Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA CRISTINA CERDEIRA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA COMPETÊNCIA EXECUTIVA CASO JULGADO FORMAL CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I) - Nos termos do disposto no artº. 85º, nºs 1 e 2 do NCPC, o requerimento executivo cujo título coercivo corresponda a uma sentença condenatória proferida por tribunal português, deve ser apresentado no processo em que aquela foi proferida. Porém, se existir uma secção especializada de execução na comarca (cuja competência está definida no artº. 129º da LOSJ), depois de no tribunal da condenação ter sido organizado o expediente descrito no citado nº. 2 do artº. 85º, este deve ser remetido para o tribunal com competência executiva, oficiosamente e com carácter de urgência. II) - O artº. 85º do NCPC não trata, em qualquer um dos seus dois primeiros números, de questões de competência, que é como quem diz, da repartição da função jurisdicional por diferentes tribunais. Do que trata é de determinar o processo no qual a execução é tramitada e o que deve ser feito quando competente para a execução seja um juízo diverso daquele onde a decisão exequenda foi proferida, especializado em execução. III) - O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjectivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas excepções, designadamente a que decorre do artº. 595º, nº. 3 do NCPC, quanto à apreciação genérica de nulidades e excepções dilatórias. IV) - Se o juiz referir genericamente que se verificam determinados pressupostos, dos constantes do artº. 577º do NCPC, o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade. V) - A incompetência em razão do território que resulta do nº. 2 do artº. 85º NCPC não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA intentou, em 4/06/2020, a presente execução para prestação de facto contra S... - Investimentos Imobiliários, Lda., no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ..., dando à execução sentença proferida em 1/06/2014 no âmbito da acção declarativa com processo comum nº. 6/10...., que correu termos no então Tribunal Judicial ... (refª. ...36 destes autos) e posteriormente transitou para o Tribunal Judicial da Comarca ..., vindo a ser distribuída ao Juízo Central Cível ... – Juiz ... (refª. Citius ...30). A presente acção executiva foi remetida aos Juízos de Execução, a fim de ser sujeita a nova distribuição, tendo sido distribuída ao Juízo de Execução ... - Juiz ... (refª. ...78 e ...29 destes autos). Citada a executada, em 24/08/2020 veio esta deduzir oposição à execução mediante embargos de executado (refª. ...14 do Apenso A). Notificado o exequente do teor da oposição à execução, o mesmo apresentou contestação em 28/09/2020 (refª. ...75 do Apenso A). Em 15/10/2020 foi proferida sentença a julgar os embargos de executado parcialmente procedentes e, em consequência, fixou o prazo de 120 dias, após trânsito da sentença, para a realização das obrigações impostas à executada/embargante na sentença condenatória apresentada à execução (ou seja, retirar da fracção ... os dois tubos que ali foram colocados para servirem de escoamento de águas residuais das duas casas de banho construídas "ex novo" na fracção ... e, bem assim, tapar os furos do tecto da fracção ... por onde passam tais tubos; diligenciar pela legalização do sanitário construído na fracção ...) – refª. ...15 do Apenso A. Em 17/11/2020 a executada S... - Investimentos Imobiliários, Lda. interpôs recurso de apelação da sentença proferida no processo de embargos, por discordar da mesma (refª. ...28 do Apenso A), tendo o exequente apresentado a sua resposta em 7/12/2020, pugnando pela manutenção da sentença recorrida (refª. ...62 do Apenso A). O recurso foi admitido por despacho de 18/12/2020 (refª. ...67 do Apenso A). Por acórdão proferido em 21/01/2021, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida (refª. ...39 do Apenso A). Transitada em julgado a sentença proferida no processo de embargos de executado e decorrido o prazo de 120 dias fixado para a executada cumprir a prestação, esta nada fez. Nessa sequência, em 31/05/2021 veio o exequente requerer a prestação de facto por outrem com a nomeação de perito para avaliação do custo da prestação, e, bem assim, a fixação de indemnização moratória a que o mesmo tenha direito referente às consequências danosas que para ele decorram em consequência directa e necessária da demora no cumprimento da prestação, ordenando-se, para tanto, o prosseguimento dos presentes autos de execução (refª. ...60 destes autos). Por despacho proferido em 20/09/2021, o Tribunal “a quo” deferiu a realização da perícia requerida pelo exequente e nomeou perito para proceder à avaliação da prestação exequenda (refª. ...73 destes autos). Em 26/11/2021 o Sr. Perito veio juntar aos autos o respectivo relatório pericial (refª. ...29 destes autos), tendo o exequente em 9/12/2021 apresentado reclamação e formulado pedido de esclarecimentos relativamente àquele relatório (refª. ...08 destes autos). Em 17/02/2022 o Mº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho (refª. ...12 destes autos): Da competência: Foi apresentada à execução uma sentença condenatória proferida pelo Juízo de ... da Comarca .... Ora, quando se executa uma sentença deve obedecer-se ao critério da competência previsto no artigo 85.º, n.º 1 do C.P.C.. Acresce que, conforme expresso pelo legislador no artigo 129.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2013, publicada no DR n.º 163/2013, Série I de 2013-08-26, “para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor”. Neste contexto, o Juízo de Execução competente para executar a douta sentença proferida pelo Juízo de ... desta Comarca ... será necessariamente o Juízo de Execução .... Assim, em face do exposto, declaro este Juízo incompetência para apreciar o mérito da presente ação. * Após trânsito, remeta os autos ao Juízo de Execução ....* Sem custas.Inconformado com tal decisão, o exequente dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: A) Temos que o Douto Despacho do Tribunal a quo fundamenta a sua decisão, no seguinte pressuposto: “Da competência: Foi apresentada à execução uma sentença condenatória proferida pelo Juízo de ... da Comarca ..., Ora, quando se executa uma sentença deve obedecer-se ao critério da competência previsto no artigo 85.º, n.º 1 do C.P.C.. Acresce que, conforme expresso pelo legislador no artigo 129.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2013, publicada no DR n.º 163/2013, Série I de 2013-08-26, "para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor”. Neste contexto, o Juízo de Execução competente para executar a douta sentença proferida pelo ... desta Comarca ... será necessariamente o Juízo de Execução .... Assim, em face do exposto, declaro este Juízo incompetência para apreciar o mérito da presente ação. * Após trânsito, remeta os autos ao Juízo de Execução ...."; B) O Douto Tribunal a quo não deveria ter-se considerado incompetente para tramitação dos presentes autos de execução; C) A questão que se coloca neste particular é a de saber se o Douto Tribunal a quo deve ou não ordenar a remessa dos presentes autos ao Juízo de Execução ...; D) O Douto Tribunal a quo não podia proferir o Douto Despacho em crise, posto que, em momento anterior havia admitido a presente execução e proferido Douto Despacho a admitir os embargos de executado e a ordenar a notificação do Exequente/Recorrente para contestar; E) Ao proferir Douto Despacho a admitir os embargos de executado e, por maioria de razão, ter admitido a execução, o Juízo de Execução ... - Juiz ... considerou-se competente para a tramitação dos autos de execução; F) Tal como, na Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, no âmbito do apenso A, Embargos de Executado, o mesmo considerou-se competente já que da mesma se extrai que: “(…) 3. - Despacho Saneador: O Tribunal é o competente. O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo. (…); G) O caso julgado formal, tal como resulta do art.º 620º C.P.C., é apanágio das sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, e traduz-se em estas terem força obrigatória dentro do processo; G) Ensina Alberto dos Reis, in C.P.C., anotação ao art. 672º, que: "com o trânsito da sentença em julgado, facto processual definido no § único do art. 677º, produz-se este fenómeno: a formação do caso julgado. O art. 671º propõe-se determinar a autoridade e o valor desta formação. E determina-os assim: a decisão proferida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele. (…) Estamos, pois em presença de duas figuras diferentes, de duas realidades perfeitamente distintas. À que o art. 671º considera dá-se o nome de caso julgado material ou substancial: à que o art. 672º desenha cabe a designação de caso julgado formal ou processual. Quando é que o caso julgado reveste a primeira ou a segunda modalidade? (…) Se a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, temos o caso julgado formal. Se recaí sobre o mérito da causa, e, portanto, sobre a relação jurídica substancial, temos o caso julgado material". H) Como escreve Lebre de Freitas em anotação ao artigo 620º (Código de Processo Civil anotado, 3ª edição): "quer a sentença de absolvição da instância, seja qual for o momento processual em que é proferida, quer o despacho de indeferimento liminar, por fundamento de mérito ou outro (ver o nº 3 da anotação ao art. 590º), quer a sentença que decida um incidente com a estrutura de uma causa, quer os despachos interlocutórios proferidos ao longo do processo (despacho saneador que julgue verificado um pressuposto, despacho proferido sobre uma arguição de nulidade, despacho que rejeite um meio de prova, despacho que não admita certa pergunta feita a uma testemunha, despacho que admita segunda perícia, etc.) limitam, uma vez transitados em julgado (art. 628º) a sua força obrigatória ao processo, sendo nele inadmissível, e por isso ineficaz (art. 625º, n.º 2), decisão posterior sobre a mesma questão que deles tenha sido objecto"; I) No presente processo de execução, está já definitivamente decidido, bem ou mal que os autos devem ser tramitados no Juízo de Execução ... - Juiz ...; J) Pode surgir a tentação, depois de ler o despacho em crise, de dizer que ele não violou o caso julgado formal, porque não decidiu uma questão de competência: limitou-se apenas a considerar verificada uma exceção de incompetência; K) Analisando com atenção o despacho recorrido, vemos que o mesmo outra coisa não fez do que analisar o art. 85º, 1 e 2 do C.P.C., e dar a sua interpretação sobre essa norma, ou, dizendo de outra forma, não fez outra coisa que não seja reanalisar a questão já decidida nos autos com trânsito em julgado; L) O que interessa é que o mesmo veio, na prática, reapreciar uma questão que já estava definitivamente decidida dentro deste processo, para encontrar para a mesma uma solução diferente; M) Primeiramente, o tribunal a quo decide pela sua competência para decidir os presentes autos e admite a execução e sequente embargos de executado e até decide por Douta Sentença já transitada em julgado; N) Na própria Sentença refere-se expressamente "O Tribunal é o competente" (sublinhado e negrito nossos), sentença que há muito transitou em julgado; O) E agora, vem o Douto Tribunal a quo analisar a questão e conclui pela sua incompetência e pela remessa, após transito, do processo ao Tribunal que considerou competente; P) Ao assim fazer, o Douto Tribunal a quo, desrespeitou o caso julgado formal que estava já formado dentro destes autos; Q) Parece-nos claro que o Douto Tribunal a quo quis, com o Douto Despacho em crise, quis reapreciar questão já definitivamente decidida nestes autos; R) A decisão recorrida e ora em crise padece ainda de outro vício: o conhecimento de questão que não era de conhecimento oficioso, sem que nenhuma das partes a levasse à sua apreciação; S) Tal questão teria de ter sido alegada pelas partes o que não ocorreu, até porque a mesma apenas deveria ter sido invocada pela Executada no seu articulado de oposição á execução o que não se verificou. (art. 103º, n.º 1 C.P.C.); T) O art. 104º, n.º 1 C.P.C., que rege sobre o conhecimento oficioso da incompetência relativa, dispõe: "a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes: a) nas causas a que se referem o artigo 70.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 71.º, os artigos 78.º, 83.º e 84.º, o nº 1 do artigo 85º e a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 89.º”; U) Daqui resulta, por simples argumento a contrário, que a incompetência em razão do território que resulta do nº 2 do art. 85º C.P.C. e agora alegada pelo Tribunal a quo no seu Douto Despacho, não pode ser conhecida ex officio (Artigo 104º C.P.C.); V) Na palavra ao Prof. Miguel Teixeira de Sousa, citado no Código de Processo Civil anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, na anotação 9 ao art. 619º: ''já Teixeira de Sousa, numa linha que tem obtido maior adesão por parte da jurisprudência, defende que a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior", acrescentando ainda que "quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior"; W) Resta remeter para o art. 625º do C.P.C. Sob a epígrafe "Casos julgados contraditórios", dispõe esse artigo: "1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. 2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual. "; X) Fazendo referência a esta norma, os mesmos autores supra citados escrevem: “A excepção dilatória do caso julgado (art. 577º, i) visa impedir a existência de duas decisões contraditórias nos limites objectivos e subjectivos definidos pelo art. 581º. Apesar da oficiosidade de conhecimento de tal excepção (art. 578º) e da recorribilidade sem dependência do valor da causa (art. 629º, 2, a), que visam evitar a consumação da violação do caso julgado, os seus efeitos são remediados a posteriori através de uma medida que concede prevalência à decisão que transitou em julgado em primeiro lugar (valendo para o efeito o critério que consta do art. 628º). Essa prevalência redunda na ineficácia da sentença coberta por trânsito em julgado posterior, constituindo ainda fundamento de oposição à execução que venha a ser instaurada com base em tal decisão (art. 729º, al.f)). (…)”; Y) E caso assim se não entendesse e se tal questão fosse de conhecimento oficioso do Tribunal, o que com o devido respeito não se concede, sempre se dirá que a mesma deveria ter sido invocada até ao despacho saneador ou não havendo lugar a saneador até á prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados, o que, in casu, não ocorreu e, portanto, precludiu tal faculdade. (Artigo 104º, n.º 3 do C.P.C.); Z) Já que, o Douto Tribunal a quo conheceu de tal questão de incompetência decorrido mais de um ano após a prolação da sentença proferida no apenso dos Embargos de Executado e muito para lá do trânsito em julgado da mesma, em violação do preceito legal supra mencionado; AA) A questão da competência já havia sido definitivamente decidida, pelo Douto Tribunal a quo, no âmbito da Douta Sentença proferida no Apenso A - Embargos de Executado e já há muito transitada em julgado; BB) Decidindo dessa forma, foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 85º, n.º 1 e 2, 89º, 102º, 103º, 104º, 576º, 577º, 578º, 625º, 628º, 629º, 644º, 645º, 647º, 724º, 726º, 728º, todos do CPC e artigos 129º da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto). Termina entendendo que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho proferido pelo Tribunal “a quo” datado de 17/02/2022 e substituindo-se por outro que decida que é competente para a tramitação dos presentes autos de execução o Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Execução ... - Juiz ..., ordenando-se que o mesmo retome a tramitação da presente execução até final. Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido por despacho de 5/05/2022 (refª. ...32). Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6. A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, é a de saber se o Tribunal recorrido é ou não competente para tramitar a presente execução. Com interesse para apreciação da questão em causa há que ter em conta a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório. * Apreciando e decidindo.Na decisão recorrida declarou-se a incompetência do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Execução ... – Juiz ... para apreciar o mérito da presente execução, por o Tribunal “a quo” entender ser o Juízo de Execução ... o competente para executar a sentença proferida pelo então Tribunal Judicial ..., fundando-se para tanto no disposto no artº. 85º, nº. 1 do NCPC e artº. 129º, nº. 3 da Lei nº. 62/2013 de 26/8. Insurge-se o exequente, ora recorrente, contra a referida decisão, alegando que o Tribunal “a quo” ao admitir, em momento anterior, a presente execução e ao proferir despacho a admitir os embargos de executado e a ordenar a notificação do exequente para contestar, considerou-se competente para a tramitação destes autos. Assim como, no saneador-sentença proferido no Apenso A (embargos de executado), o mesmo considerou-se competente, estando já definitivamente decidido, no presente processo de execução, que os autos devem ser tramitados no Juízo de Execução ... - Juiz .... Sustenta o recorrente que o despacho recorrido veio, na prática, reapreciar uma questão que já estava definitivamente decidida nestes autos (analisando o artº. 85º, nº. 1 do NCPC e dando a sua interpretação sobre essa norma), para encontrar para a mesma uma solução diferente, desrespeitando assim o caso julgado formal que estava já formado dentro do processo. Mais alega que a decisão recorrida padece ainda de outro vício: o conhecimento de questão que não era de conhecimento oficioso, sem que nenhuma das partes a tivesse suscitado. Deste modo, entende o recorrente que, de acordo com o disposto no artº. 104º, nº. 1 do NCPC, por argumento “a contrario”, a incompetência em razão do território que resulta do nº. 2 do artº. 85° do NCPC, arguida pelo Tribunal “a quo” no seu despacho ora colocado em crise, não pode ser conhecida “ex officio”. E caso assim se não entendesse, se tal questão fosse de conhecimento oficioso do Tribunal, a mesma deveria ter sido invocada até ao despacho saneador, ou não havendo lugar a saneador, até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados, o que, “in casu”, não aconteceu, precludindo assim tal faculdade. Vejamos se lhe assiste razão. A questão que se coloca neste caso é a de saber se o Tribunal “a quo” é ou não competente para tramitar a presente execução e, nessa sequência, se deve ou não ordenar a remessa dos presentes autos ao Juízo de Execução .... O título executivo dado à execução é uma sentença de condenação para prestação de facto. A competência para a execução de sentença ou de uma decisão judicial que imponha uma obrigação – como é o caso – está prevista nos artºs 85º e seguintes do NCPC. Dispõe o artº. 85º, nºs 1 e 2 do NCPC o seguinte: 1. Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, excepto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado. 2. Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com carácter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham. Por sua vez, estabelece o artº. 129º, nº. 3 da Lei n.º 62/2013 de 26/8 (Lei de Organização do Sistema Judiciário, doravante designada LOSJ), mencionada na decisão recorrida, que: 3. Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor. Explicando o regime previsto no supra citado artº. 85º do NCPC, dizem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª edição, 2021, Coimbra Editora, pág. 193 e 194): «O n.º 1 não encerra uma norma de competência. Respeita à determinação, já não do tribunal, mas sim do processo no qual a execução é tramitada, estabelecendo a regra de que o é nos autos da ação em que a decisão (na 1.ª instância) foi proferida. Esta regra só cede, por natural impossibilidade, no caso de estar pendente recurso que tivesse implicado a subida dos autos a tribunal superior, dando-se então a execução com base no traslado, isto é, em certidão do processo emitida para fins de execução (cf. art. 649-1). O n.º 2 também não trata da competência para a execução, mas da remessa, ao tribunal competente para a execução da sentença, de certos elementos (o que se justifica pela circunstância de não ter sido esse o tribunal que proferiu a sentença), tendo, porém, implícitas as determinações das normas da LOSJ que se ocupam da competência para a execução da decisão (sentença ou outra de conteúdo condenatório: arts. 703-1-a e 705-1) proferida por tribunal português em ação proposta na 1.ª instância (arts. 111-2, 112-3, 113-2, 128-3, 129, 130-2-c e 131, todos da LOSJ). Mais precisamente, o n.º 2 refere-se às execuções da competência dos juízos de execução (que até à Lei 40-A/2016, de 22 de Dezembro, foram designados secções de execução e são juízos de competência especializada dos tribunais de comarca, nos termos do art. 81-3-j LOSJ), atendendo a que tais execuções, versando sobre decisões proferidas por outros tribunais (como se deduz do art. 129 LOSJ), necessariamente implicam a remessa de elementos de um tribunal (o que proferiu a decisão) para outro (o da execução). Essas execuções são instauradas nos autos da ação declarativa ou no traslado (n.º 1), mas subsequentemente processadas, em separado, no juízo de execução (n.º 2). No entanto, tal como as que são processadas no tribunal que proferiu a decisão exequenda, são consideradas como "executadas no próprio processo" para o efeito do art. 550-2-a.» (no mesmo sentido, apoiando-se na doutrina dos ilustres autores supra referidos, se pronunciou o acórdão da RC de 8/05/2018, proc. nº. 74/12.1TBPNI, disponível em www.dgsi.pt). Alinhando por semelhante entendimento, também no acórdão da RP de 8/03/2019 (proc. nº. 6292/06.4TBVNG-B, disponível em www.dgsi.pt) se refere que o artº. 85º do NCPC «não trata, em qualquer um dos seus dois primeiros números, de questões de competência, que é como quem diz, da repartição da função jurisdicional por diferentes tribunais. Do que trata é de determinar o processo no qual a execução é tramitada e o que deve ser feito quando competente para a execução seja um juízo diverso daquele onde a decisão exequenda foi proferida, especializado em execução.» Neste conspecto, referem ainda José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in ob. cit, pág. 195) que «No âmbito da LOSJ, […] as decisões proferidas pelo juízo central cível, bem como pelo juízo local cível ou juízo de competência genérica, só não são executadas pelo juízo de execução (arts. 129-3 e 130-2-c da LOSJ) se este não existir na comarca; não existindo, a execução corre no juízo central cível se o valor da execução for superior a 50.000 € (art. 117-1-b LOSJ) e no juízo local cível ou juízo de competência genérica se o valor da execução for igual ou inferior a essa quantia (art. 130-2-c LOSJ).» Em face do regime supra descrito, o requerimento executivo é sempre apresentado no processo em que foi proferida a sentença de condenação. Porém, se existir um juízo especializado de execução na comarca (cuja competência está definida no artº. 129º da LOSJ), depois de no tribunal da condenação ter sido organizado o expediente descrito no artº. 85º, n.º 2 do NCPC, este deve ser remetido para o tribunal com competência executiva, oficiosamente e com caráter de urgência. Ou seja, na situação prevista no artº. 85.º, n.º 2 do NCPC, o tribunal competente para a execução é o juízo de execução existente na comarca, nos termos do artº. 81, nºs 1 e 3, al. j) da LOSJ, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 40-A/2016 de 22/12. No caso em apreço, a sentença que constitui o título executivo foi proferida na acção declarativa nº. 6/10...., que correu termos no então Tribunal Judicial da Comarca .... Por força da alteração da organização judiciária operada pela Lei nº. 62/2013 de 26/8 (LOSJ) e pelo DL 49/2014 de 27/3, que regulamenta a LOSJ e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais (com as alterações introduzidas pelo DL 86/2016 de 27/12), o território nacional foi dividido em 23 comarcas, entre as quais consta a Comarca ..., tendo sido extintas as comarcas tal como existiam até então, nas quais se englobava a Comarca ... (cfr. artº. 33º, nº. 2 da LOSJ, artºs 3º, 64º, al. d), 71º e 117º, nº. 3 do DL 49/2014 e artº. 2º do DL 86/2016). Em virtude destas alterações introduzidas na organização judiciária, a mencionada acção declarativa que corria termos na Comarca ..., declarada extinta por força da lei, transitou posteriormente para o Tribunal Judicial da Comarca ..., tendo sido distribuída ao Juízo Central Cível ... – Juiz .... Conforme resulta dos autos, o requerimento executivo foi endereçado ao Tribunal Judicial da Comarca ... e ao processo nº. 6/10...., sendo nele indicado como Espécie: “Execução de Sentença nos próprios autos”, Título Executivo: “Decisão judicial condenatória” e Finalidade da Execução: “Prestação de facto”. Assim, em cumprimento do supra citado artº. 85, nº. 1 do NCPC, o requerimento executivo foi apresentado no processo onde foi proferida a sentença dada à execução, depois daquele ter transitado para o Tribunal Judicial da Comarca ... e sido distribuído ao Juízo Central Cível ... – Juiz .... E por força do disposto no nº. 2 do mesmo dispositivo legal, foi o processo de execução, autuado com a certidão da sentença condenatória, o requerimento executivo e os documentos que o acompanham, remetido para os Juízos de Execução, tendo sido distribuído ao Juízo de Execução ... - Juiz .... Em nosso entender, a partir do momento em que a acção declarativa nº. 6/10.... transitou da Comarca ... (entretanto extinta) para o Tribunal Judicial da Comarca ..., por força das alterações havidas na organização judiciária acima referidas, e foi distribuída ao Juízo Central Cível ... – Juiz ..., o mesmo passou a ser o competente para tramitar aquela acção. Por sua vez, decorre dos artºs 64º, al. d) e 71º, nº. 1, al. r) do DL 49/2014 de 27/3, conjugado com o artº. 2º, nº. 1, al. g) do DL 86/2016 de 27/12, e do Mapa III anexo, que sendo criado o Tribunal Judicial da Comarca ..., dele fazem parte, para o que ora interessa, o Juízo Central Cível ... (cuja área de competência abrange o Município ...), o Juízo de Execução ... (cuja área de competência abrange o Município ...) e o Juízo de Execução ... (cuja área de competência abrange o município ...), quais juízos de competência especializada (cfr. artºs 80º, nº. 2, 81º, nºs 1 e 3, al. a) e j) e 129º, nº 1 da LOSJ, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 40-A/2016 de 22/12). Tendo a presente execução de sentença sido proposta no Juízo Central Cível ... – Juiz ... em virtude do disposto no artº. 85°, nº. 1 do NCPC, entendemos que o Juízo de Execução territorialmente competente para a tramitar é o Juízo de Execução ..., e não o Juízo de Execução ... como consta da decisão recorrida, porquanto passou a ser competente para tramitar a acção onde foi proferida a sentença dada à execução o Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Cível ..., nos termos do artº. 129º, nº. 3 da LOSJ. Nesta conformidade, entendemos que o Tribunal recorrido é competente para a apreciação e tramitação dos presentes autos de execução, uma vez que abrange o município ... e, por via disso, o Juízo Central Cível onde se encontrava a acção declarativa em que foi proferida a sentença exequenda. Importa apreciar, ainda, os restantes argumentos expendidos pelo recorrente para defender a competência do Juízo de Execução .... Entende o exequente/recorrente que o Tribunal “a quo” ao admitir, em momento anterior, a presente execução e ao proferir despacho a admitir os embargos de executado e a ordenar a notificação do exequente para contestar, considerou-se competente para a tramitação destes autos. Assim como, no saneador-sentença proferido no Apenso A (embargos de executado), o mesmo considerou-se competente, ao referir que: 3.- Despacho Saneador: O Tribunal é o competente. O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo (…). Considera, pois, estar já definitivamente decidido, no presente processo de execução, que os autos devem ser tramitados no Juízo de Execução ... - Juiz .... Sustenta o recorrente que o despacho recorrido veio, na prática, reapreciar uma questão que já estava definitivamente decidida nestes autos (analisando o artº. 85º, nº. 1 do NCPC e dando a sua interpretação sobre essa norma), para encontrar para a mesma uma solução diferente, desrespeitando assim o caso julgado formal que estava já formado dentro do processo. Vejamos se lhe assiste razão. O caso julgado formal, tal como resulta do artº. 620º do NCPC, é apanágio das sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, e traduz-se em estas terem força obrigatória dentro do processo. Mas o que quer isto dizer, exactamente? Escreve José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em anotação ao artº. 620º (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 4ª ed., 2021, Almedina, pág. 753) o seguinte: «O despacho que recai unicamente sobre a relação processual não é assim apenas o que se pronuncia sobre os elementos subjetivos e objetivos da instância (…) e a regularidade da sua constituição (…), mas também todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito.» Versando o caso julgado formal apenas sobre a relação processual, ao mesmo subjazem, tão-somente, razões ou fundamentos de ordem e disciplina processual/procedimental e daí a sua natureza modificável (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2ª ed., pág. 448). O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjectivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas excepções, designadamente a que decorre do artº. 595º, nº. 3 do NCPC, quanto à apreciação genérica de nulidades e excepções dilatórias (cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2018, Almedina, pág. 745). O despacho saneador destina-se a conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, devam ser apreciadas oficiosamente (artº. 595º, nº. 1, al. a) do NCPC). No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença (artº. 595º, nº. 3 do NCPC). Tem o despacho saneador uma tripla finalidade: i) verificação da regularidade da instância (conhecimento da falta de pressupostos processuais ou da existência de excepções dilatórias); ii) apreciação de nulidades processuais; iii) conhecimento imediato do mérito da causa (cfr. Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 223). Porém, vem sendo pacificamente defendido na doutrina e na jurisprudência que se o juiz referir genericamente que se verificam determinados pressupostos, dos constantes no artº. 577º do NCPC (por ex., a competência, a capacidade, a legitimidade ou os requisitos da coligação do artº. 36º do mesmo Código) ou outros (por ex., os que tornam admissível a reconvenção, ou o pedido genérico: respectivamente, artºs 266º, nº. 2 e 556º, nº. 1 do NCPC), o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 657). Ou seja, o caso julgado apenas se forma relativamente a questões ou excepções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das excepções dilatórias (v.g. “o tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; as partes são dotadas de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas; nada obsta à apreciação do mérito da causa …”) – cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 696; acórdão da RL de 10/09/2020, proc. nº. 2671/14.1T8LSB, disponível em www.dgsi.pt). No caso dos autos, tendo o Tribunal “a quo” referido apenas genericamente, no despacho saneador proferido no Apenso de embargos de executado, que “era o competente”, tal despacho não constituiu, nessa parte, caso julgado formal, contrariamente ao defendido pelo recorrente, pelo que era possível, como o foi, a apreciação concreta da questão da competência noutro momento processual. Por outro lado, alega o exequente/recorrente que a decisão recorrida padece ainda de outro vício, a saber, o conhecimento de questão que não era de conhecimento oficioso, sem que nenhuma das partes a tivesse suscitado. Adiantamos, desde já, que lhe assiste razão. O artº. 104º, nº. 1 do NCPC, que rege sobre o conhecimento oficioso da incompetência relativa, dispõe que “a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes: a) nas causas a que se referem o artigo 70.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 71.º, os artigos 78.º, 83.º e 84.º, o nº 1 do artigo 85º e a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 89.º” (sublinhado e negrito nosso). Daqui resulta, por argumento “a contrario”, que a incompetência em razão do território que resulta do nº. 2 do artº. 85º do NCPC não pode ser conhecida “ex officio”. Não obstante, foi isso que a decisão recorrida fez (cfr. acórdão da RG de 11/03/2021, proc. nº. 1393/20.9T8ANS, disponível em www.dgsi.pt). Sobre o conhecimento oficioso da incompetência territorial, escreve José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, em anotação ao artº. 104º do NCPC (in ob. cit., pág. 238), o seguinte: «Quanto à incompetência em razão do território, só o pode (e deve) fazer [conhecer oficiosamente) nos casos previstos nas diversas alíneas do nº. 1. O elenco desses casos e o seu significativo aumento explicam-se por razões práticas de administração da justiça, visando nomeadamente evitar situações de elevada pendência em certas circunscrições territoriais, muitas vezes determinada pelo simples facto da localização do domicílio dos profissionais do foro na respectiva circunscrição.» No mesmo sentido se pronunciaram António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in ob. cit., pág. 133), ao referirem que «a incompetência territorial é de conhecimento oficioso apenas nos casos em que a lei o prevê (art. 578º), ainda assim, apenas quando os autos forneçam para o efeito os elementos necessários, sem necessidade de averiguações complementares. Nestes casos, o interesse da administração da justiça sobrepõe-se ao das partes resultante de acordo expresso ou da simples falta de dedução da exceção dilatória. Nas demais situações, é relativamente indiferente a escolha que é feita pelo autor e, por isso, desde que o réu não suscite o incidente, o juiz está inibido de apreciar oficiosamente a incompetência (mais desenvolvimentos em Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 4ª ed., pp. 32 a 35).» Mesmo que assim se não entendesse, e se tal questão fosse de conhecimento oficioso do Tribunal, sempre se dirá que a mesma deveria ter sido suscitada e decidida até ao despacho saneador, ou não havendo lugar a saneador, até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados, o que, “in casu”, não aconteceu, precludindo assim tal faculdade (artº. 104º, nº. 3 do NCPC). Conforme se alcança dos autos, o Tribunal “a quo” conheceu da questão de incompetência territorial decorrido mais de um ano após a prolação da sentença proferida no Apenso dos embargos de executado e muito para lá do trânsito em julgado da mesma, em violação do supra citado artº. 104º, nº. 3 do NCPC. Por tudo o que atrás se deixou exposto, o Tribunal “a quo” não poderia ter concluído pela sua incompetência para tramitar os presentes autos de execução. Todavia, salvo o devido respeito, não andou bem aquele Tribunal ao decidir declarar-se incompetente para apreciar o mérito da presente execução, quando, ao invés, deveria prosseguir com a tramitação da mesma. Nestes termos, terá de proceder o recurso interposto pelo exequente. * SUMÁRIO:I) - Nos termos do disposto no artº. 85º, nºs 1 e 2 do NCPC, o requerimento executivo cujo título coercivo corresponda a uma sentença condenatória proferida por tribunal português, deve ser apresentado no processo em que aquela foi proferida. Porém, se existir uma secção especializada de execução na comarca (cuja competência está definida no artº. 129º da LOSJ), depois de no tribunal da condenação ter sido organizado o expediente descrito no citado nº. 2 do artº. 85º, este deve ser remetido para o tribunal com competência executiva, oficiosamente e com carácter de urgência. II) - O artº. 85º do NCPC não trata, em qualquer um dos seus dois primeiros números, de questões de competência, que é como quem diz, da repartição da função jurisdicional por diferentes tribunais. Do que trata é de determinar o processo no qual a execução é tramitada e o que deve ser feito quando competente para a execução seja um juízo diverso daquele onde a decisão exequenda foi proferida, especializado em execução. III) - O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjectivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas excepções, designadamente a que decorre do artº. 595º, nº. 3 do NCPC, quanto à apreciação genérica de nulidades e excepções dilatórias. IV) - Se o juiz referir genericamente que se verificam determinados pressupostos, dos constantes do artº. 577º do NCPC, o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade. V) - A incompetência em razão do território que resulta do nº. 2 do artº. 85º NCPC não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo exequente AA e, em consequência, revogam o despacho recorrido, determinando o prosseguimento da execução no Juízo de Execução ... – Juiz ..., por ser o competente. Sem custas. Notifique. Guimarães, 15 de Dezembro de 2022 (processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora) Maria Cristina Cerdeira (Relatora) Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta) Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta) |