Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6556/22.0T8ALM.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário[1]:
I - Diante da ausência de uniformização terminológica nas decisões dos Tribunais, quanto à forma de contabilização dos danos (nomeadamente do dano biológico) e sua inserção em danos patrimoniais ou não patrimoniais (o que nem sempre facilita a comparação dos valores atribuídos), o essencial é que não haja duplicação de indemnizações pelas mesmas matérias e/ou danos.
II - Pese embora se procure lograr a maior uniformidade, previsibilidade e coerência entre os valores atribuídos pelos Tribunais a título de indemnização, não será nunca possível forçar uma equiparação de situações que serão sempre únicas e irrepetíveis em cada concreto processo: e é o Tribunal de 1.ª Instância que tem o primeiro, imediato e insubstituível olhar perante a prova que foi produzida (que depois é reverificado pelas instâncias superiores).
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[1] Da responsabilidade do Relator, em conformidade com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa[2]
Relatório
A instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J, FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, L, SA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €128.333.09, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.
Em suma, alega o Autor que:
- em 24/10/2018, pelas 16h, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes os veículos automóveis:
- ligeiro de passageiros, matrícula 01-…-… propriedade de J, à data dos factos conduzido por um condutor não identificado;
- ligeiro de passageiros, matrícula 18-…-…, propriedade da PSP, à data dos factos conduzido pelo Autor;
- o embate ocorreu porque, num cruzamento, o condutor do veículo de matrícula 01-…-… efectuou uma curva à esquerda muito apertada, o que originou o embate entre a parte lateral esquerda do veículo de matrícula 01-…-… e a parte da frente do veículo de matrícula 18-…-…;
- em consequência desse embate, o Autor sofreu ferimentos e foi transportado pelo INEM para o Hospital Garcia da Orta, em Almada, havendo ainda danos patrimoniais e não patrimoniais a serem ressarcidos;
- de início, teve a informação de que, no momento do embate, o veículo com a matrícula 01-…-… não dispunha de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que permitisse a sua circulação na via pública, mas, já muito tempo após a ocorrência do acidente, foi informado que, eventualmente, o veículo de matrícula 01-…-… poderia ter seguro válido na 3.ª Ré, seguro esse titulado pela apólice nº …430.
Citados os Réus vieram apresentar Contestação:
- o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, defendendo a sua ilegitimidade por o acidente em causa ser um acidente de trabalho e impugnando a generalidade dos factos alegados por desconhecimento sem obrigação de os conhecer;
- a L, SA para além da defesa por impugnação, pugnando pela sua ilegitimidade substantiva, uma vez que a apólice de seguro invocada pelo Autor apenas foi solicitada e aceite em momento posterior ao do acidente em causa nos autos (foi pedida simulação de seguro às 16 horas, 57 minutos e 36 segundos e foi aceite no dia 25 de Outubro de 2018, às 10 horas, 55 minutos e 42 segundos).
Fixado o valor da causa em € 128.333,09 foi dispensada a realização de Audiência Prévia (no decurso da qual o Autor desistiu do pedido contra a terceira Ré, desistência que foi devidamente homologada por Sentença) proferido Despacho Saneador, identificado o objecto do litígio[3], descritos os Factos admitidos por acordo ou provados por documento e seleccionados os Temas da Prova[4] .
Realizada a Audiência de Julgamento[5] veio a ser proferida Sentença, dela constando a seguinte parte decisória:
“Face ao exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Condenam-se os Réus no pagamento ao Autor da quantia total de €3.411,90 (três mil quatrocentos e onze euros e noventa cêntimos), a título de lucros cessantes, acrescida de juros, à taxa legal, contabilizados desde a data da citação até integral pagamento;
b) Condenam-se os Réus no pagamento do valor correspondente a consultas de ortopedia, a realizar uma vez por ano, e sessões de fisioterapia, a realizar três vezes ao ano;
c) Condenam-se os Réus no pagamento ao Autor da quantia total de €6.666,47 (seis mil seiscentos e sessenta e seis euros e quarenta e sete cêntimos), correspondente ao valor da cirurgia a realizar pelo Autor, acrescida de juros, à taxa legal, contabilizados desde a data da citação até integral pagamento;
d) Condenam-se os Réus no pagamento ao Autor da quantia total de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contabilizados desde a presente data até integral pagamento;
e) Condenam-se os Réus no pagamento ao Autor da quantia total de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contabilizados desde a presente data até integral pagamento;
f) Absolvem-se os Réus do demais peticionado pelo Autor;
g) Condenam-se Autor e Réus nas custas processuais, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se o decaimento do Autor em 38% e dos Réus em 62%.
Registe e notifique”.
É desta Sentença que vem pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“A) O montante da indemnização em sede de Danos Não Patrimoniais deve ser fixado equitativamente de acordo com os critérios plasmados na Lei.
B) Com o devido respeito, e não querendo, de todo, minimizar o sofrimento do Autor, mas face às lesões apresentadas, Quantum Doloris de grau 4/7; Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3/7, os nossos Tribunais Superiores têm decidido, recorrendo, igual[1]mente ao recurso a juízos de equidade, valores não superiores a € 15.000,00.
C) Aliás, refira-se o exemplo plasmado na Douta Sentença Recorrida: “Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/12/2022, processo , que atribuiu uma indemnização de €17.500,00 para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesado, de 36 anos de idade, que sofreu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3/100, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 3 numa escala até sete pontos, e que teve um quantum doloris no grau 4/7, um dano estético permanente no grau 1/7, com períodos de repercussão na actividade profissional de 744 dias;
D)No caso do Autor, apesar de ter o mesmo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3/100, tinha 43 anos à data do acidente, um Quantum Doloris de 3/7 e com períodos de repercus
são na atividade profissional de 162 dias. Ora, sendo a situação menos gravosa e, recorrendo a juízos de equidade, o valor sentenciado terá de ser manifestamente menor do que o aplicado pelos nossos Tribunais superiores, ou seja, por valor nunca superior a € 15.000,00, ao invés dos € 20.000,00 sentenciados.
E) Por outro lado, quanto ao Dano Biológico, sentenciado em € 35.000,00, expressamente definido, na Douta Sentença Recorrida, tratar-se de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro, uma vez que o sinistro causou ao autor uma incapacidade global que, apesar de não impedir o exercício da profissão habitual, tem repercussões na mesma. Estando assim em causa a perda de rendimentos laborais (perdas salariais) mas também uma compensação pelos esforços acrescidos e eventuais prejuízos no desempenho profissional.
F) Vejamos o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2023, processo 5986/18.6T8LRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “I – O dano biológico, ainda que lhe possa ser conferida autonomia, cabe no dualismo dano patrimonial / dano não patrimonial (não é um “tertium genus”), podendo ter e traduzir-se numa vertente patrimonial e numa vertente não patrimonial, sendo que, quando apenas está em causa e se pretende indemnizar o dano causado por uma incapacidade permanente geral (que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, mas que não se repercute numa perda da capacidade de ganho), se está perante a vertente patrimonial do “dano biológico”, cuja indemnização também cobre a perda de potencialidades e de oportunidades profissionais (não havendo lugar à fixação dum montante indemnizatório por uma IPP que, em tal hipótese, nem sequer existe).”
G) De salientar que o acidente de viação em causa, ocorreu quando o Autor se encontrava a conduzir um veículo da PSP, ou seja, encontrava-se de serviço, tendo o mesmo sido considerado acidente de trabalho e fixado ao Autor, pela Caixa Geral de Aposentações, a título de Capital de Remissão o valor de € 12.024,56, ainda que por enquanto o mesmo se encontre suspenso, conforme comunicação da CGA aos autos a 22 de dezembro de 2023 documento que agora se volta a anexar sob documento n.º 1.
H) Ora, como é sabido, o Autor não poderá receber em duplicado pelo mesmo dano, pelo que ao valor arbitrado de € 35.000,00 deverá ser descontado o valor que irá receber da CGA, € 12.024,56.
I) Por último, quanto aos juros aplicados desde a citação sobre o valor da cirurgia futura, salvo o devido respeito, mas estamos em crer certamente ter-se-á tratado de lapso, pois os juros de mora estão associados a dívidas. Em que, até que as dívidas estejam saldadas existe uma penalização para com[1]pensar as entidades pelo atraso do pagamento.
J) Ora, o FGA não conhecia da necessidade de se efetuar uma cirurgia nem o Autor pagou nem realizou tal cirurgia, pelo que não existe qualquer mora no seu pagamento.
K) Pelo exposto, não deverão ser aplicados quaisquer juros de mora sobre os valores sentenciados a título de danos futuros.
L) A douta sentença recorrida ao fixar os montantes indemnizatórios assim como na condenação em juros de um dano futuro, violou, assim, o disposto nos art.ºs 494º, 496º, 562º e 559º todos do Código Civil. Termos em que, Revogando-se a douta sentença recorrida, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre, JUSTIÇA”.
O Autor apresentou Contra-Alegações, culminadas com as seguintes Conclusões:
“I - O Douto Tribunal da Relação não tem como função, apreciar a lógica da formação da convicção do julgador do Tribunal da Primeira instância e essa lógica afere-se em função da dinâmica do próprio julgamento.
II – Os montantes das indemnizações arbitradas pelo Douto Tribunal foram fixados equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, o disposto nos artigos 494º, 496º, 562º, 564 nº 1 e 2 e 566º nº 3 e 4 e ainda o artigo 8º nº 3 todos do Código Civil.
III – É justa, equilibrada e equitativa a indemnização pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, conforme, também, recente jurisprudência.
IV - Esta indemnização está alicerçada nas limitações funcionais bem relevantes e sequelas físicas que serão perpetuadas em toda a vida do recorrido.
V - Para que surja a obrigação de indemnizar por este tipo de dano “não se torna necessário que o lesado tenha sofrido ou venha a sofrer de uma incapacidade profissional que desenvolvia ou que possa vir a desenvolver no futuro, mas tão só que as lesões sofridas sejam limitadoras e incapacitantes de uma atividade funcional normal enquanto pessoa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de julho de 2017 (processo nº 4861/11.0TAMTS.P1.S1)
VI - Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física.
VII – Os juros devem ser contados desde a data da citação.
Termos em que, Atentos os fundamentos e Decisão, não deverá ser dado provimento ao presente Recurso mantendo-se, por consequência, a douta decisão do Tribunal de Primeira Instância, com todas as legais consequências,
Com o que se fará a devida, J U S T I Ç A!”.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes[6]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará verificar se, perante a factualidade apurada, a indemnização fixada pelo Tribunal a quo é justa e equitativa, ou se, pelo contrário, padece  dos desequilíbrios referidos pelo Recorrente.
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Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade:
1-No dia 24/10/2018, cerca das 16h, próximo da Rua … n.º …, União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, Concelho de Almada, circulavam os seguintes veículos automóveis:
- Ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, modelo Golf, cor cinza, com a matrícula 01-…-…, da propriedade de J, à data dos factos conduzido por um condutor não identificado;
- Ligeiro de passageiros, marca Toyota, modelo E15UT(A) Auris, com a matrícula civil 18-…-…, da propriedade da PSP, à data dos factos conduzido pelo Autor nos presentes autos.
2-O local é um entroncamento de uma rua local com a Rua ….
3-Em ambas as ruas, a faixa de rodagem era constituída por uma via de trânsito com dois sentidos de marcha.
4. A velocidade máxima permitida no local era de 50 km/h.
5-O piso encontrava-se seco e a visibilidade era boa.
6-O veículo 01 era conduzido pela rua local que entronca com a Rua ….
7-O condutor do 01 efectuou uma manobra de mudança de direcção à esquerda e entrou na Rua … no sentido de marcha Sul/Norte.
8-Ao realizar essa manobra, o veículo 01 efectuou uma curva à esquerda muito apertada, tendo-se atravessado por completo na via de trânsito da direita da Rua …, considerando o sentido de marcha Sul/Norte.
9-O veículo 18 circulava pela via da direita da Rua … no sentido de marcha Norte/Sul.
10-O Autor tentou desviar o veículo 18 de modo a evitar que o mesmo fosse embatido pelo veículo 01, mas não teve espaço para efectuar o desvio pois existiam veículos estacionados do lado direito da faixa de rodagem.
11-Em consequência, ocorreu um embate entre a parte lateral esquerda do veículo 01 e a parte da frente do veículo 18.
12-Em consequência desse embate, o Autor sofreu traumatismo do joelho direito por choque daquele no tablier do FR.
13-O Autor foi transportado pelo INEM para o Hospital Garcia da Orta em Almada.
14-O Autor foi observado no serviço de Urgências do Hospital, onde fez exames radiológicos, e teve alta no mesmo dia, medicado com AINE e um analgésico.
15. O Autor não melhorou e solicitou uma consulta de ortopedia que o submeteu a uma RMN ao joelho direito em 05/11/2018.
16. O Autor revelou lesões osteocondrais ao nível da rótula, do côndilo femoral medial e área de edema subcortical, espessamento e heterogeneidade do tendão patelar sem evidência de ruptura e incipiente estiramento do LCA.
17. O Autor iniciou tratamentos de Medicina Física de Reabilitação (MFR), tendo efectuado duas séries de 20 sessões cada uma.
18. O Autor realizou nova RMN em 16/02/2019, a qual revelou rotura horizontal do menisco externo.
19. O Autor apresenta incapacidade para médios e grandes esforços, tem dores permanentes, não consegue estar muito tempo de pé, dorme muitas vezes com dificuldade e não consegue correr, carregar pesos ou saltar.
20. O Autor não consegue conduzir o seu veículo automóvel por longos períodos.
21. Em consequência do embate, o Autor sofreu:
• Défice Funcional Temporário Total, no período de um dia (24/10/2018, correspondente ao dia do acidente e ida às urgências);
• Défice Funcional Temporário Parcial, num período total de 305 dias (de 25/10/2018 até 26/08/2019, correspondente ao restante período de recuperação);
• Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total num período total de 162 dias (de 24/10/2018 a 03/04/2019);
• Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial num período total de 144 dias (de 04/04/2019 até 26/08/2019);
• Quantum doloris de grau 3/7;
• Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de grau 3;
• Repercussão Permanente na Actividade Profissional: as sequelas são compatíveis com a actividade profissional, mas implicam esforços suplementares pelas queixas do joelho direito;
• Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer de grau 3/7, pelo abandono da corrida e do ginásio, de acordo com as sequelas;
• Repercussão Permanente na Actividade Sexual de grau 2/7, pela dificuldade em exercer algumas posições.
22. O Autor nasceu em 20/06/1975, tendo, à data do embate, 43 anos de idade.
23. Até à data do embate, o Autor era uma pessoa saudável, trabalhadora e praticava exercício físico com regularidade.
24. À data do embate, o Autor pertencia ao mapa de pessoal da Polícia de Segurança Pública (PSP) em regime de nomeação definitiva por tempo indeterminado, estando integrado na carreira de Agentes desde 07/07/1999 – Agente Principal.
25. O Autor esteve de baixa médica desde 24/10/2018 até 02/11/2021.
26. Em 02/11/2021 o Autor retomou o serviço com indicação de desempenhar “serviços moderados”.
27. Antes da data do embate, o Autor auferiu as seguintes remunerações líquidas:
• Em Agosto de 2018, €1.226,66;
• Em Setembro de 2018, €1.214,30.
28. O Autor não pode fazer serviços remunerados (gratificados) por implicarem muitas horas em pé.
29. O valor médio dos serviços remunerados (gratificados) efectuados pelos polícias do mesmo departamento policial do Autor, nos anos de 2020 e 2021, foi de €334,40.
30. Após a data do embate, o Autor auferiu as seguintes remunerações líquidas:
• Em Maio de 2022, €1.125,11;
• Em Junho de 2022, €2.310,02 (o que incluiu subsídio de férias).
31. O Autor declarou para efeitos de IRS os seguintes rendimentos nos seguintes anos:
• 2017 – Rendimento colectável no valor de €18.633,94;
• 2018 – Rendimento de trabalho dependente (após dedução de retenções, contribuições e quotizações) no valor de €14.528,68;
• 2019 – Rendimento de trabalho dependente (após dedução de retenções, contribuições e quotizações) no valor de €14.527,67;
• 2020 – Rendimento de trabalho dependente (após dedução de retenções, contribuições e quotizações) no valor de €14.141,32;
• 2021 – Rendimento de trabalho dependente (após dedução de retenções, contribuições e quotizações) no valor de €18 824,68.
32. O Autor irá necessitar no futuro de consultas na especialidade de ortopedia (1 x ano), e de continuar a realizar sessões de MFR - fisioterapia (3 x ano).
33. Em 16/06/2020 o Departamento de Saúde e Assistência na Doença da PSP emitiu o parecer clínico no sentido que o Autor deveria ser sujeito a cirurgia.
34. O Autor não foi submetido a cirurgia devido à situação pandémica e porque a sua entidade patronal apenas suporta o custo de 20% da cirurgia.
35. A cirurgia em causa tem o valor de €8.333,09.
36. No momento do embate o veículo com a matrícula 01-…-… não dispunha de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
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O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
i. No ano anterior ao acidente o Autor auferiu o rendimento médio mensal ilíquido de €1.750.
ii. As consultas de ortopedia e os tratamentos de fisioterapia de que o Autor necessitará no futuro terão um custo de €500 anuais.
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Fundamentação de Direito
A Sentença sob recurso, em termos de apreciação de Direito, utiliza o seguinte processo de raciocínio:
I- Nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, sendo, assim, da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito culposo: a) O facto; b) A ilicitude; c) A imputação do facto ou lesante; d) O dano; e e) Um nexo de causalidade entre o facto e do dano.
II- Da factualidade apurada resulta que o condutor do veículo de matrícula 01-…-… violou o disposto no artigo 44.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada.
III- Ao efectuar a curva esquerda sem dar a esquerda ao centro de intersecção das vias, atravessando-se na via onde circulava o veículo conduzido pelo aqui Autor, praticou um facto ilícito.
IV- A culpa do condutor do veículo não oferece quaisquer dúvidas, na modalidade de negligência ou, na terminologia do Código Civil, mera culpa, atento o juízo de censurabilidade que impende sobre a sua conduta, repudiada por um cidadão diligente, colocado naquela concreta situação (cfr. artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).
V- Em consequência dessa sua conduta, ocorreram os danos dados como provados.
VI- Na presente acção, o Autor intentou a acção também contra o Fundo de Garantia Automóvel, que funciona como um garante da obrigação do responsável, ocupando a posição das seguradoras que seriam accionadas se os obrigados a outorgar no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel tivessem cumprido a sua obrigação de segurar o veículo.
VII- No decurso do processo, todas as partes, incluindo o Fundo de Garantia Automóvel, admitiram que o veículo propriedade do 1.º Réu não tinha seguro válido.
VIII- Sendo o 1.º Réu proprietário do veículo causador do acidente, é o mesmo responsável civil nos termos do artigo 62.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, uma vez que era da sua responsabilidade efectuar o seguro do veículo, algo que não aconteceu.
IX-Uma vez que esse veículo, causador do acidente, não estava abrangido por seguro de responsabilidade civil automóvel, o Fundo de Garantia Automóvel funciona como garante da indemnização, cabendo, então, ao proprietário e ao Fundo de Garantia Automóvel, solidariamente (cfr. artigo 512.º do Código Civil), a satisfação das indemnizações pelos danos materiais e corporais (sendo que o FGA garantirá a indemnização até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - artigos 48.º, n.º 1, e 49.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto).
X- No âmbito do direito civil prevalece o princípio da reposição ou reconstituição natural, o qual se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo se não tivesse produzido.
XI- Tal princípio só será de afastar nos casos previstos no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil: a) Impossibilidade da reconstituição natural; b) Insuficiência da reconstituição natural para reparar integralmente os danos; c) Excessiva onerosidade da reconstituição natural para o devedor.
XII- Nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, os danos a indemnizar poderão consubstanciar danos patrimoniais ou não patrimoniais, desde que estes últimos atinjam um grau de gravidade que justifique a tutela do direito.
XIII- Os danos patrimoniais são os susceptíveis de avaliação pecuniária, podendo ser danos emergentes (prejuízo causado no momento da lesão, presentes ou futuros) ou lucros cessantes (benefícios futuros que o lesado deixa de obter em consequência da lesão) – cfr. artigo 564.º do Código Civil.
XIV- Os danos não patrimoniais serão aqueles que atingem valor e bens que não o património do lesado: dor física, dor psíquica, morte, ofensa à honra, etc., excluindo-se os simples incómodos ou contrariedades decorrentes da normal vivência em sociedade.
XV- Nestes casos, não sendo pela natureza das coisas possível uma reparação in natura nem uma avaliação pecuniária, a indemnização deverá ser fixada com recurso à equidade (cfr. artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil), atendendo aos critérios estabelecidos no artigo 494.º do mesmo diploma, que condicionam a fixação da indemnização ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e a outras circunstâncias ponderadas no caso concreto.
XVI- No que respeita aos danos a ter em consideração, como ponto prévio, importa salientar que a doutrina e jurisprudência têm apontado diversas categorias de danos, como por exemplo os danos estéticos, de privação de uso, biológicos, entre outros.
XVII- Todas as mencionadas categorias de danos são reconduzíveis a duas categorias - danos patrimoniais e não patrimoniais - pese embora muitas dessas categorias de danos apresentem natureza mista, tendo vertentes patrimoniais e não patrimoniais.
XVIII- Quanto aos danos patrimoniais. em primeiro lugar, o Autor peticiona uma quantia de €15.000, correspondente ao valor de gratificados que deixou de auferir entre os anos de 2019 e 2022, a título de danos patrimoniais emergentes, valor que corresponde a lucros cessantes (benefícios futuros que deixou de obter em consequência da lesão-artigo 564.º do Código Civil).
XIX- Dos factos provados, resultou que o Autor teve um défice funcional com repercussão na actividade profissional (que o impossibilitou, e ainda impossibilita, de fazer serviços gratificados) por um período de 306 dias (entre 24/10/2018 e 26/08/2019) e que o valor médio dos serviços remunerados (gratificados) efectuados pelos polícias do mesmo departamento policial, nos anos de 2020 e 2021, foi de €334,40, o que corresponde a um valor diário de €11,15 (=€334,40/30), pelo que será de lhe atribuir uma indemnização no valor de €3.411,90 (=306*€11,15), correspondente aos valores que o mesmo deixou de auferir pelos serviços gratificados durante o período em que não pôde trabalhar, sendo o mais considerado nos danos patrimoniais futuros.
XX- No que respeita às despesas com consultas e tratamentos futuros, nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, apenas são ressarcíveis os danos futuros que sejam previsíveis, com base em juízos de prognose, mediante um cálculo de verosimilhança ou probabilístico.
XXI- Os danos futuros indemnizáveis compreendem as despesas implicadas pelos tratamentos médico-cirúrgicos que a vítima de acidente estradal haja de suportar quando o julgador dê como assente que tais despesas ocorrerão segundo um critério de atendibilidade razoável e fundada.
XXI- Esses danos emergentes futuros pressupõem, pois, a convicção do julgador de que tais despesas serão suportadas pelo lesado conforme aquele critério da atendibilidade razoável e fundada, da segurança bastante. I.e., apenas se admite a ressarcibilidade de despesas médico-cirúrgicas futuras em que o lesado incorrerá com elevada probabilidade.
XXII- A especificidade dos danos futuros previsíveis reside justamente no facto de, não se tendo ainda verificado no momento da atribuição da indemnização, virem verossimilmente a produzir-se segundo um grau de elevada probabilidade com base no critério do id quod plerumque accidit.
XXIII- O Autor logrou provar que irá necessitar no futuro de consultas na especialidade de ortopedia (1 x ano), e de continuar a realizar sessões de MFR - fisioterapia (3 x ano), apenas não tendo logrado provar o valor concreto dessas consultas e tratamentos, pelo que terão os Réus de ser condenados no pagamento dessas despesas futuras, em valor a liquidar após a efectivação das mesmas, e que, necessariamente, será variável no futuro.
XXIV- Mais logrou o Autor provar que irá necessitar de realização de uma cirurgia no valor de €8.333,09, sendo comparticipada em 20% pela sua entidade patronal, pelo que terão os Réus de ser condenados no pagamento do valor remanescente, a cargo do Autor, num total de €6.666,47 (=€8.333,09-20%).
XXV- Peticiona ainda o Autor a condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização, a título de dano biológico, no valor de €60.000.
XXVI- A autonomia do dano patrimonial em relação ao dano biológico é um tema controverso na jurisprudência portuguesa, inexistindo consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido.
XXVII- Enquanto uma parte da jurisprudência o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro, outra admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística (e, em função das consequências da lesão - patrimoniais e não patrimoniais- variará também o próprio dano biológico), e uma terceira parte qualifica-o como dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente.
XXVIII- Da nossa parte, embora o dano biológico seja frequentemente reconhecido como uma lesão na integridade psicofísica do indivíduo, que pode ter consequências patrimoniais (como perdas de rendimento), ele não é, em si, um "terceiro tipo" de dano, distinto do binómio patrimonial/não patrimonial.
XXIX- O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
XXX- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado e perspectivado na óptica de uma capitis diminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas.
XXXI- Esta afectação da pessoa do ponto de vista funcional, mesmo que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral dos lesados e, especificamente da sua actividade laboral decorrente dos esforços suplementares necessários para a execução do trabalho e da predisposição anímica integral para o exercer de forma totalmente gratificante numa perspectiva de realização pessoal.
XXXII- A afectação em maior ou menor grau da capacidade laboral genérica das vítimas é sobretudo significativa nas situações de lesado que não sendo afectado na sua capacidade laboral específica seja afectado na sua capacidade laboral genérica.
XXXIII- No que concerne à eventual destrinça entre a indemnização pelo dano biológico (na sua vertente patrimonial) e a indemnização pela perda da capacidade de ganho, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o que releva é que na fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro o julgador atenda não apenas à eventual perda de rendimentos salariais em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também ao dano biológico sofrido.
XXXIV- Para além de lesões permanentes das quais pode emergir, directa e imediatamente, repercussão na capacidade de ganho atinente à profissão habitual, às quais se moldará a aplicação de tabelas financeiras como as previstas para a sinistralidade laboral, não deverão esquecer-se as sequelas funcionais que, fragilizando e inferiorizando a capacidade de utilização do corpo, reduzem de forma relevante a competitividade da vítima no mercado de trabalho e aumentam a penosidade da sua acção.
XXXV- In casu, trata-se de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro, uma vez que o sinistro causou ao Autor uma incapacidade global que, apesar de não impedir o exercício da profissão habitual, tem nela repercussões, ao passar a exigir esforços acrescidos pelas queixas no joelho direito, para além de o impedir de fazer serviços remunerados (gratificados) por implicarem muitas horas em pé.
XXXVI- Está assim em causa a perda de rendimentos laborais (perdas salariais) mas também uma compensação pelos esforços acrescidos e eventuais prejuízos no desempenho profissional.
XXXVII- Quanto à forma de cálculo desta indemnização, a mesma assenta na equidade, ainda que este critério possam ser utilizadas como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que têm o mérito de impedir “ligeirezas decisórias” ou involuntárias leviandades e subjetivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.
XXXVIII- Por outro lado, por razões de justiça relativa e segurança jurídica, há que fazer a ponderação dos casos análogos, conforme resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (“nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”) e vem sendo reiteradamente afirmado pela mais variada jurisprudência.
XXXIX- Nestes autos:
• O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (dano avaliado considerando a globalidade das sequelas) é fixável em 3/100 pontos;
• As sequelas sofridas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, embora impliquem esforços suplementares pelas queixas do joelho direito;
• O Autor tinha 43 anos de idade à data do sinistro em apreço nos autos, auferindo remunerações líquidas na ordem dos €1.220;
• O Autor deixou de poder auferir retribuições pelos serviços gratificados, num valor médio mensal actual de €334,40;
• A esperança média de vida para os homens, à data da consolidação médico-legal das lesões (26/08/2019), era de 78,1 anos de idade (cfr. https://www.pordata.pt/pt/estatisticas/populacao/esperanca-de-vida-e-obitos/esperanca-de-vida-nascenca-por-sexo).
XL- Para além de outros, a título exemplificativo, referem-se os seguintes acórdãos:
• No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2018, processo 125/14.5TVLSB.L1.S1, foi atribuída uma indemnização de €30.000 por dano biológico a um lesado do sexo masculino, com 47 anos de idade à data do acidente e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, com esforços suplementares no exercício da profissão habitual;
• No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2018, processo 952/12.8TVPRT.P1.S1, foi atribuída uma indemnização de €14.000 por dano biológico a uma lesada do sexo feminino, com 44 anos de idade à data do acidente e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, com esforços acrescidos no exercício da profissão habitual;
• No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/2023, processo 3410/20.3T8VNG.P1.S1, foi atribuída uma indemnização de €30.000 a uma lesada do sexo feminino com 45 anos à data do acidente, afectada de uma incapacidade permanente parcial de 3 pontos, com esforços suplementares no exercício da profissão habitual.
XLI-Ponderados todos esses factores, assim como a taxa de inflação face à antiguidade dos acórdãos acima mencionados, no caso concreto, considera-se adequada uma indemnização, por dano patrimonial futuro, designadamente o biológico, no valor de €35.000.
XLII- Quanto aos danos não patrimoniais, o Autor peticiona o pagamento de uma indemnização no valor de €30.000.
XLIII- No que respeita ao pedido de indemnização a título de danos morais, a respectiva indemnização, designadamente pelo quantum doloris, deverá ressarcir não só a dor física que é adveniente quer da lesão quer dos tratamentos a que se foi sujeito mas também todo o sofrimento psicológico que está associado ao sinistro, período que se seguiu e repercussões no futuro.
XLIV- Dos factos provados resulta que, em consequência do acidente, o Autor sofreu, para além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos,
- um défice temporário por um total de 306 dias, até à consolidação médico-legal das lesões, a que acrescerão mais alguns (não concretamente determinados) após a cirurgia a que ainda tem de ser sujeito;
- quantum doloris em grau 3 numa escala de 7;
- repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável em 3 pontos numa escala de 7, pelo abandono da corrida e do ginásio; e
- repercussão permanente na actividade sexual de grau 2/7, pela dificuldade em exercer algumas posições.
XLV-A tal acresce todos os factos provados quanto à situação do Autor à data do acidente (adulto, activo, agente da Polícia de Segurança Pública, que fazia desporto regularmente) e as repercussões após esse acidente (limitado física, profissional e socialmente, sem a mesma capacidade física para sequer estar de pé e conduzir, e limitado na sua actividade sexual).
XLVI- Quanto aos critérios indemnizatórios adoptados pela jurisprudência, referem-se a título exemplificativo os seguintes acórdãos:
• acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2018, processo 952/12.8TVPRT.P1.S1 - indemnização de €15.000 por danos morais, numa situação em que a lesada sofreu um quantum doloris de grau 3/7;
• No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2015, processo 264/11.4TBSTS.P1.S1 - indemnização €40.000 por danos morais a um lesado de 36 anos de idade, que sofreu desvalorização de 25/100 e quantum doloris de 3/7;
• Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/12/2022, que atribuiu uma indemnização de €17.500 para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesado, de 36 anos de idade, que sofreu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3/100, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 3 numa escala até sete pontos, e que teve um quantum doloris no grau 4/7, um dano estético permanente no grau 1/7, com períodos de repercussão na actividade profissional de 744 dias;
• Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/01/2023, processo 9934/17.2T8SNT.L1-6, que atribuiu uma indemnização de €50.000, por danos não patrimoniais a lesada atropelada em plena passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, que padeceu de sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funcional permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular (caminhadas, bicicleta, dança e caminhadas na praia) em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7.
XLVII- Assim, tudo ponderado e atendendo ao supra exposto e analisado, considera-se que deve ser fixado um valor de €20.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos.
XLVIII- Tem ainda o Autor direito a juros moratórios (cfr. artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, ambos do Código Civil), computados, em regra, desde a citação (cfr. artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil), sendo que, quanto às indemnizações arbitradas, as mesmas são objecto de cálculo actualizado, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil e vencem juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da presente data e não a partir da citação (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 27 de Junho).
XLVIII- Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, sendo a acção apenas parcialmente procedente, as custas serão a cargo do Autor e dos Réus, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se o decaimento do Autor em 38% e da Ré em 62%.
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Raciocínio claro, escorreito e pragmático, estando juridicamente muito bem fundamentado.
Resta saber se também com razão.
O Recorrente nada coloca em causa em termos genéricos quanto aos entendimentos jurídicos utilizados, circunscrevendo o seu recurso à sua discordância sobre a sua concretização espelhada nas indemnizações fixadas  por danos (€ 15.000, ao invés dos € 20.000 fixados; descontar € 12.024,56 a receber da CGA aos € 35.000 fixados por dano biológico) e na contagem dos juros desde a data a citação de um dano futuro (cirurgia).
São assim apenas três simples questões que restam por apreciar:
- se o valor da indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 20.000 deve ser reduzida a €15.000;
- se há que descontar € 12.024,56 aos € 35.000 fixados por dano biológico;
- se a contagem dos juros relativos à condenação no pagamento ao Autor da quantia total de €6.666,47 (correspondente ao valor de cirurgia a realizar ) deve ser feita a partir da data da citação.
Vejamos então se o valor fixado a título de danos não patrimoniais[7] se mostra adequadamente ponderado.
Nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, na fixação da indemnização correspondente a este tipo de danos deve atender-se aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo o seu montante fixado equitativamente[8], tendo em atenção (nos termos do artigo 494.º, ex vi do artigo 496.º, n.º 4, ambos do Código Civil), grau de culpabilidade do agente (1), situação económica deste e do lesado (2), natureza e intensidade do dano (3) e demais circunstâncias do caso (4).
Diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, cabe aqui ao Tribunal o papel de verificar não "quanto as coisas valem", mas sim que encontrar "o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta" possível (Galvão Telles[9]): o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, "mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano"[10].
É por isso que - de há muito - o Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que o artigo 496.º do Código Civil fixa "não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado"[11].
Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil[12], o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo"[13], mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão[14]: é um risco assumido pelo sistema judicial (necessariamente temperado por padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência , ou seja, deverão sempre ser ponderados os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais[15] ).
Como pano de fundo, acresce, importa sempre ter em consideração que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas, devendo a compensação ser significativa, que não meramente simbólica: como se refere lapidarmente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2012 (Processo n.º 6628/04.2TVLSB.L1.S1-Gregório de Jesus), na “esteira da jurisprudência do STJ, pode dizer-se unânime, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas também não deve nem pode representar negócio”, vincando-se, em todo o caso, que “indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária”.
Por outro lado, “os aumentos dos seguros obrigatórios estradais e seus valores actuais de cobertura, e aumento dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações”[16], constitui ainda um factor que não pode ser subestimado.
Como referenciais, podemos partir da resenha de decisões do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais de Relação citada no Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Junho de 2023 (Processo n.º 9697/20.4T8LRS.L1-7 [17]):
“«Ac. do STJ de 18-09-2012, em que é relator Azevedo Ramos entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 41 anos de idade à data do acidente, ficou com uma IPP equivalente a 2%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando algum esforço suplementar, sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7, teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto;
«Ac. do STJ de 28-06-2012, em que é relator Sérgio Poças, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 46 anos de idade à data do acidente, foi sujeita a internamentos hospitalares com exames médicos, passou a apresentar dificuldades de flexão e extensão da coluna e rigidez do ombro esquerdo com abdução a 90º, esteve cerca de um mês impedida de fazer a sua vida diária e profissional, sofre um quantum doloris de grau 2 e IPP de 6 pontos, deixou de fazer caminhadas e cultivo do campo e sente frustração, passando a ser ríspida com os familiares;
«Ac. TRG, de 10-07-2018, em que é relatora Eugénia Cunha, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 71 anos de idade à data do acidente. Após o embate foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical e onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias. Regressou novamente à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio. E aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas. Viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar. No momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um enorme susto. A data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28-08-2013.Em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo). As lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 103 dias. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual. E sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa escala de 1/7;
«Ac. TRE, de 17-11-2016, em que é relatora Florbela Moreira Lança, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado que sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9.º arco costal direito, recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores. Na recuperação das lesões efetuou 30 sessões de fisioterapia. Sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7. Passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol. Terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia. Na sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas;
«Ac. TRG, de 11-05-2010, em que é relator Henrique Andrade, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 7.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 61 anos à data do acidente, que sofreu, em consequência do acidente, vários ferimentos na cabeça, fratura da bacia, traumatismo da anca direita e fratura dos ramos isqui-ileopúbicos direitos; por via dessas lesões, passou a sofrer dores, passando a tomar medicamentos para lhe atenuar essas dores; esteve internado no serviço de ortopedia do Hospital de Braga entre 22-11-2006 e 30-11-2006; regressou então a casa onde ficou acamado, praticamente imóvel, por causa das dores intensas na bacia; viu-se obrigado a andar de muletas durante dois meses; desde a data do acidente que jamais deixou de ter dores na bacia, que o incomodam e obrigam a tomar medicação para tolerar essas dores; tem, por via dessa lesão na bacia, dificuldades em arranjar posição para dormir; o que lhe afeta negativamente o sono, o descanso e o lazer; no momento do acidente o Autor passou por enorme pânico e teve medo de morrer e, nos meses que se lhe seguiram, sofreu dores intensas, angústias, temores e medos, a que acrescem dores por que passa e só consegue atenuar com medicação; foi-lhe atribuída uma I.P.G. de 2% e um quantum doloris de grau 4, na escala de 0 a 7»”.
Recolhidos no Acórdão da Relação de Coimbra de 20 de Janeiro de 2020 (Processo n.º 5370/17.9T8VIS.C1-Alberto Ruço) estão ainda estes Acórdãos:
“STJ de 19 de setembro de 2019, no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1 (Maria do Rosário Morgado), considerou-se que «…IV - Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de €50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos» (sumário).
No acórdão do STJ de 19-2-2015 no processo n.º 99/12.7TCGMR (Oliveira Vasconcelos), foi fixada uma indemnização de €25 000,00 relativamente a uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos compatível com o exercício da atividade profissional habitual, sem redução da capacidade de ganho e a quantia de €20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais «…tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7».
No acórdão do STJ de 26-1-2017, processo n.º 1862/13.7TBGDM (Oliveira Vasconcelos), ponderou-se que «…VII - Resultando da matéria fáctica provada que a autora: (…)  (vi) o quantum doloris foi fixado no grau 4; (vii) é casada e tem a seu cargo dois filhos menores; (viii) antes do acidente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa; (ix) apresenta uma atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva, expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou, queixando-se do evitamento para a condução e revivências do acidente; (x) não brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes fazia; e (xi) deixou de fazer desporto, caminhadas e de andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e desgostosa, é correto, de acordo com a equidade, o montante de €30 000 fixado pela Relação a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial (arts. 494.º e 496.º do CC).
No acórdão do STJ de 13-7-2017 no processo n.º 3214/11.4TBVIS (Tomé Gomes) atribuiu-se uma indemnização €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, relevando um quantum doloris de 7 pontos numa escala crescente de 1 a 7; dano estético de 4 pontos em igual escala; repercussão na atividade sexual de 4 pontos na mesma escala e prejuízo para a afirmação pessoal de 4 pontos numa escala de 1 a 5.
(…)Por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-10-2016 no processo 1043/12.7TBPTL, «Ponderadas a idade do autor (35 anos), as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), a extrema gravidade das lesões sofridas por este, os dolorosos tratamentos a que foi sujeito, a incomodidade daí resultante, o longo período dos tratamentos e as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Viana do Castelo, as sequelas anátomo-funcionais, que se traduzem num deficit funcional de razoável grau (07 pontos) e de menor grau (01), em termos estéticos, as dores sofridas e o desgosto de, na força da vida, se ver fisicamente limitado, considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de € 20 000,00, a título de dano não patrimonial»(…)
Vejamos agora algumas decisões da Relação de Coimbra.
Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019, no processo n.º 107/17.5T8MMV.C1 (Emídio Santos), considerou-se «I – É equitativo compensar com o montante de € 10 000,00 [dez mil euros] o défice de 2 pontos na integridade física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito. II - É equitativa a indemnização de vinte mil euros [€ 20 000,00] no seguinte quadro de danos não patrimoniais: a) dores físicas e psíquicas avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; b) dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; c) dano estético, representado por cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; d) desgosto pelo facto de ter ficado com cicatriz na omoplata; e) limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; f) condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o acidente até à consolidação das lesões; g) ausência de culpa quanto à produção dos danos.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-02-2019, no processo n.º 1209/16.0T8CBR (Vitor Amaral), foi atribuída uma indemnização de €22.000.00 numa situação em que o quantum doloris era de grau 5, mas foram consideradas outras circunstâncias como o facto da «… autora, sexagenária mas pessoa extremamente activa, e profissional muito competente e trabalhadora, que adorava a sua profissão, ter deixado de trabalhar e “antecipado” a sua reforma relativamente às suas expectativas - que seriam de laborar até aos seus 70 anos- por força do acidente, tendo ainda repercussão substancial na sua vida social, familiar e lúdica, sendo certo ainda que o mesmo obrigou à sua saída de casa e a deixar de acompanhar e apoiar a sua mãe; ainda a sua perda de autonomia e deslocalização, sendo que a 31 de Dezembro de 2013 foi transferida para ( ...) , onde mora a sua filha, porquanto se tornou absolutamente dependente de terceiros para poder satisfazer as mais básicas necessidades do dia-a-dia, porquanto em ( ...) não tinha o apoio e suporte necessários; o facto de logo após o acidente, ter sido necessário acompanhamento permanente de dia e de noite, uma vez que o seu estado físico e psicológico posteriormente ao acidente não permitia que a mesma ficasse sozinha; esteve totalmente dependente da ajuda de terceiros para as tarefas mais elementares e diárias, como por exemplo, precisava que a levassem à casa de banho, lhe dessem banho, a auxiliassem nas tarefas mais básicas, como vestir, despir, pentear, entre outras, motivo pelo qual foi necessário contratar apoio domiciliário para tais tarefas e bem ainda acompanhamento à fisioterapia e consultas na CRIA - situação esta que perdurou até meados de Junho de 2014, altura em que a autora foi transferida para a sua residência sita em ( ...); ainda deve, nesse particular, relevar-se um dano sexual diminuto (parâmetro autónomo) - numa escala de 1 em 7, devido ao joelho doloroso e em particular ao quadro ango-depressivo, determinante de uma diminuição de libido- podendo interferir no quadro psicológico; mas também a desfiguração decorrente da amiotrofia e da cicatriz mencionada e geradora de dano estético permanente afectando a sua imagem, quer em relação a si próprio, quer perante os outros, e que se fixou em grau 2- [ cicatriz cirúrgica nacarada na perna direita, com cerca de 15 cm e amiotrofia da coxa e perna de 0,5 e 1,5 cm, respectivamente]».
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2019, no processo n.º 342/17.6T8CBR  (Moreira do Carmo), ponderou-se que «…3. No que respeita ao dano biológico, provado que a A. ficou com sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, que implicam esforços suplementares, e tendo-se em conta a idade da mesma, de 33 anos, a incapacidade geral permanente de 7 pontos, a mediana gravidade das lesões e sequelas físicas (com perspectiva de agravamento futuro) e psíquicas do acidente, a longevidade de vida previsível, estimada em 83 anos para as mulheres, é adequado e ajustado a indemnização de 30.000 € (…) 6. No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos, o disposto nos arts. 496º, nº 4, 1ª parte, e 494º do CC, sem esquecer o disposto no art. 8º, nº 3, do CC (que aponta para o julgador levar em conta o paralelismo de casos análogos, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), considera-se justo e équo a indemnização no valor de 20.000 €».
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018, no processo n.º 762/15.0T8LRA. (Emídio Santos) considerou-se que «… III – É equitativa a indemnização de dez mil euros [€ 10.000,00] pelos seguintes danos não patrimoniais: sofrimento físico e psíquico vivido pelo autor, fixado, no grau 4, défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1 ponto, e desgosto causado pelo facto de a vítima ter deixado, durante vários meses, de andar de bicicleta e de jogar futebol, actividades que eram do agrado dela».
Dada a dificuldade de encontrar critérios que conduzam a indemnizações uniformes, desde logo porque os casos são diferentes uns dos outros, sendo ainda certo que os lesados, em regra, ficam insatisfeitos, ao que não será estranho o facto de não conseguirem passar para as palavras e transmitir para os processos todo o dano que padeceram, apesar disso afigura-se que tendo em conta que o quantum doloris correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela Autora durante o período de incapacidade temporária foi fixado no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente,  e aos casos relativos às decisões que antecedem, é ajustado ao caso subir a indemnização para €20.000”.
A estes, e a título exemplificativo, podemos acrescentar outras seis referências que temos como úteis:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (Processo n.º 866/11.9TBABT.E1.S1-Roque Nogueira, sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/civel2018-1.pdf): (i) autora com 56 anos; (ii) lesões consequência do embate sobretudo na cabeça e rosto; (iii) dores de grau 5 e dano estético de grau 4; (iv) dores persistentes e relevantes, com sequelas e repercussão na vida quotidiana - valor indemnizatório € 35.000;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1.S1-Catarina Serra): um dia na urgência do hospital; 2 meses de limitação de tarefas diárias e actividades desportivas (andar de bicicleta, nadar, jogar futebol), dores, com restrições de movimento do ombro e dificuldades em levantar e carregar pesos; encurtamento de 3 cm do ombro esquerdo e artrose na articulação do ombro e desenvolvimento de pseudoartrose; no futuro, dificuldade em levantar pesos e, ocasionalmente, dores e sensibilidade na zona da lesão) – valor indemnizatório € 10.000.
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022-Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1-Fernando Baptista de Oliveira): vítima com 52 anos, sofre traumatismo cervical, retoma parcialmente a sua actividade profissional quatro meses depois do acidente e foi sujeita a tratamento conservador e fisioterapia, não tendo sofrido qualquer dano estético, tendo o Dano Biológico de 3 pontos sido atribuído em contexto de queixas álgias (depois do Tribunal da Relação ter atribuído uma indemnização de € 20.173,55 a título de danos patrimoniais e dano biológico, acrescida de juros e de € 15.000 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros, o Supremo apenas alterou para € 26.173,55 o valor da indemnização a título de danos patrimoniais e dano biológico - € 22.000 pelo dano biológico, € 3.250 a título de perdas salariais e € 923,55 referente a despesas);
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de Março de 2023 (Processo n.º 10849/17.0T8SNT.L1.S1-Luís Espírito Santo): lesado com 43 anos à data do sinistro, que fica a sofrer défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 15 em 100, sem impossibilidade do exercício da actividade profissional mas com esforços acrescidos no seu desempenho, passando a registar limitação nas tarefas profissionais que obrigam a permanência prolongada na posição de sentado e com impossibilidade de realização de viagens de trabalho longas; auferindo no anterior emprego a remuneração no valor bruto de € 110.238,05 (que passou agora, no seu novo emprego, para montante sensivelmente inferior, tendo ainda perdido a oportunidade de manter uma carreira ao nível em que se encontrava ao tempo do acidente e de vir a desenvolvê-la em termos de valorização profissional, o que implica a passagem a um nível remuneratório inferior àquele de que poderia, noutras circunstâncias, beneficiar) – valor indemnizatório € 115.000 a título de dano biológico (incluindo perda da capacidade de ganho no valor de € 40.000), a acrescer aos montantes de € 173.997,13 referentes a perdas salariais e € 60.000 de danos não patrimoniais, tudo perfazendo o total indemnizatório global de € 348.997,13;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2023 (Processo n.º 315/20.1T8PVZ.P1.S1 -José Lameira): lesado com 16 anos, , estudante de um Curso Profissional de Técnico de Manutenção de Industrial, trabalhando também a tempo parcial, auferindo uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 250, nove dias internado, com tratamentos por vários meses, com várias queixas a nível funcional e situacional, sofrendo e continuando a sofrer no futuro dores físicas, incómodos e mal-estar, designadamente a nível do punho e mão esquerdos e do membro inferior esquerdo - compensação por dano biológico de € 60.000 (20.000, na vertente de dano não patrimonial, 40.000 na de dano patrimonial);
- Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Janeiro de 2022 (Processo n.º 2312/18.8T8CSC – relatado pelo ora Relator): vítima mulher muito activa, que sofre hematoma subdural, com traumatismo na cabeça face e pescoço, tem perda de consciência, dores físicas (grau 3, em 7), tonturas e sonolência prolongada, tem de fazer quatro deslocações a instituições de saúde, tem um défice funcional temporário total de 2 dias e um parcial de 18 dias (ficando com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 em 10), está durante cerca de dois meses acamada, só se levantando e cuidando com ajuda da filha, sem conseguir executar trabalhos domésticos, sofrendo ainda ansiedade e amargura, bem como o receio de entrar em automóveis – valor indemnizatório de € 12.500 (€ 2.500 - internamentos, € 5.000 - quantum doloris, € 5.000 - restantes danos não patrimoniais).
Importa referir que, pese embora se procure lograr a maior uniformidade, previsibilidade e coerência entre os valores atribuídos pelos Tribunais a título de indemnização, não será nunca possível forçar uma equiparação de situações que serão sempre únicas e irrepetíveis em cada concreto processo: e é o Tribunal de 1.ª Instância que tem o primeiro, imediato e insubstituível olhar perante a prova que foi produzida (que depois é reverificado pelas instâncias superiores).  
Por outro lado, é importante evitar duplicação de indemnizações pelas mesmas matérias e/ou danos, sendo certo que assistimos muitas vezes, quer na doutrina, quer nas acções, quer nas decisões de 1.ª Instância, da Relação e do Supremo, a uma ausência de uniformização terminológica quanto à forma de contabilização dos danos (o que nem sempre facilita a comparação dos valores nestas últimas atribuídos e permite leituras múltiplas aos valores atribuídos)[18].
Essencial será evitar distorções ostensivas, critérios manifestamente arbitrários e atribuição de valores indemnizatórios que se mostrem claramente insensatos.
Não é o caso, manifestamente.
Com um quantum doloris de grau 3/7, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3/7, um valor de indemnização na casa dos €20.000 não é exagerado, nem insensato, mostrando-se próximo do patamar superior dos que vêm sendo fixados pelo nossos Tribunais Superiores, pelo que se entende nada haver a alterar-lhe.
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No que concerne ao putativo desconto ao valor fixado a título de dano biológico, de € 12.024,56 respeitantes a valores que haveria o Autor de receber da CGA, trata-se de matéria insusceptível de abordagem, desde logo porque tal valor  não consta da factualidade apurada (que não é colocada em causa), sendo cero que o Recorrente não coloca em causa o valor da indemnização por dano biológico.
Assim, se houver que devolver o que quer seja, ou que não lhe ser pago o aludido montante, será algo que não cabe discutir ou apreciar nestes autos.
Nestes termos, nada há a alterar quanto à condenação no pagamento da indemnização no valor de € 35.000.
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Por fim e no que concerne ao pagamento de juros desde a data da citação, quanto ao valor da cirurgia que o Autor haverá de fazer (€ 6.666,47), também não assiste razão ao Recorrente.
De facto, apesar de se tratar de uma despesa futura, o facto é que a operação cirúrgica apenas não ocorreu por o Autor não dispor de condições económicas para tanto, sem prejuízo de estar devidamente orçamentada[19], pelo que se justifica que sobre o valor apurado incidam juros desde a data da citação.
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Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[20].
Recorrente e Recorrido escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão ao Recorrente, julgando improcedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[21]).
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DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se - nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa - face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a Apelação apresentada pelo Réu Fundo de Garantia Automóvel e, em consequência, confirma-se a Sentença recorrida.
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Custas do Recurso a cargo do Recorrente.
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 Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 18 de Novembro de 2025
Edgar Taborda Lopes
Diogo Ravara
Ana Mónica Mendonça Pavão[22]
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[2] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).
A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/.
[3]Importa analisar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual decorrente de sinistro automóvel alegadamente causado pelo condutor do veículo pertencente ao primeiro réu cuja responsabilidade civil pelos danos decorrentes da sua circulação pode ou não ter sido transferida para a ré seguradora por aquele réu, para tanto tendo que se decidir previamente se existia e era válido e eficaz, à data do sinistro, algum contrato de seguro entre eles celebrado, e, em consequência, apreciar e decidir se algum dos réus e qual deles é o responsável pela reparação das perdas (patrimoniais e não patrimoniais) sofridas pelo/a autor/a, na sequência do acidente de viação causador desses danos, e, verificando-se os mesmos, fixar o valor da indemnização devida, sendo o apuramento da responsabilidade do segundo réu enquanto garante do pagamento da indemnização devida, caso inexista o dito contrato de seguro”.
[4] “I.As circunstâncias estáticas de tempo e lugar e a dinâmica do sinistro rodoviário que ocorreu no dia 24 de Outubro de 2018, pelas 16h00, na Rua … – n.º …, concelho de Almada, e que envolveu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Wolkswagen, modelo Golf, com a matrícula 01-…-…, conduzido por desconhecido e pertencente ao réu J, e o veículo ligeiro de passageiros, marca Toyota, modelo E15UT(A), Auris, com a matrícula 18-...-…, pertencente à Polícia de Segurança Pública (PSP) e conduzido pelo autor A.
II.As perdas patrimoniais e não patrimoniais que do referido evento decorreram e que resultarão no futuro para o autor, incluindo o apuramento do custo dos tratamentos, consultas, exames e medicamentos que o autor terá que suportar, bem como as perdas salariais e /ou de outros rendimentos que sofreu, o dano corporal (dano biológico) sofrido, bem como a limitação da mobilidade, as dores, a perturbação psíquica e emocional sofrida pelo autor, com perda da sua qualidade de vida.
III.Recebimento pelo autor, para reparação de parte dos danos patrimoniais referidos em II., de indemnização, para regularização de acidente de trabalho;
IV. Existência e validade de acordo de seguro de responsabilidade civil mediante o qual estivesse transferida para a terceira ré a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes da circulação da viatura com a matrícula 01-…-…, na data referida em I.”.
[5] No decurso da qual o Autor desistiu do pedido contra a terceira Ré, desistência que foi devidamente homologada por Sentença.
[6] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[7] E vale a pena aqui recorrer Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022 (Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1-Fernando Baptista de Oliveira) – muito assente nas considerações de Maria Manuel Veloso (in “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III – Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007), para sublinhar que “tem sido salientado que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo:
(i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico;
(ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;
(iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas;
(iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”;
(v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida;
(vi) os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;
(vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade;
(viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais;
(ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar”.
[8] AUJ n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (DR I-A, de 27 de Junho de 2002) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Junho de 2015 (Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1-Maria dos Prazeres Pizarro Beleza):
“III - O critério fundamental para a fixação, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.
IV - A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.
V - Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil.
VI - É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.
VII - Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar.
VIII - Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais, nos termos do n.º 1 do art. 496.º do CC, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”, o que, desde logo, revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar.
IX - Tendo ficado provado que as sequelas decorrentes de um acidente ocorrido em 2005 determinaram para a autora, então com 17 anos de idade, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos – e, por isso, com efectiva repercussão na actividade laboral –, nada há a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correcções habitualmente citadas na jurisprudência, nem ao recurso ao valor de € 800,00 ilíquido auferido pela lesada a título de salário, a partir de 2013, para fixar o valor da indemnização devida por danos patrimoniais futuros em € 55 000,00, como decidiu a Relação.
X - Tendo em consideração: (i) as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infracção séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento, mostra-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40 000,00, como decidiu a Relação”.
[9] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, Coimbra Editora, 1989, página 377.
[10] Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, página 20.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991 (Cura Mariano, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 406, página 618).
[12] Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Setembro de 2014 (Processo n.º 3765/03.4PCAD.L1-2-Ezaguy Martins): “Parte-se assim de um padrão objetivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso, segundo regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991, já citado, na página 621.
[14] Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2021 (Processo n.º 826/18.9T8CTB.C1.S1-Ilídio Sacarrão Martins), o montante dos danos não patrimoniais “será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º nº 4 do Código Civil), designadamente as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
Importa, essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualísticamente ao comando do artigo 496º, do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, seja de forma a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar” (sublinhado e carregado nossos).
[15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Março de 2007 (Processo n.º 06B3988-Pereira da Silva).
Sendo certo ainda que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1-Paulo Amaral) – confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1.S1-Catarina Serra), as “orientações jurisprudenciais sobre determinadas matérias não impedem que outros tribunais (ou até o mesmo tribunal) tomem decisão diferente em casos análogos (cfr. Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 10.ª ed, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 311-313) nem impede que um juiz, nem que seja só um, também tome uma decisão discordante da orientação jurisprudencial dominante, sob pena de a sua independência decisória ser gravemente coartada (veja-se o exemplo descrito por Castro Mendes em «Nótula sobre o artigo 208.º da Constituição Independência dos juízes», in Estudos Sobre a Constituição, vol. III, Livraria Petrony, Lisboa, 1979, p. 658)”.
[16] Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Setembro de 2016 (Processo n.º 2206/11.8TBPBL.C1-Moreira do Carmo).
[17] Acórdão relatado pelo mesmo ora Relator, tendo como 1.º Adjunto o Juiz Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa e 2.º Adjunto o Juiz Desembargador José Rocha Capacete.
A recolha jurisprudencial fora inicialmente feita em Sentença da Comarca de Faro e transcrita no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021.
[18] O caso do dano biológico (que tem uma parte que constitui dano patrimonial e outra dano não patrimonial) pode até dificultar a apreciação de algumas decisões, por exemplo na consideração do quantum doloris).
[19] Já na Petição Inicial se refere que “O Autor carece de efetuar cirurgia ao joelho que ainda não foi realizada por falta de meios económicos, cujo valor orçamento consta do documento nº 12 e 13, no valor de 8.333,09 euros”.
[20] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95.
[21] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24.
[22] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 17.º, n.ºs 1 e 2, da Portaria n.º 350-A/2025, de 09 de Outubro).