Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | RENATA LINHARES DE CASTRO | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE DESPACHO LIMINAR RENDIMENTO INDISPONÍVEL JUNÇÃO DE DOCUMENTOS QUESTÃO NOVA ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1] I. A junção de documentos na fase de recurso reveste carácter excepcional, estando dependente da alegação e prova de uma de duas situações: a) impossibilidade de apresentação até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (casos de superveniência objectiva ou subjectiva); e b) necessidade de junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (prolação da chamada decisão surpresa). II. Os recursos têm por regra não conhecer de questões novas (sejam elas de facto ou de direito), apenas incidindo sobre as que tiverem sido já apreciadas e decididas pelo tribunal a quo, bem como sobre a factualidade disponível aquando dessa apreciação/decisão. III. A matéria de facto fixada pela 1.ª instância não deverá ser alterada (no caso, por aditamento de novos factos), quando a alteração daí resultante não assuma relevância jurídica por não ser susceptível de modificar a decisão recorrida. IV. Em sede de incidente de exoneração do passivo restante, na fixação do montante devido a título de rendimento indisponível (necessário a um sustento minimamente digno) haverá que valorar as condições pessoais e a vida do insolvente e respectivo agregado familiar e o que exceder o montante assim determinado terá que ser entregue ao fiduciário e destinado aos credores. V. Para esse efeito dever-se-á atender à concreta situação de facto existente e vertida no processo à data da prolação do despacho que fixa tal rendimento. VI. Sendo o agregado familiar da devedora constituído apenas pela própria, e na ausência de outras despesas para além das que são comummente suportadas por qualquer cidadão, mostra-se adequada a fixação do rendimento a excluir da cessão como correspondendo a uma RMMG. VII. O determinado no despacho liminar pode ser alvo de posterior reapreciação e modificação caso ocorra alteração superveniente das circunstâncias que lhe estiveram subjacentes, superveniência essa reportada ao momento em que aquele foi proferido. VIII. A ocorrer alteração da situação de facto que foi valorada no despacho recorrido, qualquer reavaliação e inerentes consequências que daí possam resultar quanto ao montante a excluir da cessão terá que ser feita pelo tribunal a quo se e quando a devedora apresentar requerimento fundamentado junto dessa instância para que a mesma o aprecie e decida (decisão que nunca terá efeitos retroactivos susceptíveis de afectar o despacho liminar), tarefa que não poderá ser levada a cabo pela Relação. IX. Nessa medida, o facto de ter sido invocada alteração da situação de facto apenas em sede de alegações de recurso não permite censurar o que pelo despacho liminar foi decidido, sem prejuízo de poder ocorrer nova ponderação pela 1.ª instância. [1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa. I - RELATÓRIO MM apresentou-se à insolvência, tendo simultaneamente requerido a exoneração do passivo restante. Para tanto invocou: ser divorciada e trabalhar como empregada de balcão, auferindo um vencimento mensal ilíquido de 870€ (sobre o qual impende uma penhora); viver em casa de um amigo, contribuindo para as despesas de alimentação, água e electricidade com cerca de 400€; ter despesas mensais no montante 222,36€. Juntou documentos. Por sentença proferida em 10/04/2025, já transitada em julgado, foi a insolvência declarada. Em 20/05/2025, pelo Administrador da Insolvência (AI) foi junto relatório, nos termos previstos pelo artigo 155.º do CIRE[1], no qual emitiu “parecer favorável, quanto ao pedido de exoneração do passivo restante”. Em 23/05/2025, o Ministério Público, em representação do credor Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, requereu a junção aos autos “de mail da AT – DSGCT com a sua posição desfavorável ao pedido de exoneração do passivo restante, apenas no que concerne aos créditos fiscais e de não oposição ao encerramento do processo.” Em 11/06/2025 foi proferido despacho inicial referente ao incidente de exoneração do passivo restante, o qual foi liminarmente admitido, no qual se pode ler: “(…) determino que, durante o período de cessão, de três anos contados desde o encerramento do presente processo de insolvência, o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir mensalmente se considere todo cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia correspondente a um salário mínimo nacional. Nos termos e para os efeitos do n.º 3 do mesmo artigo 239.º, consigna-se que integram o rendimento disponível da insolvente todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título, com exclusão daqueles enumerados nas alíneas a) e b) do mesmo normativo legal. Durante o período da cessão, e de acordo com o n.º 4 do artigo 239.º, fica ainda a insolvente obrigada a: // a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, devendo informar este Tribunal e o(a) fiduciário(a), sobre os seus rendimentos e património na forma e prazo que tais informações lhe sejam requisitadas; // b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, ou procurar diligentemente trabalho, quando desempregado; // c) Entregar imediatamente ao(à) fiduciário(a), quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão; // d) Informar este Tribunal e o(a) fiduciário(a) de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado, sobre as diligências com vista à obtenção de emprego; // e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do(a) fiduciário(a) e a não criar especial vantagem para algum deles. Fica, ainda, a insolvente advertida de que poderá ocorrer cessação antecipada do procedimento de exoneração se ocorrer alguma das circunstâncias a que alude o artigo 243.º.” Simultaneamente, foram os autos encerrados ao abrigo do disposto nas als. d) e) do n.º 1 do artigo 230.º e declarado o carácter fortuito da insolvência. Inconformada com tal decisão, dela interpôs RECURSO a devedora, formulando as seguintes conclusões: “1º O presente recurso visa a reapreciação da decisão proferida pelo tribunal a quo, em 11/06/2025, no tocante ao rendimento indisponível da insolvente, durante o período de cessão de três anos, fixado em um salário mínimo nacional. 2º A decisão recorrida considerou o salário que a recorrente aufere (€ 870,00), e as despesas globais, com alimentação, consumos de água e eletricidade, comunicações, transportes vestuário, calçado e saúde, na ordem dos € 622,00 mensais. 3º No entanto, em maio de 2025 (após a referida decisão) a recorrente viu-se confrontada com um novo problema de saúde que a obriga a ser seguida com regularidade em consulta de medicina familiar e passou a tomar medicação diária, gastando à volta de € 37,00 por mês. 4º Além disso, comparticipa com a despesa relativa à mensalidade da instituição de idosos onde a progenitora reside, desde maio de 2025, na quantia de € 360,00, porquanto o valor da reforma que a progenitora recebe não é suficiente para pagar a mensalidade do lar. 5º Estas duas últimas despesas (3 e 4) não foram consideradas na decisão recorrida por terem sido contraídas posteriormente. 6º Assim, em aditamento à matéria com relevo para a decisão a proferir, deve passar a constar: - 7º A insolvente tem encargos fixos com a mensalidade da instituição de idosos em que a progenitora reside no montante de € 360,00. - 8º A insolvente gasta com despesas medicamentosas o montante à volta de € 37,00 mensais. 7º Ora, face ao circunstancialismo apontado (despesas médicas e medicamentosas e despesa com a mensalidade da instituição onde a progenitora reside e para a qual a recorrente comparticipa com a quantia mensal de € 360,00), o valor fixado pelo tribunal recorrido (1 SMN) para a satisfação das necessidades básicas inerentes a uma vigência digna da insolvente é curto, se não tiver em consideração essas despesas supervenientes e que constituem um encargo mensal da recorrente. 8º Como é sabido, nem mesmo com a atualização do salário mínimo nacional para € 870,00 se pode dizer que, neste momento, será, na realidade, o mínimo indispensável para uma pessoa sobreviver, atento o elevado custo de vida. 9º Deste modo, para encontrar o rendimento com que a insolvente se há-de governar cumpre partir do salário mínimo, que é o mínimo previsto por lei para uma única pessoa viver com dignidade, e acrescentar-lhe o que for necessário para que tal dignidade não seja quebrada. 10º Dispõe o artigo 239º, nº 3, alínea b) i), do CIRE, é excluído do rendimento disponível o que for “razoavelmente necessário para o sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional”. 11º E conforme decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2016, no Proc. nº 3562/14.1T8GMR.G1.S1 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt , “o montante não abrangido pela cessão do rendimento disponível deve ser fixado casuisticamente, tendo em conta “o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar (…).” 12º Entende-se, assim, que, o valor fixado pelo tribunal recorrido (1 SMN) para a satisfação das necessidades básicas inerentes a uma vivência digna da insolvente é curto e, por isso, deverá ser fixado em montante não inferior a 1,50 SMN e, para além disso, também deverá ficar excluído do dever de cessão os valores correspondentes às despesas médicas e medicamentosas que a insolvente/recorrente suporta em razão da doença de que padece. 13º A decisão recorrida violou, pois, ou não fez a melhor interpretação dos factos assentes e do disposto nos artigos 1º e 59º, nº 1, alínea a), ambos da Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 239º, nº 3, alínea b), ponto i), do CIRE, e, como tal, deverá ser alterada. Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, a decisão recorrida ser alterada, no sentido de ser excluído do dever de cessão o montante correspondente a 1,50 SMN, bem como os valores correspondentes às despesas médicas e medicamentosas que a insolvente/recorrente suporta e/ou que venha a suportar e que comprove. Assim se fazendo, como se espera, a costumada JUSTIÇA!” Juntou cinco documentos. Não foi apresentada Resposta às alegações. Porém, por requerimento apresentado em 03/07/2025, o AI veio informar os autos de nada ter a opor ao requerido pela devedora[2]. O recurso foi admitido por despacho proferido em 17/09/2025. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Contudo, não está este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio. Assim, as questões a decidir são: - Questão prévia: da admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso; - Do pretendido aditamento à matéria de facto; - Do montante a excluir do rendimento disponível, por ser necessário ao sustento minimamente digno da recorrente; * III – FUNDAMENTAÇÃO Questão prévia - Da junção de documentos em sede de recurso Não dispondo o CIRE de qualquer norma atinente à junção de documentos, por força do estatuído no seu artigo 17.º, n.º 1, haverá que recorrer ao que, nessa matéria, prevê o CPC. Estatui o artigo 651.º, n.º 1 do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”. Como decorre expressamente deste n.º 1, a possibilidade de junção de documentos às alegações reveste carácter excepcional. Para além da situação em que tal junção se mostra necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (decisões surpresa), o que aqui não releva, uma vez encerrada a discussão, e sendo interposto recurso, apenas serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Nesta segunda hipótese incluem-se os casos de superveniência objectiva (como sucede quando, por exemplo, o documento se encontra em poder de terceiro, o qual só posteriormente o disponibiliza) e de superveniência subjectiva (situações nas quais, pese embora a parte tenha actuado de forma diligente, só posteriormente teve conhecimento da existência do documento).[3] Assim, e como tem vindo a ser decidido uniformemente pela nossa jurisprudência, será de recusar a junção de um documento que, pese embora potencialmente útil à causa, esteja relacionado com factos que, já antes da decisão, a parte sabia estarem sujeitos a prova (e, como tal, que já deveriam ter sido juntos).[4] No presente caso, pela apelante foram juntos cinco documentos, a saber: - Doc. 1: guia de tratamento da prescrição médica, datada de 13/06/2025 - “Acetilcisteína [Flulmucil], 600 mg, Comprimido efervescente, Blister – 20 unidade(s) – 1 comprimido, ao almoço, durante 10 dias” e “Sertralina, 100 mg, Comprimido revestido por película, Blister – 60 unidade(s) – 1 comprimido, pequeno-almoço, durante 9 meses”; - Doc. 2: duas facturas-recibos de aquisição de medicamentos: uma datada de 05/06/2025 – “Trulicity 1,5 mg/0,5 ml x 2 sol inj” (duas unidades), no valor de 10,70€ - e outra de 21/06/2025 – “Forxiga, 10 mg x 28 comp rev” e “Eutirox, 0,05 mg Blister 60 Unidade(s)”, no valor de 5,73€; - Doc. 3: factura-recibo de aquisição de medicamentos datada 27/06/2025 – “Zimbus Breezhaler, 136 µg + 114 µg” e “Azitromicina Generis MG, 500 mg x 3 comp”, no valor de 20,39; - Doc. 4: documento denominado “contrato de alojamento e prestações de serviço”, o qual não se mostra datado, no qual surgem como outorgantes JB, em representação do “Lar Felicidade, JJJ, Lda.” (NIF ...) e a recorrente, enquanto “responsável pelo cliente” (cliente esse que não vem identificado); - Doc. 5: factura datada de 03/06/2025, no valor de 1.060€, referente a “Alojamento Mensal Junho”, emitida por JB (NIF ...) em nome de “SS”. A recorrente justificou tal junção nos seguintes termos: “(…) no mês de maio de 2025, a recorrente contraiu uma bactéria hospitalar, ao nível pulmonar, que a obrigou a ser seguida em consulta de medicina familiar e passou a tomar medicação diária, gastando à volta de € 37,00 por mês (cfr. docs. nº s 1, 2 e 3). // Além disso, em 15/05/2025, a progenitora da recorrente deu entrada no lar de idosos “Casa Felicidade”, em Ramada, Odivelas, cujo valor da mensalidade é de € 1.060,00, comparticipando a recorrente com a quantia mensal de € 360,00, uma vez que a pensão que a progenitora aufere não é suficiente para pagar a referida mensalidade (cfr. docs. nº s 4 e 5). // Ora, os problemas de saúde de que a recorrente padece, desde maio de 2025, bem como a comparticipação na mensalidade do lar onde a progenitora se encontra, são posteriores à data da sentença que declarou a sua insolvência e configuram, pois, uma situação superveniente. // (…) a recorrente só teve acesso aos documentos agora juntos em momento posterior ao do encerramento da discussão em audiência final, tendo os documentos nº s 1, 2 e 3 data de junho de 2025, porquanto resultam de uma situação de doença surgida em maio de 2025, e o documento nº 4 (e 5), embora não datado, respeita ao contrato celebrado também em maio de 2025. // Assim, os referidos documentos são fundamentais para provar os factos por si alegados no presente recurso e que podem e devem levar a uma decisão diversa da que, efetivamente, foi proferida, no tocante ao aumento do rendimento indisponível durante o período de cessão.” Apreciando. Analisando cada um dos documentos cuja junção se pretende, e tendo presente que a decisão recorrida foi proferida em 11/06/2025, constata-se que os Docs. 1 e 3, bem como a factura de 21/06/2025 que integra o Doc. 2 são efectivamente posteriores à prolação da decisão, nessa medida sendo a sua junção legalmente admissível. Já no que respeita ao Doc. 5 e à factura de 05/06/2025 que integra o Doc. 2 são os mesmos anteriores ao momento da tomada de decisão. Por fim, o Doc. 4 não se encontra datado mas, considerando que o mesmo se encontra conexionado com o Doc. 5, será igualmente anterior a esse momento, conclusão que sai reforçada pela alegação da recorrente segundo a qual a sua mãe terá dado entrada no lar de idosos no dia 15/05/2025. Aliás, mesmo os invocados problemas de saúde da devedora terão surgido em Maio de 2025. No entanto, a mesma alega só ter tido “acesso aos documentos agora juntos em momento posterior ao do encerramento da discussão em audiência final”, sendo que considera para tanto o momento em que foi a insolvência declarada (“os problemas de saúde de que a recorrente padece, desde maio de 2025, bem como a comparticipação na mensalidade do lar onde a progenitora se encontra, são posteriores à data da sentença que declarou a sua insolvência e configuram, pois, uma situação superveniente”). Porém, não é a sentença declaratória que é visada no presente recurso, mas unicamente o despacho liminar referente ao pedido de exoneração do passivo restante, pelo que a exigida superveniência sempre terá que ser apreciada com relação a tal despacho. Em face do exposto, apenas se admite a junção dos Docs. 1 e 3, bem como da factura de 21/06/2025 que integra o Doc. 2, indeferindo a junção dos demais documentos. * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1º A insolvente tem o estado civil de divorciada. 2º Reside em casa de um amigo, contribuindo para as despesas domésticas com o montante mensal de 400,00€. 3º Despende mensalmente 40,00€ em transportes, 60,00€ em vestuário e calçado e 122,36€ em telefones/comunicações. 4º Trabalha como empregada de balcão, mediante um salário ilíquido base no montante de 870,00€, a que acresce subsídio de alimentação. 5º Inexistem bens susceptíveis de apreensão para a massa insolvente, capazes de suportar as custas do processo e as dívidas da massa insolvente. 6º Até ao momento foram reclamados e reconhecidos créditos de valor global (capital e juros) superior a 50.000,00€. * Do pretendido aditamento à matéria de facto por esta Relação Na sequência do pedido de junção de documentos que formulou, pretende a recorrente que sejam aditados dois novos factos, a saber: 1. A insolvente tem encargos fixos com a mensalidade da instituição de idosos em que a progenitora reside no montante de € 360,00; 2. A insolvente gasta com despesas medicamentosas o montante à volta de € 37,00 mensais. E justifica a sua pretensão por entender que tal factualidade determinará que seja alterado o montante fixado a título de rendimento indisponível. Contudo, como é regra, os recursos não servem para conhecer de questões novas (sejam elas de facto ou de direito) que não tenham sido alvo de apreciação na instância recorrida (com a ressalva já feita no ponto II deste acórdão, a saber: questões de conhecimento oficioso que ainda não estejam definitivamente julgadas)[5]. A análise e ponderação a efectuar pelo tribunal ad quem sempre terá por pressuposto as questões que tiverem sido já apreciadas e decididas pelo tribunal a quo e a factualidade disponível aquando dessa apreciação/decisão. A isto acresce que, por um lado, em face do decidido em sede de questão prévia, nunca a pretensão da recorrente poderá ser viabilizada (não se assumindo suficiente para o pretendido aditamento o constante dos documentos cuja junção foi deferida) e, por outro, como tem vindo a ser pacificamente reconhecido pela jurisprudência, não deverá ocorrer qualquer alteração da matéria de facto fixada pela 1.ª instância quando a mesma não assuma relevância jurídica, isto é, quando tal alteração não seja susceptível de modificar a decisão recorrida o que, como se demonstrará, assim sucede no presente caso. Termos em que se indefere o requerido aditamento. * FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Do montante a excluir do rendimento disponível, por ser necessário ao sustento minimamente digno da devedora Como refere Catarina Serra[6], o instituto da exoneração do passivo restante consiste “na afectação, durante certo período após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos créditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não tenha sido possível cumprir, por essa via, durante esse período.” E, continua, “podem identificar-se hoje dois modelos para o tratamento da insolvência da pessoa singular: o modelo a que se pode chamar-se modelo (puro) de fresh start e o modelo (derivado) do earned start ou da reabilitação. O primeiro baseia-se na ideia de que a liquidação patrimonial e o pagamento das dívidas deve ter lugar no curso do processo de insolvência, sendo que, uma vez concluído este, restem ou não dívidas por pagar, o devedor deverá ser libertado de forma a poder retomar, com tranquilidade, a sua vida. O modelo da reabilitação assenta ainda no fresh start mas desenvolve um raciocínio diferente: o raciocínio de que o devedor não deve ser exonerado em quaisquer circunstâncias pois, em princípio, os contratos são para cumprir (pacta sunt servanda). Em conformidade com isto, o devedor deve passar por uma espécie de período de prova, durante o qual parte dos seus rendimentos é afectado ao pagamento das dívidas remanescentes. Só findo este período, e tendo ficado demonstrado que o devedor merece (earns) a exoneração, deverá ser-lhe concedido o benefício. Este é, indiscutivelmente, o modelo de que mais se aproxima da lei portuguesa.” Durante tal período fica o devedor obrigado a cumprir com as obrigações que lhe forem impostas, sob pena de, não o fazendo, poder ter lugar a cessação antecipada ou recusa da exoneração ou, ainda, a sua revogação – artigos 243.º a 246.º. Caso cumpra com o estipulado, não sendo a sua conduta passível de censura ao longo de todo esse período, fica, então, liberto do remanescente do seu passivo, sem excepção dos créditos que não tenham sido reclamados e verificados (passivo que não tenha sido liquidado no âmbito do processo insolvencial, nem durante o período de cessão subsequente – artigo 235.º -, ressalvadas as situações a que alude o artigo 245.º). Se, pelo contrário, a exoneração for recusada, manter-se-ão na esfera jurídica do devedor e a seu cargo os créditos não satisfeitos pelas forças da massa insolvente.[7] Entre as obrigações que o devedor terá de cumprir encontra-se a de informar sobre os rendimentos auferidos (na forma e no prazo em isso que lhe seja solicitado) e a de ceder os rendimentos disponíveis, os quais serão afectados aos fins previstos no artigo 241.º e determinados por contraposição com os rendimentos necessários a uma subsistência humana e socialmente condigna e que cabe ao juiz quantificar e fixar (o chamado rendimento indisponível). Com efeito, prescreve o artigo 239º: “1 – Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º. 2 - O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte. 3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) dos créditos a que se refere o art. 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) do que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor. 4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores. (…)”. Resulta deste preceito, designadamente da sub-alínea b)-i) do seu n.º 3, que o legislador fixou, como regra, um limite máximo correspondente a três salários mínimos (só excepcionalmente podendo tal limite ser excedido e apenas mediante decisão do juiz devidamente fundamentada) como sendo o necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. [8] Apesar de não ter sido estipulado qualquer montante mínimo para esse efeito, como tem vindo a ser pacificamente defendido, não deverá o mesmo ser inferior à retribuição mínima mensal garantida (que, em 2025, ascende a 870€[9]), uma vez que esta, como defendido pelo Tribunal Constitucional, corresponderá ao “estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador”.[10] Porém, não concretizando o preceito o que se deve entender por “sustento minimamente digno“, tendo o legislador optado por um conceito aberto e indeterminado, terá o mesmo que ser preenchido pelo julgador, perante as concretas circunstâncias do caso (terá tal conceito de ser objectivado face à singularidade que reveste a situação concreta do devedor). Será, pois, o juiz quem terá de aferir e definir o que deverá ser entendido por esse mínimo (fazendo uma apreciação e ponderação casuística da situação e só depois formulando o competente juízo quanto à fixação do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos), sendo que, para o efeito, não poderá deixar de ter em conta que se trata de uma situação transitória, que não visa, sem mais, desresponsabilizar o devedor (o que configuraria um perdão generalizado das dívidas, resultado que o legislador não quis prever).[11] Nessa medida, sempre o devedor deverá ter cautela e contenção nas despesas que venha a assumir. Mais concretamente, terá o devedor que estar consciente da impossibilidade de manutenção do nível de vida que até então desfrutava, reduzindo as suas despesas ao estritamente necessário, tanto mais que não são apenas os seus interesses que estão em causa, mas igualmente os dos seus credores, a quem é imposto um sacrifício na satisfação dos respectivos créditos. Visa-se, pois, um equilíbrio entre estes dois interesses contrapostos (o sacrifício financeiro dos credores justifica proporcional sacrifício do insolvente, apenas se impondo como limite o seu sustento minimamente condigno). Aliás, a quantia a reservar para o sustento do devedor (e que assim ficará excluída do rendimento disponível), terá que ser apurada, não em função das concretas despesas suportadas – sob pena de o limite máximo previsto no artigo 239.º, n.º 3, al. b) – i) configurar letra-morta -, mas antes com base no que é razoável despender, com um mínimo de dignidade para esse mesmo sustento[12] - “o critério da dignidade da pessoa humana encontra-se associado à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias do devedor e seu agregado”.[13] [14] Para aferição do rendimento indisponível (necessário ao invocado sustento minimamente digno) haverá, pois, que valorar as condições pessoais e a vida do insolvente e respectivo agregado familiar. Nas palavras de Ana Filipa Conceição, “englobam as quantias destinadas ao sustento digno do devedor, em geral, as relacionadas com alimentação, vestuário, habitação, despesas de saúde, despesas de educação dos filhos menores e transportes dos membros do agregado familiar, tanto para a escola, como para o local de trabalho”.[15] [16] O que exceder o montante assim determinado terá que ser entregue ao fiduciário e destinado aos credores. Reportando ao caso, constata-se que a decisão recorrida fixou o rendimento indisponível no correspondente a uma RMMG, devendo ser cedido à fidúcia tudo o que exceda esta última. A apelante contrapõe que, em face das despesas supervenientes com que se vê agora confrontada, o montante fixado não se revela suficiente. Estão em causa despesas medicamentosas (que a mesma passou a ter que despender devido ao seu estado de saúde) e, ainda, a comparticipação que a mesma alega estar a efectuar para pagamento do lar no qual a mãe está internada (não obstante nenhuma prova tenha carreado para o processo quanto à concreta medida dessa comparticipação). Sucede que nenhuma dessas vicissitudes tinham sido comunicadas ao processo, razão pela qual não foram (como não poderiam ter sido) valoradas na decisão recorrida. Apesar de, em face do agora alegado em sede de recurso, serem já as mesmas conhecidas da devedora desde data anterior àquela em foi proferido o despacho recorrido (segundo a mesma refere, desde Maio de 2025). Decorre do artigo 239.º, n.º 3, al. b) - iii), que a demonstração de alteração das circunstâncias que estiveram subjacentes ao despacho liminar ou a comprovação da existência de qualquer despesa extraordinária, permitem ao exonerando vir ao processo solicitar que seja o montante fixado a título de rendimento indisponível revisto/alterado ou que a eventual verba correspondente às despesas com que passou a ser confrontado sejam excluídas do rendimento disponível. Como tem sido entendimento jurisprudencial, é sempre admissível a ulterior alteração do circunstancialismo que esteve na origem da fixação do montante necessário para o sustento minimamente digno, a requerimento fundamentado do devedor, ponderado que seja o agravamento das despesas relevantes e atendíveis que devam ser excluídas da cessão. Como sumariado no acórdão desta Secção de 04/06/2024[17], “A decisão de exoneração do passivo restante (em que se determina o montante a excluir do rendimento disponível) à semelhança das decisões proferidas na jurisdição graciosa, goza de uma imutabilidade “diminuída”, podendo ser alterada, se circunstâncias supervenientes o impuserem, isto é, se se alterar a situação que ela visa regular.” [18] No caso, o despacho liminar ainda não se mostra transitado em julgado. Mas, para além de não estarmos perante circunstâncias supervenientes ao momento em que foi proferido o despacho liminar aqui visado (apenas o sendo com relação ao momento em que foi deduzido o incidente de exoneração), apenas agora, em sede de recurso, foi tal circunstancialismo fáctico invocado. Ou seja, nenhum requerimento foi dirigido à 1.ª instância peticionando o que agora se pretende pela via recursória. Por assim ser, inexiste fundamento para censurar o despacho recorrido, no qual se valoraram e julgaram as necessidades da devedora em conformidade com os elementos que, à data, estavam disponíveis e que pela mesma tinham sido carreados para o processo (ou que do mesmo resultavam). Por outras palavras, no despacho recorrido atendeu-se, como sempre teria de suceder, à concreta situação de facto existente e vertida no processo (o que, diga-se, a recorrente não deixa de reconhecer, já que não impugnou a factualidade dada como assente, apenas tendo intentado, sem sucesso, que à mesma fossem aditados os factos que agora alegou). E, nesse quadro, a fixação do rendimento indisponível como correspondendo a uma RMMG afigurava-se adequada à concreta situação da insolvente, já que o mesmo, perante um padrão de normalidade, se revela apto a satisfazer as necessidades/despesas que qualquer pessoa (na situação em que a devedora se encontrava) terá que suportar, ao que acresce não terem então sido alegadas quaisquer outras particulares ou especiais despesas que levassem a que assim se não entendesse. Consequentemente, mostra-se o despacho recorrido isento de censura, sem prejuízo do que a seguir se dirá. Sendo inquestionável que sempre o montante fixado a título de rendimento indisponível poderá ser alterado desde que o tenham sido as circunstâncias que estiveram subjacentes à decisão que o fixou (porquanto o trânsito em julgado dessa decisão fica sujeito a uma cláusula rebus sic stantibus, ou seja, é temporalmente limitado, “apenas garantindo a incontestabilidade e a imodificabilidade do nela decido na estrita medida em que os pressupostos da decisão proferida não sofra alterações/modificações que demandem a alteração do decidido”[19]), nunca tal alteração seria de determinar por esta Relação. Senão vejamos: Qualquer pretendida alteração com base em circunstâncias supervenientes implica que o exonerando formule e dirija ao tribunal requerimento fundamentado nesse sentido (seja para efeitos de alteração/aumento do montante fixado a título de rendimento indisponível, seja para efeitos de exclusão de concretas despesas que o mesmo tenha que suportar). Como decorre do já exposto, assim não sucedeu (já que a devedora optou pela interposição do presente recurso), pelo que inexiste qualquer pronúncia da 1.ª instância quanto a esta matéria. Uma vez mais há a salientar tratar-se de questão nova, a qual não poderá ser apreciada e decidida por esta instância superior (tanto mais que a decisão que vier a ser proferida quanto a essa matéria será ela própria sindicável mediante interposição de recurso). Mas, importa também mencionar os seguintes aspectos: - Resulta da documentação cuja junção foi admitida que a devedora necessita de medicação, sendo que, em face do constante do Doc. 1, pelo menos com relação a um dos medicamentos prescritos, a toma foi aconselhada por um período de 9 meses -“Sertralina, 100 mg, Comprimido revestido por película, Blister – 60 unidade(s) – 1 comprimido, pequeno-almoço, durante 9 meses”. Não obstante assim ser, inexistem elementos capazes de permitir ajuizar do real custo que daí possa resultar (sendo que as facturas cuja junção foi admitida não colmatam tal falta), para além de também se desconhecer se a necessidade de toma se irá prolongar ao longo da globalidade dos três anos da cessão e com que cadência. Como tal, nunca tal circunstância seria apta a alterar o montante fixado a título de rendimento indisponível. Quanto muito, poderia permitir a exclusão da cessão dos valores que documentalmente a devedora venha a comprovar ter pago a esse título (tal como permitido pelo artigo 239.º, n.º 3, al. b), iii). Mas, mesmo que, em abstracto, se possa admitir que a situação de facto valorada no despacho recorrido não seja a mesma que exista actualmente (seja no que concerne a despesas do foro médico ou medicamentoso, sejam quaisquer outras, como será a alegada comparticipação nas despesas do lar onde a mãe da devedora se encontra), a eventual “reavaliação” do caso (para ponderação dessa exclusão) sempre terá que ser feita pelo tribunal a quo se e quando as despesas surjam e em face do que efectivamente seja comprovado (uma vez mais não podendo esta Relação substituir-se ao tribunal recorrido nessa apreciação/decisão). Caberá à recorrente, caso assim o entenda, diligenciar nesses moldes junto do tribunal recorrido e, caso assim suceda, competirá a este último apreciar e decidir em conformidade (decisão que nunca terá efeitos retroactivos susceptíveis de afectar o despacho liminar). Pelo que a invocação de alteração da situação de facto apenas em sede de alegações de recurso não permite censurar o que pelo despacho liminar foi decidido, sem prejuízo de poder ocorrer nova ponderação pela 1.ª instância. *** IV - DECISÃO Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia. Lisboa, 11 de Novembro de 2025 Renata Linhares de Castro Manuela Espadaneira Lopes Susana Santos Silva _______________________________________________________ [1] Diploma ao qual nos estaremos a referir sempre que se invocar algum artigo sem menção à respectiva origem. [2] Podendo ler-se nesse requerimento: “(…) aceitando o pedido de alteração da cessão para o montante mensal correspondente ao equivalente a 1,5 SMN. // Considera que os fundamentos apresentados (doença contraída pela própria e despesas com a instituição da progenitora) correspondem a uma alteração da sua vida financeira, posterior à data da insolvência, e que justificam a alteração do seu rendimento indisponível para o valor mensal de 1,5 SMN.” [3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção declarativa comum, Almedina, 4ª edição, pág. 291. [4] ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Almedina, 2.ª edição, reimpressão, 2020, pág. 813. [5] Nesse sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, 2020, págs. 29-30 – “Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, com exceção da possibilidade de serem suscitadas ou apreciadas questões de conhecimento oficioso, v.g. a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes.”. [6] In Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 3.ª edição, 2025, pág. 772. [7] O instituto em apreço surge justificado no preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE como uma conjugação inovadora do “princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, acrescentando-se que “a efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período da cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência) que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.” [8] A razão de ser da exclusão de certos rendimentos - como sucede na sub-alínea i) - assenta na designada função interna do património (base ou suporte de vida do seu titular) e na sua prevalência sobre a função externa (garantia geral dos credores). [9] Cfr. Decreto-Lei n.º 112/2024, de 19/12. [10] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, de 02/07/2002 (Proc. n.º 546/01, relatora Maria dos Prazeres Beleza), publicado no DR, n.º 150/2002, Série I-A, de 02/07/2002, págs. 5158-5163. Cfr., ainda, acórdão desta Secção de 21/03/2023 (Proc. n.º 4479/22.1T8FNC-C.L1, relatora Fátima Reis Silva), no qual, pronunciando-se sobre o artigo 239.º, se escreveu: “O limite mínimo, que não objetivado no preceito deve situar-se no montante equivalente a um salário mínimo nacional, valor de referência em sede de penhora, nos termos do art. 738.º, nº3 do CPC, por similitude de razões, sem que isso signifique ser esse valor o critério base de aferição do que seja a quantia razoavelmente necessária para o sustento minimamente digno do devedor.” - disponível in www.dgsi.pt, onde poderão ser consultados todos os demais que vierem a ser citados, sem menção à respectiva fonte [11] Como escreveu LETÍCIA MARQUES COSTA, A Insolvência de Pessoas Singulares, 2021, Almedina, pág. 209, “a exoneração do passivo restante é uma espécie de prémio conferido ao insolvente, caso ele cumpra uma série de obrigações durante aquele período de cinco anos – agora de três anos -, mas não poderá ser um puro perdão de dívidas. Assim, uma das obrigações passa por esta entrega de parte do seu rendimento para pagamento aos credores.” (texto escrito em momento anterior ao da publicação da Lei n.º 9/2022, de 11/01). [12] Não poderá o julgador ficar subjugado a qualquer critério assente numa mera soma contabilística das despesas invocadas (mesmo que as mesmas estejam plenamente demonstradas), sob pena de se poder estar a pactuar com o assumir de despesas superiores ao próprio rendimento auferido pelo devedor. [13] LETÍCIA MARQUES COSTA, obra citada, pág. 213. [14] O princípio da dignidade da pessoa humana mostra-se contido nos artigos 1.º, 13.º, 59.º, n.º 1 e 67.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, e decorre igualmente do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (“a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários.”). [15] Breves notas sobre a admissão da exoneração e a cessão de rendimentos em particular, in www.julgar.pt., pág. 14. [16] Por se revelar pertinente e esclarecedor quanto a esta matéria, veja-se o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 04/02/2020 (Proc. n.º 1350/19.8T8LRA-D.C1, relatado por Maria João Areias). [17] Proc. 25578/23.7T8LSB-C.L1, relator Manuel Ribeiro Marques, cujo sumário está disponível na página oficial desta Relação de Lisboa. Mas, como salientado no acórdão da Relação do Porto de 21/02/2022 (Proc. n.º 2083/15.0T8VNG-G.P1, relator Manuel Domingos Fernandes), “Não se trata, como é bom de ver, de requerer ao juiz que aumente o valor excluído da cessão para fazer face a uma despesa anteriormente alegada e tida em conta na fundamentação da decisão anterior, mas de alegar o surgimento de uma nova despesa, não prevista anteriormente por a sua necessidade não ser certa ou previsível nesse momento. // Para o efeito, impõe-se a este a formulação de requerimento fundamentado, proferindo-se nova decisão, ponderada que seja a alteração dos pressupostos, nomeadamente o agravamento das despesas relevantes e atendíveis que devam ser excluídas da cessão.” [18] Citando ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, págs. 167-168, “Há decisões que pela sua própria índole são instáveis; assentam sobre determinado condicionalismo susceptível de oscilação; produzida a modificação desse condicionalismo, a sentença pode, lògicamente, ser alterada, embora tenha transitado em julgado”. [19] Acórdão da Relação de Guimarães de 22/06/2023 (Proc. n.º 1824/20.8T8GMR.G1, relator José Alberto Moreira Dias), no qual se pode ainda ler: “A enunciada alterabilidade da decisão que fixa o rendimento indisponível no âmbito do incidente de exoneração, apesar do respetivo trânsito em julgado, decorre não só da própria natureza das coisas, mas da própria lei. // Decorre da própria natureza das coisas quando se pondera que o rendimento indisponível corresponde ao rendimento que o devedor não tem de entregar ao fiduciário durante o período de cessão, por corresponder ao rendimento que é necessário e indispensável para assegurar o sustento minimamente digno do próprio devedor e do seu agregado familiar; aos critérios legais que presidem à fixação desse rendimento indisponível, os quais dependem da composição do agregado familiar do devedor e suas necessidades, fatores esses que não são estáticos no tempo; da circunstância do período de cessão apenas se iniciar com o encerramento do processo de insolvência, e que esse encerramento poderá ocorrer em momentos bem distintos (cfr. art. 230º, n.º 1), e que, por isso, esse período de cessão poderá iniciar-se em momento mais ou menos dilatados no tempo em relação à data da prolação do despacho de deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante e em que, consequentemente, se fixou o rendimento indisponível ao devedor; e, finalmente, quando se pondera que o período de cessão tem uma duração de três anos, período de tempo esse suficientemente amplo, onde poderão ocorrer múltiplas alterações na composição do agregado familiar do devedor e das suas necessidades. // Acresce que, no art. 239º, n.º 3, al. b), iii), prevê-se expressamente integrar o rendimento indisponível “outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior”, o que é bem demonstrativo que na mente do legislador está a alterabilidade da decisão que fixa o rendimento indisponível ao devedor, apesar do seu trânsito em julgado, com fundamento em circunstâncias supervenientes que demandem a alteração desse rendimento. // Essas circunstâncias supervenientes não são naturalmente circunstâncias que já existiam quando o devedor solicitou que lhe fosse concedido o benefício de exoneração do passivo restante, mas que o mesmo não cuidou em alegar, ou que tendo alegado, não provou e, que, por isso, não foram consideradas na decisão antes proferida que lhe fixou o rendimento indisponível. // As circunstância supervenientes que fundamentam a alteração da decisão antes proferida e transitada em julgado, que fixou o rendimento indisponível ao devedor, terão de ser necessariamente factos ocorridos historicamente após a prolação dessa anterior decisão e que, por isso, nela não podiam ser considerados (…).” |