Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2531/24.8T8BRR-D.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
INSOLVÊNCIA
FACTOS-INDICES
SUSPENSÃO GENERALIZADA DE PAGAMENTOS
IMPOSSIBILIDADE DE SATISFAÇÃO PONTUAL DAS OBRIGAÇÕES
FIXAÇÃO DE RESIDÊNCIA
DEVEDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado pela relatora)
I – A nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia – artº 615º, ñº1, alínea d), do C.P.Civil - só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual (e cuja resolução não tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras) não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão.
II – Existirá excesso de pronúncia nos termos do mesmo normativo quando na sentença tenham sido apreciadas questões de facto e de direito que não tenham sido invocadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.
III – A contradição geradora da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão – alínea c) do nº1 do artigo supracitado - ocorre nas situações em que se verifica uma contradição lógica entre os fundamentos invocados na sentença e a conclusão alcançada, ou seja, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado diferente.
IV- Para que possa ser declarada a insolvência com fundamento na verificação do facto índice previsto na alínea a) do nº 1 do artº 20º do CIRE é necessário que tenha ocorrido uma paralisação generalizada do cumprimento das obrigações do devedor de índole pecuniária.
V- Já o preenchimento da alínea b) do mesmo normativo – falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações – pode resultar apenas de algumas faltas de pagamento ou mesmo de uma só, desde que feitas em circunstâncias de onde se possa inferir a impossibilidade de incumprimento das obrigações vencidas.
VI- A sentença que declare a insolvência do devedor, deve, entre o mais, identificar e fixar residência aos administradores, de direito ou de facto, do devedor, bem como ao próprio devedor, se este for pessoa singular - artigo 36º, nº 1, alínea c) do CIRE.
VII- Não obstante não ter sido possível a citação dos insolventes na morada indicada na petição inicial, coincidente com a que consta das Bases de Dados e enquanto não apurada qualquer outra morada concreta, terá que ser aquela a considerar para efeitos de fixação da residência aos insolventes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – Relatório
S… - STC, S.A., instaurou processo especial de insolvência, peticionando a declaração de insolvência de N… F… e E… V…
Após a realização de diligências várias com vista à citação dos requeridos, foi a mesma dispensada ao abrigo do disposto no artº 12º, nºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Após, foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Na sequência de convite do tribunal para o efeito, a requerente apresentou alegações escritas e foi proferida sentença declarando a insolvência dos requeridos.
Após a notificação da sentença, os requeridos interpuseram recurso, recurso esse que não foi admitido pelo tribunal da 1ª instância.
Desse despacho apresentaram reclamação nos termos do disposto no artº 643º do C.P.Civil, a qual foi julgada procedente, tendo, nessa sequência, aquele despacho sido substituído por outro que admitiu o recurso, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
No recurso que interpuseram, os requeridos formularam as seguintes CONCLUSÕES:
1. Sublinha-se que os recorrentes não foram citados nestes autos, não foram notificados da sentença e foi dispensada pelo Juízo a quo a audiência dos devedores, na forma do artigo 12° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
2. Portanto, o presente recurso deve ser considerado tempestivo, porque os recorrentes somente tomaram conhecimento dos factos e da sentença em 15/04/2025 (referência 42578071), isto é, quando do deferimento da junção de suas procurações e autorização de consulta do processo através da plataforma Citius.
3. Na tentativa de citação dos recorrentes na Rua A…, Montijo, morada dos autos, esta resultou frustrada, tanto pela via postal (CTT), bem como por Agente de Execução.
Ambos certificaram que os recorrentes se encontravam a viver no Brasil (comprovativo do CTT em 25/10/2024 - Referências 40850922 e 40850923; comprovativo do Agente de Execução em 22/11/2024 (referência 41143189).
4. Os recorrentes são naturais do Brasil, facto que constou na Escritura de Compra e Venda junta com a petição inicial, sendo que a segunda recorrente não esteve presente ao acto notarial e sua morada em Portugal sequer foi mencionada no referido instrumento.
5. A verdade é que os recorrentes vivem no Brasil desde sempre, na Rua …, São Paulo, Brasil, local onde deve ser fixada a residência dos mesmos, ex vi o artigo 36°, alínea c) do do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
6. O artigo 36°, n°1, alíneas b) e c) do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, prescreve que na sentença de declaração de insolvência deve o juiz fixar a residência do devedor insolvente.
7. O objectivo da referida fixação de residência é o de estabelecer a localização do devedor insolvente, restringindo-lhe a liberdade de alterar a residência, de modo a assegurar que esteja sempre contactável para o cumprimento de suas obrigações, nomeadamente o dever de apresentação e colaboração, nos termos do artigo 83° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
8. Ora, na sentença o Juízo fixou a residência habitual dos recorrentes na Rua A…, Montijo, local que o Tribunal teve conhecimento através do funcionário distribuidor do CTT e do Agente de Execução, não se tratar do domicílio habitual dos recorrentes, uma vez que estavam a viver no Brasil, conforme foi sustentado nos artigos deste recurso.
9. A fixação da residência ao devedor insolvente deve resultar do apuramento e apreciação de todos os elementos constantes dos autos relevantes para o efeito, ex vi o artigo 36°, n°1, alínea c) do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas. A prova documental e as certificações de CTT e Agente de Execução indicam claramente a residência dos recorrentes no Brasil, o que torna ilegal a fixação em morada nacional.
10. Portanto, em razão dos referidos elementos probatórios, é de concluir que a residência dos recorrentes é no Brasil e não em Portugal, o que impõe a revogação da indicação e fixação da morada, passando a constar como sendo Rua …, São Paulo, Brasil.
11. Em razão do exposto, a sentença deve ser declarada nula, nos termos do artigo 615° do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 17º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
12. Por outro lado, a sentença deve ser revogada porque concluiu, por suposição, que os recorrentes devem ser considerados em situação de insolvência, uma vez que se encontram impossibilitados de cumprir as suas obrigações vencidas.
13. A sentença referiu inicialmente que: “No que toca ao ónus da prova, há que considerar que, ao credor requerente da insolvência é quase impossível demonstrar a carência de meios para satisfação das obrigações vencidas”.
14. No seguimento a sentença referiu que: “Consciente desta dificuldade, a lei basta-se, nos casos de requerimento de declaração de devedor por outros legitimados, com a prova de um dos factos enunciados no art. 20º, nº 1, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (...)”
15. Entretanto, concluiu a sentença, de forma contraditória que:
“Não se apuram factos que permitam concluir que, de forma generalizada, os requeridos suspenderam o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas, razão pela qual não podemos ter por verificada a previsão da alínea a), do n° 1, do artigo 20° Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No caso dos autos temos verificado um incumprimento dos requeridos para com a requerente (...)
O montante da obrigação e a sua natureza, somado com a longevidade do incumprimento levam à conclusão pela impossibilidade de cumprimento, pelos requeridos, da generalidade das suas obrigações vencidas.
Por outro lado, o imóvel propriedade dos requeridos tem valor patrimonial substancialmente inferior aos créditos conhecidos (...)
Fica, assim, demonstrada a situação de insolvência dos requeridos pelo que, nos termos dos arts. 3°, n°s 1 e 2 e 20°, n° 1, al. B) do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, cabe declará-la de imediato na presente sentença”.
16. Ressalta-se, portanto, como já referido, que o Juízo a quo, por suposição, concluiu a situação de insolvência dos recorrentes e com fundamento no artigo 20°, n° 1, al. b) do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, isto é, concluiu que a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
17. Entretanto, afirmou anteriormente na sentença, como visto, que “não se apuram factos que permitam concluir que, de forma generalizada, os requeridos suspenderam o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas”.
18. Ou seja, a sentença refere que não se apuram indícios de incumprimento generalizado, excluindo a incidência da alínea a) do artigo 20°, mas decide com base na alínea b) do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que constitui contradição entre os fundamentos e a decisão e impõe a nulidade do artigo 615°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
19. Entretanto, ao contrário do que afirma a sentença, o referido imóvel propriedade dos recorrentes tem valor de mercado superior a €300.000,00, o que prova ter ocorrido a valorização do activo, não obstante o valor tributável de € 97.227,53, constante na caderneta predial urbana junta com a petição inicial.
20. As regras de experiência comum autorizam concluir que o valor tributável é irreal, pois não reflecte o valor actual de mercado e pode causar erro na apreciação da insolvência, nos termos do artigo 3°, n° 2, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
21. No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/05/2020, processo n° 10704/18.5T8LSB.L1-6 (disponível em www.dgsi.pt).
22. Ter em consideração o valor tributável do imóvel para concluir que o passivo dos recorrentes é manifestamente superior ao activo não é razoável, data venia, visto que, se partirmos desta premissa, todo mutuário ao celebrar um contrato de empréstimo, visando obter crédito habitação já estará em estado de insolvência, uma vez que o valor de compra e venda da habitação, será sempre um valor muitas vezes superior ao valor tributável constante na caderneta predial do imóvel negociado.
23. Portanto, este facto, só por si, não deve caracterizar estado de insolvência conforme decidiu o Juízo a quo e a jurisprudência supra referida.
24. O valor tributável, na verdade, é irreal no actual mercado nacional imobiliário, conforme autorizam concluir as regras de experiência comum e as publicidades referidas no artigo 24 deste recurso.
25. Portanto, tendo em consideração que o valor de mercado do imóvel dos recorrentes é superior a €300.000,00, é inevitável concluir que os recorrentes poderiam vendê-lo no actual mercado imobiliário pelo referido preço, o que seria suficiente para liquidar todas as dívidas referidas nestes autos.
26. O referido facto demonstra que a situação de insolvência dos recorrentes é inexistente, uma vez que seu activo é, em tese, manifestamente superior ao passivo, o que afasta a incidência do artigo 3º, n° 2 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
27. Portanto, em face do quadro fáctico circunstancial apurado e diante das argumentações ora apresentadas, não se justifica a declaração de insolvência dos recorrentes.
28. Em razão do exposto, demonstrado está que a sentença deve ser reformada, nos termos do artigo 616°, n° 2, alínea b) do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 17º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Terminaram peticionando que seja declarada a nulidade da sentença, com a fixação de sua residência na Rua … São Paulo, Brasil, declarada a nulidade, nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil, em razão de os fundamentos estarem em oposição com a decisão e a revogação da sentença a quo, substituindo-a por acórdão que julgue improcedente a declaração de insolvência.
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A recorrida apresentou Contra-Alegações, CONCLUINDO:
a) Os Recorrentes, apesar de alegarem residir no Brasil, porém, e estranhamente, na procuração forense conferida ao seu Ilustre mandatário a morada indicada é a de Portugal, onde dizem não habitar;
b) Sendo esta a morada para a qual foram encetadas todas as tentativas de citação.
c) Legitimo questionar, como é que os Recorrentes tomaram conhecimento da sentença que declarou a sua insolvência e presumir que tiveram conhecimento da sentença muito antes da junção das procurações nos autos.
d) Sendo válido considerar que se constituíram mandatário, é porque já tinham tido conhecimento da sentença proferida.
e) Pretendam que a fixação da sua morada seja no Brasil, quando indicam na procuração forense que a sua morada é na Rua A…, Montijo, justamente a morada que consta das bases de dados disponíveis e onde foi efectuada a sua tentativa de citação pessoal.
f) Pela factualidade que se foi relatando, deverá concluir-se pela aplicação do disposto no artigo 638.º, n.º 4 CPC, sendo forçoso considerar extemporâneo o recurso apresentado.
g) Alegam ainda os Recorrentes que o imóvel tem um valor de mercado superior ao VPT, porém, não apresentam qualquer prova documental válida que permita sustentar a sua posição.
h) Não sendo a existência de um activo patrimonial com um valor superior ao passivo, que afasta a insolvência, mas sim a efectiva capacidade dos Requeridos cumprirem as obrigações naquele momento.
i) Assim, a existência de um bem patrimonial que poderá eventualmente ter um valor de mercado superior, ou que apenas por mero raciocínio se concede, não elimina, por si só, a situação actual de insolvência, caso os recorrentes não consigam cumprir as suas obrigações vencidas.
j) A alegação de que o imóvel tem um valor de mercado superior, não vem sustentado com qualquer prova documental que prove o alegado, sendo apenas mera especulação.
k) Contrariamente à especulação trazida aos autos pelos Recorrentes, o valor patrimonial tributário (VPT), constitui um indicador legalmente aceite como base de referência, nos termos do Código do IMI.
l) E admitindo que o imóvel pudesse ter o valor de mercado alegado, não seria garantia imediata de liquidez, nem que pudesse ser vendido por tal valor.
m) Os recorrentes estão em incumprimento há 13 anos, pelo que é manifesta a sua falta de liquidez ou capacidade para o cumprimento imediato das suas responsabilidades.
n) Pelo que, outra conclusão não poderá ser retirada que será a de insolvência dos Recorrentes, devendo manter-se a sentença proferida.
Terminaram peticionando que o recurso seja julgado improcedente.
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Foram colhidos os vistos.
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Cumpre referir o seguinte:
A questão da intempestividade do recurso invocada pela recorrida encontra-se já decidida, conforme decisão proferida nos autos de reclamação instaurada nos termos do artº 643º do C.P.Civil, sendo que o recorrente beneficia de apoio na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo – cfr ofício do Instituto da Segurança Social junto em 30/07/25 aos autos principais -, pelo que também o requerido quanto à não admissibilidade das alegações por falta de pagamento da taxa de justiça pelos recorrentes não pode proceder.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos apelantes, importa decidir:
a) se a sentença recorrida é nula por omissão ou por excesso de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão;
b) se verificam, ou não, os pressupostos para a declaração de insolvência dos apelantes/requeridos e, em caso afirmativo,
c) se a residência fixada aos mesmos na sentença está em conformidade com o estabelecido na lei.
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III – Fundamentação
A- De Facto
I- Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1) Através de escritura pública de cessão de créditos, outorgada no dia 23 de Setembro de 2022, lavrada no Cartório Notarial de …, em Lisboa, o Banco …, S.A., cedeu à ora Requerente S… – STC, S.A., o crédito ora reclamado sobre os requeridos, acompanhado de todos os direitos, garantias e acessórios aos mesmos, designadamente hipotecas, consignação de rendimentos, bem como a posição processual nos processos judiciais relativos a cada um dos créditos cedidos (na sentença ficou a constar no início deste ponto dos factos provados “A S… – STC, S.A.”, o que se ficou a der a mero lapso de escrita e que, por isso, na transcrição ora efectuada se corrigiu).
2) O Banco B…, S.A., no exercício da sua actividade, por Contrato de Mútuo com
Hipoteca, celebrado em 21.07.2008, concedeu aos ora Requeridos, na qualidade de mutuários, um crédito no montante global de € 103.000,00 (cento e três mil euros).
3) O referido empréstimo deveria ser amortizado em 456 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros.
4) Ficou convencionado a constituição de hipoteca em garantia do referido empréstimo, dos juros contados à taxa de 5,521%, da sobretaxa de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, das despesas extrajudiciais de € 4.120,00, que se fixam para efeitos de registo.
5) Os ora requeridos deixaram de cumprir o contrato em 21.04.2012, deixando de pagar as prestações a que se encontravam adstritos, tendo, por esse motivo, o ora requerente resolvido o contrato por incumprimento, fixando-se o capital, nessa data, em € 98.350,32.
6) A referida hipoteca encontra-se registada sob as AP. 9 de 2008/06/20 (averbamento AP. 4716 de 2023/01/17).
7) Com referência à data de 27 de Setembro de 2024, encontra-se em dívida, a quantia de € 158.843,96 (cento e cinquenta e oito mil oitocentos e quarenta e três euros e noventa e seis cêntimos).
8) Igualmente no exercício da sua actividade, o Banco B…, S.A., por Contrato de
Abertura de Crédito com Hipoteca, celebrado em 21.07.2008, concedeu aos ora Requeridos, na qualidade de mutuários, um crédito no montante global de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros).
9) O referido empréstimo deveria ser amortizado em 456 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros.
10) Ficou convencionado a constituição de hipoteca em garantia do referido empréstimo, dos juros contados à taxa de 5,491%, da sobretaxa de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, das despesas extrajudiciais de € 1.080,00, que se fixam para efeitos de registo.
11) Os ora Requeridos deixaram de cumprir o contrato em 21.04.2012, deixando de pagar as prestações a que se encontravam adstritos, tendo, por esse motivo, o ora Requerente resolvido o contrato por incumprimento, fixando-se o capital, nessa data, em € 25.783,49.
12) A referida hipoteca encontra-se registada sob as AP. 16 de 2008/06/20 (averbamento AP. 4718 de 2023/01/17).
13) Com referência à data de 27 de Setembro de 2024, encontra-se em dívida, a quantia de € 40.676,29 (quarenta mil seiscentos e setenta e seis euros e vinte e nove cêntimos).
14) Em face do incumprimento dos contratos referidos supra, o Banco B…, S.A., avançou com acção executiva para ressarcimento do valor em dívida, a qual assumiu o n.º de processo … e correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Execução de … – Juiz 1.
15) Tem a Requerente conhecimento da pendência de outras acções executivas movidas contra os aqui Requeridos, através do registo das respectivas penhoras no imóvel
hipotecado.
16) Acrescem, portanto, como credores:
• AP. 3633 de 2012/12/28 - FAZENDA NACIONAL - 5.103,86 Euros;
• AP. 2890 de 2013/12/13 – BANCO B…, S.A. - 129.881,33 Euros;
• AP. 4896 de 2015/03/12 – FAZENDA NACIONAL - 929,82 Euros;
• AP. 1770 de 2017/01/25 - FAZENDA NACIONAL - 2.494,09 Euros;
• AP. 287 de 2017/03/09 – FAZENDA NACIONAL - 10.481,27 Euros;
• AP. 16 de 2017/05/29 – FAZENDA NACIONAL - 660,97 Euros;
• AP. 2033 de 2017/05/31 – FAZENDA NACIONAL - 612,22 Euros.
17) Apenas se conhece que os Requeridos sejam proprietários da fracção autónoma designada pela letra G, correspondente ao terceiro andar esquerdo destinado a
habitação, composto por 4 assoalhadas, 1 cozinha, 2 wc, 2 vestíbulos/corredores, 2 despensas/arrecadação, 2 roupeiros, 2 varandas, 1 parqueamento do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Montijo, Rua A … Freguesia de …, Concelho de Montijo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o n.º … da freguesia de Montijo.
18) O imóvel, único activo conhecido dos requeridos, tem um valor tributável de € 97.227,53 (noventa e sete mil duzentos e vinte e sete euros e cinquenta e três cêntimos).
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II- Com relevo para a decisão e atento o que consta dos autos, encontram-se ainda provados os seguintes factos:
19) Em 11/10/2024 foi proferido o seguinte Despacho:
“Cite os requeridos para, no prazo de 10 dias, querendo, deduzirem oposição, nos termos dos arts. 29.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1, do CIRE, com a advertência da cominação prevista no n.º 5 do art. 30.º, do CIRE, e de que os documentos referidos no n.º 1 do art. 24.º devem estar prontos para imediata entrega ao administrador da insolvência na eventualidade de a insolvência ser declarada. Advirta, ainda, os requeridos de que com a oposição deverão juntar lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão da requerente, com indicação do respectivo domicílio.
Deverão, ainda, juntar aos autos certidão do assento de nascimento da requerida.
Caso se frustre a citação, proceda a consulta nas bases de dados da DGCI, da DSIC, da Segurança Social e do IMT a fim de apurar o domicílio dos requeridos. Obtendo-se moradas diversas da conhecida nos autos, cite via postal. Não se obtendo novas moradas ou frustrando-se, também naquelas, a citação via postal, cite através de solicitador de execução.”
20) Foram expedidas duas cartas registadas com aviso de recepção para citação de cada um dos requeridos, respectivamente, na seguinte morada:
Rua A…, Montijo;
21) Tais cartas foram devolvidas com a menção: “Devolvido (destinatário mudou-se – morada desconhecida)”;
22) Foram consultadas as respectivas Bases de Dados, apenas se tendo apurado a seguinte morada diferente relativamente à requerida, morada essa associada ao NIF:
Rua D…, Fátima;
23) Foi tentada a citação na morada referida em 19) através de solicitador de execução, a qual se frustrou em virtude de os requeridos não se encontrarem na morada e ser desconhecido o seu paradeiro, tendo sido obtida a informação, junto de amiga dos requeridos, que estes se encontravam no Brasil há um ano;
24) Foi tentada a citação da requerida na morada referida em 21), tendo a respectiva carta registada sido devolvida com a menção “Não reclamada”;
25) Foi tentada a citação na morada aludida em 21) através de solicitador de execução, a qual se frustrou por ser ali desconhecido o paradeiro da requerida;
26) Em 17/03/2025 foi proferido o seguinte Despacho:
“Nos presentes autos em que são requeridos N… F… e E… V… tentada a citação destes na morada indicada na petição inicial, o expediente respectivo foi devolvido.
Foram efectuadas as buscas previstas no art. 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e, obtida nova morada, foi tentada a citação, tendo novamente o expediente respectivo sido devolvido.
Tentada a citação através de solicitador de execução, também esta não teve sucesso.
Tendo em conta a factualidade supra descrita e o disposto no art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, sendo neste momento desconhecido o seu paradeiro, dispenso a audiência dos requeridos N… F… e E… V….
Notifique.
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Considerando que não foi requerida a produção de prova testemunhal, nem por declarações de parte, ao abrigo do princípio da adequação processual (art. 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), e a fim de evitar a deslocação dos intervenientes processuais apenas para efeito de alegações, proferir-se-á de seguida despacho saneador, de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova e determinar-se-á a notificação da requerente para, querendo, produzir alegações por escrito.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo segue a forma própria, e não apresenta nulidades que o invalidem.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade ad causam e encontram-se devidamente patrocinadas.
Não existem nem foram invocadas outras excepções dilatórias, questões prévias ou nulidades de que cumpra conhecer e que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.
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O objecto do litígio restringe-se, nos presentes autos, a apurar as questões referentes à existência do crédito alegado pela requerente e à solvabilidade dos requeridos, por forma a concluir pela procedência ou improcedência da presente acção.
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Constituem temas da prova apurar:
1.º - Da existência do crédito da requerente sobre os requeridos;
2.º - Da situação de insolvabilidade dos requeridos.
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Notifique a requerente para, querendo, no prazo de 5 dias, alegar por escrito.
Decorrido aquele prazo sem que nada seja consignado nos autos, conclua para decisão.”
27) A requerente apresentou alegações escritas e em 26-03-2025 foi proferida sentença, declarando a insolvência dos requeridos.
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B) Da invocada nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão
Começaram os recorrentes por alegar que são naturais do Brasil e que, atento o que consta da carta enviada para a sua citação e devolvida em 25/10/2024 - “Mudou-se – Ausente no Brasil”, da certidão negativa lavrada pela Agente de Execução em 22/11/2024 – “fui informada pela actual residente na fracção da morada que é amiga dos insolventes e que os mesmos se encontram no Brasil há um ano” e ainda da escritura de compra e venda da fracção – da qual resulta que os recorrentes são naturais daquele país -, a sua residência devia ter sido fixada na Rua … São Paulo, Brasil e não em Portugal.
Dizem que “se impõe a revogação da indicação e fixação da morada” e que “em razão do exposto, a sentença deve ser declarada nula, nos termos do artigo 615°, n°1, alínea d) do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 17º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
As nulidades da sentença e os vícios as estas subjacentes encontram-se previstos no art. 615º, nº 1, do CPC e quanto ao disposto na alínea d) deste normativo, a sentença é nula quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia incidem sobre as “questões” a resolver, nos termos e para os efeitos dos artigos 608º e 615º, nº 1, alínea d), do CPC, com as quais se não devem confundir os “argumentos” expendidos no seu âmbito
As questões aqui referidas são as relacionadas com o mérito da causa, balizadas pela pretensão deduzida, pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias invocadas e não se confundem com os argumentos aduzidos, sendo constante a jurisprudência dos nossos tribunais no sentido que aquele preceito apenas impõe que o tribunal resolva todas as questões que as partes hajam submetido a julgamento – cfr, entre muitos outros, Ac. STJ, de 16/02/1995, Cons. Ferreira da Silva, BMJ 444, págs 595 e ss.
O mesmo é defendido pela doutrina – cfr, entre outros, Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, pág. 551, Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, 2ª vol., pág. 646 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 54.
A nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Por sua vez, no que concerne ao excesso de pronúncia, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª Edição, Almedina, pág. 794, nota 3, estará em causa “… a apreciação de questões de facto e de direito que não tenham sido invocadas e não sejam de conhecimento oficioso…”
Os vícios determinativos de nulidade da sentença reportam-se à estrutura ou aos seus limites, tratando-se de defeitos de actividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
O que os recorrentes invocam – que a sua morada não corresponde à que foi fixada na sentença – não se enquadra em qualquer das situações que, de acordo com o que consta do normativo referido, pode dar origem à nulidade daquela. Trata-se, sim, como os próprios requeridos reconhecem, ao pedir a revogação do que foi fixado em termos de residência, de uma questão que se prende com o mérito do decidido nesta parte e, como tal, infra será apreciado.
Sustentam ainda que na sentença se refere que não se apuraram indícios de incumprimento generalizado pela sua parte das obrigações, excluindo-se, assim, o preenchimento da alínea a) do artigo 20° do CIRE, mas que se decidiu pelo decretamento da insolvência com fundamento na falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revela a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, ou seja, pelo preenchimento do facto índice previsto na alínea b) do mesmo artigo. Dizem que se está perante uma contradição entre os fundamentos e a decisão, o que torna a sentença nula nos termos da alínea c) do nº 1 do supra referido artº 615º.
Segundo o estabelecido nesta alínea, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Na sentença entendeu-se que, embora não se tivessem apurado factos que permitissem concluir que, de forma generalizada, os requeridos tivessem suspendido o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas, razão pela qual não deu por verificada a previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE, estava demonstrada a falta de cumprimento de obrigações que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, revela a impossibilidade de os devedores satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações. Com este fundamento, concluiu-se pela situação de insolvência nos termos dos arts. 3.º, n.ºs 1 e 2, e 20.º, n.º 1, al. b), do mesmo código.
Contrariamente ao que sustentam os requeridos, não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão: Na fundamentação da sentença concluiu-se que os requeridos se encontravam em situação de insolvência, em virtude de se encontrar verificado o facto índice previsto na alínea b) do nº 1 do supra citado artigo 20º e, na parte decisória, declarou-se a insolvência dos mesmos. O decidido está em conformidade com os fundamentos.
Situação diversa é a que passa por saber se o referido facto índice se pode considerar verificado, o que se prende com o mérito da causa e já não com qualquer nulidade da sentença.
Nestes termos, entende-se que a sentença não enferma das nulidades invocadas.
*
C- Da verificação dos pressupostos para declaração de insolvência dos requeridos/recorrentes
Sustentam os apelantes que, contrariamente ao que entendeu o tribunal a quo, os factos provados não permitem concluir pela situação de insolvência nos termos da alínea b) do artº 20º, nº1, alínea b), do CIRE – diploma a que pertencerão as normas infra citadas sem identificação de origem – e que, ao contrário do que ali se afirma, o imóvel de que são proprietários tem valor de mercado superior a € 300.000, não obstante o valor tributável ser apenas de € 97.227.53. Dizem que as regras de experiência comum permitem concluir que este valor é irreal e que, tendo em atenção o referido valor real de € 300.000,00, sempre o poderiam vender e obter quantia suficiente para liquidar todas as dívidas apuradas nos autos. Concluem que o seu activo é manifestamente superior ao passivo, pelo que não se justifica a declaração de insolvência.
Nos termos do art. 3º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas,
Ainda que no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o legislador tenha omitido a referência à pontualidade como característica essencial do cumprimento das obrigações vencidas, é evidente que só através da realização atempada das obrigações assumidas se satisfaz integralmente o interesse do credor e se pode considerar cumprida a obrigação a que o devedor se encontrar adstrito.
A lei não exige que o montante em dívida ou as circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade definitiva e em absoluto de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações, mas tão só que os factos indiciadores revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer tais obrigações pontualmente, bastando assim uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo seu montante, no conjunto do passivo vencido do devedor e/ou de outras circunstâncias, tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Por outro lado, e como sustenta Catarina Serra in Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2021, 2ª edição, pág. 56: “Insolvência no sentido acima referido (impossibilidade de cumprir) não coincide necessariamente com – e por isso não significa – uma situação patrimonial líquida negativa (superioridade do passivo face ao activo).
Com efeito, pode muito bem verificar-se a primeira sem se verificar a segunda: não obstante ser titular de um património sólido e abundante, o devedor vê-se impossibilitado de cumprir por lhe faltar liquidez. E pode verificar-se a segunda sem se verificar a primeira: não obstante não ter património suficiente para cumprir as obrigações, o devedor mantém a capacidade de cumprir por via do crédito que lhe é disponibilizado.”
Um credor, relativamente a devedor que considere em situação de insolvência, pode requerer em tribunal que o mesmo seja declarado insolvente desde que se verifique algum dos factos indícios de insolvência previstos pelo art. 20º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Dispõe o aludido artigo 20º, nº1:
“1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando--se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
(…)”
Ao devedor cabe provar a sua solvência, demonstrando que não se verificam quaisquer dos invocados “factos índice” ou que, não obstante a verificação de tais factos, não se verifica, no caso concreto, a situação de insolvência – artº 30º, nº3.
Como se diz no Ac. do TRL de 29/09/2020, Procº nº 3579/19.0T8VFX-B.L1, Amélia Rebelo e subscrito pela ora relatora na qualidade de 1ª adjunta e ao que sabemos, não publicado:
“Os factos indício da situação de insolvência são assim designados, não por referência a um qualquer juízo probatório sumário dos factos em que se suporta a verificação da situação da insolvência, mas por referência ao valor presuntivo da situação de insolvência que o legislador atribuiu e/ou reconheceu a esses mesmos factos que, a título de exemplo padrão expressamente previu, e o que é unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência. A título de exemplo, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao art. 20º do CIRE, referindo estarem em causa o […] que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto. 5 (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, Lisboa, 2006, p. 131) 6 (Nesse sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.11.2007, relatado por Teles Pereira, e Ac. da Relação de Lisboa, de 22.04.2010).
De acordo com o supra citado art. 3º, o que essencialmente releva na caracterização da insolvência é a impossibilidade de cumprimento pontual das dívidas, impossibilidade essa que é apreciada objetivamente, designada e principalmente por falta de liquidez e/ou de crédito do devedor, independentemente do conjunto das causas que, uma vez reunidas, determinaram essa situação. Conforme critério adotado pelo legislador, dita a situação de insolvência do devedor a ausência de liquidez suficiente para pagar as suas dívidas no momento em que se vencem. 7 (Nesse sentido, Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, p. 77).
Efetivamente, ainda que no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o legislador tenha omitido a referência à pontualidade como característica essencial do cumprimento das obrigações vencidas, tal não pode ser entendido com o alcance de implicar o abandono do entendimento da inerência à ideia de cumprimento, da realização atempada das obrigações a cumprir. É que só dessa forma se satisfaz, na plenitude, o interesse do credor, e se concretiza integralmente o plano vinculativo a que o devedor está adstrito. Neste sentido não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Quid Juris, 2005, pág. 69, nota 3; no mesmo sentido vd. Ac. RL de 19.06.2008, disponível no site da dgsi).
Para além de a lei não exigir que o montante em dívida ou as circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade, definitiva e em absoluto, de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações, pois é suficiente que os factos indiciadores revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer tais obrigações pontualmente, isto é, ponto por ponto, conforme o acordado com os credores, no tempo e lugar próprios (art. 406º do Código Civil), a lei basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo seu montante, no conjunto do passivo do devedor ou de quaisquer outras circunstâncias (atinentes com a concreta atividade exercida, rendimentos auferidos, e despesas a cargo), tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer os seus compromissos. Não exige também que tal situação se verifique com todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor, nem tão pouco exige a demonstração de pluralidade de dívidas vencidas e não pagas 8 [Nesse sentido, Alberto dos Reis, citando acórdão do STJ de 29.10.1918, pelo qual se [d]ecidiu que pode ser declarada a falência ainda que seja uma só a obrigação que o comerciante deixou de pagar; e acórdão do STJ de 11.10.1927, que [d]eclarou que não pode a priori estabelecer-se se basta a falta de pagamento duma obrigação, se é necessária a falta de pagamento de várias; há que atender às circunstâncias. (Processos Especiais, vol. II, pág 323)].
Nesta tarefa, é sobre o requerente da insolvência que antes de mais recai o ónus de alegar e demonstrar algum ou alguns dos factos indiciadores da situação de insolvência enunciados nas diversas alíneas do art. 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dos quais resultam presunção legal de insolvência. Conforme dado longinquamente adquirido nestas lides, [C]om efeito, o legislador, através da enumeração desses factos-índice, pretendeu enunciar os critérios indispensáveis à identificação da insolvência e, por isso, o credor interessado na declaração da insolvência tem que demonstrar que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações, provando que tal impossibilidade se manifesta através de sintomas inequívocos que o legislador descreve 9 (Acórdão da Relação de Coimbra de 14.12.2005, proc.nº 2956/05, disponível no site da dgsi).»
O facto-índice previsto na alínea a) do nº 1 do aludido artigo 20º respeita à suspensão da generalidade do pagamento, ou seja, o incumprimento de, pelo menos, um conjunto significativo de obrigações vencidas, com pluralidade de credores e origens distintas, o que resulta com clareza do confronto com a previsão da alínea b).
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pgs. 199 e 200: “A al. a) reporta-se à hipótese tradicional que se reconduz a uma paralisação generalizada do cumprimento das obrigações do devedor de índole pecuniária.
(…)
Assume-se, assim, expressamente, que tal procedimento deve respeitar à generalidade das suas obrigações, o que se compreende visto que se autonomizou, na al. b), como facto-índice próprio, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelas respetivas circunstâncias, revele a impossibilidade de prover à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações.”
Ou seja, a situação presuntiva de insolvência nos termos do previsto nesta alínea forma-se caso se prove que o devedor suspendeu o cumprimento de um conjunto significativo de obrigações vencidas, com pluralidade de credores e origens distintas.
Ao invés e relativamente ao facto-índice da alínea b) do mesmo normativo, como escreve Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, p. 131: “[N]este caso, a insolvência não necessita de uma cessação generalizada de pagamentos, podendo resultar apenas de algumas faltas de pagamento ou mesmo de uma só, desde que feitas em circunstâncias ou acompanhadas de actos de onde se possa inferir a impossibilidade de incumprimento das obrigações vencidas.”
In casu, resultou provado que:
- O Banco B…, S.A., no exercício da sua actividade, por Contrato de Mútuo com Hipoteca, celebrado em 21.07.2008, concedeu aos Requeridos, na qualidade de mutuários, um crédito no montante global de € 103.000,00 (cento e três mil euros), o qual deveria ser amortizado em 456 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros. Os requeridos deixaram de cumprir o contrato em 21.04.2012, deixando de pagar as prestações a que se encontravam adstritos, tendo, por esse motivo, o ora requerente resolvido o contrato por incumprimento, fixando-se o capital, nessa data, em € 98.350,32 e encontrando-se em dívida, com referência à data de 27 de Setembro de 2024, a quantia de € 158.843,96 (cento e cinquenta e oito mil oitocentos e quarenta e três euros e noventa
e seis cêntimos);
- Igualmente no exercício da sua actividade, o mesmo Banco, por Contrato de Abertura de Crédito com Hipoteca, celebrado em 21.07.2008, concedeu aos ora Requeridos, na qualidade de mutuários, um crédito no montante global de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros), o qual deveria ser amortizado em 456 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros. Os requeridos deixaram de cumprir este contrato na mesma data de 21.04.2012, fixando-se o capital, nessa data, em € 25.783,49. Relativamente a este mútuo, com referência à mesma data de 27 de Setembro de 2024, encontra-se em dívida, a quantia de € 40.676,29 (quarenta mil seiscentos e setenta e seis euros e vinte e nove cêntimos);
- Para garantia de tais empréstimos foi constituída hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra G, correspondente ao terceiro andar esquerdo destinado a
habitação, composto por 4 assoalhadas, 1 cozinha, 2 wc, 2 vestíbulos/corredores, 2 despensas/arrecadação, 2 roupeiros, 2 varandas, 1 parqueamento do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Montijo, Rua A…, Concelho de Montijo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o n.º … da freguesia de Montijo;
- Em face do incumprimento dos contratos referidos supra, o Banco B…, S.A., interpôs acção executiva contra os requeridos, com vista ao ressarcimento do valor em dívida, acção essa que coreu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução de Almada – Juiz 1, sob o processo nº …;
- Através de escritura pública de cessão de créditos, outorgada no dia 23 de Setembro de 2022, o Banco B…, S.A., cedeu à Requerente S… – STC, S.A., os créditos supra identificados, acompanhados de todos os direitos, garantias e acessórios aos mesmos, designadamente hipotecas, consignação de rendimentos, bem como a posição processual nos respectivos processos judiciais;
- Encontram-se pendentes acções executivas contra os requeridos e nas quais foi penhorado o imóvel identificado, penhoras essas para garantia das seguintes quantias:
• AP. 3633 de 2012/12/28 - FAZENDA NACIONAL - 5.103,86 Euros;
• AP. 2890 de 2013/12/13 – BANCO B…, S.A. - 129.881,33 Euros;
• AP. 4896 de 2015/03/12 – FAZENDA NACIONAL - 929,82 Euros;
• AP. 1770 de 2017/01/25 - FAZENDA NACIONAL - 2.494,09 Euros;
• AP. 287 de 2017/03/09 – FAZENDA NACIONAL - 10.481,27 Euros;
• AP. 16 de 2017/05/29 – FAZENDA NACIONAL - 660,97 Euros;
• AP. 2033 de 2017/05/31 – FAZENDA NACIONAL - 612,22 Euros.
- Apenas se conhece que os Requeridos sejam proprietários da aludida fracção, fracção essa que tem o valor tributável de € 97.227,53.
Foram estes factos considerados provados, face ao teor das Escrituras Públicas e da Informação Predial Simplificada juntos com a petição inicial.
Estes factos não permitem concluir, tal como já o entendeu a Mmª Juíza da 1ª instância, pela verificação da suspensão – paralisação – generalizada do pagamento, ou seja, do incumprimento de, pelo menos, um conjunto significativo de obrigações vencidas, com pluralidade de credores e origens distintas, pelo que não se pode considerar verificado o facto índice previsto na alínea a).
E quanto ao preenchimento do facto índice da alínea b) do nº1 do mesmo artº 20º?
Como se disse supra, a verificação deste facto índice de insolvência basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo montante do crédito, no conjunto do passivo do devedor ou de quaisquer outras circunstâncias, tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer os seus compromissos.
Da factualidade que resultou demonstrada e que os requeridos não impugnaram, resulta que apenas se conhece que mesmos sejam proprietários da identificada fracção, pelo que resta concluir que não têm liquidez, nem rendimentos que lhes permitam liquidar as responsabilidades que resultaram demonstradas.
Sustentaram que a fracção tem valor de mercado superior a € 300.000,00 e que as regras de experiência comum permitem concluir que o valor tributável é irreal, pois não reflecte o valor actual de mercado e pode causar erro na apreciação da insolvência.
Salvo o devido respeito por opinião contrário, o valor comercial de determinado imóvel não se trata de um facto notório. Como diz Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol III, pág. 261, são "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação".
A propósito desta classificação, sustenta-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 5/12/2013, Proc. nº 610/07.5TBALR.E1, consultável in www.dgsi.pt, que o artº 514º do Código de Processo Civil/95, em tudo igual ao actual artº 412º, ao definir os factos notórios “como os que são do conhecimento geral, assim elegendo o conhecimento, e não os interesses, como critério de notoriedade, a lei faz apelo a uma ideia de publicidade, implicando a extensão e difusão do conhecimento à grande maioria dos cidadãos, de modo que o facto apareça revestido de um carácter de certeza. Factos notórios são os que toda a gente conhece (o cidadão médio, vulgar), e não aquilo que (eventualmente) saibam os vizinhos do autor, ou outro grupo concreto e determinado de populares”.
Não é o que se passa com o valor comercial de determinada fracção autónoma, valor esse que depende também de circunstâncias, como sejam o estado de conservação e a antiguidade, que não são do conhecimento geral. Acresce que sobre a fracção incidem, além da hipoteca a favor da credora requerente, várias penhoras a favor da Fazenda Nacional, pelo que a mesma se encontra onerada.
Mas mais relevante e independentemente desse valor: do invocado pelos próprios devedores resulta que só através da venda do seu património têm possibilidade de liquidar o seu passivo. O processo de insolvência é precisamente o processo de liquidação universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, de acordo com as preferências legais de pagamento de que cada um deles beneficia (cfr. artº 1º do CIRE).
Refere Catarina Serra (na obra “Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018” na pág. 58,): “(…) A insolvência no sentido acima referido (impossibilidade de cumprir) não coincide necessariamente com – e por isso não significa – uma situação patrimonial líquida negativa (superioridade do passivo face ao ativo). Com efeito, pode muito bem verificar-se a primeira sem se verificar a segunda: não obstante ser titular de um património sólido e abundante, o devedor vê-se impossibilitado de cumprir por lhe faltar liquidez. E pode verificar-se a segunda sem se verificar a primeira: não obstante não ter património suficiente para cumprir as obrigações, o devedor mantém a capacidade de cumprir por via do crédito que lhe é disponibilizado”.
No caso, do incumprimento do crédito da requerente, associado à confessada ausência de liquidez, resulta a real e comprovada situação de insolvência.
Conclui-se, assim, pelo preenchimento do facto-índice previsto na alínea b) supra mencionada.
Atento o supra referido em termos de obrigações dos devedores, a falta de cumprimento, o tempo decorrido desde a entrega da última quantia pelos insolventes – 2012 -, e ainda a circunstância de apenas serem proprietários da aludida fracção, permite concluir que se encontram impossibilitados de cumprir pontualmente as suas obrigações, pelo que, atento o disposto na alínea b) do nº1 do citado arº 20º do CIRE, não podia a insolvência deixar de ser declarada.
Sustentaram ainda os apelantes que, face ao que consta da carta enviada para citação dos mesmos e devolvida em 25/10/2024 - “Mudou-se – Ausente no Brasil”, da certidão negativa lavrada pela Agente de Execução em 22/11/2024 – “fui informada pela actual residente na fracção da morada que é amiga dos insolventes e que os mesmos se encontram no Brasil há um ano” e ainda da escritura de compra e venda da fracção – da qual resulta que os recorrentes são naturais do Brasil -, a sua residência devia ter sido fixada na Rua …, São Paulo, Brasil e não em Portugal.
Como decorre do artigo 36º, nº 1, alínea c) do CIRE, a sentença que declare a insolvência do devedor, deve, entre o mais, identificar e fixar residência aos administradores, de direito ou de facto, do devedor, bem como ao próprio devedor, se este for pessoa singular.
Dizem Carvalho Fernandes e João Labareda, in op. cit., pág. 256: “O tribunal não tem (…) o poder de mudar a residência dos visados, devendo necessariamente escolher uma das que tenham, como tal, identificadas no processo.
O principal objetivo é o de estabelecer a localização do insolvente e administradores, retirando-lhes a possibilidade legal de mudar livremente de residência, de modo a assegurara que estejam sempre contactáveis para o cumprimento das obrigações para eles decorrentes da declaração de insolvência, nomeadamente no que respeita aos deveres de apresentação e colaboração (vd. artº 83º).”
Conforme resulta dos autos, foi tentada a citação dos requeridos na morada indicada na petição inicial - Rua A…, Montijo -, tendo as respectivas cartas sido devolvidas com a indicação “mudou-se – ausente no Brasil”.
Foram consultadas as respectivas Bases de Dados, apenas se tendo apurado a seguinte morada diferente relativamente à requerida, morada essa associada ao NIF: Rua D. …, Fátima.
Foi tentada a citação na morada indicada na petição inicial através de solicitador de execução, a qual se frustrou em virtude de os requeridos aí não se encontrarem e ser desconhecido o seu paradeiro, tendo sido obtida a informação, junto de amiga dos requeridos, que estes se encontravam no Brasil há um ano.
Foi tentada a citação da requerida na Rua D. …, Fátima, tendo a respectiva carta registada sido devolvida com a menção “Não reclamada”. Foi, então, tentada aí a citação através de solicitador de execução, a qual se frustrou por ser ali desconhecido o paradeiro da requerida.
Contrariamente ao que sustentam os insolventes não existia nos autos qualquer morada concreta dos mesmos no Brasil, nem qualquer elemento oficial comprovativo que os mesmos ali se encontravam.
Face ao que consta do processo, a última morada conhecida aos mesmos corresponde àquela que foi fixada na sentença. Diga-se, ainda, que é exactamente a mesma morada que os insolventes identificam como sendo a sua nas procurações que cada um outorgou a favor do seu Ilustre Mandatário e que foram juntas aos autos em 15/04/2025, ou seja, depois de ter sido proferida a sentença.
Improcede, assim, o recurso.
*
IV – Decisão
Em face de todo o exposto, acordam os juízes desta secção em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
*
As custas do recurso recaem sobre os recorrentes, enquanto parte vencida (cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao apelante.

Lisboa, 11.11.2025
Manuela Espadaneira Lopes
Amélia Sofia Rebelo
Nuno Teixeira