Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
104486/21.5YIPRT.L1-2
Relator: JOÃO SEVERINO
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS
CADUCIDADE
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 663.º n.º 7 do C. P. Civil):
I – Para que se possa considerar que o Recorrente deu cumprimento, em termos de impugnação da matéria de facto, ao preceituado no art.º 640.º n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código de Processo Civil, tem aquele de indicar as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas e/ou das declarações de parte em que se funda – não sendo suficiente consignar apenas a data em que tais meios de prova foram produzidos –, ou antes transcrever os trechos daqueles depoimentos ou declarações que na sua ótica possam levar a decisão factual diversa, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte.
II – A nulidade da sentença a que alude o art.º 615.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil apenas se verifica quando ocorra uma falta absoluta de motivação, no sentido de total ausência de fundamentos de direito e/ou de facto.
III – A nulidade da sentença por falta de pronúncia a que se refere o art.º 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil não tem na sua base a obrigatoriedade de o juiz apreciar cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da ação.
IV – A circunstância de não ter sido feita menção a um facto que poderia relevar no âmbito da valoração e aplicação das regras de direito não determina aquela nulidade da sentença por omissão de pronúncia, atenta a circunstância de se estar perante um erro judicial, que não um vício formal, este sim, pressuposto da referida nulidade.
V – Num contrato de transporte marítimo de mercadorias é de um ano o prazo de caducidade para exigir o ressarcimento de danos causados naquelas, atento o estipulado no art.º 3.º n.º 6 da Convenção de Bruxelas de 1924 (Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos).
VI - O prazo de caducidade de dois anos a que alude o art.º 27.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 352/86, de 21 de outubro, apenas tem aplicação subsidiária, limitando-se aos transportes internacionais não subordinados à Convenção de Bruxelas de 1924 e aos transportes internos.
VII – Enquanto que o prazo de caducidade previsto na Convenção de Bruxelas de 1924 conta-se a partir da data da entrega da mercadoria ou da data em que esta deveria ser entregue, e não a partir da data em que foi conhecida a causa de deterioração da mesma, o prazo de caducidade fixado pelo Decreto-lei n.º 352/86, de 21 de outubro, conta-se a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
VIII – Tendo caducado o pedido indemnizatório deduzido pelo contratante do transporte marítimo de mercadoria contra a entidade encarregada deste, não pode o primeiro, por forma a eximir-se à sua responsabilidade de liquidar o valor atinente ao frete, invocar a exceção de não cumprimento do contrato, a compensação, nem a figura do enriquecimento sem causa, por inverificação dos respetivos pressupostos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório:
Abreu – Carga e Trânsitos, Ld.ª, com o N.I.F. 503 142 263, propôs contra AA, com o N.I.F. ... ... ..., ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, pedindo a condenação do segundo no pagamento da quantia global de € 2 258,28.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: foi contratada pelo R. para realizar o transporte, via marítima, de determinadas mercadorias, sendo que a contrapartida pela prestação desse serviço não foi por aquele liquidada, não obstante as diversas interpelações para o efeito.
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O R. deduziu oposição, alegando, em síntese, que o direito da A. está prescrito. E invocou a exceção de não cumprimento do contrato, considerando que a quase totalidade dos bens transportados chegou ao destino danificada, o que acarretou prejuízos.
Paralelamente, o R. deduziu pedido reconvencional, solicitando a condenação da A. a pagar-lhe o montante de € 20 000 correspondente ao lucro que o primeiro obteria com a alienação dos bens danificados.
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Na sequência da dedução do apontado pedido reconvencional foi proferido despacho que transmutou a ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos em ação declarativa comum.
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Mediante sentença datada de 8 de dezembro de 2024 foi decidido: condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 1 948,55, referente à fatura ..., com o valor de € 1 421,20, e à fatura ..., com o valor de € 527,35, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal civil, contados desde a data de vencimento das mesmas e até integral e efetivo pagamento; absolver a A. do pedido reconvencional.
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Inconformada com a apontada sentença, o R. veio apresentar recurso, formulando as seguintes conclusões, que aqui se transcrevem:
“I. Vem o presente recurso, oportunamente interposto da sentença que, nos autos à margem identificados, julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou o Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 1.948,55, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a data de vencimento das facturas em causa, e, por seu turno, absolveu a Recorrida do pedido reconvencional.
II. O presente recurso tem por objecto a totalidade da decisão proferida, tendo em conta o infra alegado, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
III. A sentença é nula, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC, o que se invoca, tudo com as legais consequências
IV. A formulação constante da sentença, reportada ao dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, consiste na mera enunciação dos meios de prova que, na óptica do Tribunal a quo, levaram à sua prova ou ausência de prova, mas sem se perceber porque razão, efectivamente, o Tribunal a quo considerou provada a alegação da Recorrida, em detrimento da versão apresentada pelo Recorrente.
V. O Tribunal a quo limita-se a afirmar que resultou provado determinado facto, com base num determinado documento e/ou depoimento, mas sem que contudo tenha levado a cabo uma apreciação, crítica, da demais prova produzida, toda conjugada.
VI. Por outro lado, o Tribunal a quo também se limita a referir o que o Recorrente e cada testemunha referiu, mas sem explanar a análise crítica de cada uma declarações, de forma a tornar-se perceptível o que levou o Tribunal a quo a atender a uma em detrimento de outra.
VII. E quanto ao facto dado como provado sob o nº 7), a fundamentação é absolutamente inexistente, porquanto o Tribunal a quo limita-se a referir que resulta do depoimento das testemunhas BB, CC, DD e EE, mas apenas quanto ao que corresponde ao facto dado como provado sob o nº 6).
VIII. Uma ausente, deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.
IX. A mera indicação do elemento de prova que está na base da formação da convicção do julgador não permite escrutinar e compreender o seu pensamento e decisão, na medida em que nem sequer permite depreender e perceber a razão de ser da relevância e/ou preponderância de um elemento de prova em detrimento de outro.
X. Neste sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.07.2018, proc. nº 380/17.9BESNT, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.05.2019, Proc. nº 02673/18.9BEPRT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
XI. Assim, pelo exposto, não está devidamente fundamentada a sentença proferida nestes âmbitos, o que se invoca, tudo com as legais consequências.
XII. Sem conceder, caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, como já adiantado supra, foram incorrectamente julgados os factos patentes sob os nºs 6), 7), 13) e 14), da factualidade dada como provada, e os factos sob as alíneas d), e), f), g), h), i), j), k) e l), da factualidade dada como não provada.
XIII. Por força dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB, CC e EE, e as declarações de parte do Recorrente, devidamente conjugados e tendo presente as regras da experiência comum, o facto dado como provado sob o nº 6) deve passar a ter a seguinte redacção, o que se requer:
6) Os serviços da Autora iniciaram-se com o contacto com o fornecedor/expedidor da mercadoria, e o transporte das instalações deste.
XIV. E, pela ausência de prova nesse sentido, deve o facto sob o nº 7) ser eliminado da factualidade dada como provada e transitado para a factualidade não provada, o que se requer.
XV. Por absoluta ausência de prova, quer documental, quer testemunhal, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado a emissão de facturas que pura e simplesmente não constam do processo, nem qualquer prova foi produzida nesse sentido.
XVI. Pelo que, por ausência de prova nesse sentido, deve o facto sob o nº 13) ser eliminado da factualidade dada como provada e transitado para a factualidade não provada, o que se requer, tudo com as legais consequências.
XVII. Tendo o Recorrente impugnado o alegado no requerimento de injunção, não tendo sido junto qualquer documento apto a demonstrar o alegado quanto à referida missiva e posterior recepção pelo Recorrente, e não tendo sido produzida qualquer outra prova, nomeadamente testemunhal, embora se entenda que nem era possível, e também inexistindo prova de contactos telefónicos e existindo apenas um pedido de pagamento por e-mail, da quantia de € 527,35, assim, também por absoluta ausência de prova, e face ao teor do doc. nº 7 junto com o requerimento probatório apresentado pelo Recorrente, em 12.09.2022, não impugnado pela Recorrida, deve a redacção do facto dado como provado sob o nº 14) ser alterada, nos seguintes termos, o que se requer:
14) A Autora, por mensagem de correio electrónico, enviada no dia 07.02.2020, reclamou ao Réu o pagamento da quantia de € 527,35, pagamento que o Réu declinou por ainda não ter recebido resposta à reclamação apresentada quanto à mercadoria danificada.
XVIII. O Recorrente alegou o prejuízo de € 20.000,00 e provou-o.
XIX. Assim, por força da prova documental junta em 28.06.2023, e pelas declarações do Recorrente e da testemunha FF, o facto constante na al. d) da factualidade dada com não provada pelo Tribunal a quo deve passar para a matéria de facto provada, com a seguinte redação, o que se requer:
19) Com a revenda da mercadoria descrita em 11), o Réu obteria um lucro de cerca de € 20.000,00 (vinte mil euros).
XX. No que tange às al. e), f), g) e j) da factualidade dada como não provada, o Recorrente não só alegou, como provou.
XXI. Assim, por força das declarações prestadas pelas testemunhas BB, GG, CC, EE, FF, e as do próprio Recorrente, bem como os doc. nº 2 e 4 do requerimento probatório da Recorrida, de 31.08.2022, e doc. nº 3 a 7 do requerimento probatório do Recorrente, de 12.09.2022, devidamente analisada de forma critica e com respeito pelas regras da experiência comum, nos termos acima descritos, as al. e), f), g) e i) da factualidade dada como não provada, devem passar para a factualidade dada como provada, o que se requer.
XXII. No que concerne à al. h) da factualidade dada como não provada, dá-se aqui reproduzido o referido quanto ao facto 6) da factualidade provada, com a alteração requerida.
XXIII. A prova do que consta da al. k) da factualidade dada como não provada, resulta dos dos. nº 3 a 7 juntos com o requerimento probatório apresentado pelo Recorrente, em 12.09.2022, e que, repita-se, não foram impugnados pela Recorrida.
XXIV. Pelo que a al. k) da factualidade dada como não provada deve passar para a factualidade dada como provada, o que se requer.
XXV. No que respeita à al. l) da factualidade dada como não provada, a sua prova, ainda que com redacção diferente, resulta igualmente do doc. nº 7 junto com o requerimento probatório apresentado pelo Recorrente, em 12.09.2022, novamente, não impugnado pela
Recorrida, na medida em que na única vez que o Recorrente foi interpelado para pagar a quantia de € 527,35, referente ao transporte referido em 4), invocou e solicitou a reparação dos prejuízos por si sofridos.
XXVI. Assim, a al. l) da factualidade dada como não provada, deve passar para a factualidade provada, com a seguinte redacção, o que se requer:
25) O Réu, quando interpelado para pagar a quantia de € 527,35, referido em 14), referente ao transporte mencionado em 4), invocou e solicitou a reparação dos estragos/prejuízos por si sofridos.
XXVII. Por outro lado, o Tribunal a quo omitiu pronuncia quanto a outros factos alegados pelo Recorrente, pelo que, também por esta via, padece a sentença recorrida da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, o que se invoca, tudo com as legais consequências.
XXVIII. Porquanto está em causa matéria essencial e constitutiva do direito que o Recorrente se arroga e reclama e por isso não poderiam ter sido considerados irrelevantes pelo Tribunal a quo.
XXIX. Com efeito, no que diz respeito ao material danificado, cujo transporte até à loja do Recorrente foi contratado e realizado pela Recorrida, o Tribunal a quo não fez constar nem da factualidade dada como provada, nem da dada como não provada.
XXX. E, não obstante o Tribunal a quo, em sede da fundamentação de direito, ter consignado que “Com efeito, resulta da factualidade assente que parte do material cujo transporte a Autora assegurou, chegou ao seu destino estragado: 13 rolos de películas 40cm x 30m, um rolo de carbono, 15 rolos com 500mts de frisos, 10 rolos de 5 m”, cfr. terceiro parágrafo da página 18 da sentença, a verdade é que não consta da factualidade provada.
XXXI. Tal prova resulta da prova testemunhal produzida, nomeadamente das testemunhas CC, DD, EE, FF, as declarações do próprio Recorrente, e dos documentos nºs 2 a 7 juntos com o requerimento probatório apresentado em 12.09.2022, e os documentos juntos na audiência prévia, realizada no dia 28.06.2023.
XXXII. Pelo que, há que ainda que acrescentar à factualidade provada, o seguinte, o que se requer:
26) As 53 embalagens transportadas pela Autora, ao abrigo do transporte mencionado em 4), chegaram ao destino, a loja do Réu, todas danificadas, e, da mercadoria transportada foram entregues irremediavelmente estragados e inutilizáveis 13 rolos de películas 40cm x 30m, um rolo de carbono, 15 rolos com 500mts de frisos e 10 rolos de 5 m.
XXXIII. Demonstrou ainda o Recorrente que os serviços a que a Recorrida se vinculou se iniciaram com o contacto com o fornecedor/expedidor e a carga da mercadoria na origem, cfr. alteração pedida quanto ao facto 6).
XXXIV. Da prova produzida, resulta que quando a mercadoria chegou ao porto, em Portugal, e foi descarregada, nenhum dano apresentava.
XXXV. De igual modo, até ser carregada na carrinha que levou a mercadoria até à loja do Recorrente, ter-se-á que concluir de igual forma, ou seja, que nenhum dano as caixas apresentavam.
XXXVI. Mas, quando a mercadoria foi entregue ao Recorrente, todas as 53 caixas estavam danificadas/amachucadas, e, alguma da mercadoria estragada, impassível de revenda.
XXXVII. Pelo que, verificando-se que inexistiu qualquer ressalva na mercadoria até à entrega na loja do Recorrente, ter-se-á que concluir que os danos foram produzidos no transporte, terreste, do armazém da Recorrida, até à loja do Recorrente.
XXXVIII. Assim, haverá também que aditar à factualidade provada, o que se requer:
27) Até à recepção da mercadoria por parte do Réu, na loja sita no Laranjeiro, nenhuma ressalva da mercadoria ou dano nas embalagens foram assinalados.
XXXIX. Após o Recorrente reportar os danos existentes na mercadoria, a Recorrida limitou-se a declinar a responsabilidade, alegando, por um lado, ausência de seguro, e por outro lado, o deficiente ou insuficiente embalamento.
XL. Sucede que, as testemunhas CC, DD e EE, declararam que, mediante uma reclamação de danos na mercadoria transportada, a Recorrida deveria irá ao local verificar a carga, tendo a testemunha EE acrescentado que é do senso comum ir ver os danos invocados pelo cliente.
XLI. Mas, a verdade é que não aconteceu, e mesmo sem cuidar de verificar a carga, a Recorrida limitou-se a declinar a responsabilidade.
XLII. As testemunhas da Recorrida referiram por diversas vezes o embalamento insuficiente, mas sem nunca terem visto a carga.
XLIII. E afirmaram desconhecer se o material era frágil ou não, quando, além de saberem do que se tratava, porque ab initio estava na posse da Recorrida a factura do material a transportar, e tendo até a testemunha DD declarado que fitas led e as películas para carros são materiais frágeis, estava impresso em cada uma das caixas o aviso junto aos autos no dia 22.04.2024.
XLIV. Assim, há assim ainda que aditar à factualidade provada, o seguinte, o que se requer:
28) Perante uma reclamação de danos na mercadoria transportada, a Recorrida deveria ir verificar os danos reportados.
29) A Autora remeteu ao Réu o e-mail referido em 12) sem verificar a carga.
30) A Autora sabia qual era a mercadoria objecto do transporte referido em 4).
XLV. Em suma, nos termos supra expostos, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, julgando-se provados os seguintes factos:
1) A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na “atividade da prestação de serviços de despacho, trânsitos e transportes nacionais e estrangeiros, com poderes para declarar por conta de outrem perante a alfandega.”, exercendo a atividade de transitária e sendo detentora de alvará, emitido pelo I.M.T.
2) O Réu é uma pessoa singular.
3) O Réu desenvolve uma atividade profissional.
4) No âmbito da sua atividade profissional, o Réu solicitou à Autora Abreu - Carga e Trânsitos, Lda., no âmbito da atividade desta, o transporte desde o Porto de Guanghou, na China, e entrega na sua loja, sita no Laranjeiro, de mercadoria que se destinava à venda, o que esta aceitou.
5) A Autora providenciou pelo planeamento, controlo e coordenação de operações relacionadas com a expedição da mercadoria referida em 4) a partir do Porto de Guanghou, na China, por intermédio de mediação entre expedidor e destinatário, até ao Laranjeiro.
6) Os serviços da Autora iniciaram-se com o contacto com o fornecedor/expedidor da mercadoria, e o transporte das instalações deste.
7) Eliminado.
8) O Réu rececionou os bens cujo transporte solicitou à Autora no dia 12/11/2019.
9) No ato da entrega da mercadoria, o Réu fez constar na guia do transportador a menção “caixas danificadas e sujeitas a verificação”.
10) Na sequência do descrito em 8) e 9), nesse mesmo dia o Réu enviou um email à Autora com o seguinte teor:
“…
O material chegou, contudo, as caixas vieram todas danificadas, e o material está no meso caminho, até agora já apanhei 13 peças danificadas e só abri 2 caixas.
Assim que acabar envio as fotos e a lista de material danificado.”
11) Na sequência do descrito em 10), no dia 18/11/2019 o Réu enviou novo email à Autora, anexando fotogramas, no qual se pode ler:
“…
Envio as imagens do material partido / danificado.
Foram 13 rolos de películas 40cm x 30m, um rolo de carbono, 15 rolos com 500mts de frisos, 10 rolos de 5 m.
Felizmente o rolo mais caro chegou em condições, de resto as caixas foram literalmente esmagadas conforme podem ver nas imagens.
No acto da entrega foi mencionado que as caixas estavam completamente danificadas e que o material estava sujeito a verificação.”.
12)Não obstante as comunicações do Réu referidas em 9) a 11), a Autora declinou qualquer responsabilidade, podendo ler-se no email datado de 06/12/2019 que enviou ao Réu:
“…
Acusamos a receção da vossa reclamação.
Após análise deste processo, verificamos que não foi feito seguro de transporte para esta mercadoria, pelo que esta reclamação fica sujeita às condições do contrato de transporte, constantes das leis e convenções que regulam os transportes internacionais de mercadorias e a atividade transitária.
Dado o tipo de mercadoria e os meios de transporte, em grupagem, e transbordos a que esteve sujeita, consideramos que as características da embalagem da vossa carga não seriam as mais adequadas, sujeitando-se a mercadoria no seu interior várias condicionantes próprias do transporte.
Uma vez que a insuficiência da embalagem é uma das clausulas de exclusão da Convenção de Bruxelas (artigo 4.º, n.º 2, al. n)), que regula os transportes marítimos internacionais de mercadorias, não temos enquadramento legal para responsabilizar o transportador, pelo eu lamentamos, ma não podemos desta vez assumir os prejuízos com a vossa estimada empresa. No futuro, aconselhamos vivamente a realização de seguro antes do embarque, para salvaguardar eventuais danos e perdas de mercadoria durante o transporte.…”.
13) Eliminado
14)A Autora, por mensagem de correio electrónico, enviada no dia 07.02.2020, reclamou ao Réu o pagamento da quantia de € 527,35, pagamento que o Réu declinou por ainda não ter recebido resposta à reclamação apresentada quanto à mercadoria danificada.
15)A Autora instaurou o procedimento injuntivo junto do Balcão Nacional de Injunções no dia 05/11/2021.
16) O Réu foi citado a 17/11/2021.
17) O pedido reconvencional formulado pelo Réu nesta ação, é datado de 02/12/2021.
18) A Autora foi notificada do pedido reconvencional em 14/03/2022.
19)Com a revenda da mercadoria descrita em 11), o Réu obteria um lucro de cerca de € 20.000,00 (vinte mil euros).
20)Aquando da celebração do acordo descrito em 4), o Réu indicou à Autora que pretendia aderir ao seguro de transporte da Autora, por se tratar de mercadoria frágil e delicada, bem como dispendiosa.
21)O Réu aderiu e subscreveu junto da Autora seguro do transporte.
22)Quando a Autora remeteu ao Réu a respetiva cotação, nos termos solicitados e indicados por este, designadamente no dia 21.05.2019, a mesma incluía o pagamento de seguro.
23)Quando o Réu rececionou os bens cujo transporte solicitou à Autora, logo no dia 12/11/2019, comunicou à mesma o teor da mensagem / email descrito em 10) via telefónica.
24)Quando apresentou a reclamação, o Réu indicou o correspondente valor dos estragos e prejuízos que entendeu verificarem-se.
25)O Réu, quando interpelado para pagar a quantia de € 527,35, referido em 14), referente ao transporte mencionado em 4), invocou e solicitou a reparação dos estragos/prejuízos por si sofridos.
26)As 53 embalagens transportadas pela Autora, ao abrigo do transporte mencionado em 4), chegaram ao destino, a loja do Réu, todas danificadas, e, da mercadoria transportada foram entregues irremediavelmente estragados e inutilizáveis 13 rolos de películas 40cm x 30m, um rolo de carbono, 15 rolos com 500mts de frisos e 10 rolos de 5 m.
27)Até à recepção da mercadoria por parte do Réu, na loja sita no Laranjeiro, nenhuma ressalva da mercadoria ou dano nas embalagens foram assinalados.
28)Perante uma reclamação de danos na mercadoria transportada, a Recorrida deveria ir verificar os danos reportados.
29)A Autora remeteu ao Réu o e-mail referido em 12) sem verificar a carga.
30)A Autora sabia qual era a mercadoria objecto do transporte referido em 4).
XLVI. Alterando-se a matéria de facto, nos termos supra requeridos, a decisão de mérito terá necessariamente que ser outra.
XLVII. A Recorrida não pode assumir a prestação de um serviço de transporte e declinar toda e qualquer responsabilidade, escudando-se num pretenso deficiente embalamento, quando, era sua obrigação também verificar esse mesmo embalamento e melhor aconselhar o cliente.
XLVIII. A responsabilidade do Recorrida decorre ainda expressamente das normas aplicáveis in casu, das quais resulta, entre outros, que a Recorrida responde perante o Recorrente, seu cliente, pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado.
XLIX. Pelo que, perante o incumprimento dos deveres da Recorrida, nos serviços que se obrigou a prestar ao Recorrente, constituiu-se no dever de indemnizar o Recorrente pelos prejuízos causados, que ascendem a cerca de € 20.000,00.
L. Não se verifica a prescrição do direito do Recorrente.
LI. Seja porque não pode não existir prazo para a Recorrida reclamar o pagamento pelo serviço que prestou, e por seu turno, existir um prazo de 2 anos, para o Recorrente ser ressarcido dos prejuízos que a Recorrente lhe causou.
LII. No limite, porque, como resulta da factualidade, nos termos da alteração requerida, que os danos na mercadoria, ocorreram, necessariamente, por exclusão de partes, no transporte, terrestre, em Portugal, do armazém da Recorrida para a loja do Recorrente, haverá que excluir-se, no que aos danos sofridos pelo Recorrente a aplicação das regras quando ao transporte marítimo internacional de mercadorias, porque estamos no domínio do transporte, terrestre, já em território nacional, aplicando-se, em consequência, o prazo de prescrição ordinário, de 20 anos.
LIII. Mostram-se preenchidos os requisitos da excepção de não cumprimento e a compensação de créditos, porque reunidos os respectivos pressupostos.
LIV. No limite, haverá que convocar o instituto do enriquecimento sem causa.
LV. Padece assim a sentença recorrida, além das nulidades invocadas, de incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 574º e 607º, ambos do CPC, dos arts. 341º, 342º, 346º, 364º, 376º, 392º, 393º, 428º, 483º e seguintes, 473º e seguintes e 790º e seguintes, todos do Código Civil, e art. 20º da Lei Fundamental.
LVI. Por tudo o exposto, impõe-se a revogação da sentença recorrida, substituindo-se por douta decisão que julgue a acção totalmente improcedente, e o pedido reconvencional procedente, tudo com as legais consequências, o que se requer.”.
*
A A. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
“1. No dia 04 de fevereiro de 2025 a Ré apresentou alegações na plataforma Citius, que consubstancia apresentação de Recurso nos termos dos artigos 627º, 629º, 630º a contrario sensu, 631º, 637º, 638º, 639º, 640º, 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 4, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC);
2. Assim sendo, não podem as Alegações apresentadas pela Ré ser admissíveis dada a sua extemporaneidade, senão vejamos:
3. Conforme estipula o artigo 638º do Código de Processo Civil (doravante CPC) no seu nº 1 o prazo para interposição do recurso é de 30 (trinta) dias a contar-se da notificação da decisão, contudo, no nº 7 do mesmo artigo diz-nos que caso o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, acrescem 10 (dez) dias ao prazo de interposição do recurso,
4. Contudo, não há aqui a reapreciação da prova gravada, pois não há aqui qualquer transcrição, não há consulta das gravações na plataforma Citius, as quais estão até ao dia de hoje (04/02/2025) indisponíveis, cfr. Doc. 1 que se junta e se dá por totalmente reproduzido para os devidos efeitos legais, nem sequer houve tal pedido na secretária para gravar as audiências,
5. Conforme estatuído nos termos do disposto no nº 3 do artigo 155.º CPC, a gravação da audiência final deve ser disponibilizada às partes, na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter uma cópia – cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 17/12/2020 no processo n.º 122900/17.2YIPRT-C. E1.
6. O que não aconteceu, teve a aqui Autora de solicitar por requerimento no passado dia de fevereiro do presente, à secretaria a disponibilização das gravações, as quais apenas foram disponibilizadas em 26 de fevereiro de 2025 após insistência e pedido formulado via telefone.
7. No que concerne ao benefício do prazo de 10 (dez) dias justifica-se pelo ónus de alegação que recai sobre o recorrente, no âmbito do recurso de apelação.
8. Este benefício não se estende à impugnação de matéria de facto baseada apenas na reapreciação da prova documental.
9. Deste modo, entende a aqui Autora face ao vertido, o prazo, para a interposição do recurso de apelação da sentença, era de trinta dias, por aplicação do disposto nonº 1 do artigo 638.º do CPC.
10. Assim, o prazo de Recurso é de 30 (trinta) dias, se não vejamos as partes foram notificadas no dia 09 de dezembro de 2024, pelo que, considera-se notificada 12 de dezembro, o primeiro dia é 13 de dezembro de 2024, pelo que o seu terminus ocorreu no passado dia 27 de janeiro de 2025.
11. Nos termos do vertido no artigo 139º, nº 5 CPC o recorrente pode praticar o ato nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo mediante pagamento da multa, terminaria no dia 30 de janeiro de 2025.
12. A Ré lançou mão de um articulado, legalmente inadmissível, para tentar fora do prazo legalmente admissível tentar defender os seus interesses.
13. Pelo que entente a Autora que as Alegações apresentadas pela Ré é extemporâneo e ilegal, e como tal constitui nulidade processual nos termos do nº 1 do artigo 195º CPC, devendo ser considerado não escrito e consequentemente desentranhado.
14. Mais a mais as sessões gravadas apenas foram pedidas pela Autora em 14/02/2025 e apenas ficaram disponíveis em 27/02/2025.
15. O Recorrente fundamenta as sua alegações na nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil.
16. De acordo com esta alínea é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e direito que justificam a decisão.
17. Em relação à falta de fundamentação que constitui causa de nulidade da sentença, ensina Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Pág. 140: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
18. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”.
19. O mesmo entendimento tem sido defendido por doutrina mais recente.
20. Escreve Lebre de Freitas, In Código de Processo Civil, pág.297 que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
21. Por sua vez, Teixeira de Sousa, in Estudos sobre Processo Civil, pág. 221, afirma que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…)”.
22. No mesmo sentido, escreve Rodrigues Bastos, In Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 194 que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença”.
23. A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, têm considerado que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/04/1975, BMJ 246º, pág. 131; o Acórdão da relação de Lisboa de 10/03/1980, BMJ 300º, pág. 439; o Acórd2ão da Relação do Porto de 08/07/1982, BMJ319º, pág. 343; e o Acórdão da Relação de Coimbra de 06/11/2012, Proc. 983/11.5TBPBL.C1 e o Acórdão da relação de Évora de 20/12/2012, Proc. 5313/11.3YYLSB-A.E1.
24. O referido entendimento, doutrinário e jurisprudencial, desde já se adianta que a sentença proferida não se encontra atingida pelo alegado vício da nulidade, uma vez que o tribunal de 1.ª instância observou o dever de fundamentação que se lhe impunha no âmbito do processo.
25. Da sentença constam os factos provados e não provados, a motivação da convicção e a fundamentação de direito.
26. Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC1, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686).
27. Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como o Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. Do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção).
28. Posto isto, entende-se, em primeiro lugar, que a sentença recorrida se encontra largamente fundamentada em termos de facto e de direito, sendo que nesta última parte na fundamentação de direito, que abarcam o enquadramento legal, jurisprudencial e doutrinário da matéria em discussão.
29. Não se verifica, pois, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º l, b), do CPC, a qual, como se sabe, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.
30. Aliás, s sentença recorrida foi corretamente fundamentada, como é passível de verificar da sua leitura e que o Recorrente muito bem transcreveu para as suas alegações.
31. Por conseguinte, considera a Recorrida que a obrigação de fundamentação da sentença foi cumprida.
32. Em consequência, não se verifica a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
33. O Recorrente fundamenta as alegações considerando que o tribunal a quo andou mal ao considerar o facto 6 dado como provado “Os serviços da Autora iniciaram-se com a mercadoria já embalada”.
34. O tribunal a quo fundamentou este facto como provado alegando “No que tange ao apuramento da factualidade vertida em 6) e 7) a mesma resulta do depoimento das testemunhas BB, CC, DD e EE que de forma coerente e consonante declararam que quem embala a mercadoria que o Réu adquiriu é o respetivo vendedor / fornecedor / expedidor, e não a Autora, que apenas é contratada para fazer o transporte da mercadoria, recebendo-a já embalada.”
35. Corresponde ao provado em sede de audiência de julgamento, não se aceita que o Recorrente alegue que a testemunha tenha provado “mas numa logica local, pode a Recorrida fazer o embalamento”.
36. O Recorrente considera nas suas alegações que andou mal o tribunal a quo ao considerar como provado o facto 7 “Os serviços da Autora incidiram com a unidade de transporte já carregada a bordo do navio de origem”.
37. A testemunha EE não foi confrontada com o documento a folhas 26, conforme alegado nas alegações pelo recorrente, pelo que apenas poderá ser um lapso da Recorrente, uma vez que não teve oportunidade de ouvir a prova gravada que não estava disponível no Citius à data do Recurso.
38. Mais a mais, tal facto dado como provado em nada abona para o mérito da causa.
39. Considera, também, o Recorrente que o tribunal a quo considerou erradamente como provado o facto 13 dado como provado pelo tribunal a quo “Na decorrência do acordo descrito em 4), a Autora emitiu em 15/11/2019 a fatura ..., com o valor de €1.421,20 e em 15/11/2019 a fatura ..., com o valor de €527,35, no total de €1.948,55 (mil novecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), ambas vencidas a 15/12/2019”.
40. Na ata de audiência previa realizada a 28/06/2023 e proferido Despacho Saneador, tendo como Objeto do litígio “Nos termos do disposto no artigo 596.º, n.º 1, do Código de Processo Civil indica-se como objeto do litígio determinar se assiste ao Autor o direito ao pagamento pelo Réu da quantia correspondente de €2.258,828, acrescida de juros à taxa legal até efetivo pagamento”.
41. Pelo que se entende o facto 13 foi já dado como provado no âmbito do Despacho Saneador.
42. Acresce que, o Recorrente não impugnou os documentos juntos aos autos pela Recorrida e na Oposição à Injunção no artigo 44º aceita a quantia em divida.
43. Sendo que o tribunal a quo refere que “A factualidade vertida em 1), 8), 9), 13) e 14) não foi impugnada, pelo que se encontra admitida por acordo, resultando ainda da prova documental junta aos autos, designadamente certidão comercial da Autora.”
44. Por fim, observa o Recorrente que o tribunal a quo não deveria ter considerado como provado o facto 14 “A Autora interpelou o Réu para proceder ao pagamento das faturas em divida, através de carta registada com aviso de receção, datada de 29/07/2020 e recebida pelo requerido em 31/07/2020, e através de contactos telefónicos e mensagens de correio eletrónico”.
45. O que se discorda e considera que com base na prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi passível de provar este facto, pelo que o tribunal a quo andou bem ao considerá-lo como provado.
46. Mais a mais, o tribunal a quo na sentença refere que “A factualidade vertida em 1), 8), 9), 13) e 14) não foi impugnada, pelo que se encontra admitida por acordo, resultando ainda da prova documental junta aos autos, designadamente certidão comercial da Autora.”
47. O Recorrente considera que não deveria ter sido dado como provado o facto d) Com a revenda da mercadoria descrita em 9), o Réu obteria um lucro de cerca de €20.000,00 (vinte mil euros).
48. Porém não foi apresentada mais nenhuma demonstração do valor do alegado prejuízo.
49. Em concreto, o Tribunal a quo, numa muito bem estruturada decisão, refere o seguinte: “porém, não foi prova suficiente no sentido de se poder concluir que o Reu, com a revenda da mercadoria descrita em 9), obteria um lucro de cerca de €20.000,00 (vinte mil euros), assim se consignado a factualidade não provada vertida em d).”
50. Ora nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil estabelece um princípio geral quanto à obrigação de indemnizar: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Trata-se do dever de repor a situação anterior à lesão.”
51. O Tribunal a quo considerou os seguintes factos como não provados:
e) Aquando da celebração do acordo descrito em 4), o Réu indicou à Autora que pretendia aderir ao seguro de transporte da Autora, por se tratar de mercadoria frágil e delicada, bem como dispendiosa.
f) O Réu aderiu e subscreveu junto da Autora seguro do transporte.
g) Quando a Autora remeteu ao Réu a respetiva cotação, nos termos solicitados e indicados por este, designadamente no dia 21.05.2019, a mesma incluía o pagamento de seguro.
52. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, como se transcreve: “Em face do depoimento das sobreditas testemunhas, tendo a testemunha EE expressamente afirmado não se recordar do Réu ter telefonicamente solicitado a contratação de seguro da mercadoria a transportar, afirmando ainda que em todo o caso tal contratação implicaria um pedido de orçamento e uma adesão escrita que não se verifica, e tendo as testemunhas BB, GG, CC e DD sido perentórias no seu depoimento de que não existiu contratação de seguro por parte do Réu na presente situação, nem qualquer pedido nesse sentido, cumpre considerar não provada a factualidade vertida em e) a g) dos factos não provados, uma vez que a prova produzida, não permite concluir, com segurança, pela sua verificação.
Com efeito, não se mostra suficiente para prova em sentido contrário as declarações do Réu.(que declarou que, para si, estava implícito que o seguro estava incluído na cotação que lhe foi facultada pela Autora) e o depoimento da testemunha FF, seu funcionário, que disse que o Réu “costuma fazer seguro”, sendo ainda certo que as anteriores testemunhas afirmaram que o cliente pode não pretender contratar seguro por intermédio da Autora, designadamente por ter já essa situação acautelada.
E mais explicaram essas testemunhas, confrontadas com os documentos referentes à cotação do frete, que onde se lê “adicionais: Direitos, IVA, seguro”, significa que tais valores não estão ali incluídos.
Na verdade, ainda se lê nesse mesmo documento “exclui…seguro…”, pelo que não se vislumbra que - contrariamente ao pretendido pelo Réu -, possa tal documento ser apto a fazer prova de que o seguro estava incluído no preço do frete.”
53. Considera a ora Recorrida que o tribunal a quo fundamentou os motivos pelos quais considerou os factos e) a g) como não provados.
54. O Tribunal a quo considerou como não provado o facto j) O Réu deu a conhecer à Autora os concretos bens a transportar e os respetivos valores.
55. Considerou o tribunal a quo que “De igual modo, a resposta negativa à factualidade vertida em j) e k) dos factos não provados, resulta da circunstância de nenhuma prova ter sido produzida no sentido se se poder concluir pela sua verificação, não tendo sido confirmada por nenhuma das testemunhas ou por prova documental.”
56. Considera o Recorrente que andou mal o tribunal a quo ao considerar como não provado o facto k) Quando apresentou a reclamação, o Réu indicou o correspondente valor dos estragos e prejuízos que entendeu verificarem-se.
57. O tribunal a quo considerou o facto como não provado fundamentado que “De igual modo, a resposta negativa à factualidade vertida em j) e k) dos factos não provados, resulta da circunstância de nenhuma prova ter sido produzida no sentido se se poder concluir pela sua verificação, não tendo sido confirmada por nenhuma das testemunhas ou por prova documental.”
58. O Recorrente, por fim considera que o tribunal a quo andou mal ao considerar como não provado o facto l) O Réu, sempre que interpelado pela Autora para pagamento do valor das faturas descritas em 13), invocou e solicitou a reparação dos estragos e/ou prejuízos por si sofridos.
59. O tribunal a quo considerou o facto l) como não provado fundamentando que “No que tange ao facto não provado l), resulta o mesmo do depoimento da testemunha HH, que referiu expressamente que no exercício das suas funções de gestor de cobrança na Autora remeteu um email ao Réu, em data que não conseguiu concretizar, a solicitar o pagamento das faturas objeto dos autos, tendo este respondido que não pagava por haver um litígio na decorrência de uma relação que apresentara.
Ora a circunstância do Réu, no suprarreferido contacto, ter invocado a existência de uma reclamação, não permite concluir com segurança que sempre que interpelado pela Autora para pagamento do valor das faturas descritas em 13), designadamente aquando do envio das cartas indicadas em 14), invocou e solicitou a reparação dos estragos e/ou prejuízos por si sofridos.”
60. Permitam como o devido respeito esclarecer que, o tribunal a quo considerou que o valor peticionado pelo Autor não foi liquidado pelo Reu, conforme se transcreve:
“Resultou ainda provado que o Réu não liquidou tais valores”.
61. Bem como o pedido reconvencional foi considerado pelo tribunal a quo intempestivo, uma vez que a mercadoria foi entregue ao Reu em 12/11/2019, prazo fixado pela Convenção de Bruxelas tinha decorrido já quando o Réu reconveio, exercendo judicialmente o direito à indemnização (cf. factos provados 8) e 17)).
62. Julgando-se intempestivo o pedido indemnizatório formulado, despicienda se mostra a análise da eventual prova de danos indemnizáveis e, em caso afirmativo, respetivo quantum.
63. O fundamento do instituto da caducidade consiste na necessidade da certeza jurídica, isto é, na exigência de que certos direitos sejam exercidos durante certo prazo a fim de que a situação jurídica fique definida e inalterável. A caducidade é, pois, estabelecida com o fim de dentro de certo prazo se tornar certa, se consolidar, se esclarecer, uma determinada situação jurídica.
64. Ou seja, quando a lei fixa um prazo para o exercício de certo direito, não quer tornar esse direito dependente da observância do prazo, mas apenas fazê-lo extinguir, se o prazo não for observado.
65. O momento relevante para impedir a caducidade do direito, quando este tem de ser exercido através de uma acção judicial a propor dentro de certo prazo, é o momento da propositura da acção (arts. 267.º do CPCr, 259.º do CPC e 332.º, n.º 1, do CC).
66. O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido (art. 329.º do CC), sendo que tanto o art. 3.º, n.º 6, § 4.º, da Convenção de Bruxelas como o art. 27.º, n.º 2, do DL n.º 352/86 fixam uma data a partir da qual o direito deve ser exercido: respectivamente um ano contado sobre a data da entrega da mercadoria, ou dois anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
67. No caso dos autos, entre a data em que a mercadoria foi entregue Reu e a data em que foi interposta a acção do pedido reconvencional, decorreram mais de dois anos, pois o Reu afirma ter recebido a mercadoria em 12/11/2019 e a acção deu entrada em juízo a 02/12/2021.
68. Assim, aplicando o prazo de caducidade de um ano a que se reporta o art. 3º,6, da Convenção de Bruxelas de 1924 (a que se aplica aos presentes autos) ou se aplicando o prazo de caducidade a que se reporta o art. 27º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 352/86, o direito de acção do Reu caducou.
69. É certo que nos termos do disposto nos artigos 333º, 1 e 2, e 303º do Código Civil, a caducidade não pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal se não estiverem em causa direitos indisponíveis.
70. Assim sendo, entendo que o tribunal não só pode, como deve apreciar a excepção de extinção do direito invocada, mas enquadrando-a nos termos correctos.”.
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O recurso foi devidamente admitido.
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Recebida a apelação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Do objeto do recurso:
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram (art.ºs 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1, ambos do C. P. Civil).
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As questões a decidir são as seguintes: se a sentença recorrida enferma das nulidades a que aludem as alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil; se o direito à indemnização formulado pelo Recorrente por via reconvencional caducou; se se verificam in casu os pressupostos da exceção de não cumprimento do contrato, da compensação e da figura do enriquecimento sem justa causa.
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III. Fundamentação:
De facto:
A) Na primeira instância foram fixados os seguintes factos provados:
1) A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na “atividade da prestação de serviços de despacho, trânsitos e transportes nacionais e estrangeiros, com poderes para declarar por conta de outrem perante a alfandega.”, exercendo a atividade de transitária e sendo detentora de alvará, emitido pelo I.M.T.
2) O Réu é uma pessoa singular.
3) O Réu desenvolve uma atividade profissional.
4) No âmbito da sua atividade profissional, o Réu solicitou à Autora Abreu - Carga e Trânsitos, Lda., no âmbito da atividade desta, o transporte desde o Porto de Guanghou, na China, e entrega na sua loja, sita no Laranjeiro, de mercadoria que se destinava à venda, o que esta aceitou.
5) A Autora providenciou pelo planeamento, controlo e coordenação de operações relacionadas com a expedição da mercadoria referida em 4) a partir do Porto de Guanghou, na China, por intermédio de mediação entre expedidor e destinatário, até ao Laranjeiro.
6) Os serviços da Autora iniciaram-se com a mercadoria já embalada.
7) Os serviços da Autora incidiram com a unidade de transporte já carregada a bordo do navio na origem.
8) O Réu rececionou os bens cujo transporte solicitou à Autora no dia 12/11/2019.
9) No ato da entrega da mercadoria, o Réu fez constar na guia do transportador a menção “caixas danificadas e sujeitas a verificação”.
10) Na sequência do descrito em 8) e 9), nesse mesmo dia o Réu enviou um email à Autora com o seguinte teor: “… O material chegou, contudo, as caixas vieram todas danificadas, e o material está no meso caminho, até agora já apanhei 13 peças danificadas e só abri 2 caixas. Assim que acabar envio as fotos e a lista de material danificado.”
11) Na sequência do descrito em 10), no dia 18/11/2019 o Réu enviou novo email à Autora, anexando fotogramas, no qual se pode ler: “… Envio as imagens do material partido/danificado. Foram 13 rolos de películas 40cm x 30m, um rolo de carbono, 15 rolos com 500mts de frisos, 10 rolos de 5 m. Felizmente o rolo mais caro chegou em condições, de resto as caixas foram literalmente esmagadas conforme podem ver nas imagens. No acto da entrega foi mencionado que as caixas estavam completamente danificadas e que o material estava sujeito a verificação.”.
12) Não obstante as comunicações do Réu referidas em 9) a 11), a Autora declinou qualquer responsabilidade, podendo ler-se no email datado de 06/12/2019 que enviou ao Réu: “… Acusamos a receção da vossa reclamação. Após análise deste processo, verificamos que não foi feito seguro de transporte para esta mercadoria, pelo que esta reclamação fica sujeita às condições do contrato de transporte, constantes das leis e convenções que regulam os transportes internacionais de mercadorias e a atividade transitária. Dado o tipo de mercadoria e os meios de transporte, em grupagem, e transbordos a que esteve sujeita, consideramos que as características da embalagem da vossa carga não seriam as mais adequadas, sujeitando-se a mercadoria no seu interior várias condicionantes próprias do transporte. Uma vez que a insuficiência da embalagem é uma das clausulas de exclusão da Convenção de Bruxelas (artigo 4.º, n.º 2, al. n)), que regula os transportes marítimos internacionais de mercadorias, não temos enquadramento legal para responsabilizar o transportador, pelo eu lamentamos, ma não podemos desta vez assumir os prejuízos com a vossa estimada empresa. No futuro, aconselhamos vivamente a realização de seguro antes do embarque, para salvaguardar eventuais danos e perdas de mercadoria durante o transporte. …”.
13) Na decorrência do acordo descrito em 4), a Autora emitiu em 15/11/2019 a fatura ..., com o valor de €1.421,20 e em 15/11/2019 a fatura ..., com o valor de €527,35, no total de €1.948,55 (mil novecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), ambas vencidas a 15/12/2019.
14) A Autora interpelou o Réu para proceder ao pagamento das faturas em dívida, através de carta registada com aviso de receção, datada de 29/07/2020 e recebida pelo requerido em 31/07/2020, e através de contactos telefónicos e mensagens de correio eletrónico.
15) A Autora instaurou o procedimento injuntivo junto do Balcão Nacional de Injunções no dia 05/11/2021.
16) O Réu foi citado a 17/11/2021.
17) O pedido reconvencional formulado pelo Réu nesta ação, é datado de 02/12/2021.
18) A Autora foi notificada do pedido reconvencional em 14/03/2022.
B) Na primeira instância foram considerados como não provados os seguintes factos:
a) Mais de 90% dos bens/mercadorias comercializados pelo Réu é adquirida diretamente em Portugal.
b) Apenas muito esporadicamente o Réu procede à compra de bens/mercadoria cujo transporte é por si solicitado e suportado, e muito menos via marítima.
c) O Réu não tem experiência nem conhecimentos específicos quanto à expedição de bens e/ou mercadorias.
d) Com a revenda da mercadoria descrita em 9), o Réu obteria um lucro de cerca de €20.000,00 (vinte mil euros).
e) Aquando da celebração do acordo descrito em 4), o Réu indicou à Autora que pretendia aderir ao seguro de transporte da Autora, por se tratar de mercadoria frágil e delicada, bem como dispendiosa.
f) O Réu aderiu e subscreveu junto da Autora seguro do transporte.
g) Quando a Autora remeteu ao Réu a respetiva cotação, nos termos solicitados e indicados por este, designadamente no dia 21.05.2019, a mesma incluía o pagamento de seguro.
h) A Autora foi a entidade responsável pelo embalamento da mercadoria antes do transporte.
i) Quando o Réu rececionou os bens cujo transporte solicitou à Autora, logo no dia 12/11/2019, comunicou à mesma o teor da mensagem/email descrito em 10) via telefónica.
j) O Réu deu a conhecer à Autora os concretos bens a transportar e os respetivos valores.
k) Quando apresentou a reclamação, o Réu indicou o correspondente valor dos estragos e prejuízos que entendeu verificarem-se.
l) O Réu, sempre que interpelado pela Autora para pagamento do valor das faturas descritas em 13), invocou e solicitou a reparação dos estragos e/ou prejuízos por si sofridos.
*
De Direito:
Em primeira linha, o Recorrente veio pugnar pela nulidade da sentença sob recurso, considerando que a mesma preteriu o disposto no art.º 615.º n.º 1 b) do C. P. Civil, segundo o qual a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
No que se refere àquela nulidade da sentença, constitui jurisprudência e doutrina pacíficas, há muito consolidadas, o entendimento segundo o qual a nulidade a que alude a alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil só se verifica quando ocorra uma total ou absoluta omissão dos fundamentos de facto e/ou de direito que justificam aquela decisão final.
De facto e conforme já há muito ensinava Alberto dos Reis (no seu Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, pág. 340), “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”.
Igual entendimento é perfilhado por Lebre de Freitas (no Código de Processo Civil Anotado, Livraria Almedina, Coimbra, 2025, págs. 735 e 736), quando afirma que “há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (…). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação”. E por Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 686 e 687), na parte em que escrevem que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”. (...); “não basta que a justificação seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”.
Na mesma senda surge a posição assumida por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa no Código de Processo Civil Anotado, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág. 737.
Ao nível da jurisprudência e a título meramente exemplificativo citamos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de junho de 2023 e de 3 de julho de 2024, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de março de 2025 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de maio de 2024 (todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Perfilhando este tribunal o referido entendimento, desde já se refere que a sentença proferida não se encontra atingida pelo alegado vício da nulidade, uma vez que o tribunal a quo observou o dever de fundamentação, de facto e de direito, que se lhe impunha. Realmente, da sentença posta em crise constam os factos provados e não provados, a fundamentação da matéria de facto e a fundamentação da de direito.
Atento o exposto, consideramos que a obrigação de fundamentação da sentença foi cumprida, pelo que não ocorre a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil.
De seguida, o Recorrente veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quer porque o tribunal recorrido “deu como provados factos que não obtiveram prova suficiente e segura”, quer porque “julgou não provados factos que foram objeto de prova bastante”, especificando-os.
A matéria factual tida por assente e por não provada pelo tribunal da primeira instância encontra-se exarada na fundamentação de facto do presente Acórdão, pelo que nos abstemos de a aqui reproduzir de novo.
Em termos de análise crítica da prova, o tribunal a quo fez consignar na sentença proferida o seguinte: “A convicção do Tribunal no que concerne à factualidade provada e não provada, alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida, concretamente nas declarações de parte do Réu, no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência, e na prova documental junta, sem perder de vista as regras de experiência comum e o estatuído nos artigos 5.º n.º 2 e 3 e 607.º, números 4 e 5 do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil. Assim, e concretizando: A factualidade vertida em 1), 8), 9), 13) e 14) não foi impugnada, pelo que se encontra admitida por acordo, resultando ainda da prova documental junta aos autos, designadamente certidão comercial da Autora. Para apuramento da factualidade vertida em 2) a 5) atentou-se nas declarações de parte do Réu, conjugadas com o depoimento das testemunhas inquiridas. Assim, e em síntese, o Réu AA, de forma coerente e espontânea, descreveu a forma como ocorreram os contactos com a Autora, bem como que tem uma loja de venda de material de “tunning”, bem como que o material que comprou a um fornecedor na China, e cujo transporte até à sua loja foi assegurado pela Autora, se destinava à revenda. A factualidade vertida em 4) e 5) resulta ainda do depoimento da testemunha BB, que prestou o seu depoimento de forma serena e credível, e que disse ser administrativo e ter sido funcionário da II durante aproximadamente 10 anos, descrevendo que a Autora celebra contratos de transporte de mercadorias, contratando parceiros com vista à organização e concretização do transporte de mercadorias, tratando das formalidades aduaneiras e do aluguer de contentores, entre outras funções. Mais disse que, no caso concreto, a mercadoria transportada não ocupava um contentor completo, pelo se recorreu ao sistema de “grupagem”: agrupamento, num mesmo contentor, de cargas para vários clientes. Tal factualidade foi ainda confirmada pela testemunha GG, que prestou o seu depoimento de forma serena e credível, e que disse ser comercial e funcionária da II. Disse a testemunha, em síntese, que o Réu lhe pediu o preço de um transporte de mercadoria proveniente da China, que lhe foi apresentado o valor do frete e que o mesmo o aceitou. Também a testemunha CC que disse ser empregado transitário e funcionário da II, prestando o seu depoimento de forma serena e credível, corroborou tal factualidade. Assim, afirmou que o local contratado pelo Réu foi no Porto de Guanghou, na China, descrevendo que a Autora subcontrata empresas para efetuar o transporte das mercadorias e que no caso a mercadoria foi transportada no sistema de “grupagem”. Descreveu que o Réu contactou o expedidor/vendedor da mercadoria e, após, contratou a Autora para efetuar o transporte dessa mercadoria que adquirira. Igualmente a testemunha EE, que prestou o seu depoimento de forma serena e credível, e que disse ser comercial e ter sido funcionário da II durante 16 anos, descreveu que o Réu solicitou á Autora os seus serviços para trazer uma carga/importação que adquirira junto de um seu fornecedor, da China para Portugal. A factualidade ora em apreciação foi ainda corroborada pela testemunha FF, que disse ser empregado do Réu, prestando o seu depoimento de forma pouco isenta, mas no tocante à factualidade ora em apreciação mereceu a convicção do Tribunal, confirmando que o Réu desenvolve uma atividade profissional, tendo uma loja aberta ao público, e que o material objeto dos autos se destinava à venda, nessa mesma loja. Tal factualidade encontra ainda respaldo na prova documental junta aos autos, designadamente emails. Em face do depoimento das sobreditas testemunhas, tendo a testemunha EE expressamente afirmado não se recordar do Réu ter telefonicamente solicitado a contratação de seguro da mercadoria a transportar, afirmando ainda que em todo o caso tal contratação implicaria um pedido de orçamento e uma adesão escrita que não se verifica, e tendo as testemunhas BB, GG, CC e DD sido perentórias no seu depoimento de que não existiu contratação de seguro por parte do Réu na presente situação, nem qualquer pedido nesse sentido, cumpre considerar não provada a factualidade vertida em e) a g) dos factos não provados, uma vez que a prova produzida, não permite concluir, com segurança, pela sua verificação. Com efeito, não se mostra suficiente para prova em sentido contrário as declarações do Réu (que declarou que, para si, estava implícito que o seguro estava incluído na cotação que lhe foi facultada pela Autora) e o depoimento da testemunha FF, seu funcionário, que disse que o Réu “costuma fazer seguro”, sendo ainda certo que as anteriores testemunhas afirmaram que o cliente pode não pretender contratar seguro por intermédio da Autora, designadamente por ter já essa situação acautelada. E mais explicaram essas testemunhas, confrontadas com os documentos referentes à cotação do frete, que onde se lê “adicionais: Direitos, IVA, seguro”, significa que tais valores não estão ali incluídos. Na verdade, ainda se lê nesse mesmo documento “exclui…seguro…”, pelo que não se vislumbra que - contrariamente ao pretendido pelo Réu -, possa tal documento ser apto a fazer prova de que o seguro estava incluído no preço do frete. No que tange ao apuramento da factualidade vertida em 6) e 7) a mesma resulta do depoimento das testemunhas BB, CC, DD e EE que de forma coerente e consonante declararam que quem embala a mercadoria que o Réu adquiriu é o respetivo vendedor/fornecedor/expedidor, e não a Autora, que apenas é contratada para fazer o transporte da mercadoria, recebendo-a já embalada. Em consonância, consignou-se não provada a factualidade vertida em h). A factualidade vertida em 10) a 12) resulta assente com base na prova documental junta aos autos (emails de 12/11/2019, 18/11/2019 e 06/12/2019), tendo sido confirmada pelo Réu em sede de declarações de parte, e pelos restantes respetivos subscritores de emails: testemunhas EE e DD. Em sede de prestação dos seus depoimentos, as testemunhas CC, HH, que disse ser gestor financeiro e até 2022 ter exercido funções de gestor de cobrança na Autora, e FF, igualmente confirmaram ser do seu conhecimento a suprarreferida reclamação apresentada pelo Réu junto da Autora. Porém, não foi produzida prova suficiente no sentido de se poder concluir que o Réu, com a revenda da mercadoria descrita em 9), obteria um lucro de cerca de €20.000,00 (vinte mil euros), assim se consignado a factualidade não provada vertida em d). Com efeito, declarou o Réu em sede de declarações de parte que com a revenda dos 13 rolos de películas 40cm x 30m, o rolo de carbono, os 15 rolos com 500mts de frisos e os 10 rolos de 5 m conseguiria obter um lucro de €20.000,00. Ora, desde logo terá que se deixar explícito que as declarações de parte do Réu foram valoradas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova a que o tribunal está adstrito, em consonância com a disposição do artigo 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mas sendo, logicamente, sopesado que as declarações prestadas pelas partes não são naturalmente desinteressadas, isentas e imparciais, antes apresentando um relevante e direto interesse no desfecho da ação, sendo, por isso, as suas declarações apreciadas com particular exigência, dado que terão que ter algum suporte na restante prova testemunhal e/ou documental oferecida. Nesse preciso sentido o decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 15.09.2014 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt - processo n.º 216/11.4TUBRG.P1), assim sumariado: “As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.” E no tocante à factualidade ora em apreciação, consignada como não provada, o Réu nenhuma prova documental ou pericial apresentou. Ademais, o depoimento da testemunha FF, seu empregado, revelou falta de isenção e credibilidade, afirmando (ao arrepio da prova produzida) que eram 52 ou 53 caixas e que o material rececionado estava todo danificado e que não se conseguiu vender. Disse ainda que o material custou cerca de €6.000,00 e que seria vendido pelo triplo desse valor (daqui resultando um lucro diferente daquele aventado pelo Réu), pelo que nem tão pouco tal meio de prova foi idóneo a confirmar a valoração transmitida pelo Réu. Disse ainda a testemunha FF, funcionário do Réu, que este material danificado ainda se encontra guardado na loja, depoimento contrariado pelo próprio Réu, que declarou que o material danificado “foi todo para o lixo; não está no armazém”. Em consonância com as declarações de parte do Réu, que declarou apenas ter comunicado a reclamação à Autora via email, consignou-se não provada a factualidade vertida em i). Para prova dos factos provados 15) a 18) procedeu-se à consulta dos autos. No que tange à factualidade não provada em a) a c), tal resulta da total ausência de produção de prova que permita concluir pela sua verificação. Com efeito, resulta mesmo dos autos (fatura de fls 29 e depoimentos das testemunhas GG e CC) que o Réu já anteriormente recorrera aos serviços da Autora. De igual modo, a resposta negativa à factualidade vertida em j) e k) dos factos não provados, resulta da circunstância de nenhuma prova ter sido produzida no sentido se se poder concluir pela sua verificação, não tendo sido confirmada por nenhuma das testemunhas ou por prova documental. No que tange ao facto não provado l), resulta o mesmo do depoimento da testemunha HH, que referiu expressamente que no exercício das suas funções de gestor de cobrança na Autora remeteu um email ao Réu, em data que não conseguiu concretizar, a solicitar o pagamento das faturas objeto dos autos, tendo este respondido que não pagava por haver um litigio na decorrência de uma relação que apresentara. Ora a circunstância do Réu, no suprarreferido contacto, ter invocado a existência de uma reclamação, não permite concluir com segurança que sempre que interpelado pela Autora para pagamento do valor das faturas descritas em 13), designadamente aquando do envio das cartas indicadas em 14), invocou e solicitou a reparação dos estragos e/ou prejuízos por si sofridos.”.
Prima facie, há que apurar se o Recorrente deu cumprimento ao ónus que lhe é imposto pelo art.º 640.º do C. P. Civil, que refere o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
A resposta àquela questão só pode ser negativa. De facto, lidas as alegações de recurso, das mesmas retira-se que o Recorrente, para além de não ter, nem na motivação nem nas conclusões, indicado (muito menos com exatidão) as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas em que se funda – limitando-se a referir o dia em que tais testemunhas foram inquiridas, sendo que os depoimentos destas e as declarações de parte do R., no seu conjunto, totalizam cerca de cinco horas e meia de gravação áudio –, também não optou por transcrever os na sua ótica pertinentes trechos daqueles depoimentos e que poderiam levar a decisão factual diversa. Apenas efetuou, quanto a alguns depoimentos e relativamente a determinadas questões, uma súmula excessivamente breve dos mesmos. A ser assim, o Recorrente, para além de não ter permitido, quanto à Recorrida, um cabal exercício do contraditório, não delimitou de forma rigorosa o objeto do recurso. Sendo irrazoável, por desproporcional, impor a este tribunal de recurso a audição de toda a prova produzida oralmente por forma a de da mesma retirar as conclusões que daquela o Recorrente pretende extrair.
Atento o que agora se deixou ínsito e no que se refere à impugnação em sede de recurso da matéria de facto que teve por base os depoimentos das testemunhas inquiridas e as declarações de parte do Réu, vai o recurso rejeitado (cfr. o proémio do n.º 1 do art.º 640.º do C. P. Civil).
No que concerne ao facto dado como provado sob o n.º 13), o Recorrente considera que o mesmo deve ser eliminado dos factos assentes porquanto, para além de ter impugnado tudo quanto foi vertido no requerimento de injunção, os documentos contabilísticos a que aquele facto se refere nunca foram juntos aos autos.
Naquele circunspecto, diremos desde já que, analisado o teor da oposição apresentada nos autos, do mesmo extrai-se que o Réu/Recorrente, no respetivo art.º 47.º, lança mão da figura da exceção de não cumprimento do contrato e, subsidiariamente, da figura da compensação. Por outro lado, não vislumbramos daquela oposição que o Recorrente tenha posto em causa a realização do transporte contratado pela Recorrida, o qual, como é bom de ver, comportou custos para a parte que o proporcionou.
Noutro prisma, no art.º 46.º da dita oposição o Recorrente fez constar o seguinte: “Impugna-se, para todos os efeitos legais, o alegado pelo Requerente.”. Será esta frase suficiente para se dar por cumprido o ónus de impugnação a que alude o art.º 574.º do C. P. Civil? A nosso ver, não. Realmente, o Réu não tomou uma posição definida acerca das faturas emitidas pela Autora/Recorrida, limitando-se genericamente (que não especificadamente) a impugnar tudo quanto foi alegado pela parte processual ativa. Ora, esta posição não respeita o ónus de impugnação especificada a que se refere aquele normativo, o que tem como consequência – conforme se entendeu, e bem, na sentença recorrida – estarmos perante uma confissão tácita, ou seja, a falta de impugnação implica a admissão por acordo dos factos em presença (n.º 2 do art.º 574.º do C. P. Civil).
O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto à facticidade subjacente ao n.º 14) dos factos tidos como provados.
Relativamente à alínea c) da factualidade não provada (que o Recorrente pretende que seja considerada assente), sem prejuízo da rejeição do recurso quanto às declarações de parte do R. e quanto aos depoimentos das testemunhas inquiridas, consideramos que o teor dos documentos juntos aos autos em 28 de junho de 2023 não é minimamente suficiente para, por si só, levar a concluir que o Recorrente, com a venda dos bens transportados, obteria um lucro de cerca de € 20 000. De facto, para além de o constante daqueles documentos não ter sido corroborado por nenhuma outra prova que haja sido produzida, o certo é que dos mesmos não se retira o apontado lucro.
Insurge-se igualmente o Recorrente contra a apreciação crítica da prova levada a cabo pelo tribunal a quo, no sentido de se dever considerar como provada a factualidade inserta nas alíneas e), f), g) e i) dos factos não provados. Estes prendem-se com a celebração de um contrato de seguro de transporte. Para alicerçar aquela sua posição, o Recorrente veio, desde logo, lançar mão do documento n.º 2 junto aos autos em 31 de agosto de 2022, na parte em que este refere, a fls. 7, “Adicionais: Direitos, IVA, Seguro”. No entanto, há que atentar no facto de na mesma folha do dito documento ler-se expressamente que estão excluídos do contrato de transporte a “verificação física, paralisações, armazenagem, seguro (…)” (sublinhado da nossa lavra). Por outro lado, do teor dos email’s juntos ao processo em 12 de setembro de 2022 como documentos n.ºs 3 a 7 apenas se extrai a divergência entre os contratantes quanto à (in)existência de seguro de transporte.
Em relação à impugnação da alínea h) da factualidade não provada (que o Recorrente considera que deve ser vertida nos factos provados), damos aqui por reproduzidos os considerandos supra efetuados a propósito do incumprimento do art.º 640.º n.º 2 a) do C. P. Civil (que está diretamente relacionado com a matéria factual referente ao n.º 6) dos factos provados).
E que dizer quanto ao teor da alínea k) da facticidade dada como não provada? Defende o Recorrente que a mesma deve ser considerada provada com base no teor dos documentos n.ºs 3 a 7 juntos em 12 de setembro de 2022. Não obstante, lidos tais documentos dos mesmos não se pode retirar, sem mais, a conclusão segundo a qual o R., quando apresentou a reclamação, indicou o correspondente valor dos estragos e prejuízos que entendeu verificarem-se.
Por outro lado, o tribunal recorrido considerou como não provado que o R., sempre que interpelado pela A. para pagamento do valor das faturas descritas em 13), haja invocado e solicitado a reparação dos estragos e/ou prejuízos por si sofridos. Pretende o Recorrente que este facto passe para a matéria assente com base no teor do documento n.º 7 de 12 de setembro de 2022. Nesta parte assiste razão ao Recorrente. Realmente, evidencia-se daquele documento que, na sequência da interpelação da Recorrida para que o Recorrente liquidasse o custo do transporte das mercadorias, este veio invocar a falta de reparação dos estragos alegadamente sofridos, solicitando a resolução do problema. Sequentemente, determina-se que a matéria de facto vertida na alínea l) da factualidade não provada passe para a facticidade assente, com a seguinte redação: o Réu, quando interpelado para pagar a quantia de € 527,35 referida em 13), relativa ao transporte mencionado em 4), invocou e solicitou a reparação dos estragos/prejuízos que considera ter sofrido.”.
Pretende também o Recorrente que este tribunal reconheça que a sentença sob recurso padece da nulidade a que alude o art.º 615.º n.º 1 d) do C. P. Civil: aquela decisão final é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Para fundamentar tal posição, o Recorrente veio defender que o tribunal a quo deveria ter considerado como assente o seguinte: “as 53 embalagens transportadas pela Autora, ao abrigo do transporte mencionado em 4), chegaram ao destino, a loja do Réu, todas danificadas, e, da mercadoria transportada foram entregues irremediavelmente estragados e inutilizáveis 13 rolos de películas 40cm x 30m, um rolo de carbono, 15 rolos com 500mts de frisos e 10 rolos de 5m.”.
No que concerne àquela nulidade, seguimos aqui de perto a posição defendida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de maio de 2024 (consultável em www.dgsi.pt), na parte em que refere que “Não são questões a decidir os factos, nem a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista. O facto material é um elemento para a solução da questão, não é a questão em si mesma. O juiz não está obrigado a apreciar cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da ação, sendo certo que o facto de não lhes fazer referência – eventualmente por não ter considerado tais factos como relevantes no tratamento da questão – não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. A circunstância de não ter sido feita menção a um facto que poderia relevar no âmbito da valoração e aplicação das regras de direito não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, alínea d), do Código de Processo Civil. A sua falta pode consubstanciar um errore in judicando ou erro judicial, mas não o indispensável errore in procedendo (vício formal), que carateriza as nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do CPC.”. Sendo assim, considera-se como inverificada a invocada nulidade.
O Recorrente defende ainda que se adite à factualidade provada a seguinte matéria: até à receção da mercadoria por parte do Réu, na loja sita no Laranjeiro, nenhuma ressalva da mercadoria ou dano nas embalagens foram assinalados; perante uma reclamação de danos na mercadoria transportada, a Recorrida deveria ir verificar os danos reportados; a Autora remeteu ao Réu o e-mail referido em 12) sem verificar a carga; a Autora sabia qual era a mercadoria objeto do transporte referido em 4).
Fundou aquela sua pretensão nos depoimentos das testemunhas DD, CC e EE. No entanto e uma vez que, como vimos, não foi dado cumprimento ao estipulado no art.º 640.º n.ºs 1 b) e 2 a) do C. P. Civil, o recurso foi nessa parte rejeitado, pelo que nada mais temos, naquele concernente, a determinar.
Resulta quer do corpo das alegações, quer das conclusões do recurso que o Apelante, no essencial, faz depender a pretendida revogação da sentença da procedência da alteração da matéria de facto.
Ora, in casu a impugnação da matéria de facto foi julgada quase totalmente improcedente. Com exceção da transmutação de um facto considerado não provado em provado, com a seguinte redação: “o Réu, quando interpelado para pagar a quantia de € 527,35 referida em 13), relativa ao transporte mencionado em 4), invocou e solicitou a reparação dos estragos/prejuízos que considera ter sofrido.”. No entanto, a introdução deste facto na matéria assente em nada contende com a decisão de mérito a que chegou o tribunal recorrido.
Senão, vejamos: a impugnação factual não permitiu desde logo concluir, como defende a Recorrente, que a danificação da mercadoria ocorreu aquando do transporte terrestre, em Portugal, do armazém da Recorrida para a loja do Recorrente (transporte interno ao qual não é aplicável, como veremos, o regime instituído pela Convenção de Bruxelas de 1924, incluindo o prazo de caducidade nesta previsto para formular pedido de ressarcimento com base em incumprimento defeituoso por parte do responsável pelo frete).
Naquele circunspecto, escreveu-se na sentença sob recurso o seguinte: “Nos termos do disposto no artigo 15º., n.º 1, do Decreto-Lei nº 255/9, a Autora responde “pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso”, valendo eventuais limites de responsabilidade que se apliquem ao transportador material (nº 2).
É seguro que, se fosse aplicável o regime definido para a atividade transitária, se encontrava prescrito o direito à indemnização, nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei nº 255/99 – o serviço ficou concluído em 12/11/2019 e nos dez meses seguintes não foi praticado pelo Réu nenhum ato suscetível de interromper a prescrição, como se exige no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.
Os danos invocados pelo Réu para fundamentar o pedido de indemnização baseiam-se no cumprimento defeituoso do serviço de transporte.
Cumpre assim aplicar ao caso as regras do contrato de transporte (neste sentido, vide Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2003, proc. nº 03B4302, ou de 18 de Dezembro de 2008, proc. nº 08B3832, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, ou António Menezes Cordeiro, em “Introdução ao Direito dos Transportes”, ROA, vol. I, Janeiro 2008, em http://www.oa.pt.).
A Convenção de Bruxelas, que se encontra publicada no Diário do Governo de 2 de junho de 1932 (Carta de Adesão de 5 de dezembro de 1931) e cujos artigos 1.º a 8.º foram introduzidos no direito interno pelo Decreto-Lei nº 37748, de 1 de fevereiro de 1950, prevalece sobre o Decreto-Lei nº 352/86, como aliás se diz expressamente no respetivo artigo 2º (“Este contrato é disciplinado pelos tratados e convenções internacionais vigentes em Portugal e, subsidiariamente, pelas disposições do presente diploma.”.).
Neste sentido, podemos ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/09/2007, proc. nº 07A2649, disponível em www.dgsi.pt: “Está fora de questão que tendo Portugal aderido em 1932 à Convenção de Bruxelas de 25 de agosto de 1924 relativa ao transporte de mercadorias por mar ao abrigo de conhecimento de carga, e uma vez que com a entrada em vigor do DL n.º 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950 o disposto nos arts. 1.º a 8.º passou a ser aplicável a todos os conhecimentos de carga emitidos em território português qualquer que seja a nacionalidade dos contratantes, a relação jurídica configurada na lide terá de reger-se em primeiro lugar pelos normativos constantes da dita Convenção, e só depois, subsidiariamente, pela Lei nacional (…).
Assim, entre o prazo de caducidade para a propositura da ação de indemnização de um ano “a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues”, fixado no nº 6 do artigo 3º da Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas em 25 de Agosto de 1924, e o “prazo de dois anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, previsto no nº 2 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 352/86, de 21 de outubro, que regula o contrato de transporte de mercadorias por mar, ou ainda os prazos previstos no Código Civil, deve atender-se à previsão normativa da Convenção.
Ora, tendo a mercadoria sido entregue ao Réu no dia 12/11/2019, o prazo fixado pela Convenção de Bruxelas tinha decorrido já quando o Réu reconveio, exercendo judicialmente o direito à indemnização (cf. factos provados 8) e 17)).”.
Concordamos com aquela posição. Conforme sintetiza o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de novembro de 2001 (em www.dgsi.pt):
“I - O contrato de transporte de mercadorias por mar, entre Portugal e os Estados Unidos, com início em Leixões, passagem por Roterdão e chegada a S. Francisco, está sujeito à disciplina da "Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga", mais conhecida por "Convenção de Bruxelas", assinada em 25 de Agosto de 1924, a que Portugal aderiu, mantendo-se na ordem jurídica interna desde 1932.
II - O prazo de caducidade é o estipulado no n.6 do artigo 3 da citada Convenção.
III - O prazo de caducidade referido no n.2 do artigo 27 do Decreto-Lei n.352/86, de 21 de Outubro, apenas tem aplicação subsidiária, já que se limita aos transportes internacionais não subordinados à "Convenção de Bruxelas" e aos transportes internos.”.
E tal prazo de caducidade conta-se a partir da data da entrega da mercadoria ou da data em que esta deveria ser entregue, e não a partir da data em que foi conhecida a causa de deterioração da mesma (neste sentido podem ver-se, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de novembro de 2004, de 15 de janeiro de 2008 e de 27 de novembro de 2008, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Tendo resultado provado que a mercadoria em causa foi entregue ao Recorrente no dia 12 de novembro de 2019 e que este deduziu pedido reconvencional no dia 2 de dezembro de 2021, forçoso é concluir que, aquando da formulação deste pedido, já havia decorrido o prazo de caducidade de um ano previsto no art.º 3.º n.º 6 da Convenção de Bruxelas de 1924 (cfr. o art.º 331.º n.º 1 do C. Civil). Até porque inexistem nos autos elementos concretos que nos permitam concluir por alguma causa de suspensão ou de interrupção daquele prazo de caducidade.
Independentemente daquela caducidade, debrucemo-nos sobre a circunstância de saber se é lícito ao Recorrente invocar a exceção de não cumprimento do contrato, por forma a abster-se de desde logo ter de cumprir a obrigação que sobre si impende de remunerar a Apelada pelo serviço de transporte com esta acordado.
Dispõe o art.º 428.º n.º 1 do C. Civil que se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
Como resulta do normativo acabado de transcrever, a invocação da exceção de não cumprimento do contrato implica que se esteja perante um contrato bilateral ou sinalagmático, ou seja, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, um contrato “com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra” (Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 1987, pág. 405).
Tal nexo de interdependência “pode reportar-se ao momento da celebração do contrato – o que a doutrina costuma designar por sinalagma genético – em que a correspectividade das obrigações dos contraentes implica que a obrigação (ou obrigações) de um contraente só surge se surgir o outro; e pode reportar-se à vida do contrato, se a questão da reciprocidade das prestações se manifesta e releva num desses momentos, designadamente quanto à simultaneidade do cumprimento (a execução por uma das partes está condicionada à execução pela outra) – o que a doutrina costuma designar por sinalagma funcional.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de fevereiro de 2022, disponível no site acima identificado).
A operatividade da exceção de não cumprimento do contrato também pressupõe, de acordo com o mesmo preceito legal, que não tenham sido estipulados prazos diferentes para as prestações, na certeza de que “como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a exceptio não teria razão de ser” (Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, pág. 405).
A exceptio non adimpleti contractus vale quer para a falta integral de cumprimento, quer para o cumprimento parcial ou defeituoso.
Nos casos de incumprimento defeituoso a sua invocação pressupõe, contudo, a sua proporcionalidade à gravidade do incumprimento.
Como refere José João Abrantes a esse propósito, “[s]e não é justo ficar a parte que recebe um cumprimento parcial ou defeituoso impedida de alegar a excepção, também não o é responder a uma falta insignificante do ponto de vista da economia contratual com a recusa total da sua prestação. Sabido ser o equilíbrio sinalagmático o elemento caracterizador essencial da relação contratual em causa, a suspensão da prestação deve ser considerada legítima, na quantidade necessária para restabelecer o equilíbrio das prestações ainda por cumprir, as quais ficariam novamente sujeitas à regra do cumprimento simultâneo”.
Por isso, continua o mesmo Autor, “[o] princípio exige (…) que o incumprimento da obrigação da outra parte revista determinada gravidade e opõe-se a que o devedor se aproveite desse incumprimento, das dificuldades momentâneas da contraparte para deixar ele próprio de executar a sua obrigação”, donde “decorre que à inexecução parcial ou à execução defeituosa de uma das partes de um contrato bilateral só poderá normalmente ser oposta uma recusa de prestar também em termos meramente parciais. (A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português – Conceito e Fundamento, Coimbra, 1995, págs. 110 e 111).
Trata-se aqui, de resto, de um corolário do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações previsto nos art.ºs 227.º e 762.º n.º 2 do C. Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, pág. 406).
Volvendo aos contornos do caso concreto e conforme bem se salientou na sentença objeto de recurso, o Recorrente, ilegitimamente, recusou o pagamento integral do valor acordado com a Recorrida para o frete entre ambas contratado, sem ter demonstrado que todos os bens transportados, ou a maioria deles, ficaram danificados e em que concreta medida. Basta atentar-se no teor do email remetido pelo Apelante à Apelada, datado de 18 de novembro de 2019, no qual se lê: “… Envio as imagens do material partido/danificado. Foram 13 rolos de películas 40cm x 30m, um rolo de carbono, 15 rolos com 500mts de frisos, 10 rolos de 5 m. Felizmente o rolo mais caro chegou em condições (…)” (sublinhado da nossa autoria). Pelo que falha, desde logo, o preenchimento do requisito da proporcionalidade a que vimos de aludir, que constitui conditio sine qua non ao funcionamento da exceção de não cumprimento do contrato.
Paralelamente, pretende o Recorrente fazer-se valer da figura da compensação, por forma a eximir-se ao pagamento do crédito reclamado por via da presente lide (art.º 847.º do C. Civil).
Na base da compensação está a economia de meios jurídicos. Quando duas pessoas estão obrigadas uma para com a outra, os dois débitos extinguem-se pela quantidade correspondente.
A compensação não opera, no entanto, de forma automática, antes exige uma declaração de vontade nesse sentido.
Assim, para que a compensação possa operar têm que se verificar os seguintes pressupostos:
a) a existência de uma declaração de compensação (art.º 848.º n.ºs 1 e 2 do C. Civil);
b) a reciprocidade dos créditos (art.º 851.º do C. Civil);
c) que o crédito seja judicialmente exigível (art.º 847.º n.º 1 a) do C. Civil);
d) que as obrigações em causa sejam fungíveis e homogéneas (art.º 847.º b) do C. Civil);
e) que a lei não exclua a compensação (art.º 853º do Código Civil).
No art.º 851.º do C. Civil estipula-se que a compensação apenas pode operar entre pessoas que sejam reciprocamente credores e devedores, que o devedor de determinada obrigação seja, por força da mesma ou de outra relação jurídica, credor do seu credor.
Ora, vista a factualidade provada inexiste reciprocidade de créditos, uma vez que o Apelante não demonstrou a existência de um crédito sobre a Apelada, que extinga parcialmente a sua obrigação.
De acordo com o ensinamento de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pág. 186), com a compensação opera-se a “extinção de créditos recíprocos por encontro de contas, para evitar às partes um duplo acto de cumprimento perfeitamente dispensável.”. Acrescentando, na página 187 da mesma obra, que “verificados determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados, para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples oposição de um deles ao outro.”. No que concerne à reciprocidade dos créditos (pág. 190), “é essencial que o devedor seja credor do seu credor.”.
Como refere António Menezes Cordeiro (Da Compensação no Direito Civil e No Direito Bancário, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, págs. 109 e 110), “a reciprocidade surge como o primeiro requisito da compensação e implica que alguém tenha um crédito contra o seu credor, de tal modo que, frente a frente, fiquem créditos de sentido contrário, sendo o devedor compensante o titular do crédito activo, estando o credor compensado adstrito ao débito correspondente a esse crédito, sendo o credor compensado titular do crédito passivo e o devedor compensante adstrito ao débito correspondente a esse crédito.”.
Não obstante tudo quanto já se deixou dito, tendo em consideração que foi julgado intempestivo o pedido indemnizatório formulado pelo Recorrente contra a Recorrida, in casu não ocorre reciprocidade de créditos que permita o recurso à figura da compensação.
Finalmente, o Apelante considera que na situação sub judice se deve recorrer à figura do enriquecimento sem causa, ainda que o faça de forma vaga.
Muito sumariamente, diremos que o art.º 473.º do C. Civil refere que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
O enriquecimento sem causa, no nosso ordenamento jurídico, constitui uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
A obrigação de restituir com base no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos:
a) a existência de um enriquecimento;
b) que ele careça de causa justificativa;
c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição;
d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
Por outro lado, o enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como também na poupança de despesas.
Perscrutada a matéria de facto tida por provado, não vislumbramos em que medida é que a Apelada, ao exigir o pagamento ao Apelante da quantia global de € € 2 258,28, o tenha feito ou o faça de forma injustificada. Tal exigência tem na sua génese o incumprimento injustificado do sinalagma por banda do devedor. Sem descurar que o Apelante tinha ao seu dispor outros meios para ser ressarcido dos alegados prejuízos por si suportados com a danificação da mercadoria objeto de frete, deixando, no entanto e como vimos, caducar o direito de acionar a Apelada em conformidade.
Por tudo o exposto, com exceção de um concreto ponto da impugnação da matéria de facto, o recurso interposto pelo Apelante deve ser julgado improcedente.
O Apelante, por ter ficado vencido, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do C. P. Civil).
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
i. julgar não verificadas as nulidades a que alude o art.º 615.º n.º 1 b) e d) do Código de Processo Civil;
ii. julgar parcialmente procedente o recurso interposto quanto à matéria de facto, determinando a eliminação da alínea l) dos factos não provados e que à facticidade assente seja aditado o seguinte: o Réu, quando interpelado para pagar a quantia de € 527,35 referida em 13), relativa ao transporte mencionado em 4), invocou e solicitou a reparação dos estragos/prejuízos que considera ter sofrido, julgando-o improcedente quanto ao demais impugnado;
iii. julgar o restante recurso totalmente improcedente.
Custas pelo Apelante.
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Lisboa, 09-10-2025,
João Severino
Pedro Martin Martins
Fernando Alberto Caetano Besteiro