Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5889/24.5T8BRG.G1
Relator: SUSANA RAQUEL SOUSA PEREIRA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRATO DE SUBEMPREITADA
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. É entendimento dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a causa de nulidade prevista na alínea b) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, respeita apenas à falta absoluta de fundamentação, entendendo-se como tal a total ausência de fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. Não abrange a fundamentação deficiente, incompleta ou insuficiente, errada e/ou não convincente, que configura apenas uma causa de recurso por erro de julgamento, de facto ou de direito, que afeta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, se este for admissível, mas não constitui causa de nulidade da sentença;
II. Os fundamentos estão em oposição com a decisão quando há contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, quando a fundamentação conduz logicamente a resultado distinto do que consta do dispositivo da decisão judicial. Dito de outro modo, a fundamentação seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando num dado sentido, e depois a decisão segue outro oposto, chegando a uma conclusão completamente diferente da apontada pela fundamentação.
A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se antes como erro de julgamento.
III. Pretendendo a recorrente impugnar a realidade vertida em diversos pontos de facto dados como provados pelo Tribunal a quo, para demonstrar o seu contrário, mediante a inclusão de novos factos no elenco dos factos provados, teria que ter impugnado simultaneamente aqueles factos já assentes.
Não o tendo feito, estando definitivamente assente a realidade contrária, não pode este Tribunal ad quem conhecer do pretendido objeto do seu recurso sobre a matéria de facto - da pretendida inclusão, no elenco dos factos provados, de factos que contrariam os factos definitivamente provados.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ... ..., propôs ação declarativa sob a forma de processo comum contra EMP02..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ... ..., ..., pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 70.308,69, referente à fatura emitida em 29.03.2023, acrescida de € 6.475,00 a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes do incumprimento contratual da ré, e acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.

Alegou, para o efeito e em síntese, que, na sequência de anteriores negociações, acordou com a ré, no dia 31 de janeiro de 2022, que procederia à execução e montagem de uma caixilharia de alumínio e vidro mediante o pagamento da quantia de € 175.771,73 (+IVA), e que a ré lhe pagaria a quantia de € 70.308,69 com a celebração do contrato.
No dia 11 de fevereiro de 2022, a ré comunicou-lhe que não pretendia a continuação do contrato e que iria proceder à sua substituição por outro fornecedor.
Em consequência da conduta da ré, sofreu prejuízos no valor de € 6.475,00, pelo que pretende a condenação daquela a pagar-lhe a quantia de € 70.308,69 devida pela celebração do contrato e a quantia de € 6.475,00 a título de indemnização pelos prejuízos causados pelo seu incumprimento contratual.
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A ré contestou, por impugnação.

Alegou, em síntese, que informou a autora, desde o início das negociações, de que era essencial para a celebração do contrato que a montagem da caixilharia se iniciasse em meados de fevereiro de 2022.
No dia 2 de fevereiro de 2022, a autora informou que apenas poderia proceder à execução dos trabalhos no prazo de dois ou três meses, e, pese embora informada da necessidade de enviar orçamento para possibilitar a adjudicação, não enviou qualquer orçamento, pelo que a informou do fim das conversações havidas e de que iria proceder à sua substituição por outro parceiro de negócio.
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final, e veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decido julgar a presente acção integralmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados.».
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Não se conformando com o assim decidido, a autora interpôs o presente recurso e apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:

«I. Salvo melhor douto entendimento, a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC, porquanto não foi suficientemente fundamentada a matéria de facto.
II. Será igualmente nula a sentença recorrida, nos termos do artigo 615.º n.º 1, al. C) do CPC, visto que, os fundamentos encontram-se em oposição com a decisão do Tribunal recorrido.
III. Ora, como todos sabemos, as causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do artigo 615º do CPC.
IV. Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira, quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado, ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer ou não tratar de questões de que deveria conhecer.
V. São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.
VI. Nos termos do citado preceito, a sentença é nula, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
VII. A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do n.º 3 do artigo 607º do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
VIII. Como decorre do exposto, a tarefa que o legislador impõe ao tribunal recorrido, no sentido de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, passa pela análise crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos, tarefa que, salvo melhor douto entendimento, o tribunal recorrido não cumpriu. Na verdade, por força desta tarefa, o Juiz, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda de liberdade de julgamento garantida pela manutenção da livre apreciação das provas (art. 607º, n.º 5 do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
IX. É indispensável, assim, que o Julgador explicite as razões pelas quais decidiu assim e não de outro modo. Tais razões exigem sempre a análise crítica das provas e a especificação dos demais fundamentos decisivos para a convicção do juiz.
X. Tal como explicita PAULO PIMENTA, in “Processo Civil Declarativo”, “…É assim que o juiz explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o Juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)…”.
XI. Enfim, o Julgador deverá objetivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a “identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador” e ainda “a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto…” [cfr. ANTUNES VARELA/BEZERRA/NORA, in “Manual de processo civil”].
XII. “Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…) de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2º Instância…” [cfr. ANA LUÍSA GERALDES, in “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”].
XIII. Este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida “… exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça inerente ao ato jurisdicional…” [cfr. LEBRE DE FREITAS, in A acção declarativa comum].
XIV. Como é entendimento pacífico da doutrina, a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do citado artigo 615º do CPC.
XV. Ora, compulsada a decisão proferida pelo tribunal a quo não podemos deixar de concluir que o mesmo não cumpriu esta tarefa com cuidado e pormenor, ao não concluir pela existência de uma adjudicação dos trabalhos, e, portanto, da existência de um contrato de empreitada, e consequentemente pelo incumprimento contratual da apelada o que levou ao tribunal determinar pela improcedência da ação.
XVI. Andou mal, no mesmo sentido, ao não ter considerado não ter havido em momento algum uma interpelação admonitória por parte da Apelada, para que a apelante entrasse em obra,
XVII. Andou mal o Tribunal ao considerar que não existiu adjudicação, quando depois vem invocar o incumprimento dos prazos, como aliás, as testemunhas da Apedada várias vezes mencionaram
XVIII. Havendo na sentença evidentes contradições.
XIX. Existindo matéria dada como provada, que não justifica a improcedência total da ação.
XX. Pelo que, deve ser a referida sentença declarada nula nos termos supra expostos.
XXI. Não tendo sido analisada concretamente a prova apresentada, nem valorada de forma correta as declarações das testemunhas, nomeadamente da AA e do Eng. BB,
XXII. Considera o tribunal provados que no dia “ 6 de Julho de 2021 a autora enviou uma mensagem de correio electrónico com a indicação de uma solução técnica para a execução e montagem da caixilharia e o respectivo orçamento e que juntamente com estes elementos a autora enviou um documento intitulado condições gerais em que referia que 40% do valor do orçamento devia ser entregue pela ré com a adjudicação dos trabalhos porque estes factos resultam das mensagens de correio electrónico que foram enviadas entre a autora e a ré”
Acrescentando que,
XXIII. “O Tribunal considerou provado que após esta mensagem a autora e a ré tiveram uma reunião na obra que decorreu no mês de Julho de 2021 porque este facto consta das mensagens de correio electrónico que foram enviadas entre a autora e a ré e foi confirmado pelas testemunhas AA e BB.”
XXIV. Dando ainda como provados que, “O tribunal considerou provado que nesta reunião ficou decidido que a autora poderia ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia mas devia entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato da execução e montagem da caixilharia porque entretanto tinham sido introduzidas alterações na obra e devia entrar em obra para a montagem da caixilharia em meados do mês de Fevereiro de 2022 para que a ré pudesse respeitar o prazo que tinha acordado com o cliente porque estes factos foram confirmados pela testemunha CC, que era o arquitecto que tinha elaborado o projeto da obra, e resultam das mensagens de correio electrónico que foram enviadas.
XXV. Ficando provado que existiu orçamento inicial, e que este orçamento teve de sofrer alterações devido a alterações no projeto.
XXVI. Sendo este facto provado através dos vários depoimentos existentes.
XXVII. Assim como pela prova documental.
XXVIII. Não se justificando desta forma a sentença dada pelo tribunal a quo.
XXIX. Que por um lado, dá como provado a existência de uma adjudicação, não considerando a existência de um contrato de empreitada.
XXX. Havendo clara contradição entre a matéria dada como provada e a decisão.
XXXI. Aliás, analisados os temas de prova nomeados no despacho saneador, facilmente se percebe que a maioria dos mesmos foram dados como provados na sentença.
XXXII. Contudo, apesar de dar como provados a maioria dos factos, o tribunal a quo não faz qualquer correlação dos mesmos à prova existente, e aos depoimentos prestados.
XXXIII. Limitando-se a transcrever emails juntos como meios de prova, mas não os ligando aos factos, nem fazendo ligação aos depoimentos.
XXXIV. Com isto, se prova, que não foram atendidos os temas de prova para a formação da sentença, existindo um total desvio daquilo que havia que ser provado, e foi na verdade em sede de audiência de julgamento, com a sentença que adotou o tribunal a quo.
XXXV. Analisando a sentença, sempre se terá de dar como provados os factos constantes da petição inicial, mais concretamente o n. º1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 63, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 82, 83, 84, 86, 87, 88, 89, 92, 95 e 97.
XXXVI. Não se entende, nem tão pouco se aceita como pode o tribunal a quo dar a ação como totalmente improcedente, se dá como provados grande parte dos factos alegados pelo Autor, em contrapartida, não se pronunciando, nem justificando, como o devia ter feito, em relação aos factos invocados pelo Réu.
Ora,
XXXVII. Se, conforme referido na sentença, as questões a decidir seriam “a celebração de um contrato entre a autora e a ré” e o “direito da autora às quantias que reclama”, é evidente que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido não corresponde à fundamentação apresentada na própria sentença, e ainda menos se coaduna com a prova produzida nos autos.
XXXVIII. O Tribunal recorrido dá como provado que na reunião existente entre a autora e a ré, a primeira poderia ser a responsável pela execução dos trabalhos e montagem da caixilharia, o que na prática configura uma adjudicação, e consequentemente, um contrato de subempreitada entre a autora e a ré.
XXXIX. Tanto assim é que, pelo depoimento da testemunha AA, se comprova como é que o negócio procedeu, inclusivamente que a mesma remeteu um orçamento ao Arq. CC, que por sua vez, o fez chegar à ré, e a partir desse momento, a AA começou a trabalhar diretamente com o Eng. BB.
XL. Portanto, à data da reunião em obra, quer o dono da obra, quer a ré já tinham em mãos o orçamento dado pela autora.
XLI. O que foi confirmado pelo depoimento do Eng. BB que afirmou ter recebido um orçamento inicial, que posteriormente houve uma alteração ao projeto, e que novamente em meados de novembro, houve uma nova alteração., voltando a autora e a ré a reunir em obra, pedindo esta última um novo orçamento.
XLII. De modo que, desde início existiu um orçamento, que face às alterações na obra, teve igualmente de sofrer alterações.
XLIII. Na reunião, ficou então assente que seria a EMP01.../Autora a executar a obra e tal é confirmado pelo depoimento da testemunha AA e pela testemunha Dr. DD que afirmou: “sei que estive presente numa reunião em obra com a EMP01..., com a EMP02..., o Arquiteto e acho que eramos só nós (…) a única vez que me lembro de ter reunido sobre esse tema foi lá em obra”.
XLIV. Inclusivamente, pela prova documental junta se comprova que a ré sempre pressionou a autora a entrar em obra, mesmo referindo “supostamente” não existir adjudicação.
XLV. Tal adjudicação pode ser ainda comprovada pelo doc. N.º 5 junto com a PI, onde o Eng. BB diz expressamente: “Tivemos reunião a 13 de Janeiro com o compromisso que iriamos agilizar as coisas de modo a entrar em obra a meio de Fevereiro”.
XLVI. Com todos os factos dados como assentes pelos depoimentos prestados, facilmente se percebe que existia uma adjudicação.
XLVII. Não se entende, por isso, atendendo à prova produzida e à prova documental junta pela autora com a Petição Inicial, a decisão do Tribunal Recorrido, que ao proferir a sua decisão, deveria tê-lo feito com base na existência de uma adjudicação, o que, com o devido respeito, não fez.
XLVIII. Além disso, dúvidas não existem sobre a existência de uma adjudicação, visto que foi a própria autora quem se deslocou à obra para remover o material lá existente – facto devidamente corroborado pelo depoimento de várias testemunhas, nomeadamente, da AA, do Eng. BB e do EE, e pelo próprio dono de obra.
XLIX. Portanto, caso não existisse qualquer adjudicação entre a autora e a ré, jamais a primeira teria ido remover o material.
L. Tal remoção implicou mobilização de recursos por parte da autora, nomeadamente, a deslocação de funcionários à obra, bem como de camiões.
LI. Portanto, se a adjudicação não existisse, a autora não teria executado tal tarefa.
LII. Tal como a autora, o próprio arquiteto CC, que esteve presente na reunião que houve em obra, afirmou que ficou convicto de que a mesma estaria adjudicada à autora, não sabendo da existência de uma terceira empresa.
Mais se deva acrescentar,
LIII. Pelo depoimento do Eng. BB é dado como provado que a ré andaria a negociar ao mesmo tempo com duas empresas, atuando assim a ré com leviandade perante todo o processo e atuando de má-fé com a autora.
LIV. Se a ré tinha adjudicado a obra à autora, se tinha desde o início o orçamento inicial e se sabia que a autora já tinha procedido à encomenda do material, sabendo ainda que estaria a negociar com duas empresas ao mesmo tempo, não teve a mínima preocupação em mencionar à autora que a encomenda deveria ser cancelada ou não ser concretizada porque não existia qualquer adjudicação que a legitimasse a executar a obra.
LV. Contudo, não foi isto que a ré fez.
LVI. Muito pelo contrário, a única preocupação da mesma foi apenas a de saber os timings da encomenda e da entrada em obra por parte da autora, tal como foi comprovado pelo doc. N.º 5 onde o Eng. BB, num email diz expressamente: “Com a vossa encomenda hoje quando entram em obra?”.
LVII. Dúvidas não existem de que existia adjudicação.
LVIII. A própria ré, ao longo de todo o processo, sempre agiu com a autora, como se efetivamente tivesse dado essa adjudicação,
LIX. Vejamos o email remetido pela ré à autora no dia 02.02.2022, às 09:59 onde diz “Em primeiro lugar quero dizer que para mim a palavra que se dá é mais importante que qualquer papel assinado…”.
LX. Tal afirmação proferida pelo Eng. BB, só demonstra efetivamente que o acordo feito entre as partes era de que a obra seria entregue à autora.
LXI. Não era só um mero compromisso de receber um orçamento, como diz o Eng. BB no seu depoimento, mas sim o compromisso de que aquela obra fosse efetuada pela EMP01....
LXII. Tanto assim é que, a ré questiona inúmeras vezes a autora no sentido de quando é que esta iria entrar em obra, e, portanto, se a ré nada adjudicou, porque quereria tanto que a autora entrasse em obra?
LXIII. Inclusivamente, no ponto 14 da matéria de facto provada, se refere expressamente: “Além disso, a autora devia entrar em obra para a montagem da caixilharia em meados do mês de Fevereiro de 2022 para que a ré pudesse respeitar o prazo que tinha acordado com o cliente”.
LXIV. O que mais uma vez só demonstra que a ré adjudicou a obra à autora e que esta, por sua vez, encomendou o material de forma totalmente legitima, visto que seria ela quem ia fazer a obra.
LXV. Coloca-se novamente a questão: se no entendimento da ré não havia adjudicação, nem contrato, como poderia existir ou estar fixado um prazo concreto para a autora iniciar os trabalhos em obra?
Portanto,
LXVI. Da própria decisão, resulta como provado que, na reunião realizada em julho de 2021, seria a autora a responsável pela obra, e é ainda dado como provado, no ponto 15 que, após essa reunião, em agosto, a autora se deslocou à obra para retirar a caixilharia existente que seria substituída e, se assim é, é porque existia uma adjudicação e um contrato entre as partes.
LXVII. É por isso, que não se entende como é que o Tribunal recorrido dá como provado que a autora devia entrar em obra em Fevereiro, que existia um prazo para cumprir, que a autora se deslocou à obra e efetuou trabalhos, mas dá como não provado a adjudicação.
LXVIII. Com o devido respeito, a decisão proferida é contraditória com os factos dados como provados.
LXIX. Se há prazo para entrar em obra, se há trabalhos realizados em obra, como é que o Tribunal recorrido dá como não provada a existência de adjudicação?
LXX. Se o Tribunal recorrido dá como provada a existência de trabalhos realizados em obra, então, logicamente, deveria dar igualmente como provado a existência de adjudicação.
LXXI. Até porque não é de todo normal, nem prática corrente que uma empresa em fase de negociações com outra retire o material de uma obra e se desloque até à obra para efetuar esse serviço a título gratuito.
LXXII. Tal como não é prática corrente no setor pressionar-se uma empresa para entrar em obra, quando em momento algum lhe adjudicou um serviço.
LXXIII. Se a sentença diz expressamente: “O tribunal considerou provado que após a reunião que decorreu no mês de Julho de 2021 a autora deslocou-se à obra para retirar a caixilharia que existia e que ia ser substituída porque este facto foi confirmado pelas testemunhas AA e EE que era funcionário da autora na altura dos factos”.
LXXIV. Se o Tribunal recorrido dá como provado tal facto, como é que pode ao mesmo tempo dar como não provado a adjudicação? Notoriamente existe uma clara contradição na própria sentença.
Mais se deva concluir,
LXXV. O Eng. BB afirmou considerar que não havia adjudicação e, consequentemente contrato, mas ao mesmo tempo, imputa à autora um incumprimento daquilo que teria sido acordado.
LXXVI. Nomeadamente dos prazos para entrada em obra.
LXXVII. Mas, afinal, se a testemunha sustenta que não existia qualquer contrato, como poderia haver incumprimento?
LXXVIII. A autora não consegue perceber esta contradição que é visível e notória, até porque do depoimento das testemunhas, no seu conjunto, é evidente a existência de uma adjudicação e de um contrato entre as partes.
LXXIX. Tal como é evidente as contradições constantes no depoimento do mesmo.
LXXX. Pela prova produzida, facilmente se percebe que a ré tinha claramente a expectativa de que a autora iniciasse os trabalhos em meados de fevereiro, esperando apenas o orçamento final e afirmando que a sua palavra valeria mais do que qualquer papel assinado (doc. N.º 8 da PI),
LXXXI. Mas o Tribunal recorrido, ainda assim, decidiu pela inexistência de adjudicação, o que contradiz a prova produzida.
LXXXII. Inclusivamente, depois de o material se encontrar no armazém da autora, o próprio Eng. BB deslocou-se até lá com o intuito de encontrar uma solução para o material encomendado.
Vejamos,
LXXXIII. Se não existia qualquer adjudicação, compromisso ou contrato, por que razão se iria deslocar o Eng. BB ao armazém da autora para encontrar uma solução para o material?
LXXXIV. Não se compreende que uma empresa que, alegadamente não adjudicou qualquer obra, se desloque posteriormente às instalações do primitivo fornecedor para tentar resolver a questão do material.
LXXXV. Mais uma vez se demonstra que existia um compromisso entre as partes.
Por conseguinte,
LXXXVI. Durante o depoimento do Eng. BB, foi afirmado pelo mesmo que a ré andaria a negociar ao mesmo tempo com duas empresas, a EMP01... e a EMP03..., Lda.
LXXXVII. Portanto, da prova produzida, mais concretamente do depoimento do Eng. BB conclui-se que a ré manteve negociações paralelas com duas empresas e, mesmo ciente da encomenda do material feita pela autora, absteve-se de informar que existia outra empresa nas negociações.
LXXXVIII. Se a ré tinha conhecimento da formalização da encomenda e, mesmo assim, não a cancelou, questionando apenas sobre os prazos para entrar em obra, é porque efetivamente existia uma adjudicação da sua parte.
LXXXIX. Deste modo, se a ré sabia que existiam duas empresas envolvidas, que a encomenda do material já tinha sido efetuada, e mesmo assim, não a cancelou, nem advertiu a autora, esta manteve-se convicta de que havia um contrato válido entre as partes.
XC. O Tribunal recorrido não valorizou estes factos na sentença, que em muito se afiguram essenciais para a descoberta da verdade.
Ora,
XCI. Pelo depoimento das testemunhas, também se dá como provado que os materiais aplicados em obra pela EMP04..., Lda., não são os mesmos que seriam aplicados pela autora e que foram encomendados por esta.
XCII. O material aplicado é significativamente diferente daquele que havia sido inicialmente encomendado à autora, tal como comprovado pelo depoimento do FF e do Arq. CC.
XCIII. A solução que acabou por ser aplicada em obra não tem correspondência com a que havia sido orçamentada, sendo um sistema distinto, mais barato e de qualidade inferior e, portanto, a ré ainda beneficiou financeiramente da situação, sem, contudo, assumir qualquer responsabilidade pelos prejuízos causados.
XCIV. O Tribunal recorrido deu como facto provado, no ponto 25 que, “a autora despendeu a quantia de 16.082,76 €, (+ IVA) no material que encomendou para a montagem e instalação da caixilharia”.
XCV. Mais se deu como provado que, em 29 de março de 2022, a autora emitiu e enviou à ré uma fatura no montante de 70.308,69 €, correspondente a 40 % do valor do orçamento anteriormente remetido, em 6 de julho de 2021, sendo também dado como assente que a ré não procedeu ao pagamento da referida quantia.
XCVI. Pelo depoimento de GG, funcionário da empresa fornecedora do material, confirmou que a autora procedeu ao pagamento do material.
XCVII. A ré recebeu a fatura e nunca a devolveu, afirmando o Eng. BB que “nós não tínhamos que devolver uma coisa que não existiu”.
XCVIII. Pois bem, mas a ré recebe uma fatura e não a devolve, nem a contesta, o que significa que a aceita.
XCIX. Apesar de estes dois factos serem dados como provados, o Tribunal recorrido deu como não provado que a autora tenha sofrido prejuízos no montante de 6.475,00 €.
C. Como se dá como provado que as faturas foram enviadas à ré, que a autora procedeu ao pagamento do material, que até hoje não foi utilizado e o Tribunal recorrido dá como não provada a existência de prejuízo?
CI. Mais uma vez, estamos perante uma contradição notória entre os factos dados como provados e a prova produzida e a decisão proferida.
CII. Apesar do prejuízo sofrido pela autora com a aquisição do material que nunca lhe foi pago, até à presente data, o material continua nos armazéns da mesma, sem vista a que seja utilizado em qualquer outra obra, dada a sua especificidade.
CIII. Portanto, o Tribunal recorrido andou mal em decidir que a autora não teve nenhum prejuízo.
CIV. No mínimo dos mínimos, teve como prejuízo o valor da fatura, que foi na altura, logo pago.
CV. Portanto, está demonstrado que a autora despendeu quantias significativas na execução do contrato e não obteve qualquer retorno, suportando inteiramente os prejuízos.
CVI. Como tal, não se consegue compreender a decisão do Tribunal recorrido em afirmar que a autora não sofreu qualquer prejuízo.
CVII. Além do prejuízo monetário da autora, foi também dado como provado pelo depoimento prestado que o material em causa, muito dificilmente se enquadrará noutra obra, dadas as especificidades que o mesmo tem.
CVIII. Por isso, muito dificilmente se conseguirá aplicar o material noutra obra, pelo que o prejuízo é ainda maior.
CIX. Não deve a autora suportar o prejuízo do custo do material sozinha, quando foi devidamente provado que a ré adjudicou a obra à autora, e apesar de ter oportunidade de cancelar a encomenda do material, de forma a evitar qualquer prejuízo, a única coisa que a ré fez, foi questionar acerca do timing para entrada em obra.
Por fim,
CX. A autora atuou legitimamente com base na adjudicação que lhe foi feita pela ré, encomendando o material, de boa-fé, sendo que em nenhum momento lhe foi comunicada a intenção de cancelar a encomenda.
CXI. Por sua vez, a ré sempre adotou a postura de quem efetivamente teria adjudicado uma obra.
CXII. Por esse motivo, deve a ré ser responsável pelo prejuízo sofrido pela autora, que foi unicamente causado por si, sendo que poderia tê-lo evitado e não fez.
CXIII. Atendida a prova produzida, o Tribunal Recorrido andou mal na decisão que proferiu que, em muito é contraditória com os depoimentos prestados e a prova documental junta aos autos.
Da aplicação do direito aos factos
CXIV. Dispõe o art.º 406 n.º 1 do Código Civil, que os contratos celebrados devem ser pontualmente cumpridos.
CXV. Nos termos do artigo 219.º do mesmo diploma, a validade de um contrato não depende, em regra, da forma adotada, salvo nos casos em que a lei expressamente exija forma especial para a sua validade.
CXVI. A regra aplicável à validade das declarações negociais é, portanto, a da consensualidade ou liberdade de forma, conforme resulta do disposto no artigo 219.º do Código Civil.
CXVII. Assim, das comunicações trocadas entre a Autora e a Ré resulta a celebração de um contrato de empreitada, consubstanciando na manifestação expressa da vontade de ambas as partes e nos termos por elas acordados.
CXVIII. Dos factos provados resulta, de forma inequívoca, a existência de um contrato entre as partes – desde as várias negociações e troca de emails, passando pela encomenda de materiais, até à insistência no início dos trabalhos e à efetiva realização de prestações na obra.
CXIX. Todos estes elementos, analisados em conjunto, evidenciam a adjudicação que efetivamente existiu.
CXX. Sendo o contrato de empreitada um contrato sinalagmático, dele decorrem obrigações para ambas as partes, designadamente, para o empreiteiro, a obrigação de realizar a obra nos termos acordados, com a diligência e qualidades devidas, e para o dono da obra, a obrigação de pagar o preço convencionado pela execução da mesma.
CXXI. Conforme acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 04/10/2017: “I- Da característica de contrato sinalagmático no “contrato de empreitada” resulta para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra, devendo a mesma ser executada em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208º, do C. Civil); e no outro lado do sinalagma encontra-se o dever que incide sobre o dono da obra de pagar o preço, o qual, não havendo cláusula ou uso em contrário, deverá realizar-se no momento de aceitação da obra (art. 1211º, n.º 2, do C. Civil)”.
CXXII. Da matéria de facto provada resulta que existia, de facto, um acordo entre as partes no sentido de ser a Autora a responsável pela execução da obra, o que implicava, naturalmente, o compromisso de proceder à encomenda do material necessário para o efeito.
CXXIII. Esta conclusão é corroborada tanto pelos depoimentos das testemunhas como pela prova documental junta aos autos, da qual resulta que a ré exerceu pressão sobre a aqui Apelante no sentido de dar início à obra com brevidade.
CXXIV. Com efeito, a Apelante chegou mesmo a realizar trabalhos na obra da Apelada, como ficou provado, atuando com a legítima convicção de que lhe estava atribuída a execução integral da empreitada.
CXXV. Com base nessa expectativa legítima, a Apelante procedeu à encomenda do material, como era suposto, não tendo, em momento algum, recebido qualquer comunicação de cancelamento do acordo ou da encomenda por parte da ré.
CXXVI. A Apelada, por seu lado, bem sabia – como também ficou demonstrado – que estava a negociar simultaneamente com duas empresas para a execução da mesma obra, omitindo tal facto à Apelante e contribuindo assim para a criação de uma aparência negocial que não correspondeu ao comportamento posteriormente da Ré, aqui apelada.
CXXVII. Quando a EMP01..., ora Apelante, procedeu à encomenda do material e comunicou tal facto à Apelada, esta, apesar de já ter conhecimento de que existia uma terceira entidade – EMP03..., Lda. – envolvida nas negociações, nada fez para informar a Apelante dessa circunstância, nem tampouco tomou qualquer diligência no sentido de evitar ou cancelar a encomenda.
CXXVIII. A Apelada tinha plena consciência de que a Apelante suportaria os encargos inerentes à aquisição do material e, ainda assim, permitiu que a encomenda fosse concretizada, sem qualquer oposição ou aviso, assumindo uma postura passiva e negligente face às consequências desse ato.
CXXIX. Verifica-se, assim, um incumprimento contratual por parte da Apelada, na medida em que esta não apenas deixou de cumprir com a obrigação que sobre si recaía – designadamente, a de garantir a execução da obra pela Apelante e de pagar o correspondente preço –, como também induziu a Apelante em erro, gerando-lhe legítimas expectativas contratuais que foram posteriormente frustradas.
CXXX. Nesse sentido, de acordo com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/10/2000, “O princípio da boa fé contratual obriga a que as partes actuem com boa fé mesmo nos preliminares dos negócios, encarando-se a boa fé no sentido ético, não no psicológico, portanto assumindo uma conduta honesta, leal, correcta e digna de confiança. Rompendo uma das partes abusivamente as negociações num estado avançado delas, responderá perante a outra pelo interesse negativo, ou seja, pelo prejuízo que ela evitaria se não houvesse, sem culpa, confiado em que a autora da ruptura das negociações cumpriria os deveres delas decorrentes e derivados do princípio da boa fé”.
CXXXI. A boa-fé exigida pelo artigo 762.º do Código Civil no cumprimento dos contratos, traduz-se no dever de agir com lealdade e correção, visando assegurar a proteção dos interesses legítimos que as partes pretendem realizar com a celebração do negócio jurídico.
CXXXII. À luz da prova produzida e da documentação constante dos autos, ficou amplamente demonstrado que existia uma intenção clara de encomendar o material necessário para a execução da obra, tendo a Apelada apenas manifestado, tardiamente e sem qualquer interpelação admonitória prévia para a entrada em obra, que já não tinha interesse no referido material, apesar de saber que este se encontrava nas instalações da Apelante.
CXXXIII. Se a Apelada pretendesse resolver o contrato, deveria, nos termos legais, ter dirigido à Apelante uma interpelação admonitória, concedendo-lhe um prazo final para cumprir com a obrigação contratual assumida.
CXXXIV. Por outras palavras, para que se configura a resolução do contrato, é indispensável a realização de interpelação admonitória, o que não ocorreu no presente caso por parte da Apelada.
CXXXV. Assim, na ausência de tal interpelação, a Apelante cumpriu integralmente todas as obrigações emergentes do contrato de empreitada celebrado entre as partes.
CXXXVI. Conforme ficou devidamente demonstrado pela prova produzida, a aqui Apelante enviou à Apelada a fatura correspondente ao valor a pagar.
CXXXVII. Sendo que tal fatura nunca foi devolvida,
CXXXVIII. Configurando uma aceitação tácita por parte da Apelada da existência da dívida representada pelo montante nela indicado.
CXXXIX. Como aliás foi dado como provado na sentença.
CXL. Nestes termos, dispõe o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/06/2023, “Dispõe o artigo 217º nº 1 do Código Civil que “a declaração negocial pode ser expressa ou tácita; é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita quando se deduz os factos que com toda a probabilidade a revelam”. “Para que a aceitação do preço seja presumida é necessário que haja provas concretas e inequívocas que demonstrem a concordância do destinatário com o preço praticado”.
CXLI. Tendo a Apelante procedido à encomenda do material, cumprindo com a obrigação que lhe competia, o não pagamento do preço por parte da Apelada configura, inequivocamente, incumprimento contratual.
CXLII. É, assim, inequívoco que o contrato celebrado entre as partes não foi devidamente cumprido pela Apelada.
CXLIII. Por outro lado, a Apelante cumpriu integralmente as suas obrigações, ao encomendar o material necessário e proceder à retirada do material existente na obra em agosto.
e
CXLIV. Consequentemente, surge para esta a obrigação de indemnizar por todos os prejuízos causados à Apelante, nos termos dos artigos 798.º e seguintes do Código Civil.
CXLV. Ora, “O incumprimento definitivo só ocorre quando a prestação não é mais possível. Tal pode ocorrer de uma das seguintes hipóteses:
- Impossibilidade de cumprimento por causa imputável ao devedor (art. 801 do CC), (como o perecimento da coisa).
- Perda de interesse do credor em consequência da mora (art. 808 do CC), competindo ao credor o ónus de provar a perda de interesse, que deve ser objetivamente avaliada.
- Não realização da prestação em prazo razoável fixado pelo credor (art. 808 do CC) - Declaração expressa do devedor no sentido que não cumprirá a obrigação.” – Cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª Ed., pág. 92; Direito das Obrigações, 3º Vol., Contratos em Especial, AAFDL, 1991, sob coordenação de Meneses Cordeiro, pág. 523.
CXLVI. A Apelante cumpriu integralmente o contrato, tendo sofrido prejuízos em decorrência do incumprimento definitivo por parte da Apelada.
CXLVII. Não se compreende como a ré, ora apelada, ao celebrar um contrato com a Apelante – ainda que não escrito – permitiu que esta efetuasse a encomenda do material, tendo conhecimento da existência de outra empresa como alternativa, e, mesmo ciente da falta de interesse na prestação da Apelante, limitou-se a questionar apenas sobre os prazos para o início da obra, sem impedir a encomenda.
CXLVIII. Caso a Apelada não pretendesse manter o contrato, deveria ter efetuado uma interpelação admonitória dirigida à Apelante, comunicando que, caso esta não cumprisse a obrigação no prazo concedido, perderia o interesse no contrato, convertendo a mora em incumprimento definitivo e possibilitando a resolução do contrato.
CXLIX. Não tendo seguido tal procedimento, conclui-se que não houve resolução contratual válida, pelo que a Apelante cumpriu integralmente as suas obrigações, enquanto a Apelada se eximiu da sua obrigação de pagamento.
CL. Por tais motivos, é devida a indemnização por incumprimento definitivo, nos termos do artigo 798.º do Código Civil.
CLI. Importa ainda referir que a Apelante continua, até à presente data, a suportar a guarda do material nas suas instalações, quando caberia à Apelada proceder à sua aplicação na obra para a qual foi inicialmente adjudicado.
CLII. O facto de a Apelada se ter comprometido posteriormente a aplicar o referido material numa das suas outras obras confirma o vínculo contratual existente entre as partes e o reconhecimento da obrigação assumida.
CLIII. Caso contrário, não faria sentido que a Apelada manifestasse preocupação em utilizar o material noutra obra,
CLIV. Tendo em conta os factos provados e a prova testemunhal produzida, a Apelante acreditou legítima e de boa-fé que a Apelada honraria o compromisso assumido, inclusive quando esta afirmou que “a minha palavra vale mais do que qualquer papel assinado”.
CLV. Essa expectativa criada na esfera jurídica da Apelante revela-se legítima e juridicamente protegida, por se basear na confiança estabelecida entre as partes durante a relação contratual.
CLVI. Não se pode considerar aceitável que a Apelante tenha prestado serviços à Apelada, nomeadamente no que respeita à retirada do material em agosto e à encomenda do material previamente comunicada à Apelada, que, sabendo de antemão da existência de outra empresa envolvida nas negociações, optou por não cancelar a encomenda, agindo, assim, de forma dolosa ao omitir tal informação e limitando-se apenas a questionar sobre os prazos, revelando um comportamento de má-fé.
CLVII. Ficou devidamente provado através da prova testemunhal que o material adquirido possui especificidades que o tornam dificilmente aplicável em qualquer outra obra, sendo que a própria Apelada, ao longo dos anos e em diversas intervenções, não conseguiu dar-lhe qualquer aproveitamento prático.
CLVIII. Ou seja, a inutilização do material representa um prejuízo efetivo e concreto para a Apelante.
CLIX. Como ensina Pires de Lima e Antunes Varela, “a indemnização devida pelo dono da obra incide, em primeiro lugar, sobre os gastos e trabalho”. “Devem considerar-se como gastos não só as despesas feitas com a obra, nomeadamente as despesas com a aquisição dos materiais de construção...”.
CLX. Em face do incumprimento contratual da Apelada, esta está obrigada a indemnizar a Apelante pelos prejuízos efetivamente sofridos, incluindo os gastos efetuados e os danos emergentes da inexecução do contrato.
CLXI. Contudo estes danos não patrimoniais indemnizáveis decorrem de danos a ressarcir à contraente lesada com o incumprimento, aceitando-se a relevância do interesse contratual positivo, por a consideração do mesmo não levar a qualquer situação geradora de desequilíbrios ou benefícios injustificados, permitindo-se à autora libertar-se do contrato sem para tal ter de renunciar aos danos sofridos pelo seu não cumprimento.
CLXII. Entendeu-se na sentença recorrida que estão apurados factos suficientemente relevantes para justificar a indemnização por danos não patrimoniais.
CLXIII. Tanto é que na sentença se dá como provado o facto de a Apelante ter encomendado o material, ter recebido, e liquidado o mesmo.
CLXIV. Em consonância com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, a responsabilidade contratual abrange a indemnização dos danos não patrimoniais que mereçam a tutela jurídica, nos termos do artigo 496.º n.º 1 do Código Civil.
CLXV. Assim, pelos factos assentes e pela prova testemunhal produzida, está fundamentada a atribuição da indemnização devida à ora Apelante.
CLXVI. Ciente da negociação simultânea da Apelada com outra empresa, tal conduta, pela sua gravidade, justifica a tutela do direito, tornando os danos sofridos pela Apelante passíveis de indemnização.
CLXVII. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
*
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, com todas as consequências.
Julgando-se como se requer, farão V.Ex.as a habitual JUSTIÇA!
*
Foram apresentadas contra-alegações, concluindo a ré, a final, pela total improcedência do recurso.
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
No despacho de admissão do recurso, o Sr. Juiz a quo entendeu que a sentença proferida não padece das nulidades invocadas pela autora.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil – sendo que o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de apreciar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. 

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se a decisão recorrida enferma do vício de nulidade previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil – não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão;
. determinar se a decisão recorrida enferma do vício de nulidade previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil – fundamentos em oposição com a decisão;
. determinar se existe deficiência da decisão de facto decorrente da falta de apreciação e de inclusão, na matéria de facto provada, de algum (ou alguns) facto essencial da causa;
. determinar se existe fundamento probatório bastante que imponha uma alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto não provada;
. decidir se existe fundamento para alterar o mérito da sentença recorrida, face à alteração, ou não, da decisão de facto.
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2. Da (alegada) nulidade da sentença recorrida por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão

Advoga a recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, porquanto não foi suficientemente fundamentada a matéria de facto.
Alega, para o efeito e em síntese, que não foi concretamente analisada a prova apresentada e não foi efetuada a correlação da prova testemunhal com a prova documental, o que levou a juízos de valor e a conclusões que de certa forma estarão em oposição com os próprios argumentos utilizados pelo tribunal, mas acima de tudo com os factos dados como provados, não tendo em consideração os meios de prova apresentados na petição.
Vejamos então.
As nulidades da sentença, taxativamente enunciadas no artigo 615.º do Código de Processo Civil, «reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito»[1], e diferem dos erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na decisão recorrida decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

Prescreve o citado artigo 615.º que:
“1 - É nula a sentença quando: (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”.

A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando plasmado no n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, deve “o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
É entendimento dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a causa de nulidade prevista na alínea b) do citado artigo 615.º respeita apenas à falta absoluta de fundamentação, entendendo-se como tal a total ausência de fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. Não abrange a fundamentação deficiente, incompleta ou insuficiente, errada e/ou não convincente, que configura apenas uma causa de recurso por erro de julgamento, de facto ou de direito, que afeta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, se este for admissível, mas não constitui causa de nulidade da sentença.[2]
Como ensinava Alberto dos Reis[3], «[h]á que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)».

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2021[4] decidiu-se que «[s]ó a absoluta falta de fundamentação - e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação - integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil».
Ora, conforme resulta da mera análise da sentença recorrida, o Tribunal a quo discriminou os factos que resultaram provados e justificou, ainda que perfunctoriamente, a sua decisão de facto.
Por conseguinte, e contrariamente ao que advoga a recorrente, a sentença recorrida não enferma do vício da falta de fundamentação de facto.
Conclui-se, assim, que não está verificada a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação prevista na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 615.º.
*
3. Da (alegada) nulidade da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão

Nas suas alegações recursivas, a recorrente advoga ainda que a sentença recorrida enferma de vício de nulidade que se reconduz à previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, porquanto, no seu entender, os fundamentos se encontram em oposição com a decisão do Tribunal recorrido.
Todavia, entendemos que não lhe assiste razão.
Nos termos do mencionado preceito, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Os fundamentos estão em oposição com a decisão quando há contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, quando a fundamentação conduz logicamente a resultado distinto do que consta do dispositivo da decisão judicial. Dito de outro modo, a fundamentação seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando num dado sentido, e depois a decisão segue outro oposto, chegando a uma conclusão completamente diferente da apontada pela fundamentação.
A razão de ser desta causa de nulidade ancora-se primordialmente na ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão.
Portanto, o vício em questão ocorre quando se verifique contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Ora, da exegese da decisão sob censura resulta que o Sr. Juiz a quo, nos respetivos fundamentos, considerou que autora e ré iniciaram negociações para a celebração de um contrato de subempreitada relativo à execução e montagem de uma caixilharia em alumínio e vidro.
No mês de julho de 2021, autora e ré tiveram uma reunião na obra, na qual ficou decidido que a autora poderia ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia, porém, deveria a autora entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato dos trabalhos e deveria a autora entrar em obra para a montagem da caixilharia em meados do mês de fevereiro de 2022, para que a ré pudesse respeitar o prazo que tinha acordado com o cliente.
A forma condicional do verbo “poder” utilizada – a autora “poderia” ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia – seguida da conjunção “porém”, designativa de oposição ou restrição em relação ao que foi dito anteriormente, indica que a autora não ficou, desde logo, responsável pela execução e montagem da caixilharia, o que se traduziria na celebração do contrato entre a autora e a ré, dado que, para o efeito, teria ainda de entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato dos trabalhos.
Ademais, teria a autora de entrar em obra para a montagem da caixilharia em meados do mês de fevereiro de 2022.  
Sucedeu que, no dia 2 de fevereiro de 2022, a autora informou a ré que «[a]ssim que tenha uma data para entrega do material confirmo consigo, mas nunca antes de dois ou três meses para entrar em obra».
A ré insistiu para que lhe fossem dadas datas muito inferiores a dois ou três meses e que lhe fosse enviado o orçamento para que pudesse proceder à adjudicação, até que, por mensagem de correio eletrónico de 11 de fevereiro de 2022, após tentativa de contacto com a autora, sem sucesso, informou a mesma de que a iria substituir por outro parceiro de negócio, tendo a ré procedido à entrega do orçamento com o valor exato dos trabalhos cerca de seis meses depois da reunião ocorrida no mês de julho de 2021 e após o término das negociações por parte da ré.
Perante este quadro factual, e atendendo à causa de pedir invocada na petição inicial substanciada na celebração entre as partes de um contrato de subempreitada relativo à execução e montagem de uma caixilharia em alumínio e vidro e no incumprimento do aludido contrato por uma causa imputável à ré, incumprimento esse causador de prejuízos à autora, concluiu o Tribunal a quo não poder afirmar-se que foi celebrado um contrato entre a autora e a ré, porquanto não acordaram as mesmas quanto ao preço que era devido pelos trabalhos, sendo que havia ficado decidido que era necessário o acordo sobre este aspeto, pelo que, na decorrência dessa argumentação, decidiu absolver a ré do pedido.
Do exposto resulta inexistir qualquer contradição intrínseca entre os fundamentos e o dispositivo da sentença recorrida, sendo certo que, como tem sido salientado[5], a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se antes como erro de julgamento.
Conclui-se, assim, pela não verificação da invocada nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão.
***
4. Recurso da matéria de facto

4.1. Factualidade considerada provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A autora dedica-se à produção de caixilharia em alumínio e seus derivados;
2. A ré dedica-se à construção civil;
3. A ré era responsável por uma obra de um cliente que incluía a execução e a montagem de uma caixilharia em alumínio e vidro;
4. O arquiteto que tinha elaborado o projeto da obra conhecia a autora;
5. Por este motivo, indicou a autora para poder ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia;
6. No dia 6 de julho de 2021, a autora enviou ao arquiteto uma mensagem de correio eletrónico com a indicação de uma solução técnica para a execução e montagem da caixilharia e o respetivo orçamento;
7. No orçamento constava que o valor dos trabalhos era de € 175.771,73 (+IVA);
8. Juntamente com estes elementos a autora enviou um documento intitulado condições gerais em que referia que 40% do valor do orçamento devia ser entregue pela ré com a adjudicação dos trabalhos;
9. O arquiteto reencaminhou esta mensagem para a ré;
10. Após esta mensagem, a autora e a ré tiveram uma reunião na obra que decorreu no mês de julho de 2021;
11. Nesta reunião também esteve presente o arquiteto;
12. Na reunião ficou decidido que a autora poderia ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia;
13. Porém, a autora devia entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato da execução e montagem da caixilharia porque, entretanto, tinham sido introduzidas alterações na obra;
14. Além disso, a autora devia entrar em obra para a montagem da caixilharia em meados do mês de fevereiro de 2022 para que a ré pudesse respeitar o prazo que tinha acordado com o cliente;
15. Após a reunião, a autora deslocou-se à obra para retirar a caixilharia que existia e que ia ser substituída;
16. No dia 1 de fevereiro de 2022, pelas 19:50 horas, a ré enviou à autora uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte conteúdo:
-Tivemos reunião no dia 13 de janeiro com o compromisso que iríamos agilizar as coisas de modo a entrar em obra a meio de fevereiro. A semana passada disseram-me que até sexta-feira recebíamos o re-orçamento para fazerem a encomenda. Hoje é dia 1 de fevereiro e ainda não recebi nada. A minha preocupação e do dono da obra é grande neste momento, uma vez que me parece que não vamos conseguir cumprir qualquer prazo. Fico a aguardar que me digam alguma coisa com o máximo de urgência.
17. A autora respondeu a esta mensagem no mesmo dia, pelas 20:30 horas, nos seguintes termos:
- Estou a terminar de formalizar a encomenda para a submeter ainda hoje. O orçamento envio depois para validação para não estar a perder mais tempo. Estou a encomendar o do edifício novo e depois envio o orçamento para validarmos e aí encomendo o restante.
18. A ré respondeu a esta mensagem no dia 2 de fevereiro de 2022, pelas 08:19 horas, nos seguintes termos:
- Neste momento tenho de dar prazos de execução ao dono da obra. Além disso, tenho que articular com as restantes especialidades. É um risco passar um cheque em branco, fazer uma encomenda e só depois enviar o orçamento. Devem ter a noção disso. Com a vossa encomenda hoje quando entram em obra? Tenho de dar respostas hoje ao dono da obra porque ontem tivemos uma reunião muito desagradável.
19. A autora respondeu a esta mensagem no mesmo dia, pelas 08:37 horas, nos seguintes termos:
- Sabes que foi um processo que ficou na gaveta. Nem sequer tenho uma adjudicação formal da vossa parte. Nem o orçamento anterior me chegaram a validar. Falamos em obra em condições de pagamento, enviei o orçamento, uma vez que a minha primeira versão estava para o arquiteto, mas nunca tive uma resposta de adjudicação. Quando reunimos a segunda vez foi para ver o que estava a mais e que era de novo e para orçamentar, mas continuamos sem formalizar uma adjudicação. Dada toda esta pressão avancei com a encomenda. Que mais posso fazer? (…) Ainda me diz que é um risco encomendar sem orçamento. Fico como um tolo em cima da ponte. Assim que tenha uma data para entrega do material confirmo consigo, mas nunca antes de dois ou três meses para entrar em obra.
20. A ré respondeu a esta mensagem no mesmo dia, pelas 09:59 horas, nos seguintes termos:
- Em primeiro lugar quero dizer que para mim a palavra que se dá é mais importante do que qualquer papel assinado (…). Nunca foi realizada uma adjudicação formal porque desde a primeira vez que estivemos juntos que nos ficou de enviar um retificativo para fazer o contrato, algo que nunca aconteceu (…). Assim, depois de todos os constrangimentos, preciso que nos deem datas muito inferiores a dois ou três meses e que nos enviem o orçamento para que possamos adjudicar. Reitero que o orçamento não foi solicitado só hoje ou esta semana. Já foi solicitado há meses e depois da nossa última reunião já passaram vinte dias.
21. No dia 4 de fevereiro de 2022, pelas 13:45 horas, a ré enviou à autora uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte conteúdo:
- Precisamos de um feedback urgente para tomarmos alguma medida. Ficamos hoje de dar um feedback ao cliente, pelo que aguardo que me digam algo o mais rápido possível.
22. No dia 11 de fevereiro de 2022, pelas 19:47 horas, a ré enviou à autora uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte conteúdo:
- Há mais de uma semana que estou a tentar entrar em contacto convosco sem sucesso. Além do contacto telefónico, aguardava uma resposta a este e-mail o que passada uma semana ainda não aconteceu. Nesse sentido e visto não ter havido vontade em colaborarem connosco somos obrigados a substituí-los por outro parceiro de negócio. Este acontecimento entristece-me, uma vez que em mais de trinta e cinco anos de existência é a primeira vez que o mesmo acontece. Mesmo assim, agradeço o tempo que despenderam e espero que no futuro possam ter outro tipo de capacidade para resposta, nomeadamente para um novo parceiro.
23. No dia 11 de fevereiro de 2022, pelas 21.05 horas, através de uma mensagem de correio eletrónico, a autora enviou à ré o orçamento com o valor exato dos trabalhos;
24. A ré procedeu à substituição da autora na execução e montagem da caixilharia;
25. A autora despendeu a quantia de € 16.082,76 (+IVA) no material que encomendou para a montagem e instalação da caixilharia;
26. No dia 29 de março de 2022, a autora emitiu e enviou à ré uma fatura no valor de € 70.308,69, correspondente ao 40% do valor do orçamento que tinha enviado no dia 6 de julho de 2021;
27. A ré não entregou esta quantia à autora.
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4.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

1. Na reunião que decorreu entre a autora e a ré no mês de julho de 2021 ficou decidido que apenas faltava a adjudicação formal dos trabalhos;
2. Em consequência da conduta da ré a autora teve prejuízos no valor de € 6.475,00.
*
4.3. Da (alegada) deficiência da decisão de facto decorrente da falta de apreciação e de inclusão, na matéria de facto provada, de algum (ou alguns) facto essencial da causa

A decisão da matéria de facto pode apresentar «patologias» que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, nas quais se enquadra a deficiência da decisão de facto decorrente da falta de apreciação e de inclusão, na matéria de facto provada ou não provada, de algum (ou alguns) facto essencial (por constituir a causa de pedir ou em que se baseia exceção invocada, tal como decorre do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) da causa que tenha sido alegado pelas partes.

Como sublinha o acórdão desta Relação de 16.03.2023[6], «[r]ealidade diversa da impugnação da decisão de facto, que pressupõe um erro de julgamento, é a deficiência da decisão de facto, que está plasmada no art.º 662º n.º 2 alínea c) (…) Actualmente poderá afirmar-se que haverá deficiência quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas de prova ou como refere Abrantes Geraldes (…) a decisão de facto será deficiente se houver «falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares», «de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso»; (…)».
O vício formal de deficiência da decisão de facto está expressamente previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil: “2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente (…) a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)”.
           
No presente recurso, a recorrente entende ter-se como provados os factos constantes da petição inicial, mais concretamente os factos constantes dos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 63, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 82, 83, 84, 86, 87, 88, 89, 92, 95 e 97 daquele articulado, sem os descrever, incluindo no aludido rol diversos factos que já integram o elenco dos factos provados.

Pretende a recorrente demonstrar a «efetiva adjudicação à Autora» na reunião que teve lugar na obra em julho de 2021 e, por conseguinte, a «existência de um contrato de subempreitada», salientando factualidade atinente ao material aplicado em obra – alegadamente «significativamente diferente daquele que havia sido inicialmente solicitado à EMP01..., e diferente daquele que constava no projeto» (ponto 214 das alegações de recurso), ou seja, que «a solução que acabou por ser aplicada na obra não tem correspondência com a que havia sido orçamentada, tratando-se de um sistema substancialmente distinto, de qualidade inferior e significativamente mais barato» (ponto 224 das alegações de recurso) – com o objetivo de evidenciar que o comportamento que a ré alega ter assumido – a chamada “palavra dada” – carece de qualquer valor prático (ponto 225 das alegações de recurso).
Não impugna, no entanto, a decisão proferida pelo Tribunal a quo atinente à matéria de facto provada.
Ora, da matéria de facto provada resulta, como vimos, que no mês de julho de 2021, autora e ré tiveram uma reunião na obra, na qual ficou decidido que a autora poderia ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia, porém, deveria entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato dos trabalhos.
Como supradito, a forma condicional do verbo “poder” que foi utilizada – a autora “poderia” ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia – seguida da conjunção “porém”, indica que a autora não ficou, desde logo, responsável pela execução e montagem da caixilharia, o que se traduziria na celebração do contrato entre a autora e a ré, dado que teria ainda de entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato dos trabalhos, orçamento esse que a autora só entregou após a ré ter terminado as negociações dizendo que ia proceder à substituição da autora na execução e montagem da caixilharia, do que se infere que não houve uma «efetiva adjudicação» da execução e montagem da caixilharia à autora, na reunião que teve lugar na obra em julho de 2021.
Destarte, a matéria atinente a uma «efetiva adjudicação à Autora» contraria a matéria de facto assente, concretamente a matéria de facto constante dos pontos 12.º e 13.º, conjugada com a matéria de facto constante dos pontos 19.º, 22.º e 23.º.
A este propósito, enfatiza-se no acórdão desta Relação de 10.07.2025[7] que «[t]endo a mesma realidade sido vertida em diversos factos de sentença proferida, e pretendendo a parte impugná-la no seu recurso de apelação (para demonstrar o seu contrário), terá que sindicar simultaneamente todos os factos que a tenham afirmado (integrando-os no objecto do dito recurso), sob pena de, fazendo-o apenas quanto a alguns, não se poder conhecer do mesmo, por inadmissível contradição com factos definitivamente provados.».
Assim, e pretendendo a recorrente demonstrar uma «efetiva adjudicação» na reunião que teve lugar na obra em julho de 2021 e, dessa forma, a existência de um contrato de subempreitada, teria que ter impugnado simultaneamente aqueles outros factos já assentes.
Não o tendo feito, estando definitivamente assente a realidade contrária, não pode este Tribunal ad quem conhecer do pretendido objeto do seu recurso sobre a matéria de facto – da pretendida inclusão, no elenco dos factos provados, dos factos indicados pela recorrente que contrariam os factos definitivamente provados –, que, por isso, se rejeita.

4.4. Apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto

Nas suas alegações recursivas, a recorrente veio requerer a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, com fundamento na existência de factos incorretamente dados como “não provados”, mais precisamente com o fundamento de que se impunha que fossem dados como provados os seguintes factos dados como não provados:
“1. Na reunião que decorreu entre a autora e a ré no mês de julho de 2021 ficou decidido que apenas faltava a adjudicação formal dos trabalhos;
2. Em consequência da conduta da ré a autora teve prejuízos no valor de € 6.475,00.”

O artigo 640.º do Código de Processo Civil estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

No presente processo, a audiência final processou-se com gravação dos depoimentos prestados nesse ato processual e a recorrente cumpriu os ónus impugnatórios que sobre si recaíam.
Encontram-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto estabelecidos no citado artigo 640.º, na medida em que a recorrente identifica, nas conclusões do recurso (pontos LXVII e LXIX, XCIX e CIII), os concretos pontos de facto não provados que considera incorretamente julgados; discrimina, na motivação do recurso, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, na sua perspetiva, impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; indica, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e, finalmente, quanto aos meios probatórios que invoca como fundamento do erro na apreciação das provas que foram objeto de gravação, indica, na motivação do recurso, o início e o termo dos excertos em que funda o recurso e, inclusivamente, procedeu à sua transcrição.
De acordo com o que dispõe o n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Conforme salienta António Santos Abrantes Geraldes[8], pretendeu-se, com a redação do artigo 662.º, «que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.º 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.».
Através do n.º 1 do artigo 662.º, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia[9], e, desse modo, alterar a matéria de facto, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
Estritamente conexionada com a decisão de facto está o ditame legalmente consagrado
no art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, segundo o qual o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante e/ou de direito.
Como emerge do n.º 3 do artigo 607.º, apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, não devendo, assim, constar desse segmento do ato decisório juízos conclusivos ou de direito, o que, a ocorrer, sempre implicaria que os mesmos fossem considerados não escritos, sendo certo que o facto de o n.º 4 do artigo 646.º do pretérito Código de Processo Civil não ter sido transposto para a versão atual do Código não implica que não se acolha (como, aliás, constitui, posicionamento jurisprudencial e doutrinal pacífico[10]) a mesma solução caso o tribunal faça indevidamente incluir no elenco dos factos provados matéria conclusiva.
Como refere Helena Cabrita[11], «[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) como base nessa única resposta».
No caso vertente verifica-se, porém, que o primeiro facto dado como não provado, que a recorrente pretende que seja incluído no elenco dos factos provados – “Na reunião que decorreu entre a autora e a ré no mês de Julho de 2021 ficou decidido que apenas faltava a adjudicação formal dos trabalhos” – contraria igualmente a matéria de facto assente, concretamente a matéria de facto constante dos pontos 12.º e 13.º, conjugada com a matéria de facto constante dos pontos 19.º, 22.º e 23.º, da qual resulta que faltava ainda a entrega à ré de um orçamento definitivo com o valor exato da execução e montagem da caixilharia, que, certamente, teria de ser validado pela ré, pelo que teria a recorrente que ter impugnado simultaneamente estes factos já assentes. Não o tendo feito, estando definitivamente assente a realidade contrária, não pode este Tribunal ad quem conhecer do pretendido objeto do seu recurso sobre a matéria de facto – da pretendida inclusão, no elenco dos factos provados, do aludido facto dado como não provado –, que, por isso, se rejeita.
O segundo facto dado como não provado: “Em consequência da conduta da ré a autora teve prejuízos no valor de € 6.475,00”, que a recorrente pretende que seja dado como provado, constitui um facto conclusivo, como a própria reconhece, de resto, nos pontos 250.º e 260.º das suas alegações de recurso, pelo que não poderá o mesmo integrar o elenco dos factos (provados ou não provados), considerando-se, assim, como não escrito, eliminando-se o mesmo da factualidade não provada, alterando-se nestes termos a decisão de facto.
***
5. Fundamentos de Direito
           
A recorrente aponta à sentença recorrida erro de julgamento por via do Tribunal a quo ter concluído pela inexistência de adjudicação dos trabalhos e, por conseguinte, pela inexistência de um contrato (de subempreitada) e, consequentemente, pela inexistência de incumprimento contratual da recorrida, o que levou o Tribunal a decidir pela improcedência da ação.
Sustenta a recorrida, nas suas contra-alegações, que, das alegações apresentadas, não resulta qual ou quais os normativos legais que a recorrente considera violados.
Efetivamente, prevê-se no artigo 639.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “[v]ersando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas;”.
Quando, nas conclusões, se não tenha procedido a tal especificação, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada, nos termos do n.º 3, do artigo 639.º.

Como estabelece, o n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, é através das conclusões que o recorrente delimita objetivamente o recurso.
Efetivamente, como tem vindo a ser afirmado pela Jurisprudência, a exigência de formulação de conclusões prende-se com a necessidade de delimitar o objeto do recurso, fixando, com precisão, quais as questões a decidir, de modo a que a sua apreciação se revista de maior segurança.

Por conseguinte, as conclusões têm que ser idóneas (aptas) para delimitar de forma inteligível e concludente o objeto do recurso, possibilitando apreender as questões de facto e/ou de direito que o recorrente suscita na impugnação recursiva e que ao tribunal superior incumbe apreciar e resolver, jamais tendo cabimento legal as conclusões que constituem longos e confusos arrazoados, sem discriminação das questões invocadas.

No caso vertente, a recorrente não deu cumprimento ao disposto no n.º 2, al. a) do citado artigo 639.º, pese embora a alusão, nas conclusões do recurso, ao disposto no artigo 798.º do Código Civil.
Todavia, não se procedeu ao convite a que se alude no n.º 3 do mencionado preceito, por se entender constituir um ato inútil, visto que a omissão de indicação das normas jurídicas violadas não impediu a recorrida de compreender o alcance do recurso, rebatendo os argumentos apresentados pela recorrente no contexto da questão jurídica apreciada na sentença recorrida.
Ademais, tal como decorre do artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito e, visando o recurso a reapreciação da decisão, a questão jurídica a reapreciar está circunscrita à correta aplicação do direito, daí que a omissão de indicação das normas jurídicas violadas não impede a apreciação do recurso.
Considera-se, assim, que as conclusões reúnem os requisitos necessários para a apreciação do recurso.

Vejamos então.
A causa de pedir invocada na ação consiste na celebração entre a autora e a ré de um contrato de subempreitada, relativo à execução e montagem de uma caixilharia em alumínio e vidro, e no incumprimento de tal contrato por causa imputável à ré, incumprimento esse que causou prejuízos à autora, pelos quais pretende ser indemnizada.
O Tribunal a quo entendeu não poder afirmar-se que foi celebrado um contrato de subempreitada entre as partes, o que determina a improcedência da ação.

Fundamentou o Tribunal recorrido a improcedência da ação nos seguintes termos:
«O contrato de subempreitada pode ser definido como o contrato pelo qual um terceiro (subempreiteiro) assume a obrigação de realizar uma obra ou parte dela que o empreiteiro se comprometeu a executar pela celebração de um contrato de empreitada, mediante o recebimento de um preço a pagar pelo empreiteiro (art. 1213º nº1 do Cód. Civil).
O preço é um elemento essencial deste contrato, pelo que enquanto não existir acordo sobre este aspecto o contrato não pode considerar-se celebrado. Com efeito, no que respeita aos elementos essenciais deve considerar-se que a necessidade de consenso entre as partes resulta de uma imposição legal sem a qual o contrato não se considera celebrado.
Acresce que neste contrato a principal obrigação do empreiteiro consiste em pagar o preço que é devido ao subempreiteiro. Sendo esta a sua principal obrigação, compreende-se que o empreiteiro considere que é necessário o acordo sobre o preço que vai pagar. Também se compreende que o subempreiteiro considere que é necessário o acordo sobre o preço que vai receber. O que não é normal é que o empreiteiro e o subempreiteiro não considerem relevante uma decisão sobre o preço e deixem este aspecto para depois de os trabalhos terem sido executados.
Por outro lado, quando está em causa o exercício de uma actividade comercial o normal é que seja elaborado um caderno de encargos com a descrição dos trabalhos e um orçamento com o preço que é devido. Estes documentos são depois aceites pelo empreiteiro e é feita a adjudicação. Este modelo foi consagrado expressamente para as empreitadas de obras públicas, mas foi progressivamente adoptado nas empreitadas privadas, podendo considerar-se que actualmente corresponde aos usos do comércio nesta actividade.
Da matéria de facto provada resulta que a autora e a ré iniciaram negociações para a celebração de um contrato de subempreitada relativo à execução e montagem de uma caixilharia em alumínio e vidro. A autora enviou uma mensagem de correio electrónico com a indicação de uma solução técnica para a execução dos trabalhos e o respectivo orçamento. Após esta mensagem, a autora e a ré tiveram uma reunião na obra que decorreu no mês de Julho de 2021. Nesta reunião ficou decidido que a autora poderia ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia. Porém, a autora devia entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exacto dos trabalhos porque entretanto tinham sido introduzidas alterações na obra. Além disso, a autora devia entrar em obra para a montagem da caixilharia em meados do mês de Fevereiro de 2022 para que a ré pudesse respeitar o prazo que tinha acordado com o cliente.
Atendendo a esta factualidade, não pode afirmar-se que foi celebrado um contrato entre a autora e a ré. A autora e a ré não acordaram quanto ao preço que era devido pelos trabalhos e ficou decidido que era necessário o acordo sobre este aspecto. Concretamente, como resulta das mensagens de correio electrónico que foram enviadas, era necessário que a ré entregasse um re-orçamento para que pudesse ser validado pela ré e a obra fosse adjudicada. Enquanto tal não ocorresse o contrato não podia considerar-se celebrado porque a autora e a ré não tinham acordado sobre um aspecto que ambas sabiam que era necessário.
A autora acabou por entregar o orçamento com o valor exacto dos trabalhos, mas fê-lo cerca de seis meses depois da reunião que tinha decorrido no mês de Julho de 2021 e após a ré ter terminado as negociações dizendo que ia proceder à sua substituição na execução e montagem da caixilharia.
(…)
Das mensagens de correio electrónico que foram enviadas também resulta que no início do mês de Fevereiro de 2022, quando estava a aproximar-se a data que tinha ficado decidida para a entrada em obra, a ré começou a insistir com a autora. A autora reconheceu que se tratava de um processo que tinha ficado na gaveta e optou por fazer a encomenda do material e dizer que enviava o orçamento mais tarde. A ré respondeu que era um risco fazer uma encomenda e só depois enviar o orçamento. A expressão que a ré utilizou foi que a autora estava a passar um cheque em branco.
Neste contexto, a opção pela encomenda do material sem a apresentação e aceitação do orçamento não pode ser imputada à ré porque esta advertiu previamente a autora que não existia qualquer compromisso da sua parte.».
A recorrente insurge-se contra o assim decidido, argumentando que dos factos provados resulta a existência de um contrato entre as partes, acrescentando a recorrente que chegou mesmo a realizar trabalhos na obra da recorrida.
Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão.
Nos termos do artigo 1207.º do Código Civil, a empreitada define-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Da definição legal constante do mencionado preceito resulta que são três os elementos do contrato de empreitada: os sujeitos; a realização de uma obra; e o pagamento do preço.
A obrigação principal do dono da obra é a prestação do preço acordado. A retribuição faz parte da noção legal de empreitada, pois, sem esse elemento, estar-se-á perante um contrato gratuito de prestação de serviços.
Na falta de cláusula ou uso em contrário, o preço deve ser pago no ato de aceitação da obra (artigo 1211.º, n.º 2, do Código Civil).
O preço da empreitada é normalmente fixado até ao momento da celebração do negócio jurídico. A remuneração costuma, inclusive, constar do orçamento que é aprovado aquando do ajuste do contrato.[12]
O contrato de subempreitada, por sua vez, encontra a sua definição legal no artigo 1213.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual consiste no contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.
Pressupõe, assim, a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra; e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou uma parte da mesma obra.
Trata-se de um contrato subordinado a um negócio jurídico precedente. É uma empreitada de “segunda mão”, em que o subempreiteiro se apresenta como um «empreiteiro do empreiteiro», também adstrito a uma obrigação de resultado.[13]
Como sucede com qualquer contrato, o contrato de subempreitada não fica concluído enquanto não existir acordo quanto a todas as cláusulas, sendo que a falta de acordo quanto aos elementos essenciais do contrato determinará, sempre, a sua não conclusão, visto que a existência do acordo é, nesse caso, imposta pela lei.[14]
No caso vertente, resulta do quadro factual apurado, que se mantém inalterado, que, no dia 6 de julho de 2021, a autora enviou ao arquiteto uma mensagem de correio eletrónico com a indicação de uma solução técnica para a execução e montagem da caixilharia e o respetivo orçamento, no qual constava que o valor dos trabalhos era de € 175.771,73 (+IVA), bem como um documento intitulado condições gerais em que referia que 40% do valor do orçamento devia ser entregue pela ré com a adjudicação dos trabalhos, mensagem que o arquiteto reencaminhou para a ré.
Após o envio dessa mensagem, a autora e a ré tiveram uma reunião na obra, que decorreu no mês de julho de 2021, na qual ficou decidido que a autora poderia ser a responsável pela execução e montagem da caixilharia. Porém, devia entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato da execução e montagem da caixilharia porque, entretanto, tinham sido introduzidas alterações na obra.
Por outras palavras, para que a autora pudesse ficar responsável pela execução e montagem da caixilharia, o que se traduziria na celebração do contrato de subempreitada entre a autora e a ré, deveria, ainda, entregar à ré um orçamento definitivo com o valor exato dos trabalhos, certamente para que o mesmo pudesse ser analisado e, eventualmente, discutido e aprovado.
Conclui-se, assim que, na reunião que decorreu na obra no mês de julho de 2021, as partes não acordaram quanto a um elemento essencial do contrato – o preço – pelo que o contrato não ficou concluído.
É certo que a autora acabou por entregar o orçamento com o valor exato dos trabalhos, mas fê-lo cerca de seis meses depois daquela reunião e após a ré ter terminado as negociações dizendo que ia proceder à sua substituição na execução e montagem da caixilharia.

Do quadro factual apurado resulta que autora e ré encetaram negociações com vista à celebração de um contrato de subempreitada, no âmbito das quais trocaram entre si comunicações eletrónicas, reuniram-se na obra e a autora deslocou-se aí para retirar a caixilharia que existia e que iria ser substituída.
O contrato em vista não chegou, no entanto, a ficar concluído.
Ora, dispõe o artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil, que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
O mero facto de se entrar em negociações é suscetível de criar uma situação de confiança na contraparte, a qual é tutelada pelo Direito, ainda antes do surgimento de qualquer contrato.

A lei impõe, por isso, a observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares como na formação do contrato, cuja violação constitui um facto ilícito que constitui o lesante no dever de indemnizar a contraparte pelos danos sofridos.
Identificam-se essencialmente três tipologias de responsabilidade pré-contratual, que consiste numa forma de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, em que o pressuposto da ilicitude corresponde ao desrespeito pelas regras da “boa fé”, que por sua vez se concretizam em deveres pré-contratuais, salientando-se os deveres de segurança, de lealdade e de informação: a responsabilidade pela conclusão de um contato inválido ou ineficaz, que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e a responsabilidade pela rutura de negociações, quando o lesado confiou justificadamente na prossecução das mesmas e o responsável violou deveres pré-contratuais de lealdade sendo obrigado a indemnizar.[15]
A presente ação não se refere, no entanto, à forma como decorreram as negociações entre a autora e a ré, designadamente no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual pela violação de deveres pré-contratuais.
Conforme bem salienta o Sr. Juiz a quo, os termos em que a autora definiu a ação não foram estes, mas a celebração de um contrato e o seu incumprimento por uma causa imputável à ré.
Ora, não tendo o contrato em vista pelas partes ficado concluído, não há lugar ao pagamento do preço e, por conseguinte, não incorreu a ré em qualquer incumprimento contratual que a torne responsável por eventual prejuízo sofrido pela autora à luz do disposto no artigo 798.º do Código Civil.
Concluindo, e decidindo em conformidade com o que precede, terá de improceder, na sua totalidade, o recurso de apelação da autora.
***
III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida, sem prejuízo da alteração introduzida na decisão de facto.
***
Custas pela recorrente (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
                                   
Guimarães, 9 de outubro de 2025

Susana Raquel Sousa Pereira – Relatora   
Rosália Cunha – 1ª Adjunta
Pedro Maurício – 2º Adjunto


[1] Vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2021 (processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1).
[2] Assim, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, LIM., 1984, p. 140; ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, p. 687 e s.; JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, III, p. 194; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Processo Civil, p. 221, e TOMÉ GOMES, Da Sentença Cível, p. 39.
Na jurisprudência, vejam-se, entre ouros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2019 (processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1) e de 02.03.2021 (processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1), e desta Relação de 17.11.2004 (processo n.º 1887/04-1).
[3] Obra citada, p. 140.
[4] Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1.
[5] Assim, LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa comum, p. 298 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 54.
[6] Processo n.º 5172/18.5T8BRG.G1.
[7] Processo n.º 4878/24.4T8BRG.G1.
[8] Recursos em Processo Civil, 2022, 7.ª edição atualizada, Almedina, p. 333.
[9] Assim, autor e obra citados, p. 334.
[10] Cf., por todos, na doutrina, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, p. 746 e HELENA CABRITA, A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, 2015, p. 112 e ss; na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2019 (processo n.º 109/17.1T8ACB.C1.S1) e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2015 (processo n.º 5807/13.6TBMTS.P1).
[11] Obra citada, pp. 106-107.
[12] Assim, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, Almedina, maio 2000, p. 365.
[13] Assim, PEDRO ROMANO MARTINEZ, obra citada, p. 373.
[14] Assim, FERNANDO FERREIRA PINTO e FERNANDO SÁ, Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Editora, setembro 2014, p. 527 – III.
[15] Assim, MARIA DA GRAÇA TRIGO, Comentário ao Código Civil Parte Geral cit., pp. 512-513.