Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16710/22.9T8SNT.L1-8
Relator: MARGARIDA DE MENEZES LEITÃO
Descritores: CONTRATO PROMESSA COM TRADITIO
DIREITO DE RETENÇÃO
OCUPAÇÃO
REIVINDICAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
QUESTÕES NOVAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista no artº. 615º, nº 1, al. c) do NCPC quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença.
II – A nulidade da sentença prevista no artº. 615º, nº 1, al. d) só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fácticos jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.
III – Não gozam do direito de retenção os ocupantes de uma fracção autónoma que não dispõem de um título legítimo válido para possuírem ou deterem a fracção.
IV – Não goza do direito de retenção o promitente comprador que deixou de ter a posse do imóvel prometido comprar.
V – Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas, podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
VI – Embora o abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) possa ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não esteja vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova (artigo 608.º, n.º 2, do NCPC) a oficiosidade não pode ir para além dos factos que foram alegados e controvertidos, pois a menção de novas razões de facto constituiria grosseira violação do princípio do contraditório, conjugado com o princípio da preclusão que resulta do artigo 489.º, nº 1, do NCPC.
(Da responsabilidade da Relatora, nos termos do artº 663º, nº 7 do NCPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa [1],

I - Relatório [2]:
“PIN(…), LDA.” Instaurou contra BB, a presente acção declarativa de condenação [3] pedindo que seja:
a) Declarado que o prédio urbano composto por dois blocos geminados, Bloco A com entrada principal pela Rua (…), em Lisboa, onde se inclui a Fracção G, é propriedade da Autora;
b) O Réu condenado a restituir à Autora a Fracção G, que ocupa ilicitamente, livre de pessoas e bens;
c) O Réu condenado a abster-se da prática de qualquer acto que provoque danos ou diminua o valor da referida Fracção G;
d) O Réu condenado ao pagamento de uma indemnização no valor de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), correspondente ao período de ocupação ilícita compreendido entre o dia 20 de Maio de 2020 até à data da entrada da petição em juízo, e no valor que se vier a vencer, após esta data e até à restituição do imóvel, correspondente a € 1.000,00 (mil euros) por cada mês decorrido, bem como aos juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
e) O Réu condenado a pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia não inferior a € 150,00 diários, até à entrega do imóvel, acrescida de juros à taxa de 5% ao ano.
Invocou a autora que prossegue a actividade de compra e venda de imóveis e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, conforme resulta da respectiva certidão permanente, com o código de acesso (…), que junta como Doc. 1.
No exercício da sua actividade, a Autora adquiriu ao Banco Santander Totta, S.A. (adiante designado por “Banco”), uma “carteira” de imóveis, através de Escritura Pública de Compra e Venda (adiante designada por “Escritura”) outorgada a 30.09.2016 no Cartório Notarial de …, que se junta como Doc. 2.
Da referida “carteira” de imóveis que integrava a Escritura, fazia parte o prédio urbano sito na Quinta (..), descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número (…) da freguesia da Brandoa e inscrito na matriz predial urbana sob o número (…)53 [atual …] da freguesia da (…)  – cfr. ponto 13 da descrição dos bens do Documento Complementar à Escritura junta como Doc. 2, adiante designado por “Prédio Urbano”.
O Banco havia adquirido o Prédio Urbano em 30.01.2006, por via da apresentação de uma proposta de compra em carta fechada no âmbito de venda efectuada no decurso de uma acção executiva movida pelo próprio Banco contra a anterior proprietária, a sociedade comercial JJ, Lda. – Construções, Lda.
O Banco registou a aquisição a seu favor através da AP. 46 de 11.04.2006, conforme Certidão Permanente do registo predial do Imóvel (com histórico) que se junta como Doc. 3.
Assim, a partir de 11.04.2006, o Banco tornou-se o proprietário do Prédio Urbano.
O Prédio Urbano era composto por um lote de terreno para construção, conforme descrição constante dos Docs. 2 e 3.
Quando o Banco adquiriu o Prédio Urbano, a anterior proprietária, a sociedade comercial JJ, Lda. – Construções, Lda., já havia iniciado a construção de um Edifício composto por dois Blocos no Prédio Urbano.
Construção que, entretanto, foi interrompida e que continuava interrompida quando o Banco adquiriu o Prédio Urbano.
Sendo que o estado físico do Prédio Urbano se manteve sem alteração até ao momento em que o Banco vendeu o Imóvel à Autora.
Conforme se referiu supra no artigo 2.º, em 30.09.2016 a Autora celebrou com o Banco uma escritura de compra e venda, através da qual adquiriu o Imóvel.
Após a realização da Escritura e em cumprimento do disposto no artigo 2.º do Código do Registo Predial, a Autora procedeu ao registo da aquisição do Imóvel a seu favor, através da AP. 559, de 04.10.2016, conforme Doc. 3 já junto.
Tendo a aquisição do Prédio Urbano sido registada a favor da Autora, livre de quaisquer ónus ou encargos, com excepção de:
(i) uma penhora registada a favor da Fazenda Pública, através da AP. 19, de 28.02.2005;
(ii) uma acção judicial, provisória por natureza, registada a favor de JGRF, através da AP. 15, de 03.05.2006, conforme Doc. 3 já junto.
A penhora referida na alínea (i) do artigo anterior foi cancelada através da AP. 2727, de 08.06.2018.
Por sua vez, a acção judicial referida na alínea (ii) do artigo 13.º foi cancelada através da AP. 972, de 11.05.2018, tudo conforme descrição constante do Doc. 3.
Pelo que, desde 08.06.2018 que não recaem quaisquer ónus ou encargos sobre o Prédio Urbano que impeçam a plena disposição do mesmo.
A Autora dedica-se à gestão de activos imobiliários, e, no âmbito da sua actividade, promoveu a recuperação do edificado já existente no Prédio Urbano,
A construção daria assim origem a um imóvel composto por dois blocos geminados, Bloco A com entrada principal pela Rua (…), composto de cave e quatro pisos (em conjunto e adiante designado por “Edifícios”), conforme descrição da AP. 3765, de 20.11.2019, promovida pela Autora, que resulta do Doc. 3.
De referir que foi a Autora quem requereu, junto da Câmara Municipal da Amadora, a atribuição dos números de Polícia, conforme Doc. 4 que junta.
A Autora também diligenciou, junto do referido Município, pela emissão da Licença de Utilização, conforme Doc. 5 que junta.
Uma vez concluída a construção, a Autora promoveu ainda a constituição do Prédio Urbano em propriedade horizontal,
Dando origem a 25 fracções autónomas de A a AA (adiante designadas por “Fracções Autónomas”), conforme escritura de constituição de propriedade horizontal datada de 20.11.2019 que junta como Doc. 6.
As Fracções Autónomas foram registadas pela Autora através da AP. 3765, de 20.11.2019, conforme resulta do Doc. 3.
Tendo ainda a Autora obtido a respectiva Licença de Utilização, mas apenas quanto às fracções A, B, C, D, E, F, H, I, J, L, M, N, O, R, S, T, V, X e AA, conforme Alvará de Utilização n.º ../20 emitido pela Câmara Municipal da … a 30.03.2020, que junta como Doc. 7.
Faltando as licenças das fracções G, P, Q, U e Z.
Na sequência das obras de construção, da constituição da propriedade horizontal e da obtenção da licença de utilização supra referidas, a Autora procedeu à venda das fracções A, B, C, D, E, F, H, I, J, L, M, N, O, R, S, T, V, X e AA, conforme Escrituras que junta como Doc. 8.
Não obstante a Autora se ter tornado a única e legítima proprietária do Prédio Urbano e das respectivas Fracções Autónomas após a constituição da propriedade horizontal,
A fracção autónoma G, correspondente ao R/C A (adiante designada por “Fracção”), propriedade da Autora conforme Certidão Permanente e Caderneta Predial Urbana que junta como Doc. 9, está a ser ilegitimamente ocupada pelo Réu.
Esta ocupação ilegítima e sem título perdura desde que o Banco era o proprietário do Prédio Urbano, situação à qual se fez referência nos capítulos II e III supra.
Esta situação verifica-se desde essa data, apesar de o Réu não possuir qualquer título ou legitimidade que lhe permita ocupar a referida Fracção, sendo que a Autora tudo fez para alcançar um acordo com o Réu, no sentido de lhe vender a referida Fracção por um preço inferior ao valor de mercado, que corresponde a € 165.000,00 – cfr. Relatório de Avaliação Imobiliária elaborado por uma empresa independente que junta como Doc. 10.
Como, aliás, sucedeu com outras fracções autónomas do Prédio Urbano, como é o caso das fracções A, B, C, D, E, F, H, I, J, L, M, N, O, R, S, T, V, X e AA, vendidas entre Maio e Junho de 2020 por um preço inferior ao valor de mercado e que se encontravam em circunstâncias semelhantes à Fracção.
Porém, face à indisponibilidade do Réu em alcançar um acordo com Autora, outra alternativa não lhe resta a não ser intentar a presente acção de reivindicação.
Tendo a Autora constituído a propriedade horizontal em 20.11.2019 e obtido a Licença de Utilização em 30.03.2020 – cfr. Doc. 7, desde esta última data que a Autora também poderia ter obtido a licença de utilização da Fracção, caso a Ré não estivesse a ocupar a mesma ilicitamente.
Se a Autora não se visse impedia de dispor do seu bem, poderia ter colocado o mesmo no mercado de arrendamento.
Atendendo a que existe uma grande procura no mercado de arrendamento, que é muito superior à oferta, a Autora conseguiria arrendar a Fracção no período de um mês após obter a respectiva licença de utilização.
Pelo que, desde Maio de 2020 que a Fracção poderia estar a ser arrendada.
A Fracção corresponde a um apartamento de tipologia T3 com uma área bruta de 108,27 m2.
No mercado de arrendamento, uma fracção autónoma com as mesmas características da Fracção é  arrendada por € 1.000,00 por mês.
Assim, desde Maio de 2020 até à presente data, a Autora viu-se privada de obter um rendimento no valor global de € 28.000,00, o qual continua a acumular-se mensalmente.
Pelo que o Réu deve à Autora a quantia de € 28.000,00, acrescida do valor de € 1.000,00 por cada mês até a Fracção ser restituída à Autora.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1311.º do Código Civil (“CC”), a acção de reivindicação é o meio próprio para a proprietária (in casu, a Autora) (i) exigir de qualquer possuidor ou detentor (in casu, o Réu), o reconhecimento do direito de propriedade e (ii) exigir a consequente restituição da propriedade (a Fracção) à mesma.
A Autora é a única legítima proprietária da Fracção.
Como se demonstrou, o Banco era o único legítimo proprietário do Prédio Urbano, quando o vendeu à Autora.
A Autora adquiriu o Prédio Urbano ao Banco através de compra e venda outorgada por escritura pública.
Este é um dos modos de aquisição da propriedade, nos termos do disposto no artigo 1316.º do Código Civil.
Como lhe competia e estava obrigada, a Autora registou a aquisição do Prédio Urbano a seu favor.
Nos termos da certidão do registo predial, não se encontrava, nem se encontra, registado qualquer ónus ou encargo a favor do Réu.
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito – neste caso, a Autora – e, antes dela, a anteriores proprietários, conforme dispõe o artigo 7.º do Código do Registo Predial.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.06.2012, Processo 7213/11.8TBOER.L1-2, disponível, tal como os que se indicam de seguida, em www.dgsi.pt, do qual resulta o seguinte:
“(…) é entendimento comum doutrinário [2] e jurisprudencial [3], o de que ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação.
É que a inscrição no registo da aquisição em nome do reivindicante – provada pela certidão que é junta com a petição – faz presumir que o direito registado lhe pertence – art 7º do CRP – e, quem tem a seu favor presunção legal, escusa de provar o facto que a ela conduz – art 350º/1 CC.” (negrito e sublinhado nossos).
Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.2014, Processo n.º 224/12.8TBCTB-C.C1, cujo excerto ora se transcreve:
“v. Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita a favor do transmitente à data em que o autor dele a adquiriu derivadamente, não necessita o autor de produzir afirmações acerca da aquisição pelo transmitente desse direito, nem de provar essas afirmações. A lei presume, directamente, a existência do direito do transmitente e, assim, ultrapassada está a prova diabólica, porque encontrado o vendedor originário.”
Voltando ao caso concreto, do registo predial presume-se, a favor da Autora, a titularidade do direito de propriedade sobre a Fracção.
Em consequência, deve o Réu ser condenado a restituir a Fracção à Autora.
Acresce que a Autora também deve ser ressarcida pela privação do uso da Fracção.
Pois conforme ficou demonstrado acima, desde que a Autora obteve a licença de utilização das demais fracções do Prédio Urbano, em 04 de Maio de 2020, reunia também todas as condições para obter a licença de utilização da Fracção objecto da presente acção.
Mais se demonstrou que, caso pudesse dispor da Fracção, a Autora poderia retirar um rendimento mensal da mesma no montante de € 1.000,00, no valor global de € 28.000,00 até à presente data, acrescido das rendas futuras.
Nos termos do artigo 1305.º do CC, o proprietário goza dos direitos de uso e fruição e disposição das coisas que lhe pertencem.
Sucede que, in casu, a Autora foi impedida pelo Réu de usar e fruir da sua propriedade, pelo que lhe assiste o direito de ser indemnizada por estes, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.
Conforme prevê o n.º 1 do artigo 564.º do CC, a indemnização compreende não apenas os prejuízos sofridos, mas também o ressarcimento dos lucros cessantes, pelos benefícios que deixou de obter, como é o caso sub judice.
Mais, dispõe o n.º 2 do mesmo preceito que a indemnização se deve estender aos danos futuros, como sejam as rendas que a Autora se vê privada de obter enquanto não lhe for restituída a Fracção.
A este propósito, veja-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.03.2001 (Relator Sousa Inês), no qual se refere que “a ocupação ilícita de uma fracção autónoma causadora de dano para o proprietário, que consiste em ter sido temporariamente privado do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição, origina a obrigação de indemnizar”,
Subjaz ao citado Aresto a consideração de que a mera privação do uso e fruição constitui um dano de natureza patrimonial, separando a questão da quantificação dos prejuízos.
O mesmo entendimento foi adoptado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2000, in BMJ 499/220, no qual se refere explicitamente, a respeito da retenção de uma parte de um prédio relativamente à qual caducara o contrato de arrendamento, que “a ocupação abusiva constitui de per si um prejuízo que o proprietário sofre, um dano”.
Assim, é pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, numa situação de privação de um determinado bem pelo seu proprietário, traduzido na perda patrimonial que constitui de per si o impedimento de uso pelo seu proprietário, emerge um dano concreto indemnizável.
Deste modo, atendendo aos danos descritos nos presentes autos, que se traduziram na privação do uso, por parte da Autora, de bens de que é proprietária, terá de se concluir pela obrigação de o Réu indemnizar a Autora pelos factos que praticou e que impediram esta última de usar o imóvel ocupado ilicitamente pelo Réu, causando desse modo sérios prejuízos à Autora.
O art. 1305.º do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando a Autora impedida de fruir o prédio, assiste-lhe o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.
S.m.o., o ressarcimento não está dependente da prova, em concreto, do prejuízo efectivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso. Esta privação do uso constitui um dano de natureza patrimonial, indemnizável nos termos do art. 483.º do CC.
Assim, deve o Réu ser condenado ao pagamento de uma indemnização no valor de € 28.000,00, acrescida de € 1.000,00 por cada mês que decorra até à desocupação e entrega dos imóveis.
Requer-se ainda que o Réu seja condenado a pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia não inferior a € 150,00 diários, até à entrega do imóvel, acrescida de juros à taxa de 5% ao ano.
*
Citado, veio o Réu BB apresentar Contestação [4], defendendo a procedência das excepções e a  improcedência da acção alegando que:
Vem a A. pedir seja declarada proprietária do prédio urbano composto por dois blocos geminados, Bloco A com entrada principal pela Rua (…), em Lisboa (?), onde se inclui a fracção designada pela letra “G”.
Na decorrência desse primeiro pedido, mais pede a A. que o R. seja condenado a restituir-lhe, livre de pessoas e bens, a fracção autónoma designada pela letra “G” que, a juízo erróneo da A., o R. ocuparia ilegalmente.
Concomitantemente, mais pede que o R. seja condenado a:
- abster-se da prática de qualquer acto que provoque danos ou diminua o valor da referida fracção “G”;
- pagar à A. uma indemnização no valor de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros) correspondente ao período de ocupação ilícita compreendido entre o dia 20 de Maio de 2020 até à presente data e no valor que vier a vencer-se até à restituição do imóvel, à razão de € 1.000,00 (mil euro) por cada mês decorrido, acrescida de juros computados à taxa legal a partir da citação;
- pagar à A. a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia não inferior a € 150,00 (cento e cinquenta euro) diários, acrescida de juros à taxa de 5% ao ano.
Descontado o lapso em que incorre a A. quando, na formulação do seu pedido, localiza o prédio em Lisboa, importa dizer o seguinte:
A A. vem alegar (cfr., arts. 29º e 30º da d. PI) que o R. ocupa ilegitimamente a fracção designada pela letra “G” do prédio controvertido desde a época em que o Banco Santander Totta, SA., foi proprietário do mesmo, isto é, após 11 de Abril de 2006. Ora, o R. reside na fracção designada pela letra “G” desde o ano de 1999.
Com efeito, em 3 de Dezembro de 1998, o ora R. celebrou com JJ, LDA. – Construções, Lda., um “Contrato Promessa de Compra e Venda” pelo qual esta prometeu vender-lhe, e à sua então mulher, EM, pelo preço de Esc. 31.000.000$00 (trinta e um milhões de escudos) – actualmente correspondentes a € 156.628,12 – um T3, com uma garagem e uma arrecadação, situado no R/C-A e correspondente à fracção provisoriamente designada pelas letras “AF” do prédio que a referida JJ, Lda. se encontrava a construir na Rua da (…), freguesia da (…), ao abrigo da Licença de Construção titulada pelo Alvará nº 403/98.
Posteriormente, em 26 de Julho de 2006, conforme melhor se alcança da exposição dos motivos nele elencados, o Banco Santander Totta, S.A., celebrou com o aqui R e com EM o “Acordo” que junta. (Doc. nº 2)
Pelo referido Acordo, o Banco Santander Totta, SA, reconhecendo o interesse de ambos os outorgantes, aceitou assumir a posição de promitente vendedor que cabia à referida JJ, Lda. – Construções, Lda., tendo as partes, atentos os custos adicionais com os trabalhos e projectos a realizar, consagrado que ao valor do preço ajustado para a compra e venda (…) seria acrescida a quantia de € 15.462,74 (quinze mil quatrocentos e sessenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos).
Atento que a tradição da fracção havia sido conferida pela dita JJ, Lda., o Banco Santander Totta, S. A.,” reconheceu essa tradição e, para além de reconhecer expressamente que o R. e sua mulher habitavam já a fracção controvertida (cfr., cl. 15ª, nº 2, do Acordo, em que se expressa consentimento para a manutenção dos contratos já pré-existentes destinados ao fornecimento de energia eléctrica), fez consagrar no Acordo cláusulas pelas quais os promitentes compradores se obrigavam a não impedir ou dificultar as obras necessárias à obtenção da licença de utilização e à subsequente celebração da compra e venda reciprocamente prometida.
Entretanto, o casamento do ora R, com EM foi dissolvido por divórcio, tendo o R. celebrado, em 14 de Novembro de 2009, casamento civil, sem convenção antenupcial, com MN, que adoptou o apelido M (Doc. nº 3, que junta).
De quanto antecede, decorre de modo insofismável que, desde pelo menos o início de 1999, a fracção controvertida foi casa de morada de família, primeiro do casal BB e EM e, desde 2009, do casal BB e MN, em razão do que, e independentemente dos direitos emergentes para a indicada EM dos citados Contrato Promessa de Compra e Venda, de 3 de Dezembro de 1999, e do Acordo, de 26 de Julho de 2006, atenta a natureza do negócio subjacente, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil não basta a intervenção do aqui R.
A preterição de litisconsórcio necessário é motivo de ilegitimidade, nos termos do disposto no nº 1 do art. 33º do Cód. Proc. Civil, ilegitimidade que constitui excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito do pedido e dá lugar à absolvição da instância [cfr., arts. 576º, nº 2, e 577º, al. e), ambos do Cód. Proc. Civil]
Conforme se alcança dos documentos que, sob o nº 7, a A. juntou aos autos, a Câmara Municipal da Amadora emitiu, em 4 de Maio de 2020, alvará de licença de utilização para um conjunto de fracções autónomas, mas que não abarcou a fracção designada pela letra “G”, correspondente ao R/C-A, objecto do Contrato Promessa de Compra e Venda de 3 de Dezembro de 1999.
Uma vez que a fracção designada pela letra “G” não foi objecto da citada licença de utilização, sobre a mesma não é possível celebrar contratos de arrendamento, como decorre do disposto no art. 1070º do Cód. Civil.
E, salvo excepções legalmente previstas, também é indispensável para a celebração de contratos de compra e venda de imóveis.
Nos arts. 35º a 42º do seu d. Petitório, a A. alega que lhe não foi possível obter licença de utilização por virtude da posse do R. – o que não é verdade, face a quanto se encontra consagrado no Acordo de 26 de Julho de 2006 – e, por consequência, viu-se impedida de dar de arrendamento tal fracção.
Ora, se por força de lei, a A. não poderia celebrar qualquer contrato de arrendamento relativo à fracção “G”, é bem evidente que não pode lograr obter uma qualquer indemnização substitutiva do arrendamento alegando ter sido impedida pelo ora R. de celebrar tal contrato, que este não impediu.
Aliás, a A. vem alegar que, face à grande procura no mercado de arrendamento, conseguiria arrendar a fracção no período de um mês após obter a licença de utilização, o que, atento que a licença foi emitida em 4 de Maio de 2020, jamais poderia ter ocorrido no próprio mês de Maio de 2020.
Contudo, e não menos relevante é o facto de a A. não indicar um único caso concreto da probabilidade de celebração de arrendamento da identificada fracção.
Como quer que seja, a verdade é que, desde o início da tramitação do processo camarário atinente à obtenção da referida licença, a aqui A. sempre omitiu, entre outras, a fracção designada pela letra “G”, em razão do que muito bem saberia que, apresentados os projectos necessários e realizadas as obras a que haveria de proceder, a licença de utilização não abarcaria nunca a fracção “G”.
Sendo ainda certo que, tendo solicitado ao R. que concedesse acesso à fracção por técnicos por si indicados para verificação das condições existentes na mesma, nunca lhe solicitou acesso para a realização de quaisquer oras necessárias à obtenção da licença, ou seja, a falta de licença de utilização relativa à fracção “G” não se deveu a qualquer acto ou omissão do ora R., mas a uma actuação da própria A., porventura crente que, dessa forma conseguiria vender ao R. a mesma fracção por quantia superior à que resultaria do citado Acordo e sem que tivesse suportado acréscimo de custos nele previstos, conforme confessado no art. 32º da d. PI, confissão que se aceita especificadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 465º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.
Sendo que, no presente, a fracção carece ainda da competente licença de utilização, a A. continuaria a não poder celebrar contrato que tivesse como objecto o arrendamento da fracção controvertida.
A impossibilidade legal de obtenção da indemnização destinada a substituir o recebimento de uma renda que legalmente não poderia ser percebida, constitui excepção peremptória, já que impeditiva do efeito jurídico dos factos alegados pela A. e, nos termos do disposto no art. 576, nº 3 do Cód. Proc. Civil, importa a absolvição do pedido de indemnização de € 28.000,00 (vinte e oito mil euro), acrescido do valor de € 1.000,00 (mil euro) por cada mês decorrido, até restituição e, bem assim, da sanção pecuniária compulsória e juros.
Conforme alegado ut supra, a JJ, Lda. operou a tradição da fracção ao R. e a sua mulher com a entrega das chaves na época da celebração do contrato promessa de compra e venda.
Tendo o Banco Santander Totta, S. A., sucedido ao primitivo proprietário, assumiu a posição contratual deste e, consequentemente, aceitou que a R. continuasse a deter essa tradição e reconheceu até expressamente a utilização pela R., conforme consagrado no nº 2 do art. 15º do Acordo.
“A traditio (…) configura-se como um poder de facto sobre a coisa que o promitente vendedor conferiu ao promitente comprador ou seja, como um conjunto de actos materiais ou simbólicos demonstrativos do controlo sobre a coisa” (vd. nesse sentido, Ac. STJ, de 16 de Fevereiro de 2016; proc. nº 135/12.7TBMSF.G1.S1; in www.dgsi.net)
Nos termos do disposto no art. 755º, nº 1, al. f) do Cód. Civil, o R. enquanto beneficiário de uma promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza de direito de retenção sobre essa mesma coisa.
O direito de retenção, que prevalece até sobre hipoteca, é um verdadeiro direito real de garantia, que confere ao seu titular o chamado poder de sequela, isto é, a faculdade de não abrir mão da coisa enquanto subsistir o seu direito (vd., nesse sentido, Ac. STJ, de 13 de Janeiro de 2000; BMJ 493º. pág. 362)
Assim, face ao pedido de restituição da fracção designada pela letra “G” à A., livre de pessoas e bens, o ora R. goza de direito de retenção, de que não abdica, antes pretende que a A. promova as diligências necessárias à obtenção da licença de utilização da fracção “G”, incluindo as obras e alterações necessárias a tal fim que sejam impostas pela Autarquia competente, à semelhança do que a própria A. fez quanto às fracções cuja utilização já se encontra licenciada e conforme confessou expressamente ser encargo seu. (Doc. nº 4, que junta).
Acresce que, no caso presente, não operou a hipótese de resolução prevista na cl. 13ª do Acordo.
Como se verifica, o licenciamento das construções a executar no imóvel não se tornou definitivamente impossível, e a ultrapassagem da data de 31 de Dezembro de 2010 é imputável ao antecessor da ora A. que, por força do negócio translativo celebrado com a JJ, Lda., assumiu as respectivas obrigações contratuais livremente assumidas.
O Banco Santander Totta, S. A., não cuidou de, dentro do prazo que ele próprio fixou, tramitar junto da autarquia as pertinentes acções destinadas ao licenciamento da utilização pretendida – como, aliás, resulta do alegado no art. 20º da d. PI –, pelo que, sendo-lhe imputável tal omissão o Acordo não foi resolvido.
O direito de retenção, porque impeditivo do efeito jurídico dos factos alegados pela A., constitui excepção peremptória que importa a absolvição do pedido, nos termos do disposto no art. 576º, nº 3, do Cód. Proc. Civil.
A A. vem pedir que seja declarada proprietária do prédio urbano composto por dois blocos geminados, Bloco A com entrada principal pela Rua (…), em Lisboa (Amadora).
Todavia, junta aos autos prova de ter feito o registo da aquisição a seu favor pela ap. 559, de 04.10.2016, tudo conforme melhor se alcança do doc. 3, junto com a p.i..
Ora, o aqui R. nunca praticou qualquer acção ou fez afirmações que pudessem contrariar tal direito de propriedade como, v.g., ter feito intervenções na fracção arrogando-se ser ele o proprietário.
Por conseguinte, inexiste qualquer interesse da A. em agir reivindicativamente, na medida em que o seu direito de propriedade não foi violado, nem sequer ameaçado, em razão do que tal direito não carece de tutela judicial.
A inexistência de interesse em agir quanto ao primeiro pedido formulado, porque extintiva do efeito jurídico dos factos alegados pela A., constitui, outrossim, excepção peremptória que importa a absolvição do pedido, nos termos do disposto no art. 576º, nº 3, do Cód. Proc. Civil.
É efectivamente verdade que quando o Banco Santander Totta, S.A., adquiriu a propriedade do prédio urbano aqui em causa, a referida JJ, Lda. havia já iniciado a construção dos Blocos que constituem o edificado.
Mas, em homenagem à verdade, deve acrescentar-se que não havia concluído totalmente algumas das fracções, designadamente aquelas em relação às quais haviam sido celerados contratos promessa de compra e venda, como foi o caso quer da fracção “G”, como também das fracções “P”, “Q”, “U” e “Z”, conforme confessado no art. 25º da p.i., que se aceita especificadamente nos termos do disposto no art. 465º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.
Carece, assim, de fundamento o subliminarmente alegado nos arts. 17º e 21º da p.i., que se impugnam especificadamente: a A. não promoveu a recuperação do edificado, mas apenas de partes do mesmo e não concluiu todas as obras atinentes ao licenciamento da utilização da totalidade do imóvel.
Com efeito, sendo que a licença de construção era já de 1998, para a legalização das fracções houve necessidade de adequar o imóvel às regras construtivas que, entretanto, se haviam alterado.
As regras legais e regulamentares referentes a materiais das tubagens de água e de electricidade e dos próprios cabos eléctricos, relativos a sistemas e equipamentos de segurança relativos a instalações de gás e contra fogo, de insonorização e climatização, em suma, um conjunto de regras que, com o passar dos anos, com a evolução dos materiais de e de acordo com as novas necessidades, inexistiam à época do licenciamento da construção mas que o licenciamento em 2020 impunha.
Ora, relativamente a um conjunto de fracções, entre elas a fracção “G”, nem a A. nem o ante possuidor fizeram qualquer obra de adequação à legislação vigente.
Impugna-se, igualmente o alegado nos arts. 29º, 30º e 31º da d. PI: o R. não ocupa ilegitimamente a fracção “G”, antes a detém ao abrigo da tradição que lhe foi conferida pelo primitivo proprietário e reconhecida pelo Banco Santander Totta, S.A., e ao abrigo do direito de retenção de que goza e tal tradição é muito anterior à época da aquisição do bem pelo indicado banco, conforme reconhecido em mais de um momento pela própria A. (Doc. nº 6, que junta).
Não é igualmente verdadeira a versão que a A. traz aos autos nos arts. 32º a 34º da d. PI: houve, de facto negociações entre as partes, mas o R. não se mostrou indisponível para se alcançar um acordo (Doc. nº 5).
Face à ausência de obras para se conseguir a licença de utilização, o que se não verificou foi o atingimento de um acordo quanto ao preço a pagar, sendo certo que, a partir de dado momento, algumas das mensagens remetidas pelo ora R. foram efectivamente recebidas mas apagadas pelo destinatário sem confirmação de terem sido lidas. (Doc. nº 6, que junta).
Com efeito, o contrato promessa de compra e venda de 3 de Dezembro de 1998 tinha por objecto, não só a fracção do rés-do chão que veio a ser definitivamente designada pela letra “G”, mas também uma garagem, e uma arrecadação.
Sucede, porém, que a constituição de propriedade horizontal promovida pela A. deixou de prever a existência de fracções autónomas destinadas a garagem, mas apenas lugares de parqueamento.
Sendo certo que a A. sempre pretendeu vender ao ora R. apenas o apartamento, e os valores abordados desconsideravam a garagem, ao arrepio quer do Contrato Promessa de Compra e Venda, quer o Acordo de Julho de 2006.
Por outro lado, as obras ex novo destinadas à obtenção da necessária licença de utilização que inicialmente eram a cargo da A., passaram a ter de ser custeadas pelo R..
Impugna-se, outrossim, o alegado nos arts. 35º a 42º da p.i.: a fracção “G” não tem licença de utilização em razão do que, nos termos legais não pode ser objecto de arrendamento, seja em Maio de 2020, seja no presente.
Relativamente ao art. 35º da d. PI, na medida em que a utilização da fracção pelo R., que se disponibilizou sempre para permitir o acesso dos técnicos municipais e dos técnicos acreditados pela A, nunca foi impeditiva da obtenção de licença de utilização relativa à fracção “G”.
Quanto ao mais, porquanto, não podendo arrendar a fracção “G” (tal como as demais para que não providenciou, sponte sua, a concessão de licença de utilização) seja por força da legislação quanto a licenças de utilização, seja por força do contrato promessa de compra e venda de 19 de Abril de 1999, nenhum dano adveio à A. que cumpra ao R. reparar, seja por privação de uso, seja a qualquer outro título.
Isto é, a fracção designada pela letra “G” não poderia estar a ser arrendada desde Maio de 2020, como não o pode ser no presente.
Não obstante alegado sob a epígrafe “B) Do Direito”, impugna-se, por não corresponder à verdade o alegado no art. 56º, in fine, e 57º da d. PI: a A. não reunia condições para obter a licença de utilização referente à fracção “G”, pela circunstância de a mesma não reunir os requisitos legais e regulamentares para o efeito, e, por consequência, não poderia retirar rendimento mensal por virtude de qualquer negócio locativo.
E não havendo qualquer dano que mereça a tutela do Direito e o beneplácito dos Tribunais – que não podem, por meio de sentença, determinar, permitir ou sancionar a celebração de jurídicos que as partes não possam legalmente celebrar inter vivos, inexiste qualquer obrigação de reparação, seja a título de prejuízos sofridos, seja a título de lucros cessantes.
No art. 32º da sua d. PI, a A. dá como junto um Relatório de Avaliação Imobiliária elaborado por uma empresa independente.
Porém, o doc. nº 10 que, com a citação, foi remetido ao ora R., afigura-se ser um mero quadro ‘Excel’ elaborado com o único intuito de junção aos presentes autos, cuja autoria não surge evidenciada e carece dos requisitos próprios de uma avaliação imobiliária, designadamente a indicação dos critérios que conduziram aos valores apontados.
Só assim se compreenderá que, v. g., as fracções “Q” e “U”, ambas com a mesma área de 97,23 m2, tenham valores de venda recomendados diferentes (€ 150.000,00, a “Q2 e € 145.000,00, a “U”) mas o valor médio por m2 é igual: € 1.500,00.
Assim mesmo, o valor de renda recomendado é igualmente diferente (€ 750,00 quanto à fracção “Q” e € 700,00 quanto à fracção “U”), mas surpreendentemente o valor de arrendamento por metro quadrado é igual: € 10,00!
O R. requereu a concessão do benefício de protecção jurídica, como se comprova pelo documento que junta sob o nº 7.”
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Por despacho de 19.01.2023, foi a Autora convidada a responder às excepções alegadas pelo Réu.
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Notificada, veio a Autora “PIN(…), LDA,.” apresentar resposta [5], com os seguintes fundamentos:
I – Da alegada excepção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário
Como nota prévia, refira-se que a A. desconhecia, sem obrigação de conhecer, o conteúdo do alegado contrato-promessa de compra e venda celebrado a 03.12.1998 com a JJ, LDA. – Construções, Lda., nem do alegado acordo celebrado a 26.07.2006 com o Banco Santander Totta, S.A., pois adquiriu o imóvel livre de ónus e encargos, sendo a A., in casu, um terceiro de boa fé.
De referir ainda que a A. não sabe nem tinha modo de saber se o R. continuava casado ou se, entretanto, já se tinha divorciado e contraído novo matrimónio, como foi o caso.
Assim, estando o R. casado sob o regime da comunhão de adquiridos e se o imóvel constitui, como o R. afirma, o que a A. não concede, que se trata da casa de morada de família, então nesse caso será necessária a intervenção de ambos os cônjuges.
A chamada tem, assim, um interesse igual ao do R., assumindo idêntica posição, sendo a sua intervenção neste processo a forma idónea para suprimento da ilegitimidade deste, por preterição do litisconsórcio necessário passivo.
Termos em que se requer, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 316.º do CPC, a intervenção principal provocada de MN, como 2.ª Ré, com morada na Rua (…) Amadora.
II – Da alegada excepção peremptória de impossibilidade legal de procedência do pedido
O R. afirma, nos arts. 15.º e 16.º da Contestação, que, uma vez que não foi emitida, ainda, a Licença de Utilização, o imóvel não pode ser arrendado ou vendido.
Ora, por essa ordem de ideias, o R. também não poderia estar a residir no imóvel.
Acrescenta ainda o R., no art. 18.º da Contestação, que a A. não pode pedir uma indemnização pelo tempo que podia ter estado a arrendar o imóvel e não o fez (porque o R. ocupa a fracção sem título legal para o efeito), contudo, para efeitos da indemnização pela privação do uso, este argumento não é procedente.
E menciona, no art. 19.º da Contestação, que se a A. conseguisse arrendar a fracção no período de um mês após obter a licença de utilização e se a mesma foi emitida (para as outras fracções) no dia 04 de Maio de 2020, jamais o arrendamento poderia ter ocorrido no próprio mês de Maio de 2020, no entanto, o referido período de um mês seria o tempo máximo que a Autora demoraria a conseguir celebrar um contrato de arrendamento, face à elevada procura no mercado.
Relativamente ao que o R. alega no art. 20.º da Contestação, dir-se-á somente que, para efeitos da atribuição de indemnização a título da privação do uso, indicar casos concretos não configura um dos requisitos legalmente exigidos para esse efeito.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2000, in BMJ 499/220, no qual se defende que «a ocupação abusiva constitui de per si um prejuízo que o proprietário sofre, um dano».
Quanto ao invocado no art. 22.º da Contestação, e à alegada confissão resultante do art. 32.º da Petição Inicial, o que resulta da PI é que a A. ponderou vender a fracção ao R. por um valor inferior ao valor de mercado. É que, atendendo ao tempo decorrido e ao panorama de especulação imobiliária que já se verifica há uns anos, a fracção valorizou bastante. Ainda assim, a A. estaria disposta a vender a fracção ao R. por um valor inferior ao praticado no mercado.
Pelo exposto, a alegada excepção peremptória de impossibilidade legal de procedência do pedido indemnizatório deve improceder, por não provada.
III – Da alegada excepção peremptória por existir um pretenso direito de retenção
O R. invoca a existência de um direito de retenção, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 755.º do CC, contudo, não existe qualquer direito de retenção, conforme se explanará infra.
Reitera-se que a A. adquiriu o imóvel livre de ónus e encargos, sendo terceiro de boa fé.
Acresce que o pretenso direito de retenção nunca se poderia protelar ad eternum pois a dado momento teria de se celebrar o contrato definitivo.
De todo o modo, o R. e o seu cônjuge não têm qualquer título que os legitime a permanecer no imóvel pois nos termos da Cláusula Décima Terceira do Acordo celebrado com o Santander a 26.07.2006, junto à Contestação como Doc. 2, caso o Banco não conseguisse o licenciamento definitivo das construções até ao dia 31.12.2010, o acordo considerar-se-ia «imediatamente resolvido, (…) obrigando-se os SEGUNDOS OUTORGANTES a entregar ao PRIMEIRO OUTORGANTE o fogo (…) livre e devoluto até dia 31 de Março de 2011».
Ora, como o Banco não conseguiu esse licenciamento (tendo sido a A., após adquirir o imóvel em 30.09.2016, a dar seguimento ao processo), o acordo entre o R. e o Banco foi resolvido com efeitos a 31.12.2010, e o imóvel deveria ter sido entregue até ao dia 31.03.2011, donde resulta que, efectivamente, os RR. não têm qualquer título legal que lhes permita ocupar o imóvel.
Assim, nada justifica o facto de os RR. continuarem a residir no imóvel.
A única razão que se vislumbra é a de os RR. quererem usufruir da fracção sem pagar o respectivo preço.
Pelo que, não estando reunidos os pressupostos do direito de retenção, previstos nos arts. 754.º e seguintes do CPC, também esta excepção peremptória deve improceder, por não provada.
IV – Da alegada excepção peremptória pela falta de interesse em agir
No art. 38.º da Contestação, o R. alega que o direito de propriedade da A. “não foi violado, nem sequer ameaçado” (!?).
Ora vejamos, nos termos do art. 1305.º do CC, «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.».
Contudo, in casu, a A. é proprietária do imóvel e não pode dispor do mesmo nem usá-lo ou fruí-lo.
Logo, o seu direito de propriedade está necessariamente afectado, o que lhe causa prejuízos, os quais são indemnizáveis.
De referir ainda que, nos termos do art. 30.º do CPC, sob a epígrafe “Conceito de legitimidade”, que ora se transcreve:
«1 - O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.» (negrito e sublinhado nossos)
Acresce que a falta de interesse em agir não consubstancia uma excepção peremptória.
Não obstante, deve a alegada excepção de inexistência de interesse em agir improceder, por não provada.
V – Da impugnação dos documentos juntos com a Contestação
Uma vez que está em tempo para o efeito, a A. impugna desde já os documentos juntos pelo R. com a Contestação.
Quanto aos Docs. 1 e 2, vão os mesmos impugnados porque a A. não interveio nem deles tinha conhecimento, e quanto aos Docs. 4, 5 e 6, porque esses documentos podem ter sido tirados do contexto, o que a A. não consegue confirmar, até porque as pessoas com quem foram trocados os referidos emails já não trabalham no grupo de empresas do qual a A. faz parte.”
Conclui requerendo:
a) A intervenção principal provocada de MN, como 2.ª Ré, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 316.º do CPC, tendo a A. pago a taxa de justiça para o efeito;
b) A improcedência da excepção peremptória de impossibilidade legal de procedência do pedido indemnizatório;
c) A improcedência da excepção peremptória do direito de retenção;
d) A improcedência da excepção de inexistência de interesse em agir;
e) Pela procedência da acção.”
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Por despacho de 11.03.2023 foi admitida a intervenção principal provocada, do lado passivo da demanda, de MN.
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A interveniente principal foi considerada citada por despacho de 21.03.2024.
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Tentada a conciliação das partes, a mesma não se mostrou possível (cfr. acta de 30.04.2024.
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Por despacho de 16.05.2024 foi dispensada a realização de audiência prévia, e foi fixado o valor da acção, proferido despacho saneador, delimitado o objecto do litígio e fixados os os temas de prova, não tendo sido apresentadas reclamações.
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Por despacho de 25.o6.2024 foi ainda designada data para o julgamento.
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Realizou-se a primeira sessão da audiência de discussão e julgamento em 17.09.2024, na qual foram ouvidas as testemunhas da Autora T1, T2 e as testemunhas dos Réus, T3 e T4, tendo-se designado nova data para a sua continuação.
Realizou-se a segunda sessão da audiência de julgamento em 24 de Janeiro de 2025, com a inquirição da testemunha do Réu, T5.
Concluiu-se o julgamento com as alegações das partes.
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Em 21.03.2025 foi proferida sentença, constando da sua parte decisória o seguinte: “Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenam-se os Réus:
a) a reconhecer que o prédio urbano composto por dois blocos geminados, Bloco A com entrada principal pela Rua (…), Amadora, onde se inclui a Fracção G, é propriedade da Autora;
b) a restituir à Autora a fracção autónoma designada pela letra G, livre de pessoas e bens;
c) a abster-se da prática de qualquer acto que provoque danos ou diminua o valor da referida fracção autónoma designada pela letra G;
d) no pagamento, à Autora, a título de indemnização, do valor mensal de € 1 000, 00 (mil) correspondente ao período de ocupação ilícita, da responsabilidade do Réu, a partir de 20-10-22; e também da responsabilidade da Ré a partir de 8-4-2023, bem como, no pagamento dos juros de mora contados, à taxa legal, respectivamente, desde essas datas de citação até integral pagamento; absolvendo-se os Réus do demais peticionado pela Autora.
Custas pela Autora e pelos Réus na proporção do respectivo decaimento - arts. 527º, nºs 1 e 2, do citado Código de Processo Civil.”
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É contra esta sentença que se insurgem os Réus, vindo apresentar recurso de apelação [6] onde formulam as seguintes conclusões:
A – No ponto 23 dos factos provados ficou assente que “23. Se esta fracção autónoma designada pela letra G não estivesse ocupada pelos Réus, a Autora teria diligenciado por obter a correspondente licença de utilização, na mesma ocasião em que o fez para as outras fracções autónomas acima identificadas sob o ponto 18 e poderia ter colocado a fracção no mercado de arrendamento”, o que traduz uma dupla apreciação errónea da prova carreada aos autos e, designadamente, da prova gravada.
B – A não tramitação da licença de utilização relativa à fracção “G” nada teve que ver com o facto de constituir residência do R.-Recorrente, mas com a vontade da A.- Recorrida, já que a testemunha T1 afirmou não saber se alguém tinha pedido acesso à fracção G, mas que “a indicação que eu tinha é que essas fracções não eram para licenciar” [cfr., 21’ 17’’ a 21’ 26’’ da gravação do seu testemunho].
C – A A.-Recorrida também não logrou fazer prova de que destinava a fracção ao mercado de arrendamento já que, segundo a mesma testemunha, “idealmente nós preferimos sempre vender, sim; se arrendamos, será posteriormente sempre para vender, é o objectivo final” [cfr., 6’ 53’’ a 7’ 02’’ da gravação do seu testemunho].
D – O arrendamento seria sempre para a Recorrida uma solução instrumental e transitória até que se efectivasse a venda.
E – Deve o ponto 23 dos factos provados ser revogado e substituído por outro com a seguinte redacção: “23. A Autora destinava as fracções do prédio controvertido e venda, propondo, a quem tinha algum sinal anteriormente prestado, um valor de venda justo que seria abaixo do valor de mercado”.
F – O ponto 24 dos factos provados traduz, outrossim, uma errada apreciação da prova gravada e traduz o mero testemunho de T1.
G – Tendo esta testemunha, uma vez perguntado se um mês seria suficiente para fazer as obras e arrendar a fracção, respondido que “não conhecendo o estado, não, até porque a obtenção de certificados e tudo isso decorre sempre algum tempo (…) o mês que eu disse era se estivesse completamente pronta para ser arrendada” [cfr., 26’ 44’’ a 27’ 10’’].
H - Deste modo, e cumulativamente com o que ficou referido quanto ao ponto 23 dos factos provados, o ponto 24 dos factos provados deve ser revogado e substituído por outro com a seguinte redacção: “24. Caso a Autora viesse a destinar a fracção G ao mercado de arrendamento, qualquer arrendamento não poderia ocorrer antes de um mês a contar da data da concessão da licença de utilização, para o que antes seria necessário realizar a obras necessárias e obter as competentes certificações”.
I – Nada nos autos permite assentar que “26. No mercado de arrendamento, uma fracção autónoma com estas características poderia ser arrendada pelo valor de 1000,00 euros mensais”, razão pelo que o Tribunal fez errada apreciação da prova, designadamente a gravada, e, consequentemente, uma errada aplicação do direito.
J – o valor de renda mensal referido pela testemunha T1 não traduz o valor de bolsa de mercado, e é mera e pontual experiência pessoal, pelo que, sendo mera suposição, deve determinar a revogação do ponto 26 dos factos provados.
K – O Contrato de 3 de Dezembro de 1999, não pode considerar-se resolvido, não tendo sobrevindo a obrigação de o R.-Recorrente e de EM entregarem o fogo em 31 de Março de 2011.
L – Como assinalado na douta sentença recorrida, “rigorosamente nada, fruto de toda a prova produzida ou junta aos autos transmitiu qualquer espécie de indício de que não fosse viável a obtenção de licença de utilização para a fracção autónoma objecto dos autos” (cfr., penúltimo parágrafo de fls. 11 da douta sentença recorrida).
M – Até porquanto, como resulta do ponto 15 dos factos provados, “A Autora diligenciou, junto do referido município, pela emissão da Licença de Utilização”.
N - Por quanto antecede, deve o ponto 30 dos factos provados ser revogado e substituído por outro com a seguinte redacção: “30. Para efeitos da cláusula “Décima Terceira” deste mesmo “Acordo”, ao imóvel controvertido não foi atribuída licença de utilização antes de 31 de Dezembro de 2010, mas tal circunstância não determinou que o acordo de 26 de Julho de 2006 se considerasse imediatamente resolvido nem gerou a obrigação de o R. e EM entregarem o fogo, livre e devoluto, até 31 de Março de 2011”.
O – Ao invés, deverá ser aditado como ponto de facto não provado que: “1. A obtenção da licença de utilização antes de 31 de Dezembro de 2010 era viável, e a sua não emissão antes dessa data por parte da autarquia não se deveu a facto não imputável ao Banco”.
P - Tendo em consideração que o Contrato Promessa entre a JJ, Lda. e o R.-Recorrente e a sua então mulher referir que o prédio se encontrava em construção, nada referindo quanto à tradição, e que o acordo celebrado com o Banco Santander em 26 de Julho de 2006 referir que os trabalhos de construção dos edifícios se mostram inacabados, o Tribunal a quo terá pressuposto que a fracção actualmente designada pela letra G, não seria habitável e, em consequência deu como não provado que “1. A JJ, Lda. operou a tradição da fracção ao Réu e a sua mulher com a entrega das chaves na época da celebração do contrato promessa de compra e venda”.
Q – Tendo a testemunha T2 afirmado, não só que, nestas compras em portfolio, não obstante se tratar de “prédios que estão inacabados e o facto de estar inacabado não quer dizer que num apartamento em particular não esteja” [cfr., 5’ 17’’ a 5’ 30’’ da gravação do seu testemunho], mas também que “a maioria dos apartamentos já tinha revestimentos, estava praticamente acabada”; “mudamos acabamentos, mas já estavam feitos” [cfr., 5’ 48’’ a 6’ 09’’’ da gravação do seu testemunho], a fixação deste facto não provado traduz uma errónea interpretação da prova gravada e consequente aplicação do Direito.
R – Assim, o facto não provado deve ser suprimido e, ao invés, deve ser aditado um novo facto provado com a seguinte redacção: “33. A JJ, Lda., á época da celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 3 de Dezembro de 1999, entregou as chaves da fracção que viria a ser designada pela letra “G” ao Réu BB e a EM, sua então mulher”
S – A A.-Recorrida não demonstrou que a fracção G do imóvel controvertido era destinado ao mercado de arrendamento, nem o poderia então fazer, na medida em que, segundo a testemunha T2, “na altura, a transacção (venda ou arrendamento) só seria possível com licença de utilização” [cfr., 18’ 35’’ a 18’ 53’’ da gravação] (parêntesis nossos)
O – A mesma testemunha declarou ainda que “idealmente nós preferimos sempre vender, sim; se arrendamos, será posteriormente sempre para vender, é o objectivo final”, o que inequivocamente demonstra que qualquer eventual arrendamento de qualquer uma das fracções do prédio controvertido seria sempre uma situação transitória e temporária, eventualmente ligada a dificuldades na obtenção célere de financiamento por parte do promitente comprador e as mais das vezes, até, o montante pago transitoriamente a título de renda é, depois, deduzido ao preço final da compra e venda.
P – Ao afirmar que a fracção G poderia ser arrendada “desde a data em que cada um dos Réus foi citado para a presente acção judicial, acrescido de juros de mora vencidos” (cfr., 4º parágrafo de fls. 26 da douta sentença), o Tribunal incorre em erro de avaliação da prova produzida.
Q – O Tribunal de 1ª Instância incorre, outrossim, em erro de apreciação da prova e do Direito aplicável quanto ao momento que define como início do computo da indemnização peticionada, já que não faz qualquer sentido que tal computo da indemnização por privação de uso e respectivo cálculo dos juros de mora comece a fazer-se a partir da data da citação do R.-Recorrente, ocorrida em 20.10.2022, já que até 8 de Abril de 2023 a A.-Recorrida não poderia dar início a quaisquer obras, obter as certificações necessárias e a competente licença de utilização, porque a R.-Recorrente não estava ainda vinculada a entregar a fracção à Recorrida e só após esta última data é que seria possível.
R – Decidindo-se como consta da al. d) da condenação, a Douta Sentença, sentença incorre na nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil.
S – Conforme decorre dos presentes autos, designadamente dos testemunhos prestados, o R.-Recorrente e a sua ex-mulher, até 2009, e, posteriormente, com a R.-Recorrente, sempre procuraram adquirir a actualmente designada fracção “G” do prédio controvertido.
T – Tendo sido alegado nos arts. 25º a 34º da Contestação oferecida, que o contrato promessa de compra e venda, de 3 de Dezembro de 1999, e o Acordo de 26 de Julho de 2006, tiveram como sujeitos passivos o aqui R.-Recorrente e EM, o direito de retenção invocado abarcava ambos, pelo que, atentas as diferentes soluções de Direito possíveis, desde logo as decorrentes do presente recurso, o Tribunal deveria ter-se pronunciado quanto à necessidade de trazer aos autos a indicada EM, seja qual for o nome que actualmente usa, enquanto parte do contrato de 3 de Dezembro de 1999 e do acordo de 26 de Julho de 2006 e avaliar também o seu direito de retenção.
U – Não o tendo feito, a Douta Sentença padece da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil.
V – O universo dos promitentes compradores, que incluía o Recorrente, insistiu junto do Banco Santander Totta, SA, a que este efectivasse a hipoteca, o que veio a ocorrer, conforme consta do ponto 4 dos factos provados, e permitisse a esta entidade bancária renovar a licença de construção e após a celebração dos acordos de 26 de Julho de 2006, o R.-Recorrente e o universo dos demais promitentes compradores, foram inquirindo do andamento do processo camarário, enquanto abordaram com o Banco as diferentes possibilidades de este lhes conceder financiamento bancário, com vista à compra de cada uma das fracções.
X – Posteriormente, e antes de 2016, foram negociando, designadamente o R.-Recorrente, em particular com o Dr. T6, testemunha prescindida, com a Finangest a celebração dos negócios de compra e venda, como decorre, entre outros dos testemunhos de todas as testemunhas ouvidas.
Y – A partir de 2016, atento que a propriedade havia sido transmitida pela Finangest à Pin(…), R.-Recorrente continuou a procurar um acordo, tendo-o continuado a fazer com o citado Dr. T6 e respectivo departamento jurídico, nas que eram e são as instalações da Finangest, sabendo agora que tais negociações afinal eram já feitas em nome da A.-Recorrida, sem que tal circunstância lhe tivesse sido transmitida.
W - Nunca o Banco Santander Totta, SA, mesmo depois de 31 de Março de 2011 reclamou a restituição do imóvel, nem também a Finangest, seja em nome próprio, seja em nome de qualquer investidor que pudesse representar, interpelaram o R.-Recorrente para “desocuparem a dita fracção, assim deixando clara a ilicitude da sua conduta”, como bem se assinala na douta sentença recorrida.
Z – As negociações foram-se prolongando, tendo sempre o R.-Recorrente manifestado que a compra da fracção dependia essencialmente do quantum do negócio e, quando os serviços jurídicos da A.-Recorrida propuseram, já depois de 2020, a celebração de um novo contrato promessa, o R.-Recorrente mais inculcou a sua convicção de que o acordo final seria apenas questão de ajuste do quantum e que as negociações continuariam e que a Finangest/Pin(…) não reclamaria, sem mais, a restituição da fracção.
AA – Seja porque possa ter havido alteração na orientação dos decisores da Finangest/Pin(…), seja pelo disparar do mercado imobiliário, a verdade é que o R.- Recorrente se viu subitamente confrontado com um pedido, que embora possa ser sustentável, é absolutamente contrário à confiança de conclusão de compra e venda.
BB – A propositura da presente acção vários anos após todas as negociações entre as partes, sem que nunca tivesse ocorrido qualquer interpelação ao R.-Recorrente, excede manifestamente os limites da boa-fé, pelo que é ilegítima (cfr., art. 334º do Cód. Civil), por constituir abuso de direito, que corresponde à situação de quem litiga sem qualquer direito!
CC – “Agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondentes aos legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos de uma consciência razoável poderia tolerar” (cfr., Ac. STJ, de 19.10.2005; in Acórdãos Doutrinários STA)
DD – Atento que os factos de que depende foram alegados e podem considerar-se adquiridos nos autos, “o abuso de direito (…) pode ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova” (cfr. Ac. Rel. Coimbra, de 7.02.2023; proc. nº 3311/21.8T8LRA.C1; in www.dgsi.net)
EE – E “não está sujeita ao princípio da preclusão consagrado, quanto aos meios de defesa do réu, no art. 573º do CPC, visto caber nas excepções previstas no seu nº 2” (cfr., Ac. STJ, de 12.07.2018, proc. nº 2069/14.1T8PRT.P1.S1; in www.dgsi.net)
FF – O abuso de direito impede, quem o pratica, de exercer o direito que invoca.”
*
A Autora apresentou contra-alegações [7], apresentando as seguintes Conclusões:
A. Entendem os Recorrentes, que foram incorrectamente julgados os factos n.º 23, 24, 26 e 30 da factualidade dada como Provada.
B. No que respeita ao Facto 23 e para por em crise tal factualidade, os Apelantes apenas transcrevem uma única (!) passagem do depoimento da Testemunha T1 [incompleta e totalmente fora de contexto]
C. A testemunha efectivamente referiu que: «a indicação que tinha é que essas fracções não eram para licenciar até conseguirmos (…)», tendo sido interrompido abruptamente pelo Ilustre Mandatários dos Réus!
D. Ao que a testemunha respondeu, esclarecendo ao minuto 21 e 30 segundos do respectivo depoimento: «Não! Outra vez: uma vez que não havia aqui um acordo com as Testemunhas, não tínhamos acesso à fracção, portanto não conseguíamos ter os documentos correctos para submeter….»
E. Minutos depois, mais concretamente ao minuto 22 e 32 segundos a Testemunha volta a esclarecer para que dúvidas não subsistam: «a indicação que eu tinha é que como não tínhamos acesso às fracções, seria impossível licenciar».
F. Ou seja, o que a Testemunha transmitiu de forma isenta e coerente ao Tribunal é que não era possível licenciar aquela fracção uma vez que a mesma estava ocupada pelos Réus, devendo por isso manter-se o facto 23 como Provado.
G. No que respeita ao Facto 24 alegam os Apelantes que a Testemunha T1 referiu que não conhece o estado da fracção, tendo, mais uma vez, deturpado e descontextualizado tudo o quanto foi transmitido pela Testemunha ao Tribunal a quo.
H. Cumpre notar que este prazo de um mês para ser dado de arrendamento seria contado da licença de utilização… Aliás, este facto vem na sequência do anterior [n.º 23] que se reportava à licença de utilização…
I. Tendo, nesse sentido, a Testemunha esclarecido o Tribunal ao minuto 9 e 18 segundos: «Eu diria que no espaço de um mês, seria só questão de verificar os documentos… e seria celebrado contrato de um dia para o outro imediatamente.» (…) «Porque há muita procura»
J. No que se reporta ao Facto 26 os Apelantes apenas transcrevem parte do depoimento da Testemunha T1 quando refere que a sua casa, que havia sido arrendada há cerca de um mês pelo valor de 1.000,00€ e que se localizava naquela zona, estava em «bom estado».
K. Não sendo transcrito qualquer depoimento desta ou de qualquer outra Testemunha que permitisse concluir em diferente sentido.
L. Não obstante e ainda assim, partindo do depoimento dessa mesma Testemunha [T1], foi referido peremptória e sem qualquer hesitação ao minuto 8 e 26 segundos do respectivo depoimento: «os preços de arrendamento estão altos, é uma dificuldade que se vive hoje em dia (…) mas de certeza que seria muito mais que 1000€ para um T3, de certeza!! (…) Certamente seria superior a 1000€»
M. Tendo andado bem o Tribunal a quo ao dar como provada tal factualidade.
N. Pretendem ainda os Apelantes dar como não provado o facto 30. Sucede que o teor do referido facto corresponde à transcrição da Cláusula 13.ª do Acordo celebrado entre o Banco Santander Totta S.A. e BB e EM aos 26 de Julho de 2006 – junto aos autos pelos próprios Apelantes [nunca tendo os mesmos posto em causa o respectivo teor ou autenticidade]!!
O. No que concerne à matéria de Direito, defendem os Apelantes que a douta Sentença proferida padece de nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil [adiante designado por C.P.C.] na parte em que condena os Apelantes «d) no pagamento, à Autora, a título de indemnização, do valor mensal de € 1 000, 00 (mil) correspondente ao período de ocupação ilícita, da responsabilidade do Réu, a partir de 20-10-22; e também da responsabilidade da Ré a partir de 8-4-2023, bem como, no pagamento dos juros de mora contados, à taxa legal, respectivamente, desde essas datas de citação até integral pagamento;».
P. S.m.o., e com o devido respeito, a fundamentação dos Apelantes nesta sede é totalmente ininteligível… Das Alegações apresentadas não se retiram quaisquer argumentos através dos quais se conclua que a Decisão esteja em oposição com a respectiva fundamentação ou sequer é invocado pelos Apelantes qualquer ambiguidade ou obscuridade da Sentença.
Q. Por seu turno, alegam ainda os Apelantes que a douta Sentença «incorre ainda na nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º». Para tanto alegam os Apelantes que «Tendo dado como provado que o R.-Recorrente casou com a R.-Recorrida em 14 de Novembro de 2009, e atentas as diferentes soluções de Direito possíveis, desde logo as decorrentes do presente recurso, o Tribunal deveria ter-se pronunciado quanto à necessidade de trazer aos autos a indicada EM, seja qual for o nome que actualmente usa, enquanto parte do contrato de 3 de Dezembro de 1999 e do acordo de 26 de Julho de 2006. »
R. Sucede que não só ao Apelantes nunca invocaram a excepção de litisconsórcio necessário no que se reporta à ex-mulher EM, como nem teria qualquer sentido que o fizessem – até porque esse casamento já foi dissolvido por divórcio desde 2009 e o imóvel já constitui casa de morada de família do Apelante e da actual esposa – também aqui Apelante.
S. No demais, importa dizer que, à luz da factualidade apurada e dada como provada, a Apelada se revê, na sua essência, no percurso lógico-dedutivo seguido pelo Tribunal a quo, feito, a seu ver, através de uma bem estruturada argumentação esgrimida para o efeito, e que conduziu à solução expressa na Decisão final, com uma correcta subsunção do Direito aos factos apurados.
T. Termos em que se deverá concluir que andou a bem a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ao julgar procedente a acção.”.
Conclui pela improcedência do recurso.
*
Admitido o recurso [8], o tribunal “a quo” pronunciou-se genericamente pela inexistência de nulidades [9].
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Objecto do Recurso:
São as Conclusões dos Recorrentes que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes [10]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Com efeito, o objecto do recurso é delimitado e definido pelas questões suscitadas nas conclusões do recorrente, (artºs 5º, 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3 do NCPC) sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC.
Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões decidendas são as seguintes:
1 – Da existência de alguma nulidade da Sentença, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
2 – Os únicos factos objecto de impugnação são os 23º, 24º, 26º, 30º e o facto que foi julgado como não provado e que o recorrente pretende que passe a constar do rol dos factos provados, sob o nº 33, ocorrendo, aqui, um cumprimento algo deficiente do ónus da al. a). do nº 1, do art. 640º, mas que não compromete o conhecimento do recurso, pois que é perceptível o que o recorrente pretende.
3 – Da subsunção dos factos ao direito e verificação se a 1ª Instância incorreu em erro de aplicação do direito aos factos.
4 – Do alegado abuso de direito: A propositura da presente acção vários anos após todas as negociações entre as partes, sem que nunca tivesse ocorrido qualquer interpelação ao R.-Recorrente, excede manifestamente os limites da boa-fé, pelo que é ilegítima (cfr., art. 334º do Cód. Civil), por constituir abuso de direito, que corresponde à situação de quem litiga sem qualquer direito?*

II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):
1. A Autora prossegue a actividade de compra e venda de imóveis e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim.
2. No exercício da sua actividade, a Autora adquiriu ao Banco Santander Totta, S.A., através de Escritura Pública de Compra e Venda outorgada a 30.09.2016 no Cartório Notarial de (…), a propriedade dos imóveis que aí se mostram identificados.
3. A propriedade do prédio urbano sito na Brandoa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial e Comercial da Amadora sob o número (…)8 da freguesia da Brandoa e inscrito na matriz predial urbana sob o número (…)3 [actual …] da freguesia da (…) foi adquirida pela ora Autora por via dessa escritura de “Compra e Venda” de 30.09.2016.
4. A propriedade deste prédio já havia estado inscrita no Registo Predial em nome do Banco Santander Totta, S.A. por ter sido adquirida por Adjudicação em Execução (Ap. 46 de 2006/04/11).
5. Este prédio urbano era composto por um lote de terreno para construção.
6. Quando o Banco Santander Totta adquiriu a propriedade daquele prédio, a anterior proprietária, a sociedade comercial JJ, Lda. – Construções, Lda., já havia iniciado a construção de um edifício composto por dois blocos no referido prédio urbano.
7. Construção que, entretanto, foi interrompida e que continuava interrompida quando o Banco Santander Totta adquiriu o prédio urbano.
8. A propriedade do imóvel em apreço mostra-se inscrita, na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Amadora, freguesia da (…), em nome da ora Autora por ter sido adquirida por compra ao Banco Santander Totta, S.A.” (Ap. 559 de 2016/10/04).
9. À data deste registo a favor da Autora, em sede de ónus ou encargos, apenas se mostravam registados, no sobredito registo predial, os seguintes:
(i) uma penhora registada a favor da Fazenda Pública, através da AP. 19, de 28.02.2005; e
(ii) uma acção judicial, provisória por natureza, registada a favor de JGRF, através da AP. 15, de 03.05.2006.
10. O registo da penhora referida na alínea (i) do ponto anterior foi cancelada através da AP. 2727, de 08.06.2018.
11. O registo da acção judicial referida na alínea (ii) do ponto 9, foi cancelada através da AP. 972, de 11.05.2018.
12. A Autora fez obras nos edifícios que já existiam à data em que comprou o imóvel.
13. Conforme Ap. 3765 de 2019/11/20, era a seguinte, a descrição do imóvel na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Amadora, freguesia da Brandoa: Bloco com entrada principal pela Rua (…); e Bloco com entrada principal pela Rua (…).
14. A ora Autora diligenciou, junto da Câmara Municipal da Amadora, pela atribuição dos números de Polícia.
15. A Autora diligenciou, junto do referido Município, pela emissão da Licença de Utilização.
16. Em escritura de “Constituição de Propriedade Horizontal” lavrada em 20 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial sito em Lisboa, na Rua (…), perante a Notária (…), outorgou a aqui Autora, Pin(…), Lda. que declarou ser dona e legítima proprietária do prédio urbano supra descrito, composto de edifício constituído por dois blocos; e que o submete ao regime da propriedade horizontal ficando, em consequência, criadas as vinte e quatro fracções autónomas aí identificadas de “A” a “AA”.
17. A constituição da propriedade horizontal mostra-se objecto de registo predial sob a Ap. 3765 de 2019/11/20.
18. A aqui Autora obteve a respectiva Licença de Utilização, apenas quanto às fracções A, B, C, D, E, F, H, I, J, L, M, N, O, R, S, T, V, X e AA, conforme despacho do Senhor Director do Departamento de Administração Urbanística, com competência subdelegada datado de 30-3-2020 e conforme Alvará de Utilização n.º 14/20 emitido pela Câmara Municipal da Amadora com data de 4-5-2020.
19. A aqui Autora procedeu à venda a terceiros de algumas destas fracções autónomas do prédio acima identificado.
20. A fracção autónoma designada pela letra G, correspondente ao R/C A do prédio objecto destes autos mostra-se ocupada pelos ora Réus.
21. Essa ocupação perdura, quanto ao ora Réu, desde o tempo em que a “JJ, Lda.” era proprietária do prédio em apreço.
22. Encontrando-se a fracção autónoma designada pela letra G, em apreço nos autos, ocupada pelos ora Réus, não foi diligenciada, pela ora Autora, a obtenção da licença de utilização referente a esta fracção autónoma.
23. Se esta fracção autónoma designada pela letra G não estivesse ocupada pelos Réus, a Autora teria diligenciado por obter a correspondente licença de utilização, na mesma ocasião em que o fez para as outras fracções autónomas acima identificadas sob o ponto 18 e poderia ter colocado a fracção no mercado de arrendamento.
24. Caso assim sucedesse, no prazo de um mês, a fracção em apreço poderia ser dada de arrendamento.
25. A fracção autónoma designada pela letra G, aqui em apreço corresponde a um “T- três” e tem uma área coberta de 108, 27 m2.
26. No mercado de arrendamento, uma fracção autónoma com estas características poderia ser arrendada pelo valor de 1000, 00 euros, mensais.
27. A ora Autora tudo fez para alcançar um acordo com o Réu, no sentido de lhe vender a referida fracção por um preço inferior ao valor de mercado que corresponde a € 165.000,00.
28. O Banco Santander Totta S.A. celebrou com os aqui demandados BB e EM o “Acordo” datado de 26 de Julho de 2006 atinente ao imóvel em apreço nos autos, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 148 a 153.
29. É a seguinte a redacção da cláusula “Décima Quinta” deste acordo:
1. O Segundo outorgante (aqui Réu e EM) no pressuposto do cumprimento do presente acordo pelo Banco Santander Totta S.A. expressamente reconhecem perante aquele que a ocupação que faz do fogo é a título meramente precário fruto das circunstâncias específicas inerentes ao presente processo pelo que a posse só ocorrerá em toda a sua extensão com a outorga da escritura de compra e venda.
2. Todavia, atenta a necessidade de abastecimento de energia eléctrica aos fogos, o Banco Santander Totta S.A. obriga-se a consentir na manutenção dos contratos actualmente em vigor para o efeito, ou caso tal se mostre necessário por força das disposições legais ou regulamentares aplicáveis, a providenciar o fornecimento de energia eléctrica aos indicados fogos.
30. Conforme cláusula “Décima Terceira” deste mesmo “Acordo”: Caso seja impossível, por qualquer facto não imputável ao Banco conseguir o licenciamento definitivo das construções a executar no imóvel junto da Câmara Municipal da Amadora até ao dia 31 de Dezembro de 2010, o presente acordo considerar-se-á imediatamente resolvido, sem lugar a qualquer compensação entre os outorgantes, obrigando-se, ainda, os Segundos Outorgantes (aqui Réu e EM) a entregar ao Primeiro Outorgante (Banco Santander Totta S.A.) o fogo antes referido, livre e devoluto até 31 de Março de 2011.
31. Mostra-se outorgado entre o ora demandado, EM e a “JJ, Lda. – Construções, Lda.” o “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 3 de Dezembro de 1999, no qual aquela sociedade promete vender àqueles um T3 no prédio que a aludida sociedade afirma estar a construir.
32. O aqui Réu casou em 14 de Novembro de 2009 com MN, residindo, o casal, na fracção autónoma objecto dos autos.
*
Foram os seguintes os factos considerados não provados pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):
1. A JJ, Lda. operou a tradição da fracção ao Réu e a sua mulher com a entrega das chaves na época da celebração do contrato promessa de compra e venda.
*
II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da admissibilidade do recurso:
Dispõe o art. 637º, nº2 do NCPC que, “O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade”.
O ónus de alegar e formular conclusões em processo civil, previsto no artigo 639º NCPC, impõe ao recorrente a obrigação de apresentar uma alegação e, dentro dela, elaborar um resumo das razões (as conclusões) que justificam o pedido de alteração ou anulação da decisão recorrida.
Das conclusões apresentadas é possível efectuar a triagem dos pontos que são necessários ao propósito manifestado pelos apelantes por meio do exercício do direito ao recurso, pelo que será conhecido do respectivo mérito, sem necessidade de outras considerações.
*
2. Da nulidade da sentença:
Invoca a apelante que “Decidindo-se como consta da al. d) da condenação, a Douta Sentença, sentença incorre na nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil.”.
A Primeira Instância pronunciou-se no sentido de inexistência de qualquer nulidade.
Apreciando:
Prescreve o artº 615º do NCPC, no seu nº 1, al. c) que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Ora, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença [11] [12].
Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista no artº. 615º, nº 1, al. c) do NCPC quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença. Por isso, a inexactidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão [13].
Se a decisão em referência está certa ou não, é questão de mérito e não de nulidade da sentença [14].
Quando não seja perceptível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal, a sentença não pode valer enquanto não for esclarecida, o que, no Novo CPC só pode ser feito mediante invocação de nulidade [15] [16] [17].
Uma decisão é ininteligível quando não seja possível apreender ou perceber o seu sentido e, é ambígua quando, em termos razoáveis, se lhe podem atribuir dois ou mais sentidos diferentes [18].
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, isto é, se não for de todo possível alcançar o sentido a atribuir-lhe.
Apreciando, vemos que consta da petição inicial o pedido de condenação dos Réus na entrega do imóvel em questão e, concretamente, consta da al. d) do pedido que:
“d) Seja o Réu condenado ao pagamento de uma indemnização no valor de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), correspondente ao período de ocupação ilícita compreendido entre o dia 20 de Maio de 2020 até à presente data, e no valor que se vier a vencer, após esta data e até à restituição do imóvel, correspondente a € 1.000,00 (mil euros) por cada mês decorrido, bem como aos juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;”.
Consta a al. d) da sentença recorrida que os Réus são “condenados no pagamento, à Autora, a título de indemnização, do valor mensal de € 1.000,00 (mil) correspondente ao período de ocupação ilícita, da responsabilidade do Réu, a partir de 20.10.22; e também da responsabilidade da Ré a partir de 08.04.2023, bem como, no pagamento dos juros de mora contados, à taxa legal, respectivamente, desde essas datas de citação até integral pagamento;”
Recordando a invocação da apelante, neste âmbito, ou seja, a alegação de que “não faz qualquer sentido que tal computo da indemnização por privação de uso e respectivo cálculo dos juros de mora comece a fazer-se a partir da data da citação do R.-Recorrente, ocorrida em 20.10.2022, já que até 8 de Abril de 2023 a A.-Recorrida não poderia dar início a quaisquer obras, obter as certificações necessárias e a competente licença de utilização, porque a R.-Recorrente não estava ainda vinculada a entregar a fracção à Recorrida.
Em razão do que só a partir de 8 de Abril de 2023 é que seria possível dar início a quaisquer obras, obter as certificações necessárias e a competente licença de utilização.
Decidindo-se como consta da al. d) da condenação, a Douta Sentença, sentença incorre na nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil..” podemos constatar desde logo que:
Se a sentença tivesse indicado datas que, na concepção da apelante estão em contradição com a prova produzida, tal seria fundamento para recurso da matéria de facto relativamente à prova que foi produzida quanto a essas datas e não fundamento de nulidade da sentença.
Assim, trata-se de mera discordância dos Apelantes com o que foi decidido na sentença.
Por outro lado, escreve-se na sentença objecto de recurso, em sede de fundamentação, que: “Rigorosamente nada, fruto de toda a prova produzida ou junta aos autos transmitiu qualquer espécie de indício de que não fosse viável a obtenção de licença de utilização para a fracção autónoma objecto dos autos.”
Ora, conjugando tal com os factos provados e mencionados em 20., 21., 22., 23., 25. e 26., constata-se que se mostra fundamentada a sentença e que os fundamentos da mesma estão em devida coordenação com a decisão e não em oposição com a mesma.
Assim sendo, é manifesto que a decisão recorrida não padece do vício de nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. c) do NCPC.
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Alegam ainda os recorrentes que a Sentença ora em crise, incorre ainda na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do mesmo diploma legal.
Preceitua a norma invocada que:
1 - É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”
Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608° n°2 do NCPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Como já ensinava o Professor Alberto dos Reis [19] “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fácticos jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas [20].
Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente deve conhecer (artigo 608° n° 2 do CPC) à excepção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros.
O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui [21].
Invocam os Recorrentes que “o contrato promessa de compra e venda, de 3 de Dezembro de 1999, e o Acordo de 26 de Julho de 2006, tiveram como sujeitos passivos o aqui R.-Recorrente e EM, pelo que o direito de retenção invocado abarcava ambos.
É certo que a Mma. Juiz a quo aprecia tal excepção (vd., Fls. 16 e 20 da douta sentença), mas fá-lo apenas quanto ao R.-Recorrente.”
E alegam os Recorrentes que tendo a 1ª Instância dado como provado que o aqui Réu casou em 14 de Novembro de 2009 com MN, residindo, o casal, na fracção autónoma objecto dos autos, e atentas as diferentes soluções de Direito possíveis, desde logo as decorrentes do presente recurso, o Tribunal deveria ter-se pronunciado quanto à necessidade de trazer aos autos a indicada EM, seja qual for o nome que actualmente usa, enquanto parte do contrato de 3 de Dezembro de 1999 e do acordo de 26 de Julho de 2006.
Quanto a esta questão é manifesto que, uma vez que a indicada EM deixou de viver na fracção dos autos e não se tendo mantido na posse da fracção, não poderia invocar direito de retenção.
Com efeito, o direito de retenção, previsto nos artigos 754º e seguintes do Código Civil, consiste na faculdade de não restituir uma coisa, enquanto o credor dessa restituição não cumprir, por seu turno, a obrigação que tem para com o retentor. Com base nessa garantia, é conferido ao retentor o direito de se fazer pagar preferencialmente pelo valor da coisa retida.
O direito de retenção tem duas funções: a de garantia e a de coerção.
A função de garantia consiste na faculdade de o titular do direito de retenção se fazer pagar pelo valor da coisa com preferência face a outros, desde que não sejam titulares de um privilégio imobiliário especial.
A função de coerção consiste na faculdade de recusa da entrega da coisa retida, sem incorrer em responsabilidades, enquanto o credor da restituição não cumprir a sua obrigação, pressionando, desta forma, o cumprimento da obrigação em falta.
São pressupostos do direito de retenção:
a) a posse ou detenção legítima de coisa alheia;
b) o detentor da coisa ser credor do titular da coisa objecto de retenção;
c) existência de uma conexão entre a coisa e o direito de crédito;
d) não existir afastamento do direito de retenção pela prestação de caução.
“Com efeito, o direito de retenção do promitente-adquirente que tenha recebido a coisa, por traditio, é qualitativamente diferente do direito de retenção comum.
Na retenção comum, a coisa retida responde por débitos que, em regra, representam uma pequena percentagem do próprio valor da coisa. Pense-se no direito de retenção do transportador, do garagista, do albergueiro ou do mandatário. A eficácia compulsória da medida é, pois, intensa: ninguém vai abrir mão de um objecto valioso, para não pagar uma pequena despesa.
Na retenção do promitente, a coisa retira responde por débitos que se aproximam do próprio valor dela: basta recordar que o sinal é substituído pelo valor da coisa. Nestas condições, compreende-se que a eficácia compulsória da medida desapareça: afinal, confrontado com a necessidade de pagar algo que se aproxime do valor da coisa, o promitente faltoso poderá, muito simplesmente, sucumbir à tentação de deixar a coisa à sua sorte.
O direito de retenção do promitente-adquirente permite duas conclusões:
a) trata-se de um direito que perde a dimensão compulsória, a favor da realização directa do interesse do comprador;
b) além disso, ele é dominado por preocupações do tipo social, que o levam a preterir posições legítimas de terceiros, mesmo anteriores.
Em suma, o direito de retenção do promitente-adquirente traduz como que uma pré-aquisição, por parte do promitente, da coisa prometida.
A reforma de 1980, consolidada pela de 1986, veio, contudo, alterar qualitativamente a situação do promitente-adquirente: este, tendo havido tradição da coisa, é tido como possuidor legítimo [22].
Desde logo, há que lhe reconhecer as defesas possessórias, mesmo contra o próprio dono; o promitente pode recusar a entrega da coisa ao dono, paralisando o pedido da entrega; pode usar de restituição provisória, contra o esbulho violento e pode recorrer aos embargos de terceiro.
Alguma doutrina já tem minimizado a defesa possessória do promitente-adquirente: este disporia, apenas, de um direito real de garantia.
A posse, porém, é um direito de gozo. No caso da posse do promitente-adquirente, que beneficie da tradição da coisa, parece-nos claro que a tutela legal não visa apenas garantir no sentido de realização pecuniária, a sua posição. Não se trata, em suma, de um vulgar penhor ou de uma hipoteca. A lei pretende, antes, assegurar o gozo da coisa. O promitente habita no local com a família: a lei pretende dar estabilidade a essa situação.
Se procurarmos, para além das abstracções legais, surpreender as realidades da vida, veremos que o promitente adquirente pode usar e fruir a coisa prometida; nenhum outro retentor tem tal prerrogativa. (…)
Através da sua posse, o promitente-adquirente disfruta do gozo da coisa; a posse é uma posição real, não se esgotando aqui, num mero direito pessoal de gozo, vista a causa por que opera” [23].
A presente acção foi instaurada pela Autora contra o Réu, ora recorrente, tendo este vindo a arguir a ilegitimidade em virtude de não se encontrar em juízo acompanhado da cônjuge, e uma vez que a fracção dos autos constitui casa de morada de família.
A 1ª Instância, no despacho de 11.03.2023, pronunciou-se no sentido de admitir a intervenção principal provocada de MN, esposa do Réu, assim se sanando a ilegitimidade.
O facto de EM ter sido parte no contrato promessa de compra e venda datado de 3 de Dezembro de 1998, celebrado com a JJ, Lda. e, posteriormente no Acordo celebrado com o Banco Santander Totta, S. A., em 26.07.2006 é perfeitamente irrelevante para a decisão da causa, uma vez que, em primeiro lugar, não foi requerida a intervenção da mesma, e em segundo lugar, a mesma já não se encontra na posse da fracção, tendo o Réu celebrado novo casamento e vivendo na fracção com a sua nova mulher.
Atento o alegado pelo ora Recorrente na sua contestação, temos que EM já não vive na fracção dos autos pelo menos desde 2009. Ora, não tendo a posse, não lhe assiste qualquer direito de retenção.
De qualquer modo, alguma questão que o ora Recorrente tivesse querido suscitar a este respeito devia tê-lo feito em reacção ao despacho de 11.03.2023 ou, pelo menos, em reacção do despacho saneador de 16.05.2024, que procedeu ao saneamento dos autos.
Não o tendo feito, precludiu a possibilidade de o vir a fazer em recurso de apelação da sentença.
Por outro lado, não existe, por parte da invocada … qualquer direito a assegurar nem tal foi requerido pelas partes.
De qualquer forma, não se encontrava a 1ª Instância obrigada a pronunciar-se mais sobre a questão, nomeadamente na sentença, pelo que não se verifica a nulidade da mesma nos termos do artº 615º, nº 1, al. d) do NCPC.
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2. Ocorreu erro de apreciação da prova?
Lê-se no art. 607º, nº 5 do NCPC que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, de forma consentânea com o disposto no Código Civil, nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).
Contudo, a livre apreciação não abrange “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (2ª parte do nº 5 do art. 607º do NCPC).
Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do NCPC, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do NCPC, aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do NCPC), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do NCPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do NCPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do NCPC).
Importa, porém, não esquecer porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que a faculdade, detida pela Relação, do poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usada quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte[24].
Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a ser, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Realça-se que, é entendimento reiterado na jurisprudência que a exigência legal a que respeita a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC impõe ao recorrente a indicação dos concretos meios probatórios que evidenciam o erro de julgamento e assim impõem uma decisão diversa para cada um dos factos impugnados [25].
Assim, na discordância com a fundamentação da matéria de facto elencada na sentença e em sede de recurso, cabe à recorrente indicar expressamente os concretos meios probatórios.
A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes a reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.
Tendo em conta o entendimento por nós expresso, conforme à reiterada corrente jurisprudencial vinda de citar, quanto ao ónus de impugnação que sobre os Apelantes recaía de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos factos impugnados, quanto à enunciada questão, serão apreciados apenas os meios de prova especificamente elencados.
Reitera-se que os únicos factos objecto de impugnação são os 23º, 24º, 26º, 30º e o facto que foi julgado como não provado e que os recorrentes pretendem que passe a constar do rol dos factos provados, sob o nº 33.
1ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma impunha que:
a) Deve o ponto 23 dos factos provados ser revogado e substituído por outro com a seguinte redacção: “23. A Autora destinava as fracções do prédio controvertido e venda, propondo, a quem tinha algum sinal anteriormente prestado, um valor de venda justo que seria abaixo do valor de mercado”?
Na resposta ao ponto 23. a 1ª Instância fundamentou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas T1 e T2, tendo dado como provado que: “Se esta fracção autónoma designada pela letra G não estivesse ocupada pelos Réus, a Autora teria diligenciado por obter a correspondente licença de utilização, na mesma ocasião em que o fez para as outras fracções autónomas acima identificadas sob o ponto 18 e poderia ter colocado a fracção no mercado de arrendamento”.
Reproduzindo-se os depoimentos gravados das duas testemunhas, dos mesmos não resulta que a Autora destinava as fracções do prédio controvertido a venda, propondo, a quem tinha algum sinal anteriormente prestado, um valor de venda justo que seria abaixo do valor de mercado.
O que resulta é que a Autora tentou diligenciar por obter a licença de utilização, tendo antes disso de obter as necessárias certificações de água, luz e gás e, se a fracção não estivesse ocupada pelos Réus podia tê-la arrendado ou vendido.
Sendo o fim último da Autora a venda das fracções, por um lado, já por outro o arrendamento não estaria fora da equação, como decorre expressamente do depoimento da testemunha T1.
b) - Deve o ponto 24 dos factos provados ser revogado e substituído por outro com a seguinte redacção: “24. Caso a Autora viesse a destinar a fracção G ao mercado de arrendamento, qualquer arrendamento não poderia ocorrer antes de um mês a contar da data da concessão da licença de utilização, para o que antes seria necessário realizar a obras necessárias e obter as competentes certificações”?
O ponto 24. Refere que “24. Caso assim sucedesse, no prazo de um mês, a fracção em apreço poderia ser dada de arrendamento. ” E a 1ª Instância fundamentou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas T1 e T2.
Ora reproduzidos os depoimentos gravados dessas testemunhas deles não resulta que se possa considerar provada a versão apontada pelos Réus, tanto mais que, uma vez que as testemunhas em causa nunca entraram na fracção dos autos e desconhecem o estado em que a mesma se encontrava, é impossível chegar à conclusão de que faltava fazer obras na referida fracção. Tanto mais que da globalidade dos depoimentos resulta que algumas fracções estavam praticamente prontas e outras não.
Por outro lado, sendo facto notório a elevada procura de casas para arrendar e os preços altos que os arrendamentos atingem, é fácil chegar à conclusão, face aos depoimentos das testemunhas T1 e T2 que a fracção seria arrendada “de um dia para o outro”. E, caso estivesse devoluta ou caso os Réus tivessem permitido a entrada dos funcionários da Autora a fim de fazerem as legais certificações, a obtenção da licença de utilização seria rápida como o foi para as outras fracções.
c) Nada nos autos permite assentar que “26. No mercado de arrendamento, uma fracção autónoma com estas características poderia ser arrendada pelo valor de 1000,00 euros mensais”, razão pelo que o Tribunal fez errada apreciação da prova, designadamente a gravada, e, consequentemente, uma errada aplicação do direito, pelo que se deve determinar a revogação do ponto 26 dos factos provados?
Relativamente à factualidade enunciada no ponto 26. a 1ª Instância fundamentou também a sua resposta com base nos depoimentos das testemunhas T1 e T2.
Ora, dos depoimentos destas testemunhas resulta que a fracção dos autos tem a tipologia T3, e tem uma arrecadação e dois lugares de garagem, pelo que, face aos preços praticados na zona, atingiria mais de 1.000,00€/mensais se fosse arrendada.
d) O ponto 30 dos factos provados ser revogado e substituído por outro com a seguinte redacção: “30. Para efeitos da cláusula “Décima Terceira” deste mesmo “Acordo”, ao imóvel controvertido não foi atribuída licença de utilização antes de 31 de Dezembro de 2010, mas tal circunstância não determinou que o acordo de 26 de Julho de 2006 se considerasse imediatamente resolvido nem gerou a obrigação de o R. e EM entregarem o fogo, livre e devoluto, até 31 de Março de 2011”.
Ora, o ponto 30 dos factos provados refere que “Conforme cláusula “Décima Terceira” deste mesmo “Acordo”: Caso seja impossível, por qualquer facto não imputável ao Banco conseguir o licenciamento definitivo das construções a executar no imóvel junto da Câmara Municipal da Amadora até ao dia 31 de Dezembro de 2010, o presente acordo considerar-se-á imediatamente resolvido, sem lugar a qualquer compensação entre os outorgantes, obrigando-se, ainda, os Segundos Outorgantes (aqui Réu e EM) a entregar ao Primeiro Outorgante (Banco Santander Totta S.A.) o fogo antes referido, livre e devoluto até 31 de Março de 2011.”
A 1ª Instância fundamenta a resposta a este ponto 30 do seguinte modo: “O que consta dos pontos 28 a 30 baseou-se fundamentalmente no teor do documento junto aos autos a fls. 148 a 153, que se relevou.”
Como ainda se refere na sentença recorrida “Rigorosamente nada, fruto de toda a prova produzida ou junta aos autos transmitiu qualquer espécie de indício de que não fosse viável a obtenção de licença de utilização para a fracção autónoma objecto dos autos”.
Ora a prova produzida tem por objecto a resposta a factos e não a conclusões. E por outro lado, o que decorre da mesma é o que consta do teor do documento (acordo) outorgado entre o Réu e o Banco Totta, S. A., supra referido.
É impossível extrapolar que o acordo celebrado não tivesse gerado a obrigação de entrega da fracção, uma vez que isso é exactamente o contrário do que consta do documento e os Réus não produziram qualquer prova que possa confirmar a versão que pretendem ver provada.
e) Deverá ser aditado como ponto de facto não provado que: “1. A obtenção da licença de utilização antes de 31 de Dezembro de 2010 era viável, e a sua não emissão antes dessa data por parte da autarquia não se deveu a facto não imputável ao Banco”?
É manifesto que face à prova produzida, se desconhece se a obtenção da licença de utilização era ou não  viável antes de 31 de Dezembro de 2010, uma vez que se desconhece o concreto estado da fracção. Por outro lado, a não emissão da licença se deveu ou não a facto imputável ao Banco é uma conclusão e não um facto. Para se chegar a tal conclusão deveria a parte ter alegado factos concretos.
e) O Tribunal a quo terá pressuposto que a fracção actualmente designada pela letra G, não seria habitável e, em consequência deu como não provado que “1. A JJ, Lda. operou a tradição da fracção ao Réu e a sua mulher com a entrega das chaves na época da celebração do contrato promessa de compra e venda”?
O facto não provado deve ser suprimido e, ao invés, deve ser aditado um novo facto provado com a seguinte redacção: “33. A JJ, Lda., á época da celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 3 de Dezembro de 1999, entregou as chaves da fracção que viria a ser designada pela letra “G” ao Réu BB e a EM, sua então mulher”.
Com efeito, a 1ª Instância considerou não provado que “A JJ, Lda. operou a tradição da fracção ao Réu e a sua mulher com a entrega das chaves na época da celebração do contrato promessa de compra e venda”.
E fundamentou-se na mesma o seguinte: “Nenhuma das testemunhas ouvidas afirmou este facto ou revelou saber que assim foi; ao que acresce que mesmo o documento junto aos autos a fls. 146 e que se denomina de “Contrato Promessa de Compra e venda” aparentemente celebrado entre o ora Réu e a “JJ, Lda.”, datado de 3 de Dezembro de 1999, refere que o prédio se encontra em construção; nada referindo quanto à tradição, nessa fase, da fracção (que não se encontraria construída nem constituída como tal) para o aqui Réu, nem quanto à entrega de qualquer chave.
Acresce que o documento junto aos autos pelo Réu referente ao acordo que terá vindo a ser outorgado com o proprietário seguinte do prédio (o Banco Santander Totta) ainda refere, nessa data, em 26 de Julho de 2006, que os trabalhos de construção dos edifícios se mostram inacabados e com inúmeros trabalhos ainda por realizar (cfr. o considerando i).
Nestes termos, constata-se que não se mostram coligidos elementos de prova que permitam dar esta precisa afirmação como real, de forma que se desconhece, quando exactamente, a que título e em que circunstâncias o Réu passou a ocupar (como se mostra assente) o espaço da fracção em apreço.”
Com efeito, quanto a esta situação em concreto, o Tribunal apenas dispõe do documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”. E dali nada consta relativamente a encontrar-se ou não a fracção totalmente acabada nem nada consta relativamente à “tradição da coisa”. Nenhuma das testemunhas mencionadas pelo Recorrente demonstrou algum conhecimento dos factos passados entre o Réu e a “JJ, Lda.” nem a que título este começou a residir na fracção em causa.
Não tendo sido produzida qualquer prova, não pode o Tribunal chegar à conclusão pretendida pelos Recorrentes.
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2ª - O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais consideradas, isto é, existiu erro na aplicação do direito aos factos ?
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação da convicção, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.” [26]
Com efeito, a Relação não pode usar o seu poder indiscriminadamente mas apenas quando se constate sem qualquer dúvida que a convicção do juiz a quo foi formada de forma errada ou ilógica, violando regras de raciocínio, experiência ou ciência, ou não se alinhando com as provas apresentadas ou outros factos já estabelecidos. Em suma, deve-se demonstrar que a formação da convicção do tribunal foi viciada, pois não se guiou pelos princípios da lógica e da experiência, ou ignorou as provas ou outros factos dados como provados no processo.
Uma vez que, nos termos supra expostos, se conclui pela inexistência de qualquer anormalidade na formação da convicção do Juiz a quo e se decide manter a factualidade apurada na 1ª instância, não há qualquer modificação da decisão de mérito a efectuar.
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Entende este colectivo que em sede do alegado nas als. P) e Q) das conclusões do recurso estamos única e exclusivamente perante a apreciação de factos à luz do direito.
Aliás, tanto assim é, que os Recorrentes não indicam qualquer facto concreto que seja impugnado (art. 640º, nº 1, al. a) do NCPC), antes reproduzem trechos da motivação da sentença recorrida com que não concordam mas que não podem manifestamente ser objecto de impugnação factual. Os recorrentes entendem que deve ser extraída conclusão distinta daquela que foi alcançada em 1ª instância sobre as questões factuais indicadas nas alíneas P) e Q) das conclusões, mas, sempre, no plano jurídico, independentemente de falarem em erro na apreciação da prova, confundindo uma e outra das questões, de natureza bem distinta, e tanto assim é, que não cumprem quanto a tal matéria o ónus do art. 640º, nº 1, al. c), do NCPC, ou seja, não indicam decisão diferente da recorrida no plano puramente factual.
Em consequência, aquelas duas questões têm de ser analisadas apenas em sede de mérito.
Ao afirmar que a fracção “G” poderia ser arrendada “desde a data em que cada um dos Réus foi citado para a presente acção judicial, acrescido de juros de mora vencidos” (cfr., 4º parágrafo de fls. 26 da sentença), não ocorre a sentença em qualquer erro.
Se os ora Recorrentes há bastantes anos que habitavam a fracção dos autos, é óbvio que a mesma poderia ter sido arrendada caso estivesse devoluta (pois tal teria permitido obter as legais certificações), o que, face ao teor do Acordo celebrado entre o ora Recorrente e o Banco Santander Totta, já deveria ter ocorrido muito antes da citação dos Réus [27].
Aliás, decorre da matéria factual que a Autora, após a compra do imóvel, realizou obras e diligenciou por obras que se mostraram necessárias a obter os licenciamentos legais.
Com efeito, sendo a Autora a proprietária do imóvel desde 30.09.2016, logo aquando da compra do mesmo poderia ter diligenciado pela obtenção dos licenciamentos e certificações legais também relativamente à fracção “G” agora em causa, só não o tendo feito devido à oposição dos Réus, ora Recorrentes.
Assim, à data das citações é manifesto que, considerando o lapso temporal decorrido, poderia a Autora ter arrendado a fracção em causa. Note-se que, relativamente às outras fracções, a Autora obteve a licença de utilização por despacho de 30.03.2020 e Alvará de Utilização n.º 14/20 emitido pela Câmara Municipal da Amadora com data de 04.05.2020.
Insurgem-se também os Recorrentes quanto ao momento em que a sentença define como início do cômputo da indemnização por privação do uso e do cálculo dos juros de mora, ou seja a data da citação do R., ora Recorrente.
E referem os Recorrentes que só a partir de 8 de Abril de 2023 a Autora poderia dar início a quaisquer obras e obter as certificações necessárias e a competente licença de utilização, porque, até aí o Recorrente não estava vinculado a entregar-lhe a fracção.
Não se compreende a referência dos Recorrentes a 08.04.2023, a não ser por ser essa a data da citação da Ré.
Porém, os Réus encontravam-se a ocupar a fracção sem qualquer título que o legitimasse em data muito anterior à data das citações, pelo que já deveriam ter procedido à entrega da mesma ao seu legítimo proprietário em data muito anterior e não apenas aquando da citação da Ré.
Aliás, tal resulta expressamente do teor do “Acordo” celebrado entre o Réu e o Banco Santander Totta, “Conforme cláusula “Décima Terceira” do mesmo “Acordo”: Caso seja impossível, por qualquer facto não imputável ao Banco conseguir o licenciamento definitivo das construções a executar no imóvel junto da Câmara Municipal da Amadora até ao dia 31 de Dezembro de 2010, o presente acordo considerar-se-á imediatamente resolvido, sem lugar a qualquer compensação entre os outorgantes, obrigando-se, ainda, os Segundos Outorgantes (aqui Réu e EM) a entregar ao Primeiro Outorgante (Banco Santander Totta S.A.) o fogo antes referido, livre e devoluto até 31 de Março de 2011”.
Ora, não lograram os Réus, ora Recorrentes, provar que o licenciamento definitivo das construções não foi obtido por facto imputável ao Banco. De modo que o acordo se tem de considerar resolvido e obrigados os ali Segundos Outorgantes a entregar a fracção, livre e devoluta até 31 de Março de 2011.
Com efeito, a propriedade do imóvel em apreço mostra-se inscrita, na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Amadora, freguesia da Brandoa, em nome da ora Autora por ter sido adquirida por compra ao Banco Santander Totta, S.A.” (Ap. 559 de 2016/10/04) e não se mostrando registado qualquer ónus a favor dos réus, não se tendo, além disso, provado que, nem à data da celebração do contrato promessa com a “JJ, Lda.”, nem posteriormente, ocorreu a tradição da coisa, ou seja, a entrega das chaves da fracção autónoma designada pela letra “G”, aos Réus, é pois manifesto que estes ocupam a dita fracção autónoma sem deter qualquer título que o legitime. Aliás, tal decorre expressamente até do clausulado do “acordo” celebrado entre o Banco Santander Totta e os Réus, datado de 26 de Julho de 2006.
No acórdão do STJ de 30.09.2010 [28], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.
Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável.
Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.
No caso presente, encontramo-nos perante uma acção de reivindicação:
a) cuja causa de pedir é integrada:
- pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada; e,
- pela violação desse direito pelo reivindicado (possuidor ou mero detentor da coisa reivindicada); e,
b) cujo pedido consiste:
- no reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa; e;
- na condenação do reivindicado a restituir-lhe a coisa reivindicada.
A leitura da petição inicial, não deixa dúvidas que a autora:
a) alega:
- ser a proprietária da fracção;
- que os réus ocupam a fracção sem qualquer título válido para o efeito;
b) pede, além do mais, que os réus sejam condenados a restituir-lhe a fracção.
Assim, a presente acção não em por objecto qualquer contrato, seja contrato-promessa, de arrendamento, seja de outra natureza, sua validade ou invalidade, sua renovação ou caducidade, e por aí fora.
Vista a causa de pedir e conhecido o pedido, dúvidas, pois, não se suscitam que estamos perante uma acção de reivindicação.
Com efeito, nos termos do disposto no art.º 581.º, n.º 4, 2.ª parte, do NCPC, nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real - no que constitui a consagração legal da teoria da substanciação.
Adentro das acções reais, a reivindicação é uma acção específica que se caracteriza pela pretensão de ver efectivado o direito à entrega de uma coisa, com fundamento no direito de propriedade sobre ela.
A reivindicação tem, no nosso direito positivo, a natureza duma pretensão do proprietário não possuidor contra um possuidor não proprietário, e essa pretensão decompõe-se em duas providências: reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante e restituição da coisa reivindicada.
Reconhecido aquele direito, não pode recusar-se-lhe a segunda, e o possuidor terá então de restituir a coisa possuída ao proprietário.
É o que se estabelece no art.º 1311.º, n.º 2 do C. Civil, onde se declara que, “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”.
Casos previstos na lei serão, desde logo, os excepcionalmente previstos nas hipóteses legais dos artºs. 754.º, 755.º ou 1323.º, n.º 4 do C. Civil.
Mas não é apenas nesses casos que o possuidor não proprietário poderá recusar a restituição, pois, como tem sido reconhecido pela doutrina, o possuidor poderá “contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade do autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário, credor pignoratício, etc.)” [29].
O pedido de reconhecimento do direito de propriedade que se invoca não é mais do que o mero antecedente ou pressuposto do pedido de restituição, o que significa ser um só, do ponto de vista substancial ou material, que não formal, o pedido.
Com isto se significa que há apenas uma cumulação aparente de pedidos - o de reconhecimento do direito de propriedade invocado (formal) e o de entrega da coisa sobre que incide (substancial ou material) [30].
Tanto assim é, que a falta do pedido de reconhecimento do direito de propriedade não é decisivo para o destino da acção, uma vez que, invocado esse direito, aquele está implícito no da entrega [31].
Isto não obsta, contudo, a que ocorra uma cumulação real de pedidos, a saber, o da entrega e o de indemnização, tal como o consente o art.º 555.º, n.º 1 do NCPC [32].
“Há na acção de reivindicação um individuo que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um detentor ou possuidor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade e há, finalmente, um fim, que é constituído pela declaração de existência da propriedade e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide” [33].
Com efeito, na acção de reivindicação cabe ao A. demonstrar a propriedade da coisa que possui. Incumbe ao R., por sua vez, a prova de que detém ou possuiu a mesma coisa com a coberto da lei, sendo porque uma relação obrigacional ou real lhe confere a detenção ou posse legítima da mesma coisa, ou porque aquela lhe faculta a simples recusa da restituição, como é o caso do direito de retenção ou seja para evitar a restituição da coisa os Réus deverão conseguir demonstrar uma de três coisas:
- que a coisa lhes pertence, por qualquer dos títulos admitidos em direito;
- que têm sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse;
- que detêm a coisa por virtude de direito pessoal bastante [34].
A verificação de qualquer uma destas circunstâncias incumbe aos Réus provar, por força do disposto nos art.ºs 342.º, n.º 2 e 1311.º, n.º 2 do Cod. Civil, como, aliás, já se aludiu.
Não se esgota aqui, contudo, a actividade processual exigida ao demandante, pois o sucesso da presente acção depende ainda da conclusão de que os Réus ocupam a aludida fracção sem título - a causa de pedir em acção de reivindicação é de natureza complexa, compreendendo tanto o acto ou o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação sem título em que se apoie.
É exactamente o que sucede no presente caso:
a) em que a autora:
- alega ser proprietária da fracção;
- alega que os réus ocupam a fracção sem qualquer título válido para o efeito;
- pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a fracção;
- pede a condenação dos réus na restituição da fracção;
É questão isenta de dúvidas o reconhecimento da autora como proprietária da fracção reivindicada.
A autora pede ainda que os réus sejam condenados a restituir-lhe a fracção.
Essa pretendida restituição apenas poderia ser evitada caso os réus provassem dispor de um título legítimo válido para possuírem ou deterem a fracção, nos termos do art. 1311.º CC. Prova essa que não foi feita.
Assim sendo, e uma vez que ocupando a fracção sem qualquer título que o legitime não beneficiam os Réus de direito de retenção, devendo, portanto, proceder à restituição da fracção à Autora. A autora tem, por isso, inequivocamente, direito a ver os réus condenados a restituírem-lhe a fracção.
É forçoso concluir que inexistiu qualquer erro de julgamento, tendo a 1ª Instância aplicado correctamente o direito aos factos que resultaram provados.
Correcta, pois, a douta decisão recorrida.
*
4. Do abuso de direito.
Nas suas conclusões vêm ainda os Recorrentes invocar que a propositura da presente acção vários anos após todas as negociações entre as partes, sem que nunca tivesse ocorrido qualquer interpelação ao R.-Recorrente, excede manifestamente os limites da boa-fé, pelo que é ilegítima (cfr., art. 334º do Cód. Civil), por constituir abuso de direito, que corresponde à situação de quem litiga sem qualquer direito.
E alegam igualmente que o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova.
Além de tal argumentação assentar numa contradição, ou seja, a comprovada existência de vários anos de negociações e a alegada falta de interpelação ao Recorrente, somos de entendimento que esta é uma questão nova, que não foi submetida à apreciação da 1ª Instância.
Com efeito, e como já decidiu o S.T.J. em acórdão de 08.10.2020 [35], “I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.” [36].
Lê-se na fundamentação daquele aresto que são de excluir dos recursos “os meros argumentos ou raciocínios expostos na defesa da tese de cada uma das partes, visam modificar apenas as decisões de que se recorre, e não criar decisões sobre matéria nova, e não é lícito invocar neles questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas.
As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida [37].
I - Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas, podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
II – Ou seja, os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (excepto se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu.” [38]
Embora o abuso de direito (artigo 334.º do CC) possa ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não esteja vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova (artigo 608.º, n.º 2, do NCPC) esse conhecimento oficioso do abuso de direito não é ilimitado pois a oficiosidade não pode ir para além dos factos que foram alegados e controvertidos e que constituem o objecto do processo pois é dentro dos limites traçados pelos articulados que se desenvolve a actividade cognitiva e decisória do tribunal, o que traduz aquilo a que podemos chamar uma espécie de “vinculação temática” decorrente da autonomia e auto responsabilidade das partes [39].
O abuso do direito está consagrado como figura geral no artigo 334.º do CC que preceitua “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito”.
“Cada direito subjectivo tem os limites da sua própria definição, isto é, os limites decorrentes das faculdades e outras situações jurídicas cujo conjunto integra o conteúdo do direito, desenhado pela lei ou pelo negócio jurídico” [40].
A atribuição de um direito subjectivo pelo direito objectivo não concede que o beneficiário da atribuição possa exercê-lo de qualquer modo.
Os membros da comunidade jurídica devem agir segundo a boa fé, isto é, devem adoptar um comportamento de correcção e probidade, tanto na constituição das relações entre eles como no desempenho das relações constituídas (cfr. artigos 227.º, 334.º e 762.º, do CC).
A boa fé a que se refere o preceito do artigo 334.º do C. Civil traduz-se na regra de conduta segundo a qual “o sujeito de direito deve actuar como pessoa de bem, honestamente e com lealdade” [41].
A boa-fé (normativa), referida no artigo 334.º citado, não é mais que uma regra de conduta, que impõe às pessoas um dever de agir com lealdade, correcção e honestidade ou, por outras palavras, é uma regra que impõe aos sujeitos o dever de lealdade nas relações, procedimento honesto, evitando causar lesão na esfera jurídica alheia e colaborando na realização ou, ao menos, não frustrando a satisfação das legítimas expectativas de outrem que fundadamente confiou em determinada conduta e nela assentou a sua actuação e investimento (protecção da confiança).
Os bons costumes traduzem-se “no conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comumente” [42]; constituem o “conjunto de regras morais aceites pela consciência social” [43] de certa comunidade jurídica, consciência essa variável e contingente por natureza.
Para determinar se certa pessoa agiu de boa fé e sem ofensa dos bons costumes há que fazer apelo às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, em determinado espaço e tempo e no círculo social em que o direito é exercido.
“Com a reprovação do abuso do direito procura-se que se não desvirtue o verdadeiro sentido da norma abstracta” [44] que o confere; procura evitar-se o exercício anormal, em termos reprováveis, do direito próprio, só formalmente adequado ao direito objectivo.
O abuso de direito é de conhecimento oficioso.
Mas o conhecimento oficioso do abuso de direito não é ilimitado.
Tal conhecimento tem sempre o limite da realidade factual dos autos, ou seja, do objecto do processo.
É dentro dos limites traçados pelos articulados que se desenvolve a actividade cognitiva e decisória do tribunal, o que traduz aquilo a que podemos chamar uma espécie de “vinculação temática” decorrente da autonomia e auto responsabilidade das partes.
Sabemos que, o objecto do processo corresponde ao conjunto das questões jurídicas sobre as quais o tribunal é chamado a pronunciar-se e identifica-se por referência aos factos a que se reportam as questões submetidas a julgamento e à qualificação que as normas de direito fazem desses factos.
Os limites nessa temática estão presentes na delimitação dos factos passíveis de levar em conta, na medida em que, os factos não alegados pelas partes podem ser considerados pelo juiz, desde que sejam factos instrumentais que resultarem da instrução da causa (n.º 2, alínea a), do artigo 5.º), ou sejam complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, quando resultarem da instrução causa.
Ou seja, o limite é sempre o alegado pelas partes, a forma como “desenharam” o litígio.
Como referem, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [45], “o conhecimento oficioso da norma jurídica está dependente da introdução na causa dos factos aos quais o tribunal a aplica, devendo sempre distinguir-se o plano dos factos, em que vigora, mesmo em matéria de direito processual, o princípio do dispositivo, e o plano do direito, em que a soberania pertence ao juiz, sem prejuízo ainda, no que ao direito material se refere, de o conhecimento oficioso se circunscrever no domínio definido pelo objecto do processo”.
Embora o abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) possa ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não esteja vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova (artigo 608.º, n.º 2, do NCPC) a oficiosidade não pode ir para além dos factos que foram alegados e controvertidos, pois a menção de novas razões de facto constituiria grosseira violação do princípio do contraditório, conjugado com o princípio da preclusão que resulta do artigo 489.º, nº 1, do NCPC [46].
Com efeito, a aplicação do abuso de direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos, salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso de direito devem estar compreendidas no pedido feito ao tribunal, em virtude do princípio dispositivo.
Significa isto que, não obstante ser o abuso de direito de conhecimento oficioso, não pode tal instituto ser apreciado à luz de factos não provados e de factos novos ou documentos novos que visam a alteração da matéria de facto, vedada, à apreciação do Tribunal de recurso.
Neste mesmo sentido, se decidiu no Acórdão do STJ de 28/11/2013, [47]considerando que “o abuso de direito (artigo 334.º do CC) pode ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova (artigo 660.º do CPC/artigo 608.º, n.º 2, NCPC) mas isso não significa que o Tribunal considere ocorrido o abuso de direito à luz de factos que não foram alegados nem se podem considerar adquiridos nos autos”.
Poder-se-á, pois, dizer que o abuso de direito pode ser oficiosamente conhecido, ainda que, apenas, invocado nas alegações de recurso, mas a verdade é que o conhecimento oficioso não prescinde da alegação e prova da factualidade que se integre em tal conceito jurídico”, pelo que, para esse feito, é necessário que o tribunal disponha da factualidade pertinente, alegada pelas partes nos respectivos articulados.
Significa isso que, para que se possa conhecer o abuso de direito será sempre necessário que esteja alegada e demonstrada a respectiva factualidade.
O facto de ser do conhecimento oficioso não significa prescindir da alegação dos factos que o integre [48].
“O abuso do direito (cf. art. 334º do C.Civil) pode ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal ainda que a sua invocação constitua questão nova, mas isso não significa que o Tribunal considere ocorrido o abuso do direito à luz de factos que não foram alegados nem se podem considerar adquiridos nos autos.” [49]
Este é um entendimento que cremos ser inteiramente pacífico quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Nesse sentido já foi doutamente sublinhado que “a aplicação do abuso de direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos, salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso de direito devem estar compreendidas no pedido feito ao tribunal, em virtude do princípio dispositivo” [50].
Assim como que “O abuso do direito (art. 334.º do CC) pode ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal ainda que a sua invocação constitua questão nova (art. 660.º do CPC) mas isso não significa que o Tribunal considere ocorrido o abuso do direito à luz de factos que não foram alegados nem se podem considerar adquiridos nos autos.” [51]
É certo que, como refere Daniel Bessa de Melo, “o abuso de direito implica que não possa ser ultrapassado o limite ético-jurídico imprescindível ao Direito” [52].
Porém, tal não pode significar a averiguação, pelo tribunal, dos motivos que levaram ao Autora intentar a acção e à sua qualificação ética para afastar um direito.
Esta posição conduziria ao absurdo de o abuso de direito poder ser decorrente de uma valorização subjectiva na esfera da ética com a inerente, ilimitada e de perigosa arbitrariedade.
Mais uma vez, citando Daniel Bessa de Melo [53]:
“Seria prejudicial para a interacção societária – além de ser mais um eflúvio de litígios para um sistema judiciário já sobrecarregado – que, numa reevocação do direito pretoriano, cada atributo jurídico pudesse e devesse ser escalpelizado pelo juiz à luz de valorações poucas vezes transparentes e objectivas; em tal caso, indesejado resultado de uma hipertrofia da actividade judicativa, a lei geral e abstracta apenas se tornaria num indício de juridicidade carente de ser infirmada ou corroborada pelo aplicador do Direito. Não é este o sentido do instituto do abuso – não se pretende cometer ao juiz, para além da tradicional função jurisdicional, uma espécie de para-função ética (no que respeita aos bons costumes e à boa fé) e política (no que diz respeito à função económica ou social dos direitos) (…) o legislador sapientemente introduziu várias cautelas: a segurança jurídica – ela mesma condição para o exercício da autonomia privada – só poderá ceder perante exigências de justiça material quando a injustiça proveniente do exercício for clamorosa, indeclinável e evidente, ou seja, quando bulir com a axiologia imanente do sistema jurídico e não com o zelo pessoal do juiz; a autoridade formal do legislador apenas deverá ser levantada naqueles casos atentatórios da própria razão de ser da sua autoridade. Ao contrário do que alguns possam achar, não há uma verdadeira oposição entre Direito e Ética, mas sim uma contenda entre a generalidade e abstração dos comandos jurídicos, por um lado, e os próprios cânones sistemáticos do ordenamento jurídico, por outro”.
Ora os Recorrentes apresentam dois factos novos, para integrar essa questão de abuso de direito, que não haviam alegado na sua contestação:
1º - que as negociações entre as partes (Autora e Réu) duraram vários anos;
2º - sem que nunca tivesse ocorrido qualquer interpelação ao Réu.
O Tribunal da Relação não tem de se pronunciar sobre questões novas suscitadas salvo as que sejam de conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2 e 627º nº 1 do NCPC).”
Assim já decidiu a Relação do Porto em acórdão de 05.12.2024 [54], “Os factos novos de que a parte não fez oportunamente uso no processo, não podem ser trazidos por ela aos autos apenas em sede de recurso.”
Perante tal pretensão e dado o seu evidente interesse para a resposta a dar à mesma, temos como relevante transcrever aqui o que foi feito constar no acórdão da Relação do Porto de 21.03.2019 [55] e que foi o seguinte:
Constata-se que estes factos que o Recorrente pretende que sejam aditados à decisão de facto não correspondem a factos por si alegados, nem na petição inicial, nem em qualquer articulado superveniente a que o tribunal deva responder, à luz do disposto no art.º 607.º n.º 4 do C.P.C.
Na decisão sobre a matéria de facto, em primeira linha, o tribunal deve ter em conta os factos alegados pelas partes nos seus articulados com interesse para a decisão da causa, sendo sobre eles que primordialmente vão incidir os meios de prova. Os factos novos de que a parte não fez oportunamente uso no processo, não podem ser trazidos por ela aos autos apenas em sede de recurso.
Há que ter em conta o art.º 5.º do C.P.C. que a respeito do ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, dispõe:
“1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3. O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”
O legislador veio no Novo Código de Processo Civil e com o teor deste art.º 5.º mitigar de alguma forma o princípio do dispositivo anteriormente contemplado no art.º 264.º do C.P.C., ampliando os poderes oficiosos de cognição do tribunal relativamente aos factos instrumentais e complementares que resultem da discussão da causa, desde que relativamente a estes seja observado o princípio do contraditório, numa orientação que pretende uma prevalência da verdade material sobre o formalismo processual.
Importa no entanto ter em conta, tal como nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/09/2015, no proc. 819/11.7TBPRD.P1.S1 in. www.dgsi.pt.: “Atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório. Na verdade, continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa (art.º 264º/1 do ACPC- 5º do NCPC). Certo é, porém, que - para além da atendibilidade dos factos notórios e daqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art.º 514º ACPC 412º NCPC), - o juiz tem agora a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. Esta simples afirmação logo aponta para uma evidente conclusão: a de que, relativamente aos factos instrumentais - ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais (à procedência da pretensão do autor e à procedência da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu), relativamente aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes - o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova.”
Os factos essenciais que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções, continuam a ter que ser alegados pelas partes nos seus articulados, nos termos do n.º 1 do referido art.º 5.º do C.P.C.
Apenas os factos instrumentais e complementares que resultem da discussão da causa podem ser adquiridos pelo juiz para os autos, desde que, relativamente a estes, tenha sido observado o contraditório, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
Os factos instrumentais são aqueles que indirectamente podem vir a revelar os factos essenciais ou constitutivos do direito, servindo para os demonstrar. No dizer do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/06/2007 no proc. 2647/2007-6 in www.dgsi.pt “Facto meramente instrumental é aquele que só indirectamente pode interessar à solução do pleito por servir para demonstrar a verdade ou a falsidade dos factos pertinentes, não sendo essencial à procedência da pretensão do Requerente, inserindo-se na categoria dos factos que não pertencendo à norma fundamentadora do direito apenas serve para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito – factos constitutivos.”
Já os factos complementares, como o próprio nome indica são aqueles que representam um complemento ou concretização dos factos essenciais que as partes alegaram.
Neste sentido, os factos que podem ser considerados pelo juiz no âmbito da decisão da matéria de facto são, para além daqueles que foram alegados pelas partes nos seus articulados, os factos instrumentais e complementares com interesse para a decisão, que resultem da discussão da causa desde que, relativamente a estes, tenha sido observado o contraditório.
O facto que o Recorrente pretende ver aditado com respeito ao agora invocado pagamento de uma parte do valor da dívida pela H..., corresponde a um facto essencial face à pretensão por ele deduzida, que não foi por si alegado.
É certo que o tribunal não está limitado aos factos que as partes alegam nos seus articulados, como se referiu, podendo socorrer-se ainda dos factos instrumentais que são aqueles que servem para revelar outros factos essenciais, bem como dos factos que resultem da instrução da causa que sejam factos complementares dos factos alegados, mas desde que dê às partes a possibilidade de sobre eles se pronunciarem, antes do tribunal proferir decisão que os contemple.
Na situação em presença, não estando em causa o aditamento de factos instrumentais dos quais o tribunal é livre de se socorrer e não tendo sido os mesmos invocados pelo Embargante, nem tão pouco foram expressamente introduzidos pelo tribunal ou pelas partes durante a instrução da causa, com vista ao exercício do contraditório, não pode agora em sede de recurso este tribunal proceder ao seu aditamento à matéria de facto provada.”
Pelo exposto, se decide não conhecer da excepção alegada.
*
III - Decisão:
Por tudo o exposto, acordam as Juízas Desembargadoras da 8ª Secção desta Relação em negar provimento ao presente recurso de apelação e consequentemente confirmar a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelos Apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário.
Registe e Notifique.

Lisboa, 09.10.2025
Margarida de Menezes Leitão
Maria Teresa Lopes Catrola
Cristina da Conceição Pires Lourenço
_______________________________________________________
[1] Relatora: Des. Margarida de Menezes Leitão
1º Adjunto: Des. Maria Teresa Lopes Catrola
2º Adjunto: Des. Cristina da Conceição Pires Lourenço
[2] Por opção da Relatora, a Decisão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945.
A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/
[3] REFª: 43445796 de 04.10.2022.
[4] REFª: 43959188 de 22.11.2022.
[5] REFª: 44603585 de 02.02.2023.
[6] REFª: 52367931 de 20.05.2025.
[7] REFª: 52709429 de 23.06.2025.
[8] Despacho de 03.09.2025.
[9] Despacho de 14.07.2025.
[10] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Actualizada, Almedina, 2020, página 183.
[11] LEBRE DE FREITAS, A Ação declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 381.
[12] Porém, esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se - LEBRE DE FREITAS, A Ação declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., pp. 381/2.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.01.1978, BMJ 281-241 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2024, proferido no processo nº 311/18.9T8PVZ.P1S1.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.1987, BMJ 387-456
[15] LEBRE DE FREITAS, A Ação declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 382.
[16] Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais de um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento do art. 615º/1/c, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou “incompreensível” – Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 436/37.
[17] “Para efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615º, nº 1, al. c), 2ª parte, do NCPC, ambígua será a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente; obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido” - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2018, Relatora: Maria da Graça Trigo.
[18] “A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.” Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 764.
[19] Código de Processo Civil Anotado, Vol V, pág. 143. Cfr. Ac.STJ de 7.7.94, in BMJ n° 439, pág. 526 e de 22.6.99, in, CJ STJ II/1999, pág. 161.
[20] Ac. STJ de 21.12.2005, proferido no processo nº 05B2287.
[21] Ac. da Relação de Guimarães de 10.07.2025, proferido no processo nº 8162/24.5T8VNF.G1.
[22] Ac. STJ de 18.11.1982, BMJ 321 (1982), págs. 387-396; Ac. da Relação de Lisboa de 11.12.1986, CJ XI (1986) 5, págs. 153-155 e Ac. do STJ de 07.03.1991, BMJ 405 (1991), págs. 456-464.
[23] Cfr. António Menezes Cordeiro, Da retenção do promitente na venda executiva, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, a.57 n.2(Abr.1997), págs. 547-563.
[24] Ana Luísa Geraldes, Ob. cit., pág. 609.
[25] Cfr. Ac. da Relação do Porto de 08.03.2021, proferido no processo nº 16/19.3T8PRD.P1
[26] Ac. da Relação de Lisboa de 11.09.2025, Proc. 29606/24.0T8LSB.L1 - Relator Des. Teresa Lopes Catrola (ainda não publicado).
[27] O Réu BB foi citado em 3ª pessoa em 20.10.2022 e a Ré MN em 08.04.2023.
[28] Proferido no Proc. nº 341/08.9TCGMR.G1.S2.
[29] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 103.
[30] Neste sentido vcfr. Ac. da RP de 22.10.1991, in CJ IV, págs. 271 e 272.
[31] Ac. da Relação de Coimbra de 20.10.87, in BMJ 370, pág. 619.
[32] Neste sentido, Antunes Varela, in RLJ, anos 115º e 116º, pág. 272, nota 2, e pág. 16, nota 2.
[33] Manuel Rodrigues, in RLJ, 57, pág.144.
[34] Vd. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pág. 848.
[35] Proferido no processo nº 4261/12.4TBBRG-AG1.S1.
[36] Citando, no mesmo sentido os Ac. STJ de 71.193, in CJ STJ 1/93.5; Ac. RL 7.10.93, in CJ 4/93.142; Ac, RL 7.5.87, in CJ 3/87.78; Ac. RL 2.11.95, in CJ 5/95.98, Ac. RL 27.11.81, in CJ 5/81.158, Ac. RP 4.6.87, in CJ 3/87.182 e Ac. RE 7.5.87, in CJ 3/87.265.
[37] Ac. STJ de 04.07.95, CJ STJ 2/95.153.
[38] Ac. da Relação do Porto de 09.10.2023, proferido no processo nº 6263/18.8T8PRT.P1.
[39] Cfr. Ac. Relação de Évora de 16.03.2023, proferido no processo nº 194/20.9T8RMR.E1.
[40] Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 196.
[41] Cunha de Sá, Abuso do Direito, pág. 171.
[42] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª Ed., págs. 62 e 63.
[43] Manuel de Andrade, Teoria Geral Direito Civil, vol. II, pág. 341.
[44] Pessoa Jorge, Ob. Cit., pág. 198.
[45] Em Anotação ao Código de Processo Civil, pág. 41.
[46] Vide neste sentido, Acórdão do STJ de 28 de Novembro de 2013, proc. n.º 161/09.3TBGDM.P2.S1, Relator: Salazar Casanova, Ac. RG, 04-Out.-2018 proc. n.º 1047/14.5TBGMR-A.G1 Relator: Jorge Teixeira e Ac. STJ de 23.10.2014, proc. n.º 5567/06.7TVLSB.L2.S1, Relator: Granja da Fonseca, onde se pode ler com muita pertinência para o nosso caso, o seguinte: «Mas há uma limitação a este princípio do conhecimento ex officio do abuso de direito. Muito embora o abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) possa ser, como é, de conhecimento oficioso, não estando, por conseguinte, vedado o seu conhecimento ao Tribunal, isso não significa que este considere ocorrido o abuso de direito à luz de factos que não foram alegados nem se possam considerar adquiridos nos autos.
Ou seja, “mesmo que se considere que esse fundamento (abuso de direito) é de conhecimento oficioso, será sempre necessário que esteja demonstrada a respectiva factualidade para que o mesmo possa ser apreciado”.
[47] Proferido no processo nº 161/09.3TBGDM.P2.S1.
[48] Vide Ac. STJ de 21.04.2010, revista n.º 634/05.7.
[49] Ac. da Relação de Coimbra de 07.02.2023, proferido no processo nº 3311/21.8T8LRA.C1.
[50] MENEZES CORDEIRO, in “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, pág. 373.
[51] Ac. do STJ de 28.11.2013, proferido no proc. nº 161/09.3TBGDM.P2.S1
[52] “O abuso do direito: contributos para uma hermenêutica do artigo 334.º do…”, Online, Outubro de 2020, in “Julgar” pág. 31
[53] Ob. Cit., pág. 61
[54] Proferido no processo nº 9375/22.0T8VNG.P1.
[55] Relatado pela Desembargadora Inês Moura, no processo nº2450/16.1T8PRT-A.P1.