Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5910/23.4T8VNF-B.G1
Relator: SUSANA RAQUEL SOUSA PEREIRA
Descritores: QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO LEGAL
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A nulidade da sentença por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão respeita apenas à falta absoluta de fundamentação, entendendo-se como tal a total ausência de fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. Não abrange a fundamentação deficiente, incompleta ou insuficiente, errada e/ou não convincente, que configura apenas uma causa de recurso por erro de julgamento, de facto ou de direito, que afeta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não constitui causa de nulidade da sentença.
II. Existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, as quais se reportam aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados, e não se confundem com “factos”, pelo que o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido, podendo reconduzir-se a um erro de julgamento, não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
III. O julgamento da matéria de facto padece do vício da deficiência quando o tribunal não se pronuncia sobre algum facto integrante dos temas da prova, impondo-se à Relação, como tribunal de instância, suprir tal vício, quando constem do processo todos os elementos para o efeito.
IV. Conforme decorre do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, não devendo constar desse segmento do ato decisório juízos conclusivos ou de direito, o que, a ocorrer, implica que os mesmos sejam considerados não escritos.
V. A qualificação da insolvência como culposa depende, para além da prova dos factos integradores das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 186.º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas (a partir dos quais se presume a culpa grave), da prova do nexo de causalidade entre tal atuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Por apenso aos autos de insolvência de EMP01... Unipessoal, Lda., os requerentes e credores AA e BB vieram requerer, nos termos previstos no artigo 188.º, n.º 1, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (doravante CIRE), a qualificação da insolvência como culposa e a afetação por tal qualificação do seu legal representante CC.

Alegaram, em síntese, que o comportamento assumido pela insolvente, na pessoa do seu gerente, é manifestamente o de uma insolvência culposa, atendendo nomeadamente:

- à inexistência de colaboração do gerente para com o AI, conforme descrito no relatório – artigo 186.º, n.º 2, alínea i) do CIRE;
- à existência de património, que se encontra registado nos elementos contabilísticos da empresa, mas cuja titularidade não se encontra registada a favor da insolvente – artigo 186.º, n.º 2, alínea d) do CIRE;
- à violação do dever de requerer a declaração de insolvência – artigo 186.º, n.º 3, alínea a) do CIRE;
- à violação da obrigação de elaborar as contas anuais no prazo legal – artigo 186.º, n.º 3, alínea b) do CIRE;
- à situação criada em consequência da atuação dolosa do gerente da insolvente – artigo 186.º, n.º 1 do CIRE;
- acrescido ainda da circunstância de, no seu próprio interesse e proveito, o gerente da sociedade ter exercido, a coberto da personalidade da insolvente, contratos-promessa de compra e venda de prédio que sabia não lhe pertencer, apropriando-se, dessa forma, do sinal prestado pelos promitentes compradores – artigo 186.º, n.º 2, alínea e) do CIRE.
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O administrador da insolvência apresentou o seu parecer nos termos previstos no artigo 188.º, n.º 3, do CIRE, sustentando que a insolvência deve ser qualificada como culposa, em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do seu gerente, o qual deverá ser afetado pela qualificação e sobre o qual deverão recair as sanções previstas no artigo 189.º do mesmo diploma legal.
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Por seu turno, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa, alegando que decorre com suficiência dos autos (designadamente do processo principal, apensos, documentos juntos e parecer do Sr. Administrador da Insolvência) a prática pelo requerido de factos suscetíveis de integrar o preenchimento das situações previstas no artigo 186.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CIRE e, por conseguinte, suscetíveis de qualificar a presente insolvência como culposa, bem como a demonstração da existência de nexo causal entre a prática de tais factos e a criação ou agravação da situação de insolvência, dentro do limite temporal previsto no n.º 1 do citado artigo 186.º, concordando, assim, com o parecer emitido pelo Sr. Administradora da Insolvência, no sentido de que a insolvência dos autos deve ser qualificada como culposa, e de que deve ser afetado CC.
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Regularmente citado, o requerido, CC, apresentou oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita, negando a prática da factualidade que lhe vem imputada nos pareceres apresentados pelos credores e pelo Ministério Público.
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Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, fixou-se o objeto do litígio e definiram-se os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final, e veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Face a todo o exposto, julgando procedente o presente incidente, considero afectado pela qualificação culposa da insolvência CC (art. 189º, n.º 2, al. a) do C.I.R.E), com culpa exclusiva;
Fica o mesmo inibido para o exercício do comércio durante um período de 4 (quatro) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa (art. 189º, n.º 2, al. c) do C.I.R.E.);
Condeno, ainda, o requerido, a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património (art.º 189, n.º 2, al. e) do CIRE).
Por ser ainda impreciso o montante dos prejuízos sofridos, relego o seu conhecimento para liquidação de sentença.
Determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (art. 189º, n.º 2, al. d) do C.I.R.E.).».
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Não se conformando com o assim decidido, o requerido, CC, interpôs recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:

«DA NULIDADE DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
1- A sentença recorrida incorre num vício estrutural grave, ao não cumprir o dever indispensável de fundamentação previsto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 607.º do Código de Processo Civil.
2- A fundamentação é condição essencial da validade das decisões judiciais, assegurando transparência, imparcialidade e o direito das partes a conhecerem claramente as razões da decisão que as afeta.
3- No caso em apreço, a sentença em crise limita-se a reproduzir de forma genérica e formalista os pressupostos legais para a qualificação da insolvência como culposa, valendo-se exclusivamente das presunções legais previstas no artigo 186.º do CIRE, sem realizar uma análise crítica e específica das provas constantes nos autos.
4- Não foi feita qualquer articulação coerente entre os factos considerados provados e os meios de prova que os sustentam (seja documental, testemunhal ou pericial) nem foram explicados o valor e o conteúdo concreto dessa prova, o que constitui uma grave deficiência.
5- Esta ausência de fundamentação crítica impede o exercício efetivo do direito de recurso, pois o Tribunal ad quem fica impossibilitado de avaliar a correção da decisão, em violação do princípio do contraditório e da transparência processual.
6- Tal omissão configura violação dos requisitos de fundamentação previstos no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 607.º, n.º 4, e no artigo 615.º, alínea b), do Código de Processo Civil.
7- Em consequência, esta insuficiência de fundamentação compromete a validade das decisões sancionatórias, justificando a anulação da sentença para que seja proferida nova decisão devidamente fundamentada.

NULIDADE DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA
8- A sentença recorrida incorreu também numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por não ter analisado de forma concreta e expressa os factos essenciais alegados pelo recorrente na sua oposição. Ao limitar-se a desqualificar genericamente esses factos como “irrelevantes, conclusivos, de direito ou não provados”, o Tribunal a quo falhou em cumprir o seu dever de pronúncia sobre questões cruciais para a qualificação da insolvência, nomeadamente a causa externa que motivou a situação financeira da sociedade e a atuação diligente e isenta de dolo do recorrente, tudo isto elementos vertidos na oposição apresentada pelo Recorrente.
9- A jurisprudência é clara ao exigir que o julgador se pronuncie sobre todas as questões submetidas pelas partes, salvo se ficarem prejudicadas por decisões anteriores. A omissão de análise específica sobre o cerne da defesa do recorrente compromete a transparência e o controlo efetivo da decisão, configurando nulidade processual com impacto direto no resultado do julgamento.
10- Por tais motivos, impõe-se a declaração da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, e a substituição da mesma por decisão que conheça e analise devidamente os factos alegados, assegurando a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da justiça material.

ANALÍSE CRÍTICA À MATÉRIA DE FACTO:
11- Ainda, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar provados os factos nº 4 e nº 6, uma vez que não dispõe de prova suficiente, credível e consistente para os sustentar, conforme exigido pelos artigos 640.º e 662.º do CPC.
12- No que concerne ao facto nº 4 sobre o alegado incumprimento na entrega das contas da sociedade o depoimento do contabilista DD demonstra que as contas foram efetivamente elaboradas e submetidas, tendo sido o único impedimento formal o não pagamento da taxa de 80 euros para o depósito oficial. Esta circunstância configura um mero lapso formal, não caracterizando desleixo ou ignorância do dever contabilístico, pelo que não preenche os requisitos do artigo 186.º, nº 3, alínea b), do CIRE para qualificar a insolvência como culposa.
13- Quanto ao facto nº 6, relativo à alegada falta de colaboração do recorrente com o administrador de insolvência, o mesmo depoimento confirma que, apesar das limitações geográficas e linguísticas do recorrente, este assegurou a cooperação necessária através de profissionais qualificados que mantiveram contacto e prestaram a informação exigida. Assim, a alegação de falta de colaboração carece de fundamentação probatória concreta e específica, faltando à sentença a análise detalhada dos comportamentos ou omissões imputadas ao recorrente.
14- Deste modo, a decisão sobre a matéria de facto deve ser revista, com a transposição dos factos nº 4 e nº 6 para o elenco dos factos não provados, garantindo-se uma valoração crítica e rigorosa da prova, em respeito pelos princípios legais aplicáveis.

QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
15- Nos autos do incidente de qualificação de insolvência, a Mmª Juíza a quo declarou a insolvência da requerida como culposa, aplicando presunções legais, e considerou o gerente afetado, com as consequências legais aplicáveis.
16- Contudo, do exame dos factos provados e do enquadramento jurídico, não se verifica que o recorrente tenha praticado atos que justifiquem a qualificação da insolvência como culposa. Para tal qualificação, é necessário provar que houve uma atuação dolosa ou com culpa grave, nos três anos anteriores ao processo, e que essa conduta teve nexo causal com a criação ou agravamento da insolvência.
17- Embora existam presunções legais que facilitam essa qualificação, estas só são aplicáveis quando comprovados atos concretos que enquadrem as situações previstas na lei. No caso em apreço, não foram demonstradas tais condutas nem a relação causal necessária.
18- Assim, não estão preenchidos os requisitos legais para a insolvência ser qualificada como culposa, pelo que a decisão que assim o determinou carece de fundamento.
19- A sentença considerou que a insolvente não apresentou o pedido de insolvência dentro do prazo legal, pois este foi requerido por terceiros. No entanto, tal omissão não pode ser considerada como conduta ilícita ou desonesta da sociedade ou do seu gerente. O recorrente entendeu que, apesar das dificuldades financeiras, a sociedade ainda possuía bens e condições para continuar a operar, pelo que não via razão para antecipar o pedido de insolvência.
20- A existência de dívidas, incluindo aquelas à Fazenda Nacional, ou o montante dos créditos reclamados, por si só, não são prova suficiente da incapacidade da sociedade para cumprir as suas obrigações. Na verdade, grande parte desses créditos resulta do incumprimento dos contratos promessa de compra e venda, diretamente relacionado com decisões administrativas da Câmara Municipal que impediram o licenciamento das moradias em questão.
21- Importa destacar que, durante o período em que a insolvência foi requerida por terceiros, a sociedade ainda negociava com os promitentes compradores para tentar resolver os contratos de forma que não agravasse a situação financeira. Assim, a apresentação do pedido pelos credores precipitou e agravou a situação, não se podendo imputar ao recorrente a culpa pela falta de apresentação.
22- Para qualificar a insolvência como culposa com base nesta omissão, teria de existir prova clara do nexo causal entre o atraso no pedido e o agravamento da situação insolvente, o que não se verificou no caso.
23- A sentença considerou ainda que o recorrente violou o dever de colaborar com o administrador da insolvência, especialmente no fornecimento de documentos contabilísticos. Todavia, esta conclusão não encontra suporte probatório suficiente, sendo baseada apenas em afirmações do administrador.
24- Pelo contrário, a contabilidade da sociedade estava organizada, era mantida por um contabilista certificado que prestou depoimento isento, e foi disponibilizada ao administrador da insolvência, que não se encontrava impedido de a consultar. Além disso, o recorrente reside na ... há muitos anos, o que para além de dificulta qualquer alegação de má-fé ou intenção de ocultação, justifica o facto deste ter recorrido a profissionais para darem resposta às solicitações do Administrador de Insolvência.
25- A legislação exige que a falta de colaboração seja reiterada e suficientemente grave para prejudicar a liquidação do património e a satisfação dos credores. Não há prova de que isso tenha acontecido, pois todos os créditos foram reclamados e reconhecidos, e os bens apreendidos cobrem o valor reclamado. Portanto, não se verifica o incumprimento do dever de colaboração que possa justificar a qualificação da insolvência como culposa.
26- Por fim, a sentença apontou que a insolvente não cumpriu o dever legal de elaboração e publicação das contas anuais. Contudo, conforme o depoimento do contabilista, as contas foram devidamente elaboradas e depositadas nas entidades competentes, estando apenas pendente a sua publicação oficial. Essa pendência decorre, essencialmente, do não pagamento do IES, o que impede a concretização da publicação.
27- Importa esclarecer que a elaboração e depósito das contas são etapas distintas da sua publicação, sendo que o incumprimento da obrigação de publicar não pode ser automaticamente equiparado a uma falha no cumprimento do dever contabilístico. A sociedade cumpriu a fase essencial de elaboração e depósito das contas, estando o atraso relacionado a questões financeiras associadas ao pagamento do IES, sendo que isto não se traduz má-fé nem conduta dolosa.
28- Adicionalmente, a insolvência foi decretada em dezembro de 2023, sendo que as contas referentes a esse exercício só poderiam ser apresentadas em 2024, o que afasta qualquer alegação de incumprimento para o ano em curso.
29- Quanto às contas dos anos anteriores, o simples facto de não terem sido publicadas não é, por si só, suficiente para qualificar a insolvência como culposa. Para que tal se verifique, seria necessário demonstrar a existência de um nexo causal entre essa falta e o agravamento ou criação da situação de insolvência, o que não ocorreu nem foi evidenciado na sentença.
30- Em suma, não estão preenchidos os requisitos para qualificar a insolvência da sociedade como culposa, pois não foi demonstrada a prática de qualquer ato ilícito ou doloso, nem culpa grave, nem sequer o nexo causal entre condutas do recorrente e a situação insolvente.
31- Por fim, a sentença que qualificou a insolvência como culposa impôs sanções severas ao recorrente, como a inibição para o exercício do comércio e a condenação a indemnizar os credores, sem, contudo, fundamentar adequadamente a duração do prazo de inibição nem o critério para a fixação do valor indemnizatório.
32- Esta ausência de fundamentação e motivação constitui uma lacuna grave, que compromete a validade da decisão. Não estando demonstrados os pressupostos legais e factuais para a qualificação culposa, deve ser revogada a decisão e substituída por outra que reconheça a insolvência como fortuita, afastando as penalizações impostas ao recorrente.
NESTES TERMOS e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V.Exªs, deverá ser julgado procedente o presente recurso, com o conhecimento das nulidades supra invocadas, bem como a alteração da matéria de facto nos termos supra expostos, revogando-se a sentença recorrida, com a consequente qualificação da insolvência como fortuita, e a desafetação do Recorrente dos efeitos da insolvência culposa, com as legais consequências.».
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Os requerentes apresentaram contra-alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:

«1. A sentença recorrida não padece de nulidade por falta de fundamentação, permitindo, com suficiente clareza, compreender o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório.
Não se verifica nem a falta absoluta de fundamentação, nem sequer deficiência grave que impeça a compreensão das razões de facto e de direito da decisão judicial.
2. Não se verifica omissão de pronúncia, uma vez que a sentença recorrida apreciou todas as questões essenciais submetidas à sua apreciação, não estando o Tribunal a quo obrigado a responder individualizadamente a todos os argumentos ou considerações das partes, mas apenas às questões relevantes para a decisão da causa.
3. A impugnação da matéria de facto pelo recorrente é infundada, pois os pontos 4 e 6 dos factos provados encontram-se devidamente sustentados nos elementos dos autos e não existem meios probatórios que imponham decisão diversa da recorrida.
4. A ausência de depósito e registo das contas referentes aos exercícios de 2021, 2022 e 2023 constitui violação de dever legal relevante, sendo esta omissão relevante para efeitos de qualificação da insolvência como culposa, nos termos do artigo 186.º, n.º 3, alínea b), do CIRE.
5. A falta de colaboração do gerente da insolvente com o administrador de insolvência está comprovada nos autos, sendo esta conduta subsumível à alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, que consagra uma presunção inilidível de culpa grave e do nexo causal entre a conduta e a situação de insolvência.
6. A omissão do dever de apresentação à insolvência, nos termos do artigo 18.º do CIRE, integra igualmente uma presunção de culpa grave, prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, não tendo o recorrente logrado ilidir tal presunção, nem demonstrar que a situação de insolvência resultou de fatores externos, imprevisíveis ou insuperáveis.
7. A factualidade apurada demonstra que a situação de insolvência foi criada e agravada por comportamentos imputáveis ao recorrente.
8. As sanções aplicadas encontram-se expressamente previstas no artigo 189.º do CIRE, sendo proporcionais à gravidade dos factos apurados e devidamente fundamentadas na sentença recorrida.
9. Não se verifica qualquer fundamento para a qualificação da insolvência como fortuita.
Termos em que, negando provimento ao recurso e proferindo acórdão que confirme a sentença recorrida, fará este Venerando Tribunal, como sempre, inteira e sã Justiça.».
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC) – sendo que o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de apreciar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. 

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões solvendas:

I. Da (invocada) nulidade da sentença recorrida por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC);
II. Da (invocada) nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC);
III. Da deficiência do ponto 3.º dos factos provados;
IV. Do erro de julgamento quanto aos pontos de facto n.ºs 4 e 6 dos factos provados por as provas produzidas imporem que sejam considerados como não provados;
V. Do erro na aplicação do direito, por terem sido indevidamente considerados preenchidos os pressupostos em que assentou a decisão recorrida para qualificar a insolvência de “EMP01... Unipessoal, Lda.” como culposa nos termos do disposto no art.º 186.º, n.º 2, alínea i) e n.º 3, alíneas a) e b), do CIRE, e por ausência de fundamentação adequada para o período de duração da inibição e para a condenação no valor indemnizatório a liquidar em execução de sentença.
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2. Da invocada nulidade da sentença recorrida por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC)

Advoga o recorrente, em síntese, que a sentença sob censura se limita a reproduzir de forma genérica e formalista os pressupostos legais para a qualificação da insolvência como culposa, valendo-se exclusivamente das presunções legais previstas no artigo 186.º do CIRE, sem realizar uma análise crítica e específica das provas constantes dos autos.
Acrescenta que não foi feita qualquer articulação coerente entre os factos considerados provados e os meios de prova que os sustentam (seja documental, testemunhal ou pericial) nem foram explicados o valor e o conteúdo concreto dessa prova.

A Sr.ª Juíza a quo pronunciou-se no sentido da não verificação da invocada nulidade.

As nulidades da sentença, taxativamente enunciadas no artigo 615.º do CPC, «reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito»[1], e diferem dos erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na decisão recorrida decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

Prescreve o citado artigo 615.º do CPC que:
“1 - É nula a sentença quando: (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando plasmado no n.º 3 do artigo 607.º do CPC, segundo o qual, deve “o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
É entendimento dominante, quer na doutrina quer na jurisprudência, que a causa de nulidade prevista na alínea b), do artigo 615.º respeita apenas à falta absoluta de fundamentação, entendendo-se como tal a total ausência de fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. Não abrange a fundamentação deficiente, incompleta ou insuficiente, errada e/ou não convincente, que configura apenas uma causa de recurso por erro de julgamento, de facto ou de direito, que afeta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, se este for admissível, mas não constitui causa de nulidade da sentença.[2]
Como ensinava Alberto os Reis[3], «[h]á que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)».

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2021[4] decidiu-se que «[s]ó a absoluta falta de fundamentação - e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação - integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil».
Ora, conforme resulta da mera análise da sentença recorrida, o Tribunal a quo discriminou os factos que resultaram provados e justificou, ainda que perfunctoriamente, os motivos da sua decisão sobre a matéria de facto, bem como especificou os fundamentos de direito que estiveram na base da decisão.
Por conseguinte, ao contrário do que advoga o recorrente, a sentença recorrida não enferma do vício da falta de fundamentação de facto e de direito.
Conclui-se, assim, que não está verificada a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação prevista na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 615.º.
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3. Da (invocada) nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).

Advoga o recorrente que a sentença sob censura não analisou de forma concreta e expressa os factos essenciais alegados na oposição, e que ao limitar-se a desqualificar genericamente esses factos como “irrelevantes, conclusivos, de direito ou não provados”, o Tribunal a quo falhou em cumprir o seu dever de pronúncia sobre questões cruciais para a qualificação da insolvência, nomeadamente a causa externa que motivou a situação financeira da sociedade e a atuação diligente e isenta de dolo do recorrente, tudo isto elementos vertidos na oposição.

A Sr.ª Juíza a quo pronunciou-se no sentido da não verificação da invocada nulidade.

Prescreve o citado artigo 615.º do CPC que:
“1 - É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
A nulidade em causa substancia uma omissão de pronúncia que decorre da violação do dever imposto pelo artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Sobre a interpretação desta causa de nulidade, na vertente «omissão de pronúncia», ensinava Alberto dos Reis[5] que: «(…) são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)».
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[6]enfatizam que, “(…) devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
Seguindo o mesmo entendimento, EE[7] sublinha que as «questões» são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando «esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes».

Na Jurisprudência, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2017[8] que «II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição ou controvérsia.».

E escreve-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.11.2020[9] que «[a]penas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de «questões» com o de «argumentos» ou «razões». Constitui igualmente entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de «questões» em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados.».
Importa ainda ressaltar, como igualmente ensinava Alberto dos Reis[10], que as questões essenciais também não se confundem com “factos”: «[u]ma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.».
Neste mesmo sentido, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017[11]: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC».
Ora, no caso vertente, decorre da exegese da decisão sob censura que o Tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Com efeito, a questão sobre a qual o Tribunal a quo devia pronunciar-se, na sequência do que aventou no despacho saneador e que foi decidida, era a questão de saber se a situação de insolvência foi criada ou agravada, com dolo ou culpa grave, pela devedora ou seu administrador, nos termos do disposto no artigo 186.º do CIRE, do que se conclui que não ficou qualquer questão por conhecer.
Constituindo os factos alegados pelo recorrente na sua oposição elementos para a solução de tal questão, não são a própria questão, e o não atendimento desses factos, podendo reconduzir-se a um erro de julgamento, não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
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4. Da deficiência do ponto 3.º dos factos provados

Nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E o n.º 2, al. c), do mesmo preceito, dispõe que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.”
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.05.2016[12], «tem-se por deficiente o enunciado linguístico que expresse um sentido incompleto do respetivo juízo probatório, nos seus próprios termos, não abrangendo naquele a factualidade ali relevante ou não cobrindo, de forma positiva ou negativa, todo o facto enunciado como provado. Por seu turno, será obscuro o enunciado probatório vagos, ininteligível, equívoco ou imprecisos e serão contraditórios os que exprimam sentidos reciprocamente excludentes. Tais vícios, dada a sua natureza formal, só relevam quando obstem a qualquer pronunciamento de mérito sobre o juízo probatório dessa forma afetado, implicando a sua alteração pelo próprio tribunal de recurso, quando constem do processo todos os elementos para o efeito, ou a sua anulação e eventual ampliação para repetição da prova em julgamento no tribunal da 1.ª instância, nos termos conjugados da alínea c) do n.º 2, e da alínea b) e c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC.».
O julgamento da matéria de facto padece do vício da deficiência quando o tribunal não se pronuncia sobre algum facto integrante dos temas da prova, situação que se distingue da necessidade de ampliação de facto, quando o tribunal omitiu dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio[13].

Em causa estão factos relevantes para a boa decisão da causa, entendendo-se como tais:
- os factos essenciais à procedência das pretensões deduzidas, ou seja, aqueles que têm a virtualidade de preencher a previsão normativa (facti species) favorável a tais pretensões, na perspetiva do efeito pretendido, segundo as regras de repartição do ónus da prova;
- os factos essenciais suscetíveis de integrar os fundamentos de exceção perentória deduzida ou que deva ser objeto de conhecimento oficioso[14].
Isto posto, se o julgamento da matéria de facto padecer do vício da deficiência, terá o tribunal da Relação de o suprir a partir dos elementos de prova que constam do processo e/ou da gravação, conforme o determina o n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
Se não constarem do processo todos os meios que lhe permitam suprir tal vício com a necessária segurança, terá então ao tribunal da Relação, fazendo uso dos poderes de cassação (“anular a decisão proferida na 1ª instância…”), nos termos da alínea c), do n.º 2 do citado artigo 662.º, anular a sentença e determinar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de colmatar aquela patologia.
A anulação do julgamento «deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia»[15].
O poder rescisório ou cassatório é subsidiário do poder de reexame da prova, pois só haverá lugar à anulação se não constarem do processo todos os elementos - factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente - que permitam a alteração.
Assim, e uma vez constatada a existência de uma deficiência da matéria de facto, impõe-se à Relação, como tribunal de instância, o dever de analisar toda a prova produzida, incluindo a prova gravada, a fim de aferir se a mesma permite colmatar aquela patologia.
Isto é assim, independentemente de as partes requererem o suprimento dessa deficiência.
No caso vertente, o Sr. Administrador da Insolvência alegou, no seu parecer, que a insolvente já se encontrava em situação de incumprimento generalizado em 2022.
Resulta da relação de créditos reconhecidos junta ao Apenso A, na data de 22.07.2024, a existência de dívidas à Segurança Social e à Autoridade Aduaneira que se venceram, na sua generalidade, no ano de 2022.
A decisão recorrida considerou provado tão só que:
“3. Do elenco dos créditos reclamados, constam dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira, reportadas, a mais antiga, ao ano de 2021.”
Com base neste facto, o Tribunal a quo considerou preenchida a hipótese consagrada no n.º 3, alínea a), do artigo 186.º.
Como veremos mais adiante, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, do CIRE, “[q]uando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º”
Contudo, do ponto 3º dos factos provados não resulta um incumprimento generalizado das dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Constata-se, assim, a existência de uma deficiência da matéria de facto, sendo que do processo constam os elementos que permitem suprir tal vício com a necessária segurança.
Destarte, suprindo a deficiência do ponto 3.º dos factos provados, altera-se a sua redação para passar a constar com o seguinte texto:
“3. Do elenco dos créditos reclamados, constam dívidas à Segurança Social – Custas processuais, Contribuições obrigatórias de janeiro a setembro de 2022 e Contribuições obrigatórias desde outubro a dezembro de 2022 e de janeiro a novembro de 2023, e à Autoridade Tributária e Aduaneira – Coimas, OT.E.A..AT, Custas, IVA e Muti-imposto vencidos após 29.09.2022, IRC de 2021 vencido em 06.10.2022 e de 2022 vencido em 04.09.2023, IRS de 2020 vencido em 06.10.2022, IMI do ano de 2021 vencido em 02.12.2022 e do ano de 2023, e Adicional de IMI do ano de 2022, vencido em 30.09.2022 e do ano de 2023.”
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5. Recurso da matéria de facto
5.1. Factualidade considerada provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A presente insolvência foi requerida a 2-10-23, tendo sido decretada a 20-12-23.
2. Foram reconhecidos créditos no valor global de 429.179,24 euros.
3. Do elenco dos créditos reclamados, constam dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira, reportadas, a mais antiga, ao ano de 2021.
4. A administração da devedora não depositou as contas referentes aos exercícios 2021, 2022 e 2023.
5. A insolvente prometeu construir e vender moradias em lotes de terreno que não eram nem nunca foram propriedade da devedora.
6. Não foi pelo gerente da insolvente prestada qualquer colaboração ao longo dos presentes autos, para com o Sr. AI.
7. Corre contra o gerente da insolvente, inquérito crime com o N.º 5178/23.2T9BRG, pela 3.ª Secção do DIAP de Braga.
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Toda a restante factualidade foi considerada irrelevante, conclusiva, de direito ou não provada.
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5.2. Motivação da decisão de facto

O Tribunal a quo motivou a decisão de facto do seguinte modo:

«O tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, nomeadamente declarações do Sr. AI, conjugadas com a documentação produzida, e junta aos autos.
Particularizando:
O Sr. AI atestou os factos por si transpostos no seu parecer.
A testemunha DD, contabilista certificado, referiu que o seu escritório de contabilidade iniciou a prestação de serviços à insolvente em 2022, estando a contabilidade organizada, mas desconhecendo se foram ou não depositadas as contas.
FF, consultor imobiliário, referiu a realização de vários contratos, sem que se procedesse à construção do que quer que fosse. Como sendo a cara visível, foi inúmeras vezes contactado pelos promitentes compradores no sentido de saber o porque dos atrasos no início e conclusão das obras, tendo reportado tal contacto ao gerente da insolvente, que acabou por lhe deixar de atender o telefone.
As restantes testemunhas, promitentes compradores, referiram a factualidade descrita nos pareceres juntos, descrevendo um cenário de celebração de contrato sem entrega das moradias contratadas, e posterior impossibilidade de contacto com o gerente da insolvente.
Nenhuma confissão adveio do depoimento de parte prestado.».
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5.3. Apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto

Nas suas alegações recursivas o recorrente veio requerer a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, com fundamento na existência de factos incorretamente dados como provados.
           
O artigo 640.º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
No presente processo, a audiência final processou-se com gravação dos depoimentos prestados nesse ato processual, e encontram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto estabelecidos no citado artigo 640.º, na medida em que o recorrente identifica, nas conclusões de recurso, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; discrimina, na motivação do recurso, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, na sua perspetiva, impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; indica, na motivação e nas conclusões do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e, finalmente, quanto aos meios probatórios que invoca como fundamento do erro na apreciação das provas que foram objeto de gravação, indica, na motivação de recurso, o início e o termo dos excertos em que funda o recurso e, inclusivamente, procedeu à sua transcrição.
Decorre, como supradito, do que dispõe o n.º 1, do artigo 662.º do CPC, que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Conforme salienta António Santos Abrantes Geraldes[16], pretendeu-se, com a redação do artigo 662.º, «que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.º 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.».
Através do n.º 1, do citado artigo 662.º, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia[17], e, desse modo, alterar a matéria de facto, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
Estritamente conexionada com a decisão de facto está o ditame legalmente consagrado
no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, segundo o qual o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante e/ou de direito.
Cumpre então reapreciar os pontos de facto que foram impugnados pelo recorrente, a fim de descortinar se existem os fundamentos invocados para a sua alteração nos termos pretendidos.

Como ponto prévio, deixa-se aqui expressamente consignado que foram integralmente ouvidas as declarações de parte do requerido e os depoimentos de todas as testemunhas, e foi analisada toda a prova documental apresentada nos autos, nomeadamente o parecer junto pelo Sr. Administrador da Insolvência.

Pretende o recorrente que o facto n.º 4 seja transposto para o elenco dos factos não provados.

É o seguinte, o facto constante do aludido ponto 4:
“A administração da devedora não depositou as contas referentes aos exercícios 2021, 2022 e 2023.”

Alega o recorrente, suas alegações recursivas, que:
«(…) este facto foi amplamente contraditado pelo contabilista da empresa que prestava serviços ao Recorrente. No seu depoimento, de forma credível e com conhecimento de causa, o contabilista da empresa asseverou que as contas tinham sido elaboradas e depositadas, contudo pela falta do pagamento do IES estas não ficaram devidamente publicadas.
(…)
Ainda que as contas da sociedade não se encontrem formalmente depositadas, tal circunstância não traduz qualquer incumprimento do dever de prestação de contas, nos termos do artigo 186.º, n.º 3 alínea b) do CIRE. Como resulta do próprio depoimento transcrito, as contas foram efetivamente elaboradas e organizadas, tendo sido enviadas pelo contabilista. A omissão do depósito resulta, não de um desleixo ou ignorância do dever contabilístico, mas sim do não pagamento da respetiva taxa, fator meramente formal. Importa sublinhar que o artigo 186.º, n.º 3 do CIRE visa sancionar a total ignorância ou desprezo pelo dever de manter contabilidade organizada, enquanto expressão de uma gestão opaca e dolosa. No caso em apreço, essa realidade não se verifica de todo. Conforme resulta do próprio depoimento transcrito, a contabilidade da sociedade foi devidamente elaborada e organizada, tendo sido submetida via IES aos serviços competentes. A única razão pela qual as contas não se encontram formalmente depositadas prende-se com o não pagamento da taxa legal de 80 euros, ato de natureza meramente formal, alheio à substância do dever contabilístico.
Há, portanto, uma diferença clara entre não cumprir integralmente o dever de prestar contas, ignorando por completo essa obrigação, cenário que a norma pretende reprimir, e o que sucede no presente caso: o cumprimento substancial do dever contabilístico, com elaboração e submissão das contas, falhando apenas o depósito por um constrangimento económico ou administrativo. Concluir pela verificação do requisito legal com base apenas nessa formalidade seria subverter a própria ratio da norma e aplicar-lhe um sentido desproporcional e descontextualizado. Assim, atendendo ao exposto, o facto nº4 deve transitar dos factos provados para os não provados, e, por conseguinte, não se poderão considerar preenchidos os requisitos necessários e imperativos do art 186º nº3 b) do CIRE.».

No seu parecer, o Sr. Administrador da Insolvência referiu ter apurado que a administração da devedora não depositou, na Conservatória do Registo Comercial, as contas relativas aos exercícios fiscais 2021 e 2022 e 2023, realidade que se extrai, conforme salientam os recorridos nas suas contra-alegações recursivas, da simples consulta da certidão permanente da sociedade devedora junta ao processo principal com o requerimento de insolvência, e que não pode ser posta em causa pelo depoimento da testemunha DD, contabilista certificado do Gabinete de contabilidade que teve a seu cargo a contabilidade da devedora a partir de 2022 e que cessou funções depois de ter sido decretada a insolvência da empresa, única testemunha que depôs sobre o enunciado fático em causa.
Em todo o caso, pese embora o teor algo vago do seu depoimento, referiu a mesma testemunha que, para as contas ficarem depositadas tem de ser paga a quantia de € 80,00, e que, provavelmente, não foi paga a IES, inferindo-se do seu depoimento que a testemunha desconhece se tal quantia foi ou não paga, quando refere que «Se ele pagou ou não…».
Daí que não se vislumbre razão bastante para divergir do sentido decisório seguido pela julgadora de 1ª instância relativamente ao aludido ponto de facto impugnado.

Pretende ainda o recorrente que o facto n.º 6 seja transposto para o elenco dos factos não provados.

É o seguinte, o teor do aludido ponto 6:
“Não foi pelo gerente da insolvente prestada qualquer colaboração dos presentes autos, para com o Sr. AI.”

Alega o recorrente, suas alegações recursivas, em síntese, que:
«A alegação de falta de colaboração entre o aqui recorrente e o Sr. Administrador de
Insolvência não encontra qualquer respaldo factual, tratando-se de uma afirmação que não resiste a uma análise minimamente séria e objetiva da realidade do processo.
(…)

Com isto, torna-se manifesto que o Recorrente reconheceu que não reunia capacidades quer linguísticas quer técnicas- para responder ao Sr. Administrador de Insolvência e, em total respeito pelo dever de cooperação previsto no art. 83.º do CIRE, tomou diligentemente medidas para assegurar a prestação de informação.
Prova inequívoca desta postura colaborante é o facto de o processo se encontrar plenamente instruído com todos os elementos contabilísticos e administrativos relevantes.
(…)

Acresce ainda que a sentença padece de uma manifesta falta de fundamentação concreta quanto à alegada ausência de colaboração por parte do ora recorrente. Com efeito, em nenhum momento o Tribunal a quo especifica quais os comportamentos omissivos imputados ao Recorrente, quais as diligências concretas que teriam ficado por cumprir, quais os documentos que não teriam sido entregues, ou quais os contactos ignorados.».

Como emerge do n.º 3 do artigo 607.º, apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, não devendo, assim, constar desse segmento do ato decisório juízos conclusivos ou de direito, o que, a ocorrer, sempre implicaria que os mesmos fossem considerados não escritos, sendo certo que o facto de o n.º 4 do artigo 646.º do pretérito CPC não ter sido transposto para a versão atual do Código não implica que não se acolha (como, aliás, constitui, posicionamento jurisprudencial e doutrinal pacífico[18]) a mesma solução caso o tribunal faça indevidamente incluir no elenco dos factos provados matéria conclusiva, contemplando tal expressão «toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum»[19].
Não obstante ser hoje de «defender uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja “matéria de direito” ou “matéria conclusiva” que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso», importando «que se admita que a descrição da realidade que subjaz ao litígio seja feita a partir de outros pressupostos que valorizem os aspetos de ordem substancial»[20], não pode um facto conclusivo integrar a matéria de facto quando tal facto preenche, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica, ou, como se ponderou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2014[21], traduz «uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões».

A questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado[22], e, por via disso, quando o recurso tem por objeto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no artigo 662.º do CPC, deve o Tribunal da Relação, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados: como se refere no acórdão desta Relação de 30.09.2021[23], «[d]aí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º2, al. c), do CPC».
Ora, o facto impugnado pelo recorrente constitui um facto conclusivo, diretamente relacionado com o thema decidendum, na medida em que a afirmação de que «não foi pelo gerente da insolvência prestada qualquer colaboração ao longo dos presentes autos, para com o Sr. AI», preenche, só por si, a hipótese legal prevista no n.º 2, alínea i), do artigo 186.º do CIRE, dispensando qualquer subsunção jurídica, e terá antes que ser retirada na fundamentação jurídica com base nos factos provados relativos ao incumprimento da obrigação em causa, pelo que não poderá o mesmo integrar o elenco dos factos (provados ou não provados), considerando-se, assim, como não escrito.
Tal facto continha, no entanto, um juízo de valor que não é possível extrair de outros factos provados, o que constitui uma deficiência da decisão de facto, na medida em que o tribunal não se pronunciou sobre facto integrante do tema de prova, vício passível de ser conhecido e suprido pelo tribunal da Relação a partir dos elementos de prova que constam do processo e/ou da gravação, conforme o determina o n.º 1, alínea c), do artigo 662.º do CPC.
A inexistência de colaboração do gerente para com o Sr. Administrador da Insolvência foi alegada pelos requerentes, no ponto 9.º do requerimento inicial, por remissão para o relatório apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência no processo principal, em que o mesmo referia que se desconhecia, à data, se o imóvel inventariado sob a verba n.º 3 se encontrava ocupado e a que título, face à inexistência de colaboração por parte do gerente, sem explicitar quando e por que forma tal colaboração foi solicitada ao gerente da empresa, e em que se traduziu a alegada “inexistência de colaboração”, sendo que não basta, para o preenchimento da alínea i) do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE, invocada pelos requerentes, uma simples recusa (expressa, tácita ou implícita), pois a lei exige um incumprimento reiterado.
Do teor daquele relatório resulta que a insolvente colaborou com o Sr. Administrador da Insolvência ao juntar aos autos a seguinte informação contabilística: Mapa de Imobilizado e mapa de amortizações do ano de 2022, Modelo 22, relativo ao ano de 2022, IES 2022, Balancete 2022 e Balancete relativo a setembro de 2023 (cf. fls. 10 do relatório).
Verifica-se, de resto, que o Sr. Administrador da Insolvência, no seu parecer, cujo teor reiterou em sede de audiência final, não alude a qualquer falta de colaboração por parte do gerente da empresa.
Por conseguinte, mostra-se inútil suprir o aludido vício de deficiência da decisão de facto, mediante o aditamento ao elenco dos factos não provados de qualquer facto concretizador da alegada falta de colaboração do gerente da insolvente para com o Sr. AI.
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6. Fundamentos de facto
6.1. Factualidade provada

Face à decisão que antecede, passa a ser a seguinte a factualidade provada:

1. A presente insolvência foi requerida a 2-10-23, tendo sido decretada a 20-12-23.
2. Foram reconhecidos créditos no valor global de 429.179,24 euros.
3. Do elenco dos créditos reclamados, constam dívidas à Segurança Social – Custas processuais, Contribuições obrigatórias de janeiro a setembro de 2022 e Contribuições obrigatórias desde outubro a dezembro de 2022 e de janeiro a novembro de 2023, e à Autoridade Tributária e Aduaneira – Coimas, OT.E.A..AT, Custas, IVA e Muti-imposto vencidos após 29.09.2022, IRC de 2021 vencido em 06.10.2022 e de 2022 vencido em 04.09.2023, IRS de 2020 vencido em 06.10.2022, IMI do ano de 2021 vencido em 02.12.2022 e do ano de 2023, e Adicional de IMI do ano de 2022, vencido em 30.09.2022 e do ano de 2023.
4. A administração da devedora não depositou as contas referentes aos exercícios 2021, 2022 e 2023.
5. A insolvente prometeu construir e vender moradias em lotes de terreno que não eram nem nunca foram propriedade da devedora.
6. Corre contra o gerente da insolvente, inquérito crime com o N.º 5178/23.2T9BRG, pela 3.ª Secção do DIAP de Braga.
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7. Fundamentos de Direito
           
Nos presentes autos de incidente de qualificação de insolvência, o Tribunal a quo decidiu proceder à qualificação da insolvência como culposa, ancorando-se nas presunções estabelecidas na alínea i) do n.º 2 e nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE.
Em consequência, considerou o recorrente afetado pela qualificação culposa da insolvência, ficando o mesmo inibido para o exercício do comércio durante um período de 4 (quatro) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, e condenou o mesmo a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.
O referido julgamento é agora posto em crise pelo recorrente (que, dada a sua qualidade de gerente da insolvente, foi afetado por essa qualificação enquanto seu “administrador”, de acordo com o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 6.º[24]).
Advoga o recorrente que não se encontra reunido o condicionalismo necessário para fazer operar as mencionadas presunções legais, e que não existem elementos suficientes que permitam ao Tribunal extrair a conclusão de que a insolvente agiu, causou e agravou a sua insolvência. Acrescenta que não se discorre da sentença sob censura qual tenha sido o critério para a fixação do período de duração da inibição, e que carece de fundamento legal a sua condenação no valor indemnizatório a liquidar em execução de sentença.
Vejamos se lhe assiste razão.
O incidente de qualificação de insolvência, previsto nos artigos 185.º e e ss do CIRE, destina-se a averiguar as razões que conduziram à situação de insolvência ou ao seu agravamento, concretamente, se essas razões foram fortuitas ou corresponderam a uma atuação dolosa ou com culpa grave do devedor e seus administradores e, por consequência, apurar se a insolvência é fortuita ou culposa (cf. artigos 185.º e 189.º, n.º 1 do CIRE), tendo em vista garantir a “obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresa e dos administradores de pessoas colectivas”, contribuindo-se, dessa forma, para se desincentivar as insolvências fraudulentas ou dolosas[25].
A insolvência é culposa, de acordo com o que prescreve o artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, “quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”
A contrario, a insolvência será considerada fortuita sempre que não se verifique essa situação.

Nos termos do n.º 2, “[c]onsidera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
(…)
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º”

Nos termos do n.º 3, “[p]resume-se unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.”[26]

O citado artigo 186.º, no seu n.º 1, fixa uma noção geral de insolvência culposa, nos termos do qual “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo”.
Resulta, assim, da exegese do normativo transcrito, que constituírem requisitos da insolvência culposa:
i) o facto inerente à atuação, por ação ou omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
ii) a ilicitude desse comportamento;
iii) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave);
iv) o nexo causal entre aquela atuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, que deve ser apreciado de acordo com a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Ennecerus-Lehmann, consagrada no artigo 563.º do Código Civil, pelo que a ação ou omissão que atuou económica e financeiramente como condição da situação de insolvência só deixará de ser considerada como a causa adequada daquela, se, dada a sua natureza, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação da situação de insolvência, só a tendo provocado em virtude de circunstâncias excecionais, anormais ou extraordinárias que intercederam no caso[27].           
O n.º 2 do referido preceito contém um elenco de presunções juris et de jure de insolvência culposa de administradores de direito ou de facto do insolvente, como resulta claramente da lei («considera-se sempre»), em vista do que dispõe o n.º 2, 2.ª parte, do artigo 350.º do Código Civil.
No n.º 3 consagra-se um conjunto de presunções juris tantum de culpa grave desses administradores, prevalecendo o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do citado artigo 350.º.
No concernente às presunções do primeiro tipo, a doutrina e jurisprudência dominantes[28] vêm considerando que uma vez demonstrado o facto nelas enunciado (base da presunção), fica, desde logo, estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador (isto é, a insolvência será sempre considerada como culposa), sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a inobservância dos comportamentos tipicamente descritos nas diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento[29].
Já no que tange às presunções estabelecidas no n.º 3, registava-se uma clara divergência na doutrina e na jurisprudência acerca do alcance destas presunções relativamente ao nexo de causalidade entre a conduta legalmente tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Para a maioria da jurisprudência e da doutrina[30], o que resultava do n.º 3 do artigo 186.º era apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da atuação dos seus administradores, mas não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do n.º 1 desse normativo, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta.
Parte da doutrina e alguma jurisprudência minoritária[31] advogava, porém, que se tratava de presunções de insolvência culposa, isto é, a simples verificação de qualquer uma das situações descritas nas suas alíneas constituía uma presunção ilidível não apenas da culpa grave do administrador, mas também de suspeita de insolvência culposa, pressupondo-se à partida o nexo de causalidade exigido pelo n.º 1.
Com a alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, que entrou em vigor em 11 de abril, mediante o aditamento do advérbio «unicamente» imediatamente a «presume-se», o legislador veio clarificar que a qualificação da insolvência como culposa depende, necessariamente, da demonstração de que a situação de insolvência foi causada ou agravada em virtude da verificação de algum dos factos tipificados nesse preceito legal[32], de acordo com a cláusula geral do n.º 1 do artigo 186.º, ficando, assim, definitivamente sanado o dissenso que dividia a doutrina e a jurisprudência sobre o âmbito objetivo das presunções previstas no n.º 3 do artigo 186.º.

No caso vertente, o Tribunal a quo considerou preenchida a hipótese consagrada na alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º (incumprimento, de forma reiterada, dos deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º).
Já vimos, no entanto, que não resultou demonstrado o facto nela enunciado (base da presunção), o que inviabiliza, desde logo, o estabelecimento do juízo normativo de culpa do administrador.
O Tribunal a quo considerou igualmente preenchida a hipótese consagrada na alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º (incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência).

Sobre o dever de apresentação à insolvência, dispõe o artigo 18.º do CIRE:
“1 - O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.
2 - Excetuam-se do dever de apresentação à insolvência:
a) As empresas que se tenham apresentado a processo especial de revitalização durante o período de suspensão das medidas de execução previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 17.º-E;
b) As pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência.
3 - Quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º”

Nos termos do artigo 20.º, n.º 1:
“A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
(…)
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
(…).”

No caso vertente, a insolvência foi requerida a 02.10.2023 e do elenco dos créditos reclamados constam dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira, com incumprimento generalizado no ano de 2022.
Ora, sendo a devedora titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado daquelas obrigações, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º, e uma vez que o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, ou à data em que devesse conhecê-la, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito, tendo a insolvência sido requerida a 02.10.2023, tem-se por verificado o incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência, presumindo-se a existência de culpa grave, nos termos do n.º 3, alínea a) do artigo 186.º.
Por último, considerou ainda o Tribunal a quo preenchida a hipótese consagrada na alínea b) do n.º 3, do artigo 186.º (incumprimento da obrigação de depositar as contas anuais na conservatória do registo comercial).
A este propósito, resultou demonstrado que a administração da devedora não depositou as contas referentes aos exercícios 2021, 2022 e 2023, pelo que se presume a existência de culpa grave, nos termos do mencionado preceito.
Não obstante, para que a insolvência possa ser qualificada como culposa, para além da prova dos factos integradores das alíneas a) e b) do n.º 3 (a partir dos quais se presume a culpa grave), é necessário demonstrar o nexo de causalidade entre tal atuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Ora, no caso vertente, não resultou provado qualquer facto que estabeleça um nexo causal entre o incumprimento da obrigação de depositar as contas anuais na conservatória do registo comercial e a criação da situação de insolvência, ou, bem assim, entre o incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência e o agravamento da situação de insolvência, v.g., que a devedora, depois de se encontrar impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas, de forma dolosa ou com culpa grave, tivesse contraído novas obrigações, aumentando dessa forma o seu passivo.
Isto posto, pese embora terem sido demonstrados os factos integradores das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE (a partir dos quais se presume a culpa grave), não tendo sido demonstrado o nexo de causalidade entre tal atuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência, não pode a insolvência ser qualificada como culposa, pelo que só pode ser considerada fortuita.
Em consequência do que precede, fica necessariamente prejudicado o conhecimento das demais questões que constituem objeto do presente recurso.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
De acordo com o mencionado preceito, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade, segundo o qual é condenada nas custas a parte que deu causa ao processo, entendendo-se que dá causa a parte vencida e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou proveito processual, segundo o qual, não havendo vencimento, é condenada nas custas a parte que tirou proveito do processo[33].
Assim, sendo o recurso julgado procedente, são os recorridos, enquanto parte vencida, responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida e declaram a insolvência como fortuita.
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Custas pelos recorridos.
Guimarães, 9 de outubro de 2025

Susana Raquel Sousa Pereira – Relatora   
Maria Gorete Morais – 1ª Adjunta
Gonçalo Oliveira Magalhães – 2º Adjunto


[1] Vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2021 (processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1).
[2] Assim, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, LIM., 1984, p. 140; ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 687 e s.; JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, III, p. 194; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Processo Civil, p. 221, e TOMÉ SOARES GOMES, Da Sentença Cível, p. 39.
Na jurisprudência, vejam-se, entre ouros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2019 (processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1) e de 02.03.2021 (processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1), e desta Relação de 17.11.2004 (processo n.º 1887/04-1).
[3] Ob. cit., p. 140.
[4] Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, p. 143.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3ª edição, Almedina 2017, p. 737.
[7] Direito de Processo Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 371.
[8] Processo n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1, acessível no endereço eletrónico:
www.stj.pt/wpcontent/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
[9] Processo n.º 2057/16.3T8PNF.P1.S1.
[10] Ob. cit., p. 145.
[11] Processo n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1.
[12] Processo n.º 2325/12.3TVLSB.L1.S1.
[13] Assim, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 2022, 7.ª edição atualizada, Almedina, p. 357.
[14] Cf. MANUEL TOMÉ SOARES GOMES, “Da Sentença Cível”, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, p. 14).
[15] Assim, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, ob. cit., p. 358.
[16] Ob. cit., p. 333.
[17] Assim, o mesmo autor e obra citados, p. 334.
[18] Cf., por todos, na doutrina, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2024, 3ª edição, Almedina, p. 774 e HELENA CABRITA, A fundamentação de facto e de direito na decisão cível, Coimbra Editora, 2015, p. 112 e ss.
Na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2017 (processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1) e de 01.10.2019 (processo n.º 109/17.1T8ACB.C1.S1) e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2015 (processo n.º 5807/13.6TBMTS.P1).
[19] Vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2009 (processo n.º 238/06.7TTBGR.S1).
[20] Assim, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos … cit., pp. 354-355.
[21] Citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2015 (processo n.º 2367/12.9TTLSB.L1.S1).
[22] Vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2017 (processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1).
[23] Processo n.º 899/19.7T8VCT.G1.
[24] Que preceitua serem considerados administradores, não sendo o devedor uma pessoa singular, aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente.
[25] Assim, MARCO CARVALHO GONÇALVES, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, 2023, Almedina, p. 577.
[26] Como salienta ALEXANDRE de SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016, 2ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, p. 422, «compreende-se bem o regime legal. A elaboração das contas permite decisões tomadas de modo informado, decisões essas que podem afastar a situação de insolvência. A sujeição das contas à devida fiscalização permite ao órgão de fiscalização atuar em conformidade com a lei. E o depósito na conservatória do registo comercial confere aos terceiros a possibilidade de apreciarem mais facilmente a situação do devedor e de tomarem decisões mais informadas sobre a concessão de (mais) crédito ao mesmo.». No mesmo sentido, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, QUID JURIS, Lisboa 2015, p. 206, nota 24, quando referem que «[a] aprovação e, sobretudo, o depósito de contas concretizam uma obrigação de certas pessoas coletivas, dirigida a permitir o público conhecimento da sua situação económico-financeira, o que constitui um importante elemento de análise e consideração para aqueles que com elas negoceiam, de modo a poderem valorar mais ponderadamente os riscos que correm.».
[27] Assim, RUI ESTRELA DE OLIVEIRA, “Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência”, O Direito 142.º (2010), V, p. 968. [28] Cf., por todos, na doutrina, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, ob. cit., p. 680, MANUEL A. CARNEIRO da FRADA, A responsabilidade dos administradores na insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, vol. II [setembro], p. 689 e LUÍS MANUEL TELES de MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 2015 – 6ª Edição, Almedina, p. 254.
Na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05.04.2022 (processo n.º 1247/13.5TYVNG-A.P1.S1), desta Relação de 29.06.2010 (processo n.º 1965/07.7TBFAF-A.G1), da Relação do Porto de 27.02.2014 (processo n.º 1595/10.6TBAMT-A.P2) e de 18.12.2013 (processo n.º 41/10.0TYVNG-D.P1), da Relação de Lisboa de 27.11.2007, CJ, 2007, V, p. 104 e de 10.05.2011 (processo n.º 1166/08.7TYLSB.B.L1-7) e da Relação de Coimbra de 21.01.2014 (processo n.º 174/12.8TJCBR.C1) e de 14.01.2014 (processo n.º 785/11.9TBLRA-A.C1). Em sentido contrário, o acórdão da Relação do Porto de 10.02.2011 (processo n.º 1283/07.0 TJPRT-AG.P1).
[29] Isso mesmo é enfatizado por MARIA do ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, 2023, 8ª edição - reimpressão, Almedina, p. 160, onde afirma que «[t]ratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no nº 2 do art. 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o ato.».
[30] Cf., por todos, na doutrina, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, ob. cit., p. 681, ALEXANDRE de SOVERAL MARTINS, ob. cit., pp. 422-423 e LUÍS MANUEL TELES de MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 255.
Na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06.10.2011 (processo n.º 46/07.8TBSVC-O.L1.S1), da Relação de Coimbra de 8.02.2011, CJ, ano XXXVI, tomo 1º, p. 31, da Relação do Porto de 25.11.2010 (processo n.º 814/08.TBVFR) e desta Relação de 12.07.2011 (processo n.º 503/10.9TBPTL).
[31] Assim, na doutrina, CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, 2021, 2ª Edição, Almedina, pp. 301-302, MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA, ob. citada, p. 692, FILIPE CASSIANO SANTOS, Direito Comercial, vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 214 e s., NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, Responsabilidade civil dos administradores – Entre Direito Civil, Direito das Sociedades e Direito da Insolvência, Coimbra Editora, 2015, pp. 204 e s. e ANA PRATA, JORGE MORAIS CARVALHO e RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Coimbra, Almedina, p. 512.
Na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 564/2007, de 13.11, do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2018 (processo n.º 8074/16.6T8CBR-D.C1.S2), desta Relação de 24.09.2019 (processo n.º 8502/17.3T8VNF-A.G1), da Relação do Porto de 22.05.2007 (processo n.º 0722442), de 24.09.2007 (processo n.º 0753853) e de 5.02.2009 (processo n.º 0837835), da Relação de Lisboa de 17.01.2012 (processo n.º 1023/07.4TBBNV-C.L1-7) e de 14.12.2010 (processo n.º 46/07.8TBSVC-O.L1-7), da Relação de Coimbra de 22.05.2012 (processo n.º 1053/10.9TJCBR-K) e da Relação de Évora de 26.09.2019 (processo n.º 1966/09.TBFAR.I.E1).
[32] Assim, MARIA do ROSÁRIO EPIFÂNIO, ob. citada, p. 161 e MARCO CARVALHO GONÇALVES, ob. cit., p. 588.
Na jurisprudência, os acórdãos da Relação de Coimbra de 14.06.2022 (processo n.º 139/21.9T8SEI-C.C1 e processo n.º 4114/19.5T8LRA-C.C1) e da Relação de Lisboa de 13.05.2025 (processo n.º 1950/24.4TBRR-B.L1-1).
[33] Vd. os acórdãos da Relação de Lisboa de 11.01.2021 (processo n.º 1194/14.3TVLSB.L2-2) e do Supremo Tribunal de Justiça de 06.10.2021 (processo n.º 1391/18.2T8CSC.L1.S1).