabalho). O contrato de trabalho encontrava-se suspenso, nos termos do art.º 296.º, n.º 1, do Código do Trabalho por força do impedimento prolongado do trabalhador com a baixa médica que se iniciou em 8 de Julho de 2017 e, persistindo essa baixa médica até 02 de abril de 2023, como ficou provado (facto 3.), no período compreendido entre 7 de março de 2022 e 3 de abril de 2023 o autor não tinha a obrigação de se apresentar ao serviço da R. e de retomar o exercício das suas funções. Por este motivo, não pode a sua ausência ao serviço em tais datas levar a que se conclua que, por sua iniciativa, abandonou o trabalho nos termos do art.º 403.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho. * Acresce que, estando o contrato de trabalho suspenso por doença do trabalhador, a sua ausência não constitui abandono do trabalho” (por todos cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2012, proc. 499/10.7TTFUN.L1-4). Por outro lado, como decidiu o ac. da Relação de Coimbra de 18 de dezembro de 2019 (proc. 5117/18.2T8VIS.C1) “[n]ão há abandono quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho; e havendo esse conhecimento tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o n.º 2, do art.º 403.º, do Código do Trabalho". * Por fim, acompanha-se o entendimento do ac. da Relação de Coimbra de 12 de fevereiro de 2009, proferido numa situação em que o trabalhador se apresentou ao serviço enquanto afectado de incapacidade temporária, quando não estava obrigado a apresentar-se nem a retomar o exercício de funções, decidiu que essa apresentação “não tem a virtualidade de pôr fim à suspensão do contrato de trabalho, suspensão que só termina eficazmente com a apresentação do trabalhador ao empregador, no dia seguinte ao da cessação do impedimento, para retomar a actividade” e afirmou, expressivamente, ser ilícita a determinação da cessação da relação juslaboral com fundamento no abandono do trabalho nesse contexto em que o trabalhador se apresenta ao serviço antes da alta clinica. * Cumpre ter presente que “o empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações”, nos termos do disposto no art.º 126, n.º 1, do Código do Trabalho. O princípio da boa-fé enforma a celebração e a execução do contrato de trabalho, devendo ambas concorrer para que o cumprimento das obrigações decorra da melhor forma, com aprumo e sem prejuízo dos legítimos interesses de cada uma. Sem prejuízo de o recorrente não ter procedido corretamente ao não enviar as justificações oportunas, certo é que se encontrava há muito tempo ausente por baixa médica, ausência que a R. não ignorava (e em bom rigor nas missivas de 24.3.2022 e de 2.5.2022 a empregadora não demandou a justificação das faltas). Tendo ainda em conta que entre 7 de março de 2022 e 3 de abril de 2023 sobre o A. não recaía a obrigação de se apresentar ao serviço da R., conclui-se que nesse período o trabalhador não incorreu em ausência que se possa qualificar como denúncia tácita do contrato de trabalho. O que exclui a existência de abandono do trabalho e a correspondente cessação do contrato laboral. Acresce ainda que o abandono tem presente um animus extintivo do contrato que não se verifica no caso. Desta sorte, não se acompanha a sentença quando considera que se verificam os pressupostos da figura do abandono do trabalho. Tal não acontece, uma vez que de forma nenhuma se pode afirmar a existência quer de uma ausência do trabalhador susceptível de fundamentar o abandono do trabalho, quer da intenção de não retomar o trabalho (art.º 403/1, CT), porquanto o trabalhador se achava ausente por motivos bem diversos (a sua situação clínica) e que só por si excluem o ânimo extintivo. * Encontrando-se o trabalhador na situação de baixa há anos, estava o contrato de trabalho suspenso (art.º 253/4, 294/1 e 296/1, CT). Ao declarar findo o contrato com a carta datada de 7/02/2023, a ré pôs termo à relação laboral. O procedimento disciplinar instaurado posteriormente com fundamento em faltas injustificadas não tem, pois, qualquer relevância, na medida em que incidia sobre uma relação já terminada. E mesmo que tivesse sido instaurado atempadamente, a decisão final pecaria por excessiva, uma vez que a suspensão do contrato de trabalho tornava desproporcionada a sanção não conservativa do vínculo. Conclui-se deste modo pela existência de um despedimento promovido pela entidade empregadora, o qual, não sendo precedido de procedimento disciplinar e não assentando em justa causa, é necessariamente ilícito. * Das consequências do despedimento ilícito O despedimento ilícito tem as consequências previstas nos art.º 389 a 391 do CT, o que corresponde à tutela do princípio da segurança no emprego, a saber: a. indemnização de todos os danos; b. compensação pelas retribuições perdidas; c. reintegração ou indemnização em substituição da reintegração. i) No que toca à indemnização em substituição da reintegração, conforme opção, o A. presta a sua atividade desde 1.2.1998, o que até ao despedimento perfaz mais de 25 anos de antiguidade. Auferia o vencimento mensal líquido de 942,42 €. Deve, porém, ter-se presente que a sua conduta não é isenta de reparos: durante muito tempo não justificou as suas faltas, não obstante dever fazê-lo. Face aos termos da sua conduta a indemnização de antiguidade, que o A. computa em 25 anos e 27 dias, deverá ser fixada pelo mínimo (15 dias / ano), considerando que o juízo de censura da R. se mostra muito atenuado por aquele comportamento do trabalhador (não deixará de se notar que o pedido do A. nos articulados de fixação da indenização pelo máximo é óbvio e manifestamente infundado e desprovido de fundamento legal). Considerando o montante retributivo que auferia (942,42 €), fixa-se a indemnização de antiguidade em 13.193,88 €. Nada mais é devido, tendo em conta designadamente os termos do pedido. * Termos em que se concede parcial provimento ao recurso. * * DECISÃO Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso parcialmente procedente, declara o despedimento do A. ilícito e condena a R. a pagar ao A. AA 13.193,88 € (treze mil cento e noventa e três euros e oitenta e oito cêntimos) a título de indemnização de antiguidade. Custas do recurso e da ação pela R. Lisboa, 14 de maio de 2025 Sérgio Almeida Maria José Costa Pinto Manuela Fialho (vencida nos termos da declaração anexa) Declaração de Voto Voto vencida por entender que no caso estão preenchidos os factos base que enformam a presunção enunciada no Art.º 403º/2 do CT sem que o trabalhador tivesse logrado ilidi-la nos termos do disposto no nº 4 do mesmo normativo – não comparência desde 7/03/2022 até 3/04/2023 e nenhuma justificação, não obstante a indagação da R.. Não me parece relevante a circunstância de se ter provado que o trabalhador esteve de baixa desde 8/07/2017 até 2/04/2023 porquanto se desconhece se a mesma era impeditiva da comunicação da ausência e, por outro lado, sendo uma evidência que nessas circunstâncias não tinha obrigação de comparência por o contrato estar suspenso, daí não decorre a não obrigação de justificação. Há, em face dos factos, uma ausência de facto. _______________________________________________________ 1. “O Abandono do Trabalho”, pág. 135 e ss. 2. Um dos elementos do abandono “consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo de laboração” – STJ, ac. 03-06-2009, Sousa Grandão. 3. A vontade não é meramente de inadimplir ou alguns deveres contratuais, mas o próprio contrato de trabalho “em si mesmo”, referem Alonso Olea e Emília Casas Baamonde, Derecho del Trabajo, 14ª ed., Madrid, 451. 4. N.º 5 do art.º 403.º. Ilícita exactamente pela inobservância dos procedimentos impostos para a denuncia, previstos no art.º 400: comunicação escrita e com aviso prévio (neste sentido cf. Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 2ª ed., 2005, 926). Daí a responsabilidade civil (art.º 403.º n.º 5 e 401.º), sendo certo que é susceptível de causar maiores danos que a denuncia expressa ou propriamente dita, já que no abandono o empregador de início nem terá, provavelmente, conhecimento do intuito do ausente, ficando assim mais limitado nomeadamente nas diligencias para o substituir. 5. “O Abandono do Trabalho”, pág. 144-145, nota 24. 6. Atente-se, porém, que faltas justificáveis podem vir a ser afinal injustificadas, se o trabalhador não cumprir o seu dever de comunicação atempadamente (art.º 253/5). |