Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6207/24.8T8VNF-A.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
SANÇÕES DO EXEQUENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Deve ter-se como termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial prevista no n.º 1 do art.º 829.º-A do Código Civil, na falta de indicação em contrário na decisão condenatória, a data do trânsito em julgado da sentença.
II - A obrigação de indemnizar do exequente prevista no artigo 858º do Código de Processo Civil depende da verificação cumulativa de diversos pressupostos de natureza processual (que o executado não tenha sido citado previamente à penhora, o executado tenha deduzido oposição à execução e que esta tenha sido julgada procedente) e de natureza substantiva (que a execução tenha causado prejuízos ao executado, estes tenham sido causados culposamente e que o exequente não tenha atuado com a prudência normal).
III - Para efeitos da responsabilização do exequente nos termos previstos no citado artigo 858º e diferentemente do que ocorre com a litigância de má-fé, basta que o exequente tenha atuado com negligência leve, respondendo o exequente civilmente pelos danos causados ao executado sempre que tenha requerido, sem agir com a prudência exigível, uma execução inadmissível ou infundada, sendo a sua atuação apreciada em função das circunstâncias de cada caso concreto.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

AA deduziu a presente oposição à execução mediante embargos de executado, por apenso à execução n.º 6207/24.8T8VNF para pagamento da quantia de €10 950,00 em que são Exequentes BB e CC, invocando em síntese a inexequibilidade do título executivo.
Alega que os Exequentes reclamam o pagamento da sanção pecuniária compulsória fixada na sentença omitindo, porém, que a Sentença dada à Execução apenas transitou em Julgado no dia 01 de março de 2023, uma vez que foi interposto recurso e que o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a necessidade de a Exequente agendar dia e hora para aceder ao poço, não tendo a Exequente contactado o Executado para agendar data e hora para esse efeito de propor a execução.
Sustenta que a execução constitui um abuso de direito por parte dos Exequentes, pretendendo ser indemnizado por estes, nos termos do disposto no artigo 858º do Código de Processo Civil, com a condenação da Exequente em multa e numa indemnização pelos danos que dolosamente causou ao Embargante no valor de €5.000,00.
Admitidos os Embargos de Executado, os Exequentes contestaram contrapondo que ao recurso de apelação que interpuseram da sentença proferida em 1ª instância para o Venerado Tribunal da Relação de Guimarães, a 30/09/2022, foi atribuído efeito devolutivo, e que esse recurso teve “como objeto apenas a alteração da matéria de facto dada como não provada, porque entendiam os aqui exequentes que deveria ser alterada a decisão no sentido de serem os RR./aqui embargantes, condenados a pagar aos AA., aqui embargados, a quantia de 1.151,55 euros a título de danos patrimoniais e pelo menos, a quantia de 15.000 euros a título de danos não patrimoniais”.
Defendem, assim, os Exequentes que a sentença proferida em 27/07/2022 não foi objeto de recurso quanto às alíneas a) a f) da decisão, tendo transitado em julgado.
Invocam ainda que o Executado se recusou a dar acesso ao prédio, nos termos dos pontos 18) e 19) dos factos dados como provados na sentença dada à execução desde 27/07/2022 e, por isso, a 17/10/2022, os Exequentes foram obrigados a dar entrada do requerimento executivo para prestação de facto, que deu origem ao processo executivo n.º 6423/22.7T8VNF, que correu termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz ..., no âmbito do qual os Executados apenas permitiram que os Exequentes tivessem acesso ao poço no dia 14 de março de 2023.
Impugnam ainda a factualidade respeitante aos danos invocados pelo Embargante.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Nestes termos, julga-se totalmente procedente a presente oposição à execução por embargos deduzida pela e, em consequência:
- Julgo inexigível a sanção pecuniária compulsória, ordenando a extinção da execução quanto a ambos os Executados;
- Condeno os Exequentes a pagarem ao Embargante a quantia de €576,00 a título de indemnização ao abrigo do disposto no art.º 858º do Código de Processo Civil e em multa processual de 10UCs, nos termos do mesmo preceito.
Custas pelos Exequentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Registe e notifique.
Comunique ao(à) Sr. (ª) Agente de Execução.
D. N.”.

Inconformados, apelaram os Embargantes concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1. Os Exequentes pretendiam apenas restabelecer um direito que lhes está a ser negado.
2. Os exequentes foram persistentemente impedidos de exercer um direito que lhes foi reconhecido por sentença sem qualquer razão pelos Executados pois estes não invocaram qualquer desconforto ou inconveniente para que pudessem impedir os Exequentes de aceder ao poço.
3. A execução teve como objeto a sentença proferida no processo n.º 634/20.7T8EPS, que reconheceu e declarou o direito dos Recorrentes ao exercício da servidão de passagem para acesso ao poço, canalizações, ligações elétricas e motor, condenado os Réus a não obstruir o acesso e fixando sanção pecuniária compulsória no valor de €50,00 por cada dia de obstrução.
4. A referida sentença nessa parte transitou em julgado pois os Embargantes aceitaram-na.
5. Os Recorridos impediram o acesso ao poço, após a sentença proferida.
6. A execução intentada pelos Recorrentes visou precisamente a cobrança da sanção pecuniária compulsória resultante da persistente obstrução ao acesso ao poço, apurada entre setembro de 2023 e março de 2024.
7. A sanção pecuniária compulsória reclamada pelos Recorrentes teve por base um título executivo válido- sentença proferida - e correspondeu ao exercício de um direito legalmente consagrado, não se verificando qualquer atuação ilegítima.
8. Os Recorridos nunca alegaram que permitiram aos Recorrentes o restabelecimento da servidão e dos direitos que lhe foram reconhecidos.
9. Assim como não alegaram que, nas tentativas feitas pelos Exequentes de aceder ao poço, lhes era inconveniente ou lhes causava incómodo o acesso naquele dia e hora.
10.Ao invés, persistiram em obstruir o acesso dos Exequentes não obstante a sentença que os havia condenado.
11.Os Exequentes nunca indicaram bens à penhora, desconheciam os bens que foram alvo de penhoras e não tiveram qualquer intervenção na sua realização ou indicação.
12.Por outro lado, a prova testemunhal produzida pelos Recorrentes para sustentar a existência de prejuízos foi manifestamente incongruente, contraditória, e não foi corroborada por qualquer elemento documental que conferisse robustez ou credibilidade às alegações apresentadas;
13.Saliente-se, que a testemunha DD revelou desconhecimento da matrícula do veículo adquirido posteriormente e não se comprovou a efetiva intenção de compra da testemunha DD do ... penhorado.
14.A testemunha EE alegou a aquisição de umoutro veículo sem juntar qualquer documento que provasse a compra, a existência de pagamento ou a suposta devolução, não permitindo, por isso, estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a conduta dos Recorrentes e o dano alegado.
15.Relativamente às entregas monetárias para o pagamento do referido carro, a Testemunha EE, afirma que foram entregues por ele em monetário não entanto, não comprova a veracidade desta afirmação.
16.Não entendem, os Embargantes, aqui Recorrentes, como pode o Tribunal alicerçar-se no depoimento destas testemunhas, que não comprovam efetiva realização dos negóciosou atentativa dos mesmos.
17.Não se encontra preenchido qualquer dos pressupostos cumulativos exigidos pelo artigo 858º do CPC para responsabilidade dos exequentes pois ficou por demonstrar, factual e juridicamente, que tenham atuado com falta de prudência, negligência grave ou dolo, sendo tal condenação injusta e desproporcionada.”
Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida.
O Embargante veio apresentar contra-alegações pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do Objeto do Recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes:

1 -  Saber se deve ser rejeitado o recurso da impugnação da decisão matéria de facto;
2 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos:
2.1. Relativamente à sanção pecuniária compulsória judicial;
2.2. Relativamente à aplicação do artigo 858º do CPC.
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III. Fundamentação

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. No dia 27-07-2022 foi proferida Sentença, no âmbito do Processo n.º 634/20.7T8EPS , que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Esposende - Juiz ..., em que figuraram como Autores BB e CC e como Réus FF e AA cuja parte decisória é a seguinte:
« Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência:
a) Declaro que os autores são donos e legítimos possuidores do urbano composto de casa de ..., ... andar, sótão e logradouro, inscrito na matriz predial respetiva da freguesia ... sob o artigo ...28º e descrita na Conservatória do registo predial do concelho ... sob o nº ...30.
b) Declaro que a favor do prédio inscrito na matriz predial respetiva da freguesia ... sob o artigo ...28º e descrita na Conservatória do registo predial do concelho ... sob o nº ...30 se mostra constituída uma servidão de águas, para usos domésticos, por destinação de pai de família, sobre a água que brota do poço sito no prédio urbano inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...80º (antigo artigo ...94º da freguesia ...) e descrito Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...65.
c) Declaro que em consequência da servidão descrita em b), os autores têm o direito de passagem, a pé e nos termos descritos em 18) e 19) dos factos provados, para acesso às ligações elétricas e poço existente no prédio dos Réus, quando seja necessário inspecionar as ligações elétricas e poço;
d) Declaro que os autores são donos e legítimos possuidores da canalização, ligações elétricas e motor elétrico instalados no poço do prédio inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...80º (antigo artigo ...94º da freguesia ...) e descrito Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...65 e que, em consequência do direito de servidão reconhecido em b), têm o direito de fazer passar a água do poço para o prédio referido em 1) através das canalizações e do uso das ligações elétricas e motor elétrico.
e) Condeno os réus a reconhecer os direitos descritos em a) a d) e a absterem-se obstruir ou impedir o acesso da A. ao poço, motor e ligações elétricas ou canalização.
f) Condeno os réus em sanção pecuniária compulsória, de €50 (cinquenta euros) por cada dia de obstrução do acesso ao poço e ao consumo de água.
g) Absolvo os réus do demais peticionado.»
2. Na fundamentação de direito da sentença proferida em 1ª instância ficou a constar o seguinte: «(…) há que valorar e equilibrar os dois direitos em conflito, o dos autores, de aceder ao poço, e o dos réus, de reserva da sua vida privada, considerando-se justo e adequado, no caso concreto, que os réus informem os réus previamente de que pretendem inspecionar o poço, agendando até um dia e hora.».
3. A sentença referida em 1 e 2 foi notificada aos Il. Mandatários das partes no dia 27-07-2022.
4. Não se conformando com essa Sentença os Autores dela interpuseram recurso de apelação, no âmbito do qual, entre o mais, alegam que:
«28. A sentença recorrida, ao reconhecer aos AA. o direito de fazer passar a água do poço localizado no prédio dos RR., para o seu prédio através das canalizações e do uso das ligações elétricas e motor elétrico e,
29. O direito de servidão de passagem a pé, para acederem às ligações elétricas e ao poço, quando seja necessário inspecionar as ligações elétricas e poço, ao exigir que os AA., prestem esclarecimentos aos RR., quando do exercício deste direito, estão de forma clara a criar um condicionalismo ao uso do mesmo.
30. Estando demonstrado o direito dos AA. à água do poço e a violação desse direito pelos RR., terão estes de ser condenados a pagar os prejuízos por estes sofridos.
31. Tais danos vêm demonstrados nos pontos 34º a 43º da matéria de facto dada como provada
32. Pelo que os RR. deverão ser condenados a pagar aos AA. pelo menos, a quantia de 1.151,55 euros a título de danos patrimoniais e pelo menos, a quantia de 15.000 euros a título de danos não patrimoniais.»
5. O recurso foi admitido, por despacho de 09-11-2022, tendo-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo.
6. Pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido acórdão de 26-01-2023 que decidiu «julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, condenam os réus a pagarem aos autores:
- A quantia de € 1.151,55 a título de indemnização por danos patrimoniais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a citação até integral pagamento;
- A quantia de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, sobre a qual se vencem juros, à taxa legal de 4%, desde o presente acórdão até integral pagamento,
Mantendo no mais a decisão recorrida.».
7. Da fundamentação do douto acórdão ficou, ao que ora releva a constar que «No caso em apreço, para o uso e conservação da presente servidão de águas, têm os autores a faculdade de entrar e passar a pé no prédio dos réus, no trilho que sempre para tal foi usado, para aceder ao poço, respetivo motor e instalação elétrica com o propósito de os verificar, inspecionar e eventualmente reparar (e apenas para este fim).
Em teoria os proprietários do prédio dominante não têm que solicitar autorização para o fazer, contudo, in casu, uma vez que o poço em causa presentemente se encontra dentro da casa dos réus e que o acesso ao mesmo se faz pela cave da mesma, e tendo em atenção o direito que estes têm à sua privacidade, a faculdade de acesso não é livre ficando dependente da abertura da porta por parte destes quando lhes for solicitado.»
8. O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transitou em julgado em 01-03-2023.
9. Os ora Exequentes/Embargados instauraram, no dia 17-10-2022, contra os Executados a execução de sentença que deu origem ao processo executivo n.º 6423/22.7T8VNF, que correu termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz ....
10. No respetivo requerimento executivo os Exequentes requereram:
«10º - Face ao exposto, requer-se a V.ª Ex.ª que, para cumprimento do disposto nos pontos c) e d) da sentença proferida no processo n.º 634/20.7T8EPS, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Esposende – Juiz ..., seja agendado, dia e hora, para os exequentes procederem à verificação e manutenção das ligações elétricas do poço, por não terem na sua residência água para usos domésticos que provém do mesmo.
11º -Requer-se ainda a V.ªEx.ª  que no dia que vier a ser determinado, seja requerido o auxilio das autoridades policiais para aceder ao poço, por receio justificado de oposição de entrada na residência dos executados.
12º -Mais se requer, a condenação dos réus, aqui executados, em sanção pecuniária compulsória, de €50 (cinquenta euros) por cada dia de obstrução do acesso ao poço e ao consumo de água, nos termos da alínea f) da sentença proferida.».
11. Não consta desses autos qualquer notificação/citação dos Executados para se oporem à execução.
12. Pelos Exequentes foi junto a esses autos, em 27-03-2023, um requerimento (sob a ref.ª ...82) dando conhecimento que os Executados lhes permitiram o acesso ao poço em 14 de março de 2023; E requerendo «sejam os executados condenados a pagar aos aqui exequentes a quantia de 50,00€ por cada dia de obstrução de acesso ao poço e ao consumo de água, a título de sanção pecuniária compulsória (requerida no requerimento executivo), desde 29 de setembro de 2022, até ao dia 14 de Março de 2023, data que lhes foi permitido o acesso ao poço».
13. A execução sob o Proc. n.º 6423/22.7T8VNF foi extinta, por decisão do Sr. Oficial de justiça de 13-10-2023, com fundamento no cumprimento da prestação de facto e o pagamento das custas processuais;
14. Decisão da qual nenhuma das partes reclamou.
15. No dia 30-09-2024, os Exequentes intentaram a execução de que os presentes Embargos de Executado são apenso contra os Executados, AA e FF para pagamento da quantia de 10 950,00 € (Dez Mil Novecentos e Cinquenta Euros) que liquidaram como sanção pecuniária compulsória fixada na sentença proferida no Processo nº. 634/20.7T8EPS, desde a data da notificação aos executados da sentença da 1º instância referida em (em 27-07-2022) até ao dia 14-03-2023.
16. Em data não concretamente apurada de final de setembro de 2022, os aqui exequentes/Embargados dirigiram-se ao prédio dos Executados a fim de acederem ao poço para terem acesso às ligações elétricas e verificar o seu estado, e proceder à manutenção do mesmo.
17.Porém o Executado/Embargante não autorizou o acesso ao poço.
18. A Exequente bem sabe que o Executado tem um stand de automóveis, dedicando-se à compra e venda de veículos automóveis,
19. Na execução de que estes autos são apenso foram penhorados os seguintes veículos automóveis: ..., com a matrícula ..-JT-.., ..., com a matrícula ..-TS-.., ..., com a matrícula ..-MP-.., penhoras essas registadas em 25-10-2024.
20. O Executado tinha apalavrado a venda do veículo FIAT ..0 penhorado nos autos, pelo montante de €11.000,00, com a Senhora DD, venda que acabou por não se concretizar, pois o aqui Embargante, após se dirigir à Conservatória do Registo Automóvel, verificou que este se encontrava penhorado e teve que informar a compradora que o carro havia sido penhorado.
21. Situação que chegou ao conhecimento do Embargante, pois havia vendido, poucos dias antes o veículo ..., com a matrícula ..-MP-.., tendo sido contactado e confrontado, pelo comprador que ao se dirigir à Conservatória do Registo Automóvel a fim de proceder ao registo do veículo em seu nome, foi informado que o mesmo tinha uma penhora.
22. Tendo o Comprador, o Senhor devolvido a viatura ao Executado, que para evitar problemas a aceitou e devolveu o dinheiro que recebeu por ela, a saber € 6.000,00 (seis mil euros), apesar do veículo já se encontrar na posse do comprador há algum tempo.
23. O Embargante solicitou certidões de todos seus os veículos, a fim de verificar se os mesmos se encontravam penhorados e tendo verificado que estavam penhorados os veículos enumerados; - pedidos de certidão em 18-11-2024.
24. Com as Certidões despendeu o aqui Embargante a quantia de € 100,00;
25. Tendo o Embargante ainda pago ao Advogado, o montante de € 100,00 para a requisição das Certidões do Registo Automóvel.
26. A fim de poder prestar caução nos autos e fazer face aos seus encargos, teve o Embargante que recorrer a terceiros para lhe emprestarem dinheiro tendo estes acordado em fazê-lo, o que foi formalizado por Documentos Particulares com Termos de Autenticação, dos quais consta a fixação de uma taxa de juros de 12%;
27. Tendo despendido com o Advogado, para autenticação dos documentos, o montante de € 250,00.
28. Por apenso à execução o Embargante instaurou, em 10-12-2024, incidente de caução, que corresponde ao apenso B, no âmbito do qual, conforme determinado na sentença aí proferida, o Embargante prestou caução mediante Depósito Autónomo, no valor de € 10.950,00 (dez mil novecentos e cinquenta euros), realizado em 21-01-2025.
29. Por despacho de proferido, em 23-01-2025 no apenso B foi julgada validamente prestada a caução e determinado o levantamento da penhora dos veículos automóveis penhorados nos autos principais;
30. Tal ordem de levantamento que apenas foi cumprida em 28-03-2025.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:
- no dia seguinte ao referido em 16, dia esse situado ainda no mês de Setembro, os Exequentes tivessem voltado a dirigir-se ao prédio dos Executados para aceder ao poço e tivessem sido de novo impedidos;
- os Executados tivessem informado os Exequentes de que no dia seguinte ligavam para dizer quando estes podiam aceder ao poço;
- em virtude da penhora dos veículos automóveis referida em 19 o Embargante tenha fechado o seu estabelecimento de Stand de automóveis desde o dia 25 de outubro de 2024 até 17 de novembro de 2024;
- no exercício da sua atividade o Executado, tivesse comprado no dia 22 de Setembro de 2024, o veículo de marca ..., com a matrícula ..-TS-.., pelo valor de €4.000,00.
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3.2. Da rejeição do recurso da impugnação da decisão da matéria de facto
Analisadas as conclusões de recurso apresentadas pelos Recorrentes é evidente que são omissas quanto à concreta impugnação da decisão da matéria de facto, delas não constando qualquer menção aos pontos da matéria de facto impugnados, limitando-se os Recorrentes a tecer considerações de ordem geral relativamente à prova testemunhal produzida.
Referem apenas que a testemunha DD revelou desconhecimento da matrícula do veículo adquirido posteriormente e não se comprovou a efetiva intenção de compra da testemunha DD do ... penhorado; que a testemunha EE alegou a aquisição de um outro veículo sem juntar qualquer documento que provasse a compra, a existência de pagamento ou a suposta devolução, não permitindo, por isso, estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a conduta dos Recorrentes e o dano alegado e que, relativamente às entregas monetárias para o pagamento do carro, a testemunha EE, afirma que foram entregues por ele em monetário no entanto, não comprova a veracidade desta afirmação.
Analisando o corpo das alegações concluímos também que dele não constam especificados quaisquer pontos da matéria de facto impugnados, limitando-se também os Recorrentes a tecer considerações de ordem geral relativamente à prova testemunhal e às declarações prestadas pelas testemunhas DD e EE.
Coloca-se assim a questão da rejeição do recurso nesta parte, em face do não cumprimento pelos Recorrentes do ónus de impugnação da decisão da matéria de facto.

Vejamos.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º do CPC.

De acordo com este preceito é de exigir ao recorrente que obrigatoriamente especifique:
i. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
ii. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
iii. Quando a impugnação dos pontos da decisão da matéria de facto se baseie em provas gravadas deverá ainda indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder se o entender à transcrição dos excertos que considere oportunos;
iv. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O legislador impõe de forma expressa ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto o ónus de especificar, e o seu incumprimento implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
Temos entendido como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem efetivamente os pontos da matéria de facto que impugna; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar (v. a este propósito, entre vários outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais que se irão citar).
Analisadas as conclusões do recurso conclui-se que os Recorrentes aí não especificam qualquer ponto da matéria de facto que impugnam, nem indicam a decisão que, no seu entender deve ser proferida relativamente aos mesmo; e também não o fazem no corpo das alegações.
Temos entendido que a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação da lei e atender ao princípio da proporcionalidade (neste sentido v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, p. 770, referindo que “na jurisprudência do Supremo é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista a ponto de ser violado o principio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto”).
Mas, no caso concreto, mesmo que se tenha em consideração alguma flexibilidade na interpretação da lei e se apele aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, impõe-se sempre concluir que os Recorrentes não cumpriram o ónus de delimitação do objeto do recurso sobre a matéria de facto como que se lhes impunha.
De facto, as conclusões não têm qualquer indicação dos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados.
E, nesta parte (indicação dos concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação), entendemos que o cumprimento do ónus impugnatório deve constar, até por razões de objetividade e certeza, obrigatoriamente das conclusões, sob pena de rejeição do recurso.
Assim sendo, e não se mostrando devidamente cumprido pelos Recorrentes o ónus de delimitação do objeto do recurso sobre a matéria de facto, rejeita-se nesta parte o recurso.
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3.3. Da Reapreciação de Direito

No que se refere à decisão jurídica propriamente dita, importa agora decidir se aos Recorrentes assistia o direito de exigir a sanção pecuniária compulsória e se deve ser aplicado no caso concreto o preceituado no artigo 858º do CPC.

Vejamos então.

a) Da sanção pecuniária compulsória
A sentença recorrida considerou que, sendo a sanção compulsória meramente acessória da condenação principal, e condicionada ao seu (futuro) incumprimento, a sua exigibilidade está dependente do trânsito em julgado da condenação principal, pelo que tendo a sentença transitado em julgado, na parte que não foi objeto de recurso, em 3 de outubro de 2022, a sanção pecuniária compulsória só era exigível desde essa data.
Mais considerou que, não tendo sido sequer alegado no requerimento executivo (e nem na contestação aos Embargos de Executado) que após o trânsito em julgado da condenação, e até à data 14 de março de 2023 os Exequentes tivessem  comunicado aos Executados qualquer outra data para acederem ao poço e que estes houvessem impedido esse acesso, a sanção pecuniária compulsória não é exigível.
É contra este entendimento que se insurgem os Recorrentes sustentando que a sanção pecuniária compulsória reclamada teve por base um título executivo válido, a sentença proferida, e correspondeu ao exercício de um direito legalmente consagrado, tendo sido impedidos de exercer um direito que lhes foi reconhecido por sentença sem qualquer razão pelos Executados pois estes não invocaram qualquer desconforto ou inconveniente para que pudessem impedir os Exequentes de aceder ao poço.
Mais alegam que o Embargante impediu o acesso ao poço, após a sentença proferida e a execução intentada pelos Recorrentes visou precisamente a cobrança da sanção pecuniária compulsória resultante da persistente obstrução ao acesso ao poço, apurada entre setembro de 2023 e março de 2024.

Decorre da matéria de facto provada, com interesse para a decisão desta questão, o seguinte:
· No dia 27/07/2022 foi proferida Sentença, no âmbito do Processo n.º 634/20.7T8EPS, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Esposende - Juiz ..., em que figuraram como Autores BB e CC e como Réus FF e AA cuja parte decisória é a seguinte:
“a) Declaro que os autores são donos e legítimos possuidores do urbano composto de casa de ..., ... andar, sótão e logradouro, inscrito na matriz predial respetiva da freguesia ... sob o artigo ...28º e descrita na Conservatória do registo predial do concelho ... sob o nº ...30.
b) Declaro que a favor do prédio inscrito na matriz predial respetiva da freguesia ... sob o artigo ...28º e descrita na Conservatória do registo predial do concelho ... sob o nº ...30 se mostra constituída uma servidão de águas, para usos domésticos, por destinação de pai de família, sobre a água que brota do poço sito no prédio urbano inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...80º (antigo artigo ...94º da freguesia ...) e descrito Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...65.
c) Declaro que em consequência da servidão descrita em b), os autores têm o direito de passagem, a pé e nos termos descritos em 18) e 19) dos factos provados, para acesso às ligações elétricas e poço existente no prédio dos Réus, quando seja necessário inspecionar as ligações elétricas e poço;
d) Declaro que os autores são donos e legítimos possuidores da canalização, ligações elétricas e motor elétrico instalados no poço do prédio inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...80º (antigo artigo ...94º da freguesia ...) e descrito Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...65 e que, em consequência do direito de servidão reconhecido em b), têm o direito de fazer passar a água do poço para o prédio referido em 1) através das canalizações e do uso das ligações elétricas e motor elétrico.
e) Condeno os réus a reconhecer os direitos descritos em a) a d) e a absterem-se obstruir ou impedir o acesso da A. ao poço, motor e ligações elétricas ou canalização.
f) Condeno os réus em sanção pecuniária compulsória, de €50 (cinquenta euros) por cada dia de obstrução do acesso ao poço e ao consumo de água.
g) Absolvo os réus do demais peticionado”.
· Os Exequentes/Embargados instauraram no dia 17/10/2022 execução da referida sentença, que deu origem ao processo executivo n.º 6423/22.7T8VNF, onde juntaram em 27/03/2023 um requerimento dando conhecimento que os Executados lhes permitiram o acesso ao poço em 14 de março de 2023, requerendo ainda que “sejam os executados condenados a pagar aos aqui exequentes a quantia de 50,00€ por cada dia de obstrução de acesso ao poço e ao consumo de água, a título de sanção pecuniária compulsória (requerida no requerimento executivo), desde 29 de setembro de 2022, até ao dia 14 de Março de 2023, data que lhes foi permitido o acesso ao poço”.
· A execução sob o Proc. n.º 6423/22.7T8VNF foi extinta, por decisão do Sr. Oficial de justiça de 13/10/2023, com fundamento no cumprimento da prestação de facto e o pagamento das custas processuais e no dia 30/09/2024, os Exequentes intentaram a execução, de que os presentes Embargos de Executado são apenso, contra os Executados, AA e FF para pagamento da quantia de €10.950,00 que liquidaram como sanção pecuniária compulsória fixada na sentença proferida no Processo n.º 634/20.7T8EPS, desde a data da notificação aos executados da sentença da 1º instância referida em 27/07/2022, até ao dia 14/03/2023.
· Em data não concretamente apurada de final de setembro de 2022, os Recorrentes se dirigiram ao prédio dos Executados a fim de acederem ao poço para terem acesso às ligações elétricas e verificar o seu estado, e proceder à manutenção do mesmo e o Executado/Embargante não autorizou o acesso ao poço.
Daqui decorre que, tal como salientado pelos Recorrentes, está em causa a liquidação da sanção pecuniária compulsória fixada na sentença proferida no Processo n.º 634/20.7T8EPS.
Não está em causa a condenação em sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia de obstrução do acesso ao poço e ao consumo de água, mas apenas a questão de saber se o termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial, prevista no n.º 1 do artigo 829º-A do Código Civil, deve ser a data do trânsito em julgado da sentença.

Como é sabido, o instituto da sanção pecuniária compulsória foi introduzido, no nosso ordenamento jurídico, por via do artigo 829º-A do Código Civil (aditado pelo Decreto-Lei n.º 262/2003, de 16/06) que prescreve o seguinte:

“1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 – Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.

Estão aqui configuradas duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no n.º 1 do artigo 829º-A, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível e outra prevista no n.º 4 do mesmo artigo, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extranegocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objeto de sentença condenatória transitada em julgado (sobre a natureza da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 e prevista n.º 4 do artigo 829.º-A, v. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, p. 449-451 e 452 e seguintes).
A primeira espécie tem vindo a ser designada por sanção pecuniária compulsória judicial e traduz-se na fixação judicial de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso ou por cada infração no cumprimento das prestações de facto infungível, positivo ou negativo (salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado) e a segunda consiste em serem automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, independentemente dos juros de mora ou de outra indemnização a que haja lugar, sendo designada de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.
Importa ainda referir que a sanção pecuniária compulsória tem um fim coativo, visa o cumprimento e é alheia a qualquer pretensão indemnizatória.
Na formulação do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 262/2003 “[a] sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis”.
A sanção pecuniária compulsória não extingue a obrigação principal, antes gera uma nova obrigação, acessória daquela, subordinada ao não cumprimento da obrigação principal, podendo ela mesma vir a ser objeto de futura execução, como ocorre no caso concreto.
Relativamente ao termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial, que aqui nos interessa, perfilhamos também o entendimento, seguido na sentença recorrida, de que deve ter-se como termo inicial, se outro não for judicialmente fixado, a data do trânsito em julgado da sentença.
É este o entendimento de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, p. 303) que afirmam expressamente que “[o] termo inicial da sanção pecuniária compulsória ocorre a partir do trânsito em julgado da sentença que fixa a obrigação”.

Também Vânia Filipe de Magalhães (“O papel do juiz no cumprimento das obrigações: a sanção pecuniária compulsória”, in Julgar Online, dezembro de 2022, p. 20, https://julgar.pt/wp-content/uploads/2022/12/20221230-JULGAR-A-san%C3%A7%C3%A3o-pecuni%C3%A1ria-compuls%C3%B3ria-V%C3%A2nia-Filipe-Magalh%C3%A3es.pdf),  defende que “[s]endo a sanção pecuniária compulsória uma forma de constrangimento do devedor para cumprir a obrigação principal e um reforço da autoridade e soberania das decisões judiciais, o momento inicial para a exigibilidade da sanção deve ser o trânsito em julgado da sentença condenatória porquanto só nesse momento é que a sanção é indiscutível e se impõe definitivamente ao devedor nos termos dos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do Código de Processo Civil”.; no mesmo sentido se pronunciam Calvão da Silva (ob. cit. p. 423-424) e José Lebre de Freitas, “TERMO INICIAL DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA JUDICIAL, Meio processual para a verificação do incumprimento, quando só se peça a execução da sanção”, ROA, ano 81, n.º 1-2, Jan-Jun 2021, a consultar em https://portal.oa.pt/media/133309/jose-lebre-de-freitas.pdf);
De facto, só com o trânsito em julgado da decisão se fixa definitivamente a obrigação que há-de ser cumprida pelo devedor, pelo que será esse (se outro não constar da decisão condenatória) o momento em que deve ser realizada a prestação.
Concluímos, portanto, tal como decidido em 1ª Instância, que o termo inicial da exequibilidade da sanção pecuniária compulsória judicial, se outro não for judicialmente fixado, é a do trânsito em julgado da sentença.
Analisando agora o caso concreto, importa então apurar a data do trânsito em julgado da sentença dada à execução.
A sentença dada à execução foi notificada aos Mandatários das partes no dia 27/07/2022, e dela apenas interpuseram recurso de apelação os Autores (aqui Embargados), pretendendo, por um lado que o acesso ao poço, respetivo motor e instalação não ficasse dependente de prévia solicitação de autorização aos Réus e, por outro, pugnando pela condenação dos Réus na indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que haviam peticionado, pelo que a obrigação principal em que os Réus foram condenados – de reconhecer os direitos dos Autores, ora Exequentes, declarados na sentença sob as alíneas a) a d) e de se absterem-se de obstruir ou impedir o acesso ao poço, motor e ligações elétricas ou canalização não foi objeto de recurso.
Temos, por isso, de concluir que a sentença dada à execução, relativamente às alíneas a) a f) do dispositivo, se mostra transitada em julgado (na referida parte que não foi objeto de recurso) no dia 3 de outubro de 2022 (o que também não foi colocado em causa pelos Recorrentes) sendo a sanção pecuniária compulsória exigível apenas desde essa data e por cada dia em que os ali Réus tenham obstruído o acesso ao poço e ao consumo de água.
Da factualidade provada decorre que em data não concretamente apurada de final de setembro de 2022, os aqui Exequentes/Embargados se dirigiram ao prédio dos Executados a fim de acederem ao poço para terem acesso às ligações elétricas e verificar o seu estado, e proceder à manutenção do mesmo, não tendo o Executado/Embargante autorizado o acesso ao poço [pontos 16) e 17) dos factos provados].
Tal como se afirma na sentença recorrida, nessa data (final de setembro de 2022) não só a condenação na obrigação principal de os Executado se absterem de obstruir ou impedir o acesso ao poço, motor e ligações elétricas ou canalização não tinha ainda transitado em julgado, como os Exequentes também não alegaram que após o trânsito em julgado da condenação, em 03 de outubro de 2022, e até à data 14 de março de 2023 (data em que os Executados permitiram o acesso ao poço) tivessem comunicado qualquer outra data para acederem ao poço ou tivessem tentado esse acesso e que tivessem sido impedidos.
Em face do exposto impõe-se concluir que não merece censura a sentença recorrida que considerou não ser exigível a sanção pecuniária compulsória, improcedendo, nesta parte, o recurso.
***
b) Da responsabilidade dos Exequentes e da sua obrigação de indemnizar por aplicação do artigo 858º do CPC

O Executado/Embargante veio requerer a condenação dos Exequentes em multa e numa indemnização nos termos do disposto no artigo 858º do CPC pelos danos que lhe causaram.
Dispõe o artigo 858º do CPC que se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10 % do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.
Na execução sumária para pagamento de quantia certa, em que a penhora se realiza antes da citação do executado o exequente está, por isso, sujeito a responsabilidade civil, a multa e a eventual responsabilidade criminal.
Num processo que se pretende célere, sendo indubitavelmente esse o interesse do exequente, o legislador adotou um mecanismo que procura salvaguardar o interesse do executado em que o processo executivo seja também justo.
Na verdade, a propositura de uma ação executiva para pagamento de quantia certa que, posteriormente, se tenha como injustificada, pode acarretar, inevitavelmente, prejuízos e danos ao executado, designadamente nos casos em que a penhora tenha precedido a citação, por dispensa legal ou judicial de citação prévia e, sendo a execução considerada injusta, a lei prevê a possibilidade de o exequente ser responsabilizado pelos danos causados ao executado. Daí que, se o exequente mover uma ação executiva sem que exista o direito de crédito correlativo, está a dar lugar a uma execução injusta, porquanto faz “uso de um meio próprio para efetivar o direito subjetivo substancial, quando esse direito já não existe na realidade”. O mesmo é dizer que "a execução é injusta quando o exequente pretende conseguir um fim contrário ao direito" (v. Marco Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, 4ª Edição, 2020, p. 549 a 551).
A obrigação de indemnizar do exequente depende da verificação cumulativa de diversos pressupostos de natureza processual e de natureza substantiva.
Quanto aos pressupostos de natureza processual importa que: o executado não ter sido citado previamente à penhora, o executado tenha deduzido oposição à execução e que esta tenha sido julgada procedente.
Relativamente aos pressupostos de natureza substantiva importa que: a execução ter causado prejuízos ao executado, estes tenham sido causados culposamente e que o exequente não tenha atuado com a prudência normal.
A obrigação de indemnizar depende da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual (cfr. artigo 483º do Código Civil), com recorte especifico quanto à culpa, considerando a falta de prudência, visando abarcar as hipóteses de litigância temerária que não são sancionadas pelo regime da má-fé processual normal (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. p. 289).
No caso concreto a verificação dos pressupostos de natureza processual não suscita qualquer dúvida: a execução para pagamento de quantia certa seguiu a forma sumária, a citação foi efetuada apenas após a penhora e os Embargos de Executado são procedentes por via da inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória.
Não se suscitam também dúvidas quanto verificação de um facto voluntário (a formulação da pretensão dos Exequentes através da instauração da execução), quanto à existência de danos (prejuízos que sofridos pelo Executado) e à existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

A questão que aqui se coloca prende-se com a ilicitude e a culpa.

De facto, sustentam os Recorrentes que a sanção pecuniária compulsória que reclamam teve por base um título executivo válido, uma sentença, e correspondeu ao exercício de um direito legalmente consagrado, não se verificando qualquer atuação ilegítima, não se encontrando também demonstrado que tenham atuado com falta de prudência, negligência grave ou dolo.

Vejamos.
Tal como se afirma na sentença recorrida o facto ilícito traduz-se aqui na agressão do património do executado, num caso em que a execução se revela infundada, ou seja, a ilicitude decorre do uso abusivo ou indevido do processo executivo.

Relativamente à culpa decorre do preceituado no artigo 858º do CPC que o exequente só pode ser responsabilizado se não tiver atuado com a prudência normal, isto é, quando tenha atuado de forma dolosa ou negligente; a atuação será dolosa quando o exequente, através da instauração da execução, tiver procurado de forma propositada e deliberada causar ao danos ao executado e será negligente quando, ainda que não tenha agido de forma intencional, não tiver observado a diligência própria do bom pai de família, em face das circunstâncias do caso (cfr. artigo 487º, n.º 2, do Código Civil).
Assim, para efeitos da responsabilização do exequente nos termos previstos no citado artigo 858º, e diferentemente do que ocorre com a litigância de má-fé, basta que o exequente tenha atuado com negligência leve, traduzida na inobservância do dever de cuidado, sendo este dever de cuidado próximo da prudência exigida ao requerente de uma providência cautelar (v. neste sentido Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2018, p. 748 e Marco Gonçalves, ob. cit., p. 554).
Assim, o exequente responderá civilmente pelos danos causados ao executado sempre que “tenha requerido, sem agir com a prudência exigível, uma execução inadmissível ou infundada" (v. Marco Gonçalves, ob. cit., p. 555), devendo a sua atuação ser apreciada casuisticamente em função das circunstâncias de cada caso concreto, sendo ainda de considerar que o grau de exigência quanto à conduta a observar pelo exequente varia em função da natureza do título executivo, sendo menor no caso em que o título é uma sentença e maior no caso de se tratar de mero título extrajudicial.
No caso dos autos os Exequentes deram à execução a sentença proferida no Processo n.º 634/20.7T8EPS que condenou os Executados a reconhecer os direitos descritos em a) a d) e a absterem-se obstruir ou impedir o acesso ao poço, motor e ligações elétricas ou canalização e em sanção pecuniária compulsória, de €50,00 por cada dia de obstrução do acesso ao poço e ao consumo de água.;
Na fundamentação de direito da sentença ficou a constar que “(…) há que valorar e equilibrar os dois direitos em conflito, o dos autores, de aceder ao poço, e o dos réus, de reserva da sua vida privada, considerando-se justo e adequado, no caso concreto, que os réus informem os réus previamente de que pretendem inspecionar o poço, agendando até um dia e hora”; os Exequentes, aí autores, recorreram dessa sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente quanto ao segmento que lhes impôs que informassem previamente os réus de que pretendem inspecionar o poço, agendando até um dia e hora, tendo nessa parte a sentença sido confirmada pelo acórdão que transitou em 01/03/2023.
Os Exequentes/Embargados instauraram contra os Executados, no dia 17/10/2022, após o trânsito em julgado da sentença relativamente às alíneas a) a f) do dispositivo (que ocorrera no dia 3 de outubro de 2022) a execução de sentença que deu origem ao processo executivo n.º 6423/22.7T8VNF, e onde requereram, para cumprimento do disposto nos pontos c) e d) da sentença proferida no processo n.º 634/20.7T8EPS, fosse agendado dia e hora, para os exequentes procederem à verificação e manutenção das ligações elétricas do poço, por não terem na sua residência água para usos domésticos que provém do mesmo, mais requerendo a condenação dos executados na sanção pecuniária compulsória, de €50,00 por cada dia de obstrução do acesso ao poço e ao consumo de água, nos termos da alínea f) da sentença proferida.
Não consta desses autos qualquer notificação/citação dos Executados para se oporem à execução, mas pelos Exequentes foi junto aos mesmos, em 27/03/2023, um requerimento dando conhecimento que os Executados lhes permitiram o acesso ao poço em 14 de março de 2023, após o trânsito em julgado no dia 01/03/2023 do acórdão desta Relação.
Nesse requerimento os Exequentes requereram a condenação dos Executados a pagar a quantia de €50,00 por cada dia de obstrução de acesso ao poço e ao consumo de água, a título de sanção pecuniária compulsória executivo desde 29 de setembro de 2022, até ao dia 14 de março de 2023, porém, a execução veio a ser extinta, por decisão do Sr. Oficial de justiça, em 13/10/2023, com fundamento no cumprimento da prestação de facto e o pagamento das custas processuais.
No dia 30/09/2024, os Exequentes intentaram a execução de que os presentes Embargos de Executado são apenso para pagamento da quantia de €10.950,00 que liquidaram como sanção pecuniária compulsória fixada na sentença proferida no Processo nº. 634/20.7T8EPS, desde a data da notificação aos Executados da sentença em 27/07/2022 até ao dia 14/03/2023.
Nos presentes autos ficou apenas demonstrado que em data não concretamente apurada de final de setembro de 2022 (após a notificação da sentença e antes do trânsito em julgado da mesma) os Exequentes/Embargados se dirigiram ao prédio dos Executados a fim de acederem ao poço para terem acesso às ligações elétricas e verificar o seu estado, e proceder à manutenção do mesmo e que o Executado/Embargante não autorizou o acesso ao poço, não resultando dos autos qual o motivo invocado.
É certo, conforme consta da sentença recorrida, que os Exequentes nunca alegaram ter feito um agendamento prévio para o efeito até 14 de março de 2023, altura em que foi permitido o acesso ao poço, ou qualquer outra tentativa para aí acederem; contudo, logo 17/10/2022 (após o trânsito em julgado da sentença relativamente às alíneas a) a f) do dispositivo, que ocorrera no dia 3 de outubro de 2022), instauraram contra os Executados execução de sentença onde requereram que, para cumprimento do disposto nos pontos c) e d) da sentença, fosse agendado dia e hora, para procederem à verificação e manutenção das ligações elétricas do poço, por não terem na sua residência água para usos domésticos que provém do mesmo, e onde peticionaram também o pagamento da sanção pecuniária compulsória.
Veja-se ainda que o Executado na petição inicial dos presentes embargos sustenta que a Sentença dada à Execução apenas transitou em julgado no dia 1 de março de 2023, data esta que corresponde ao trânsito em julgado do acórdão proferido por esta Relação, e que logo de imediato, em 3 de março de 2023 contactou, por intermédio do seu mandatário, a Exequente na pessoa do seu mandatário, solicitando que informassem o dia e a hora para acederem ao prédio a fim de verificarem o motor e as ligações para procederem em caso de necessidade à sua reparação.
Porém, como já vimos, não tendo os Réus na referida ação interposto recurso, a obrigação principal em que foram condenados, de reconhecer os direitos dos Autores, ora Exequentes, declarados na sentença sob as alíneas a) a d) e de se absterem-se de obstruir ou impedir o acesso ao poço, motor e ligações elétricas ou canalização não foi objeto de recurso, tendo a sentença, nessa parte, transitado em julgado já no dia 3 de outubro de 2022, e não no dia 1 de março de 2023, o mesmo sucedendo com a condenação em sanção pecuniária compulsória, de €50,00 por cada dia de obstrução do acesso ao poço e ao consumo de água.
Na verdade, em face do recurso interposto pelos Autores, aqui Exequentes, os mesmos questionaram apenas que o acesso ao poço, respetivo motor e instalação ficasse dependente de prévia solicitação de autorização aos Réus, e pugnaram pela condenação dos Réus na indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que haviam peticionado, sendo apenas nesta parte que a sentença transitou em 1 de março de 2023.
Por outro lado, se os Exequentes instauraram a nova execução, já após a extinção da anterior, tal possibilidade não lhes estava, sem mais, vedada, uma vez que em sede de ação executiva o exequente, tendo o direito judicialmente reconhecido a uma prestação de facto e a uma sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento dessa prestação, tanto pode executar apenas uma delas, como as duas conjuntamente.
Por último, importa ainda considerar que, não obstante perfilhamos o entendimento, que tanto quanto nos é dado conhecer é efetivamente largamente maioritário, de que o termo inicial da exequibilidade da sanção pecuniária compulsória judicial (se outro não for judicialmente fixado) é a do trânsito em julgado da sentença, a verdade é que existe, em conformidade com a fundamentação constante da própria sentença recorrida e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/11/2023 (Processo n.º 3709/12.2YYPRT-I.P1.S1, Relator Jorge Leal) que aquela acompanha, jurisprudência em sentido divergente; assim, e conforme aí citado, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/11/2014 (Processo n.º 3709/12.2YYPRT.P1, Relator João Diogo Rodrigues) distingue entre a sanção legal prevista no n.º 4 do artigo 829º-A, que entende ser devida a partir do trânsito em julgado da sentença que definiu a prestação principal, e a sanção compulsória judicial, prevista no n.º 1 do artigo 829º-A, que será devida ou a partir do momento em que o vencimento dessa sanção foi expressamente estabelecido ou, não tendo sido fixado esse momento, a partir da data em que o cumprimento coercivo da mesma se tornou juridicamente exigível, que, por regra, entende coincidir com a data em que o devedor dela tomou conhecimento, citando ainda jurisprudência que parece pronunciar-se nesse sentido.
Não acompanhamos, por isso, o entendimento do Tribunal de 1ª Instância que considerou a atuação dos Exequentes censurável e que os mesmos não deveriam ignorar a falta de exigibilidade da obrigação.
Em face das circunstâncias do caso concreto entendemos não poder afirmar-se que os Exequentes não atuaram com a prudência normal que lhes era exigível.
Impõe-se, pois, concluir pela parcial procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida na parte em que condenou os Exequentes a pagarem ao Embargante a quantia de €576,00 a título de indemnização ao abrigo do disposto no art.º 858º do Código de Processo Civil e em multa processual de 10UCs.
 
As custas do presente recurso, bem como as custas dos Embargos de Executado são da responsabilidade dos Recorrentes e do Recorrido na proporção do respetivo decaimento (artigo 527º do CPC).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, em:

a) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou os Exequentes a pagarem ao Embargante a quantia de €576,00 a título de indemnização ao abrigo do disposto no artigo 858º do Código de Processo Civil e na multa processual de 10UCs;
b) Confirmar, no mais, a sentença recorrida.
Guimarães, 16 de outubro de 2025
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
António Beça Pereira (1º Adjunto)
Alexandra Rolim Mendes (2º Adjunto)