Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2578/21.6T8VRL.G2
Relator: PAULO REIS
Descritores: DEVER PATERNO FILIAL DE AUXÍLIO E ASSISTÊNCIA
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - É pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto às pretensões das recorrentes, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam.
II - A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não pode dissociar-se da análise do objeto do recurso, cujo ónus de delimitação impende sobre as recorrentes.
III - A pretendida alteração da matéria que consta dos pontos 10., 11., 13., e 14., dos factos provados, na hipótese de proceder, não permite obter um efeito juridicamente útil ou relevante no quadro das concretas questões suscitadas pelas recorrentes na presente apelação, porquanto estas foram circunscritas à reapreciação dos pressupostos para que possa operar o instituto do enriquecimento sem causa, e a aferição das necessidades dos progenitores em face das respetivas possibilidades económicas apenas poderia relevar no âmbito da conformação do respetivo direito legal de alimentos relativamente aos filhos, direito este que apenas pode ser exercido pelos próprios titulares dos alimentos, e em vida destes, revelando-se, por isso, o circunstancialismo em causa, absolutamente inócuo no contexto da reapreciação da decisão proferida pela primeira Instância.
IV - Não logrando as autoras demonstrar, como lhes competia, os pressupostos do invocado enriquecimento sem causa, designadamente a existência de um enriquecimento do património dos recorridos, ou da herança, em face do correspondente empobrecimento no respetivo património, ao mesmo tempo que também não provaram a falta de causa da deslocação patrimonial alegada e também não comprovada, o pedido subsidiário formulado na ação em referência também não pode obter procedência, tal como decidiu o tribunal de primeira instância.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA e BB instauraram ação declarativa sob a forma de processo comum contra: - CC; - DD; - EE; - FF; - FF; - GG; - HH; - II; e - JJ; formulando os seguintes pedidos:

A título principal,
- Seja considerado que os valores pagos pelas autoras, desde setembro de 2010 até à presente data, o foram no cumprimento de uma obrigação legal de assistência aos progenitores e, em consequência, ser cada um dos réus condenado a: - pagar à autora AA a quantia de 2.497,00 € correspondente à quota de responsabilidade de cada um dos réus no valor dos alimentos pagos por esta autora a seus pais; - pagar à autora BB a quantia de 2.585,45 € correspondente à quota de responsabilidade de cada um dos réus no valor dos alimentos pagos por esta autora a seus pais;
Subsidiariamente, para a hipótese de o tribunal entender ser inexigível o cumprimento da obrigação de alimentos aos filhos de FF e de KK deve ordenar-se a restituição de todos os montantes pagos por cada uma das autoras, condenando-se: - a herança de FF a restituir à autora AA a quantia de 5.216,00 € e à BB a quantia de 6.485,00 €; - a herança de KK a restituir à autora AA a quantia de 22.251.00 € e à autora BB a quantia de 21.955,00 €.
Alegaram, em síntese: autoras e réus são irmãos germanos, filhos e herdeiros legitimários de FF, falecido a ../../2015 e de KK, falecida em ../../2021; tendo em conta a idade e debilidade física dos progenitores das autoras e dos réus, estes passaram a necessitar de assistência para os seus cuidados pessoais e para tratar das lides domésticas; assim, desde setembro de 2010, a ré EE passou a prestar assistência aos pais mediante o recebimento de 500 € mensais, suportadas pelas autoras e pelos réus FF, JJ e II; passado cerca de um ano, foi decidido contratar uma pessoa para prestar os serviços domésticos necessários aos progenitores, de acordo com a vontade do progenitor; os irmãos das autoras tomaram conhecimento dessa contratação e, à exceção dos réus FF, JJ e II, recusaram-se a comparticipar no custo dessa contratação; a partir de agosto de 2011 as autores e os referidos réus passaram a suportar mensalmente a quantia de 152 € referente aos custos da pessoa contratada em substituição da ré EE; passado algum tempo os réus FF, JJ e II, também deixaram de contribuir para o pagamento dos serviços prestados aos progenitores, ficando somente as autoras a suportar tal custo, o que sucedeu até ao óbito da progenitora, tendo a autora AA despendido  o valor de 33.517,00 € e a autora BB a quantia de 34.490,00 €, a esse título.
Para além dos referidos pagamentos, as autoras suportaram o custo de realização de várias obras, trabalhos e aquisição de bens destinados a dotar a habitação dos progenitores de condições mínimas de habitabilidade e conforto, despendendo na reparação da canalização com vista a repor o abastecimento de agua na habitação a quantia de 6.900 €, que suportaram a meias.
Apesar de os demais irmãos, ora réus, se terem recusado a comparticipar naquelas despesas, por considerarem que os pais tinham rendimento e património suficiente para as suportarem, as autoras e os três irmãos já identificados entendiam que estavam obrigados a satisfazer as necessidades dos pais e, consequentemente, a suportar aquelas despesas na assistência dos progenitores, uma vez que o valor que estes auferiam de reforma era insuficiente para custear as despesas e não queriam que os pais gastassem os seus aforros nem alienassem o seu património imobiliário.
Alegam ainda que as referidas despesas se integram no dever de assistência dos filhos aos pais, pelo que a obrigação assumida também impendia sobre os demais irmãos, respondendo todos na proporção das suas quotas como herdeiros legitimários dos alimentados, pelo que o cumprimento em excesso confere às autoras o direito de regresso contra todos os réus na parte a que este competia, assistindo a cada uma das autoras o direito de haver de cada um dos irmãos o montante que lhe cabia na obrigação alimentícia aos progenitores.
Sucede que o pai das autoras e dos réus entregou às autoras a quantia de 19.000 € (9.500 € para cada uma das autoras), o que deverá ser abatido ao crédito que cada uma das autoras tem sobre os réus. Atendendo a que o falecido casal tinha 11 filhos, a parte que compete a cada um dos filhos ascende a 2.497,00 € no que respeita ao valor pago pela AA e de 2.585,45 € na parte correspondente à BB.
Mais alegam que, após a morte do seu progenitor, as autoras despenderam ainda a quantia de 8.000 €, na reconstrução da sepultura.
Por fim, alegam que se se considerar que os seus pais tinham património e rendimentos suficientes para custear as despesas que aquelas custearam na convicção do cumprimento do dever de assistência e, como tal, que era inexigível o cumprimento dessa obrigação, tendo em consideração os factos que foram dados como provados no processo 72/17.9T8MTR, deve entender-se que aquelas cumpriram uma obrigação inexistente e, em consequência, têm direito à repetição do indevido nos termos do artigo 476.º, n.º 1 do Código Civil, por parte das heranças de seus pais.     
Os réus contestaram, sustentando que o facto de as autoras terem alegadamente suportado as despesas que referem na petição inicial, não produz o efeito jurídico pretendido, porquanto os recíprocos deveres de assistência entre pais e filhos não têm natureza incondicional, mas dependem da verificação de uma efetiva necessidade de receber o auxilio e assistência e ainda da disponibilidade de recursos para os prestar. Acresce que, mesmo a verificar-se a versão das autoras, o cumprimento desse dever de assistência não resulta o direito de exigir aos restantes filhos a parte que lhes cabia nessa responsabilidade comum, desde logo porque, a obrigação que resulta do artigo 1874.º do Código Civil não obedece ao regime das obrigações solidárias, pelo que, devem os réus ser absolvidos dos pedidos. Acrescentam que estão em causa atos que surgiram por livre iniciativa das autoras, configurando uma obrigação natural que não pode ser repetida nem dá lugar à obrigação de restituir nos termos do enriquecimento sem causa.
No que toca à retribuição das empregadas domésticas referem que as autoras apenas terão pago a diferença entre a pensão de reforma e sobrevivência da mãe e os 1.000 € que, sem consultar os irmãos ajustaram com a tutora LL. Para as restantes empregadas domésticas contratadas m vida dos pais as poupanças e o património destes era suficiente para fazer face às mesmas. A decisão de contratar as referidas empregadas foi unilateral por parte das autoras. A ré EE sempre se deslocou a casa dos pais prestando-lhes assistência.
Mesmo que as autoras tenham suportado tais valores fizeram-no por sua iniciativa, sem qualquer necessidade de o fazer uma vez que os seus pais tinham rendimentos e poupanças que lhes permitiam suportar as mesmas.
Além do mais não alegam a necessidade, urgência, imprescindibilidade e utilidade de suportar o custo das obras alegadas, sendo que na altura em que alegadamente as obras na habitação foram realizadas o pai das autoras e réus já tinha falecido e a mãe aos cuidados de uma neta com quem ficou até à sua morte em setembro de 2021. Acresce que nenhum dos réus foi informada da realização das referidas obras nem lhes foi solicitada autorização ou contribuição para as mesmas. Também as obras na sepultura foram feitas sem qualquer conhecimento dos réus.
Por fim sustentam que as autoras litigam de má fé devendo ser condenadas em multa e numa indemnização a favor das autoras de 2.000,00 €.
Realizou-se a audiência final.

Inconformadas com a sentença proferida nos autos, que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os réus dos pedidos formulados, as autoras apresentaram-se a   recorrer, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I - As Recorrentes consideram incorretamente julgados, os factos que resultam dos pontos 8, 10, 11, 13 e 14 dos factos provados e da matéria de facto que resulta das alienas a) a g) dos factos não provados da sentença recorrida.
II - No que concerne ao facto 8 o Tribunal Recorrido respondeu de modo restritivo, quando podia e devia ter ido mais longe e conciliar a matéria de facto constante daquele ponto com a matéria que resulta não provado nas alíneas f) e g) e da sumula do constante dos aludidos itens dar como assente no ponto 8º o seguinte:
As AA. suportaram o custo de várias obras na casa dos progenitores com vista a dotar a mesma de condições mínimas de habitabilidade e conforto, designadamente a reposição do abastecimento de água, tendo com esta obra (reposição do abastecimento de água) despendido pelo menos a quantia de 6.900,00€.
III - Esta alteração é imposta pelo documento nº 239 junto com a P.I. e bem assim o depoimento da testemunha MM gravado em suporte digital da sessão da audiência de julgamento do dia 11-09-2024, com início às 14:23 e fim às 14:40, conforme suas declarações do minuto 7:45 ao minuto 8:59, e o depoimento da testemunha NN, gravado em suporte digital da sessão da audiência de julgamento também do dia 11-09-2024, com início às 12:25 e que continuou às 14:14 e fim 14:23, concretamente as suas declarações do minuto 7:36 e o minuto 8:51.
IV - No que respeita ao ponto 10 entende-se que o Tribunal foi longe de mais e sem qualquer prova segura, (diremos mesmo com ausência de prova), deu como provada a existência, nas contas titulados pelos falecidos pais das AA. e RR., de poupanças na Banco 1... na ordem dos 30.000,00€.
V- O montante das poupanças que ficou provado existirem na Banco 1... resultam de um manifesto erro material da sentença proferida no processo nº 72/17 cuja cópia se encontra junta aos autos como evidenciam com segurança os extratos bancários juntos nestes autos pela Banco 1... e que foram os mesmos do anterior processo.
VI - O que na anterior sentença se fez foi duplicar a transferência de uma conta dos progenitores para a outra destes, com o levantamento subsequente de 19.000,00€ (conta para onde foram transferidos os 18.000,00€) que foi feito pelo progenitor e entregue às recorrentes como estas confessaram no artigo 34º da P.I.
VII - Esse erro material é sempre retificável e não se concede que a retificação do mesmo viole caso julgado firmado na anterior ação.
VIII - Daí que se deva alterar a matéria de facto do ponto 10 da sentença recorrida passando a constar o seguinte:
10. Os progenitores das autoras e réus eram titulares de:
• um prédio urbano e um rústico;
• poupanças na Banco 1... que rondavam a quantia de 20.000,00€ antes do pagamento de 19.000,00€ efetuado pelo progenitor às autoras;
• o progenitor auferia uma reforma mensal de cerca de 800,00 € e a progenitora de 350,00 €;
• recebiam subsídios para a agricultura na ordem dos 500 anuais.
IX- Ainda quanto à matéria de facto provada as Recorrentes criticam outrossim a redação dos pontos 11, 13 e 14, pois o que resulta escrito naqueles são juízos conclusivos e não verdadeiros factos.
X - No ponto 11 é dito que os progenitores das AA. e RR. tinham um estilo de vida simples, sem vícios e apelos consumistas e os rendimentos que tinham com o que retiravam da terra e com os animais que criavam eram suficientes para fazer face às suas despesas e necessidades, todavia nenhuma referência é feita ao concreto valor das despesas e necessidades dos progenitores de AA. e RR., nem ao valor que aqueles retiravam do cultivo da terra e da criação de animais, facto que se coloca em causa depois do diagnóstico da doença da progenitora das AA. e RR. e das limitações físicas do progenitor no ano de 2010 quando pede apoio ao filhos.
XI - A mesma crítica merece os pontos 13 e 14 que assentam em juízos conclusivos e não em factos.
XII - No ponto 13 refere-se a existência de meios financeiros suficientes de património capaz de satisfazer as necessidades sem, todavia, haver concretização de quais as necessidades dos progenitores e bem assim da especificação patrimonial financeira que os progenitores das AA. e RR. dispunham, que pudesse dispensar o auxílio dos filhos, apesar do provado no ponto 10.
XIII - O ponto 14 da matéria de facto provada é redigido pela negativa, o que ressalvando sempre o devido respeito, nos parece incorreto e colide, pelo menos de modo relativo, com o ponto 5 da matéria de facto dada como provada.
XIV - Daí que os pontos 11, 13 e 14, devem ter-se por não escritos e eliminados da matéria de facto.
XV - Os factos não provados e constantes das alíneas f) e g) devem fazer parte do ponto 8 da matéria de facto dada como provada nos termos que resultam da conclusão II e III.
XVI - A matéria de facto constante das alíneas a) e b) deve passar ao rol dos factos provados com a seguinte redação:
Face à idade e debilidade física e mental da progenitora de AA. e RR. que se verificava desde pelo menos o ano de 2010, esta deixou de ter autonomia, capacidade física e mental para executar por si os atos normais do dia a dia como seja vestir-se, tomar banho, cozinhar, limpar, lavar, etc e o seu marido, progenitor dos AA. e RR. também não tinha condições físicas para lhe prestar essa assistência e tratar da habitação, passando em consequência a necessitar de assistência para os cuidados pessoais da progenitora e para tratar das lides domésticas incluindo a confeção de refeições.
XVII - Esta alteração é sustentada na sentença proferida no processo de interdição cuja cópia se encontra junta aos autos e na própria sentença proferida no processo nº 72/17.9T8MTR já referido e em que o Tribunal se alicerça e valoriza como resulta da respetiva fundamentação da sentença recorrida.
XVIII - No ponto 30 da sentença proferida no aludido processo 72/17 deu-se como provado quase literalmente o que consta da alienas b) dos factos não provados da sentença recorrida.
XIX - Acresce o depoimento da R. EE, gravado na sessão de 10-09-2024 com início às 11:24 e fim às 11:58, onde refere do minuto 2:16 ao minuto 4:02 que foi a primeira cuidadora dos progenitores e confirmou a debilidade física e mental da progenitora dos AA. e RR. e bem assim da incapacidade do progenitor em cuidar da mesma e tratar das lides domésticas como resulta das suas declarações do minuto 2:16 ao minuto 4:02.
XX - Também a testemunha OO, que prestou depoimento na sessão de julgamento do dia 11-09-2024, e que se encontra gravado no sistema digital com início 11:05 e fim 11:16, declarou ao minuto 2:35 a 2:40 que foi contratada mais para dar apoio, aquecer a comida, ajudar a dar banho e quando foi chamada, ninguém lhe falou de doença, nem de Alzheimer nem nada. (3:27) era mais no sentido, por causa do físico, do cansaço.
XXI - Também deve passar aos factos provados a matéria constante da alínea c) pois que é uma evidência, um facto notório, que a doença de alzheimer da progenitora das AA. E RR. e que levou a procedência da ação de interdição, leva à conclusão de que pelo menos a progenitora, necessitava que os filhos lhe providenciassem assistência e bem assim ao progenitor por este não ter condições físicas para cuidar da esposa e por não ser pessoa dada a cuidar das lides domésticas necessitava igualmente de assistência.
XXII - Acresce que resulta da sentença proferida no já referido processo 72/17 nos pontos 39 a 46 dos factos provados que os filhos tiveram que providenciar por assistência aos pais.
XXIII - No que respeita à alínea d) não pode haver dúvidas que a R. EE foi substituída na prestação de serviços de assistência aos progenitores por pessoa contratada pelas AA. Com o acordo inicial dos RR. FF, JJ e II, tanto assim que comparticiparam no pagamento à mesma e tal matéria de facto já havia sido dada como provada no aludido processo nº 72/17 como resulta dos pontos 40º e 41º dos factos provados.
XXIV - A prova de tal matéria alicerça-se ainda no depoimento da testemunha PP gravado na sessão da audiência de julgamento do dia 11-09-2024 com início às 11:05 e fim às 11:16 conforme suas declarações do minuto 3:09 a 5:44.
XXV - Assim a matéria constante da alínea d) deve passar de forma restrita aos factos provados com a seguinte redação:
Passado cerca de um ano, após o início da prestação de cuidados pela R. EE, as AA. E os aludidos RR. FF, JJ e II, contrataram uma pessoa em substituição da R. EE para prestar os serviços domésticos e cuidar da higiene e saúde dos progenitores.
XXVI - Outrossim deve passar para os factos provados a aliena e) dos factos não provado.
XXVII - Fundamentamos a alteração da matéria de facto quanto a este concreto ponto nos documentos, quer em língua alemã quer em língua francesa, juntos aos autos com a P.I. e que provam as transferências, e cuja tradução também foi efetuada em momento posterior e também junta aos autos.
XXVIII - Para além dos ditos documento alicerça-se a pretendida alteração no depoimento/declarações de parte da autora AA, que se encontra gravado na audiência de julgamento do dia 10 de setembro de 2024 com início às 14:18 e fim 14:53, conforme declarações do minuto 32:39 ao minuto 33:34 e depoimento/ declarações de parte da autora BB gravado na sessão do dia 10 de setembro de 2024 com início às 14h54m e fim às 15h27m conforme suas declarações do 27:28 a minuto 28:02.
XXIX - Corrobora ainda tal matéria o depoimento da R. EE gravado em suporte digital sessão de 10-09-2024 com início às 11:24 e fim às 11:58 conforme declarações do minuto 3:33 ao minuto 5:22.
XXX - A pretendida alteração também é sustentada nas declarações da testemunha OO, gravadas na sessão do julgamento do dia 11-09-2024 com início às 11:05 e fim às 11:16 conforme suas declarações do minuto 3:41 a 5:09, da testemunha PP, cujo depoimento se encontra gravado na sessão de julgamento do aludido dia 11-09-2024 entre as 11h22m e as 11h38m conforme suas declarações do minuto 2:57 ao minuto 3:51, do minuto 5:17 a 5:44, do minuto 10:54 a 11:07, do minuto 11:21 a 11:34, do minuto 11:46 a 11:59 e minuto 12:19 a 12:38 e da testemunha LL, cujo depoimento está gravado na sessão da audiência de julgamento do 11-09-2024 com início às 14:52 e fim às 15:11 conforme declarações aos minutos 1:35 a 1:52, 2:06 a 2:50, 3:04 a 3:17, 5:06 a 5:19, 5:32 a 5:36.
XXXI - Ainda quanto a este concreto ponto importa novamente o apelo aos factos que resultam da sentença proferida no processo 72/17 mais concretamente nos 47, 90 a 93 onde são referidos os concretos valores que as autoras pagaram a cada uma das cuidadoras.
XXXII - No ponto 94 dos factos provados da aludida sentença escreveu-se como assente que as autoras continuam a prestar a assistência que ficou consignada na escritura de dação em cumprimento, pelo que se impõe a realização da operação aritmética da soma de tais valores e consequentemente dar como provado o que consta da dita alínea e).
XXXIII - Chegados aqui cremos demonstrado à saciedade o erro de julgamento da matéria de facto pelo Tribunal a quo e a matéria provada deve passar a ser a seguinte:
1. As autoras e os réus são irmãos germanos filhos de FF e de KK.
2. FF faleceu a ../../2015 e KK a 29 de setembro de 2021.
3. As autoras e os réus são os nicos herdeiros das heranças abertas por óbito de seus pais.
4. Por decisão proferida no âmbito do Proc.133/16.1T8MTR que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Montalegre de acompanhamento de maior, à mãe da autora e réus foram aplicadas medidas de acompanhamento no que respeita à sua representação geral e administração dos seus bens. Em tal sentença foi fixada a data de 3 de março de 2011 a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes.
5. A partir de setembro de 2010 a ré EE passou a prestar assistência aos pais mediante o recebimento mensal de 500 € pagos pelas autoras e pelos réus FF, JJ e II.
6. Os irmãos das autoras tomaram conhecimento da contratação de uma funcionária para prestar cuidados aos pais sendo que, com exceção dos réus FF, JJ e II), os demais se recusaram a comparticipar nessas despesas por entenderem que os progenitores tinham rendimentos e economias que lhes permitiam suportar tais despesas sem a ajuda dos filhos.
7. A partir de agosto de 2011 as autoras e aqueles três irmãos contribuíam com a quantia mensal de 125,00 € cada para fazer face às referidas despesas, sendo que estes, passado algum tempo deixaram de o fazer.
8. As autoras suportaram o custo de várias obras na casa dos progenitores
9. Após o óbito do progenitor as autoras despenderam na reparação da sepultura a quantia de 8.000 €.
10. Os progenitores das autoras e réus eram titulares de:
• um prédio urbano e um rústico;
• poupanças na Banco 1... que rondavam a quantia de 20.000,00€ antes do pagamento de 19.000,00€ efetuado pelo progenitor às autoras
• o progenitor auferia uma reforma mensal de cerca de 800,00 € e a progenitora de 350,00 €;
• recebiam subsídios para a agricultura na ordem dos 500 anuais;
11. Os progenitores das autoras, ainda em vida, entregaram a estas a quantia de 19.000,00€ (9.500,00 € para cada uma delas).
12. Desde o ano de 2012 a agosto de 2015 o progenitor das autoras e réus beneficiou de apoio domiciliário da Associação ... tendo pago, nesses anos, o valor de 6.600,00 €.
13. As AA. suportaram o custo de várias obras na casa dos progenitores com vista a dotar a mesma de condições mínimas de habitabilidade e conforto, designadamente a reposição do abastecimento de água, tendo com esta obra (reposição do abastecimento de água) despendido pelo menos a quantia de 6.900,00€.
14. Face à idade e debilidade física e mental da progenitora de AA. e RR. que se verificava desde pelo menos o ano de 2010, esta deixou de ter autonomia, capacidade física e mental para executar por si os atos normais do dia a dia como seja vestir-se, tomar banho, cozinhar, limpar, lavar, etc. e o seu marido também não tinha condições físicas para lhe prestar essa assistência e tratar da habitação, passando em consequência a necessitar de assistência para os cuidados pessoais da progenitora e para tratar das lides domésticas incluindo a confeção de refeições.
15. Passado cerca de um ano após o início da prestação de cuidados pela R. EE, as AA. com conhecimento dos RR. FF, JJ e II, contrataram uma pessoa em substituição da R. EE para prestar os serviços domésticos e cuidar da higiene e sa de dos progenitores.
16. No pagamento dos cuidados prestados aos progenitores entre setembro de 2010 a setembro de 2021 a autora AA despendeu o montante de 33.517,00€ do qual já recebeu 9.500,00€ e a autora BB despendeu o montante de 34.490,00€ do qual já recebeu o montante de 9.500,00€.
XXXIV - Tendo por certa a alteração da matéria de facto como se deixou consignado na conclusão anterior, importa subsumir os factos ao direito no sentido de aferir se é possível enquadrar o litígio dos autos no instituto do enriquecimento sem causa.
XXXV - Começamos por constar que o progenitor de AA. e RR. sempre quis conferir a natureza de obrigação civil à assistência que a si e à esposa foi prestada pelas AA., daí que tenha contratado profissional do foro com o propósito, de criar o necessário instrumento jurídica que colocasse a prestação das AA. integrada e protegida numa relação jurídica válida, só assim se compreende a outorga do contrato de dação em cumprimento com resulta da sentença já referida do processo 72/17.
XXXVI - Apesar de declarado anulado tal contrato pela dita sentença as AA. continuaram a cumprir com a prestação que assumiram nessa mesma escritura de dação em cumprimento, prosseguindo mensalmente com o pagamento às prestadoras dos cuidados à progenitora porquanto o progenitor já havia falecido e por isso mesmo descartamos a classificação da prestação das AA. como o cumprimento de uma obrigação natural, mas classificamo-la antes numa verdadeira obrigação jurídica que desapareceu por força da anulação do negócio indireto (dação em cumprimento).
XXXVII - O instituto do enriquecimento sem causa, tem natureza subsidiária só a ele se devendo recorrer na falta de outro meio legalmente previsto tal como resulta do artigo 474º do C.C. sendo requisitos do mesmo o enriquecimento de alguém, à custa de outrem, sem causa justificativa, e que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído.
XXXVIII - O enriquecimento de alguém à custa de outrem pressupõe que ocorreu uma deslocação patrimonial, um aumento do património de alguém em detrimento do património de outrem, sendo no caso dos autos evidente tal situação, pois não fora o apoio dado pelas autoras e na ausência de apoio dos RR., que sempre se verificou, ressalvando o breve período do apoio dos RR. JJ, FF e II, o património hoje hereditário teria no todo ou em parte diminuído na mesma proporção da transferência patrimonial das AA.
XXXIX - Por outro lado, considera-se que o enriquecimento carece de causa quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial, nomeadamente quando aproveita a pessoa diversa daquela que, segundo a lei, deveria beneficiar.
XL - Na situação em apreço quem devia beneficiar da deslocação patrimonial eram os progenitores das AA. tendo em vista a assistência que necessitavam e que lhes foi concedida pelas recorrentes, quem acaba por beneficiar materialmente com a deslocação patrimonial das AA. foram os RR. na medida em que quinhoam numa herança, cujo património só existe ou só existe com a amplitude que tem, por força da prestação que as AA. fizeram aos progenitores.
Não tivesse existido a contribuição das AA. e o acervo hereditário seria diminuto senão mesmo inexistente.
XLI - Os montantes despendidos pelas AA. que estiveram a coberto de uma obrigação jurídica por força da dação em cumprimento, deixaram de o estar com a anulação daquele contrato e a obrigação jurídica que impunha às AA. a deslocação patrimonial deixou de existir pelo efeito retroativo da anulação decretada na sentença proferida no processo 72/17.
XLII - Conforme dispõe o nº 2 do artigo 473º do C. Civil a inexistência de causa para efeitos de instituto do enriquecimento sem causa abrange o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou e consequentemente também este requisito se encontra verificado
XLIII - Ao ter decidido da forma como decidiu a sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 473º e seguintes do C. Civil e artigo 607º nº 4 do C. Processo Civil.
Termos que deve dar-se provimento ao recurso e ser proferido acórdão que revogue a sentença proferida nos autos, reconheça as AA. recorrentes como credoras das heranças de seus pais dos montantes respetivamente de 24.017,00€ para a A. AA (em virtude de já ter recebido do progenitor o montante de 9.500,00€) e 24.990,00€ para a A. BB (em virtude de já ter recebido do progenitor o montante de 9.500,00€), com o que se fará a devida justiça».
Os réus apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:
A) impugnação da decisão da matéria de facto: se estão verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso respeitante à decisão da matéria de facto; do invocado erro de julgamento relativamente aos pontos 8, 10, 11, 13 e 14 dos factos provados e da matéria de facto que resulta das alíneas a) a g) dos factos não provados da sentença recorrida;
B) aferir se a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito quanto à aferição dos pressupostos para que possa operar o instituto do enriquecimento sem causa, subjacente ao pedido subsidiário formulado na ação em referência.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1. As autoras e os réus são irmãos germanos filhos de FF e de KK.
2. FF faleceu a ../../2015 e KK a 29 de setembro de 2021
3. As autoras e os réus são os únicos herdeiros das heranças abertas por óbito de seus pais.
4. Por decisão proferida no âmbito do Proc.133/16.1T8MTR que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Montalegre de acompanhamento de maior, à mãe da autora e réus foram aplicadas medidas de acompanhamento no que respeita à sua representação geral e administração dos seus bens. Em tal sentença foi fixada a data de 3 de março de 2011 a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes.
5. A partir de setembro de 2010 a ré EE passou a prestar assistência aos pais mediante o recebimento mensal de 500 € pagos pelas autoras e pelos réus FF, JJ e II.
6. Os irmãos das autoras tomaram conhecimento da contratação de uma funcionária para prestar cuidados aos pais sendo que, com exceção dos réus FF, JJ e II), os demais se recusaram a comparticipar nessas despesas por entenderem que os progenitores tinham rendimentos e economias que lhes permitiam suportar tais despesas sem a ajuda dos filhos.
7. A partir de agosto de 2011 as autoras e aqueles três irmãos contribuíam com a quantia mensal de 125,00 € cada para fazer face às referidas despesas, sendo que estes, passado algum tempo deixaram de o fazer.
8. As autoras suportaram o custo de várias obras na casa dos progenitores
9. Após o óbito do progenitor as autoras despenderam na reparação da sepultura a quantia de 8.000 €.
10. Os progenitores das autoras e réus eram titulares de:
- um prédio urbano e um rústico;
- poupanças na Banco 1... na ordem dos 30.000,00 €;
- o progenitor auferia uma reforma mensal de cerca de 800,00 € e a progenitora de 350,00 €;
- recebiam subsídios para a agricultura na ordem dos 500 anuais;
11. Os progenitores das autoras e réus tinham um estilo de vida simples, sem vícios e apelos consumistas e os rendimentos que tinham com o que retiravam da terra e com os animais que criavam eram suficientes para fazer face às suas despesas e necessidades.
12. Os progenitores das autoras, ainda em vida, entregaram a estas a quantia de 19.000,00 € (9.500,00 € para cada uma delas).
13. Os progenitores das autoras e réus dispunham de meios financeiros suficientes de património capaz de satisfazer as suas necessidades.
14. Não necessitando do auxílio dos filhos para o efeito.
15. Desde o ano de 2012 a agosto de 2015 o progenitor das autoras e réus beneficiou de apoio domiciliário da Associação ... tendo pago, nesses anos, o valor de 6.600,00 €
1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
a) Face à idade e debilidade física dos pais das autoras e réus, desde o ano de 2010 aqueles passaram a necessitar de assistência para os seus cuidados pessoais bem como para tratar das lides domésticas.
b) A mãe dos autores e réus deixou de ter autonomia, capacidade física e mental para executar por si os atos normais do dia a dia como seja vestir-se, tomar banho, cozinhar, limpar, lavar, etc., e o seu marido também não tinha condições físicas para lhe prestar essa assistência e tratar da habitação.
c) Face ao aludido quadro os filhos viram-se obrigados a providenciar pela assistência aos pais.
d) Passado cerca de um ano após a prestação de cuidados pela ré EE as autoras e os réus FF, JJ e II), em virtude de o progenitor ter manifestado descontentamento com o serviço prestado pela ré EE decidiram, com a concordância do progenitor, contratar uma pessoa para prestar os serviços domésticos e cuidar da higiene e saúde dos progenitores.
e) No pagamento dos cuidados prestados aos progenitores entre setembro de 2010 a setembro de 2021 a autora AA despendeu a quantia de 33.517,00 € e a autora BB a quantia de 34.490,00 €.
f) As obras referidas em 8 destinaram-se a dotar a casa de habitação dos progenitores de condições mínimas de habitabilidade e conforto.
g) Despenderam 6.900,00 € com vista à reposição do abastecimento de água na casa dos progenitores.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
As recorrentes impugnam a decisão relativa à matéria de facto, nos seguintes termos:
i) os factos não provados, constantes das alíneas f) e g), devem fazer parte do ponto 8 da matéria de facto dada como provada, passando este a ter a redação seguinte: «As AA. suportaram o custo de várias obras na casa dos progenitores com vista a dotar a mesma de condições mínimas de habitabilidade e conforto, designadamente a reposição do abastecimento de água, tendo com esta obra (reposição do abastecimento de água) despendido pelo menos a quantia de 6.900,00€».
ii) o ponto 10.º dos factos provados deverá ser alterado para passar a constar o seguinte: «Os progenitores das autoras e réus eram titulares de:
• um prédio urbano e um rústico;
• poupanças na Banco 1... que rondavam a quantia de 20.000,00€ antes do pagamento de 19.000,00€ efetuado pelo progenitor às autoras;
• o progenitor auferia uma reforma mensal de cerca de 800,00 € e a progenitora de 350,00 €;
• recebiam subsídios para a agricultura na ordem dos 500 anuais»;
iii) os pontos 11, 13 e 14 dos factos provados devem ter-se por não escritos e eliminados da matéria de facto;
iv) a matéria de facto dada como não provada, constante das als. a) e b), deve passar ao rol dos factos provados, com a seguinte redação: «Face à idade e debilidade física e mental da progenitora de AA. e RR. que se verificava desde pelo menos o ano de 2010, esta deixou de ter autonomia, capacidade física e mental para executar por si os atos normais do dia a dia como seja vestir-se, tomar banho, cozinhar, limpar, lavar, etc e o seu marido, progenitor dos AA. e RR. também não tinha condições físicas para lhe prestar essa assistência e tratar da habitação, passando em consequência a necessitar de assistência para os cuidados pessoais da progenitora e para tratar das lides domésticas».
v) o aditamento à matéria provada do facto julgado não provado em c);
vi)  a matéria de facto dada como não provada constante da al. d) deve passar ao rol dos factos provados, com a seguinte redação: «Passado cerca de um ano, após o início da prestação de cuidados pela R. EE, as AA. E os aludidos RR. FF, JJ e II, contrataram uma pessoa em substituição da R. EE para prestar os serviços domésticos e cuidar da higiene e saúde dos progenitores»;
vii) o aditamento à matéria provada do facto julgado não provado em e).
Relativamente à pretendida reformulação do facto vertido no pontos 8 dos factos provados, no sentido de englobar o circunstancialismo enunciado em f) e g), da matéria não provada, as recorrentes suscitam a reapreciação do documento n.º 239 junto com a petição inicial onde consta o orçamento, (sob a sigla de proposta), datado de 20 de agosto de 2016, em conjunto com determinados segmentos dos depoimentos das testemunhas MM [marido da Autora BB] e NN [marido da autora AA].
Reapreciados os concretos meios de prova indicados pelas recorrentes, julgamos que dos mesmos não decorrem motivos consistentes que imponham a alteração preconizada quanto aos aludidos segmentos da matéria de facto.
Em primeiro lugar, observa-se que facto vertido na impugnada al. f), dos factos não provados, tem o seu âmbito circunscrito ao objetivo específico de conferir à habitação dos progenitores condições mínimas de habitabilidade e conforto.
Ora, a este propósito, ambas as testemunhas em referência admitiram que a obra sobre a qual foram instadas [de reposição do abastecimento de água ao prédio que constituiu a habitação dos seus sogros] foi realizada quando o imóvel já se encontrava registado a seu favor (e das recorrentes/autoras) por força da escritura de dação em cumprimento, de 28-08-2013, através da qual os procuradores de FF e KK, e em nome destes, deram em pagamento os imóveis de que eram titulares, entre os quais, a respetiva casa de habitação. Mais admitiram que, quando a obra foi concretizada, em 2016, o sogro já tinha falecido, enquanto a sogra (mãe das autoras e dos réus) já não habitava no imóvel, encontrando-se a viver com a neta, LL, em casa desta.
Por outro lado, julgamos que a Proposta a que corresponde o doc. n.º 239 junto com a petição inicial também não comprova a realização de qualquer obra, nem foram juntos aos autos quaisquer faturas e/ou recibos demonstrativos dos respetivos pagamentos.

Consequentemente, entendemos que o Tribunal recorrido valorou devidamente os meios de prova cuja reapreciação vem suscitada pelas apelantes, conforme decorre dos seguintes segmentos da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida:
«(…)
No que se refere às alegadas obras na casa dos progenitores apenas é junto um documento denominado “Proposta” com o seguinte texto:
“Abertura de vala com a profundidade de 70 centímetros em toda a extensão, com tudo novo, depósito novo, com um corte na estrada até as ligações de casa”, pelo valor de 6.900,00 €.
Tal documento está datado de 20 de agosto de 2016.
(…)
Foi ainda junta em sede de petição inicial a sentença proferida no âmbito do Proc.72/17.9T8MTR, datada de 3 de outubro de 2020, que foi proposta pelas aqui autoras e respetivos maridos contra o aqui também réu CC e mulher QQ.
Nessa ação os autores pediam o reconhecimento da qualidade de comproprietários dos prédios que descrevem na petição inicial e que os réus fossem condenados na sua restituição.
Tais imoveis, segundo afirmaram, vieram à titularidade dos autores através de contrato de dação em pagamento através de escritura pública outorgada em 28/08/2013 e, por meio da qual, os seus progenitores FF e KK, em pagamento “pelo valor das despesas que aos mesmos é prestada na sua velhice, desde há 18 meses a esta parte e até ao fim dos seus dias”, os dois imóveis de que eram titulares: uma casa de habitação e um prédio rústico.
Só por esta alegação se constata que, quando as autoras efetuaram as mencionadas obras de reposição do abastecimento de água ao prédio em que alegam ter despedido o valor de 6.900,00 €, no ano de 2016, o prédio em causa encontrava-se registado em nome daquelas, pelo que, sempre teriam a intenção de estar a beneficiar património próprio.
Aliás, a mãe das autoras nessa data estava aos cuidados de uma neta a viver em casa desta e o progenitor já tinha falecido.
(…)
A testemunha NN, marido da autora AA.
Referiu que os sogros estavam bem.
Maia referiu que, não obstante ter feito obras na casa e na sepultura, os sogros nada lhe devem.
Note-se que, em relação às obras na casa, as mesmas foram feitas numa altura em que o pai já tinha falecido e a mãe se encontrava ao cuidado de uma neta. Além do mais, nesse período de tempo os imóveis encontravam-se registados em seu nome.
Não colhe, assim, o argumento de que as obras se destinaram a fazer com que os sogros tivessem melhores condições de habitabilidade».
Atendendo então à ponderação crítica de todos os meios de prova analisados quando em confronto com os documentos juntos aos autos, julgamos que não decorre da referida análise um juízo de suficiente probabilidade quanto ao concreto circunstancialismos enunciado nas impugnadas als. f) e g) dos factos não provados.
Como tal, improcede a impugnação atinente aos factos constantes das alíneas f) e g) da matéria não provada, mantendo-se o ponto 8 da matéria de facto dada como provada.
Tal como resulta do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Efetivamente, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este Tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[1].

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Quanto ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes[2]: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente».
Revertendo ao caso em apreciação, observa-se que as apelantes indicam expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados, mais especificando suficientemente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os factos impugnados.
Porém, em relação à pretendida alteração do ponto 10.º dos factos provados, não se vislumbra que tenham os apelantes cumprido o ónus de alegação constante da alínea b) do n.º 1, do citado artigo 640.º CPC.
 Assim, em relação ao impugnado ponto 10.º dos factos provados, as apelantes não identificam devidamente o(s) concreto(s) meios de prova constantes do processo que implica/m decisão diversa sobre a matéria indicada.
Note-se que a delimitação do âmbito probatório do recurso impõe, sob pena de rejeição, a indicação das concretas razões da impugnação, reportadas a determinadas circunstâncias específicas da matéria de facto impugnada ou a cada concreto facto impugnado e com referência a concretos meio probatórios, não se bastando com a alusão genérica a extratos bancários juntos aos autos[3].
Acresce que o enunciado que as recorrentes pretendem agora em sede de recurso introduzir no ponto 10.º da matéria provada não foi sequer oportunamente alegado no processo.
Com efeito, analisados detalhadamente os articulados apresentados pelas partes na ação em apreciação, facilmente se constata que o impugnado ponto 10.º da matéria de facto provada foi alegado pelas próprias recorrentes com a redação que o Tribunal a quo fez constar da fundamentação da decisão recorrida, a qual não corresponde em substância às concretas modificações que as apelantes pretendem agora introduzir no ponto da matéria de facto em referência - cf. o alegado na petição inicial, em especial no respetivo ponto 27.º -, sendo certo que em momento algum anterior à interposição do presente recurso as ora recorrentes manifestaram o propósito de delas se aproveitarem.
É certo que as ora recorrentes vêm agora invocar de forma inovadora que o montante das poupanças que ficou provado na sentença proferida na anterior ação que correu termos entre as partes resultou de um pretenso erro material, que defendem ser suscetível de retificação no âmbito dos presentes autos.
Porém, independentemente da questão de saber se a autoridade do caso julgado formado pelas questões decididas no processo no processo 72/17.9T8MTR [em que foram intervenientes os ora autores e réus] se estende aos próprios factos considerados provados na decisão em causa, entendemos que a situação invocada não permite consubstanciar qualquer discrepância decorrente de erro de escrita, manifesta ou ostensivamente revelado no contexto ou nas circunstâncias da declaração, antes representando a discordância das recorrentes quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final.
Pelo exposto, é manifesto que não pode proceder a alteração à matéria de facto agora proposta pelas recorrentes quanto ao ponto 10.º, pelo que se decide rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
A impugnação da decisão da matéria de facto, atento o seu caracter instrumental, não constitui um fim em si mesma, mas antes um meio ou mecanismo para atingir um determinado objetivo, mostrando-se por isso absolutamente pacífica a orientação jurisprudencial dos nossos Tribunais superiores no sentido de que a Relação não deverá reapreciar a matéria de facto se a sua reapreciação se afigurar inútil ou inócua do ponto de vista da decisão a proferir, sob pena de levar a cabo uma atividade processual inconsequente e inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei, atento o disposto no artigo 130.º do CPC[4].
Assim, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto só se justifica quando recaia sobre matéria com relevância para a decisão da causa[5].
Tal como elucida o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-02-2015[6], no contexto da jurisprudência antes enunciada, «[a] garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto visa corrigir erros de julgamento que facultem ao impugnante a modificação daquela de modo a obter, por essa via, um efeito juridicamente útil, pelo que se o facto a que se dirige a impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade processuais (art. 2.º, n.º 1 e art. 130.º, ambos do NCPC (2013), a actividade de reapreciação do seu julgamento».
Neste enquadramento, revela-se manifesto que a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não pode dissociar-se da análise do objeto do recurso, cujo ónus de delimitação impende sobre o recorrente.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 639.º, n. º1 do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
A propósito, esclarece Abrantes Geraldes[7]: «[e]m resultado do que consta do art. 639.º, n.º 1, as conclusões delimitam  a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções, na contestação. Salvo quando se trate de matéria de conhecimento oficioso que, no âmbito do recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem».
Mais referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[8], em anotação ao referido preceito: «[a] lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, com proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com a decisão recorrida e com o resultado pretendido (…).
As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso (…). Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo».
Resulta do exposto que é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto às pretensões do recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que coloca.
Na situação em análise, como já vimos, as apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida.
Porém, ainda que as autoras tenham intentado a presente ação fundando a sua pretensão principal num alegado direito a alimentos de que seriam detentores os falecidos pais e alegadamente devedores elas próprias e os irmãos, ora réus, sujeito a compensação entre estes por via das alegadas contribuições prestadas pelas autoras ainda em vida dos progenitores, com o invocado direito destas a haver de cada um dos irmãos o montante que lhes cabia na obrigação alimentícia dos progenitores, verifica-se que o Tribunal recorrido veio a considerar que inexistia fundamento para o reconhecimento da responsabilidade dos réus por tal obrigação alimentícia, não reconhecendo esse direito a alimentos, nem qualquer direito de crédito das autoras sobre os progenitores suscetível de ser reclamado em relação à correspondente herança.
Sucede que, nas conclusões da alegação, as recorrentes circunscrevem a reapreciação da questão de direito à aferição dos pressupostos para que possa operar o instituto do enriquecimento sem causa, subjacente ao pedido subsidiário formulado na ação em referência.

Acresce que ao longo das alegações de recurso e das correspondentes conclusões, as apelantes não retiram qualquer consequência jurídica da alteração da decisão da matéria de facto que preconizam, não explicitando que alcance poderia ter o conhecimento dessa matéria relativamente ao resultado do recurso ou de que forma daí resultaria uma diversa aplicação do direito ao caso concreto, nem peticionam qualquer modificação da decisão recorrida, no que toca à decidida improcedência da pretensão formulada a título principal.
Deste modo, conformando-se as recorrentes com a decisão proferida relativamente ao pedido principal (o que implica a aceitação do entendimento nela plasmado em relação à correspondente causa de pedir), não se vislumbra que a pretendida alteração da matéria que consta dos pontos 10., 11., 13., e 14., dos factos provados, na hipótese de proceder, permita obter um efeito juridicamente útil ou relevante no quadro das concretas questões suscitadas pelas recorrentes na presente apelação, as quais estão presentemente circunscritas pelas próprias apelantes à reapreciação da questão de direito atinente à aferição dos pressupostos para que possa operar o instituto do enriquecimento sem causa, subjacente ao pedido subsidiário formulado na ação em referência.
Ora, a aferição das necessidades dos progenitores em face das respetivas possibilidades económicas apenas poderia relevar no âmbito da conformação do respetivo direito legal de alimentos relativamente aos filhos, direito este que apenas pode ser exercido pelos próprios titulares dos alimentos, e em vida destes[9], revelando-se, por isso, o circunstancialismo em causa, absolutamente inócuo no contexto da aferição dos pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa.
Nestes termos, a alteração pretendida pelas recorrentes quanto a esta matéria revela-se manifestamente inconsequente e irrelevante à luz do objeto da presente apelação e ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Não obstante, observa-se que na impugnação relativa aos pontos 11., 13., e 14., dos factos provados, as recorrentes suscitam a inadmissibilidade de tal matéria no âmbito da fundamentação de facto constante da decisão recorrida, alegando que o que resulta escrito naqueles são juízos conclusivos e não verdadeiros factos, nenhuma referência sendo feita ao concreto valor das despesas e necessidades dos progenitores de AA. e RR., nem ao valor que aqueles retiravam do cultivo da terra e da criação de animais.
Tal como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017[10], «muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito[11].
Como tal, a jurisprudência tem entendido que são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio. Por outro lado, a natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. “No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito”[12].
Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva - contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum[13]- configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
No caso, constata-se efetivamente que a matéria descrita em 11., 13., e 14., dos factos provados, não estão em causa simples ocorrências objetivas ou eventos materiais e concretos, mas antes juízos conclusivos, genéricos e indeterminados, eventualmente sustentados em elementos de facto que não constam da respetiva redação, inserindo-se por isso no âmbito da aplicação do direito aos factos e não em sede de decisão em matéria de facto, atendendo ao objeto da presente ação.
Com efeito, os segmentos em causa reproduzem meras alegações genéricas ou raciocínios conclusivos relativos a premissas que se desconhecem, pressupondo necessariamente a referência a determinadas circunstâncias de facto e a contextos causais específicos que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, consistindo, por isso, em matéria de direito/conclusiva.
Tal constatação implica que os referidos pontos 11., 13., e 14., sejam eliminados do elenco dos factos provados, devendo ser declarados como não escritos, o que se determina.
De forma idêntica, a expressão «[f]ace ao aludido quadro, os filhos viram-se obrigados a providenciar pela assistência aos pais» - que as recorrentes pretendem aditar aos factos provados [al. c) dos factos não provados], além de manifestamente inócua para o objeto da presente apelação, traduz matéria de índole conclusiva, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, encerrando parte essencial da controvérsia que constituía o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito das questões de direito subjacentes à ação.
Pelo exposto, decide-se rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto suscitada pelas recorrentes relativamente à al. c) dos factos não provados, pois que se trata de matéria que não pode integrar os factos provados.
As recorrentes discordam da decisão vertida nas als. a) e b) dos factos não provados e, bem assim, na al. d) dos factos não provados, defendendo que, em face da prova produzida - designadamente, a sentença proferida no processo de interdição, cuja cópia se encontra junta aos autos e na própria sentença proferida no processo n.º 72/17.9T8MTR, em conjunto com determinados segmentos do depoimento da ré EE e das testemunhas OO e PP, os mesmos deveriam ter sido dado como provados, nos seguintes termos:
- a) e b):  «Face à idade e debilidade física e mental da progenitora de AA. e RR. que se verificava desde pelo menos o ano de 2010, esta deixou de ter autonomia, capacidade física e mental para executar por si os atos normais do dia a dia como seja vestir-se, tomar banho, cozinhar, limpar, lavar, etc e o seu marido, progenitor dos AA. e RR. também não tinha condições físicas para lhe prestar essa assistência e tratar da habitação, passando em consequência a necessitar de assistência para os cuidados pessoais da progenitora e para tratar das lides domésticas»
- d): «Passado cerca de um ano, após o início da prestação de cuidados pela R. EE, as AA. E os aludidos RR. FF, JJ e II, contrataram uma pessoa em substituição da R. EE para prestar os serviços domésticos e cuidar da higiene e saúde dos progenitores».
Feita a reapreciação crítica e concatenação de toda a prova produzida, partindo da ponderação dos concretos meios de prova indicados pelas recorrentes, julgamos que os meios de probatórios produzidos em audiência permitem sustentar um juízo de suficiente probabilidade para dar como provados as circunstâncias em causa, com destaque para as declarações da própria ré, EE, pois os relatos/esclarecimentos que apresentou perante o Tribunal sobre esta matéria foram claros, consistentes e plausíveis.
Procede, assim, a impugnação da matéria de facto enunciada em iv) e vi) supra, com referência às als. a), b) e d) dos factos não provados.
Por último, atentos os documentos analisados e não obstante a reapreciação dos restantes elementos probatórios indicados pelas apelantes sobre tal matéria, julgamos que da respetiva análise não decorre um juízo de suficiente confirmação dos enunciados genéricos vertidos na al. e) dos factos não provados, sendo certo que a rigorosa delimitação do âmbito probatório do recurso não se basta com a mera enunciação dos meios probatórios que sustentem diversa decisão, impondo ainda a indicação das concretas razões da impugnação, com referência a concretos meios probatórios, designadamente documentais, e reportadas a determinadas circunstâncias ou causas específicas dos pagamentos alegados.
Por conseguinte, nenhum reparo temos a fazer à decisão proferida sobre a matéria de facto que consta da al. e) dos factos não provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo sobre tal matéria.
Em conformidade com a ponderação antes efetuada, resta julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, em consequência do que se decide:
i) eliminar os pontos 11., 13., e 14., do elenco dos factos provados, declarando-os como não escritos;
ii) determinar o aditamento aos factos provados de dois pontos, contendo a matéria constante das als. a) e b) dos factos não provados e, bem assim, na al. d) dos factos não provados, nos seguintes termos:
- «Face à idade e debilidade física e mental da progenitora de AA. e RR. que se verificava desde pelo menos o ano de 2010, esta deixou de ter autonomia, capacidade física e mental para executar por si os atos normais do dia a dia como seja vestir-se, tomar banho, cozinhar, limpar, lavar, etc e o seu marido, progenitor dos AA. e RR. também não tinha condições físicas para lhe prestar essa assistência e tratar da habitação, passando em consequência a necessitar de assistência para os cuidados pessoais da progenitora e para tratar das lides domésticas»
- «Passado cerca de um ano, após o início da prestação de cuidados pela R. EE, as AA. E os aludidos RR. FF, JJ e II, contrataram uma pessoa em substituição da R. EE para prestar os serviços domésticos e cuidar da higiene e saúde dos progenitores»;
iii) manter, em tudo o mais, o elenco dos factos provados e não provados constante da sentença recorrida.

2.2. Reapreciação do mérito da decisão de direito
Cumpre, então, verificar se a solução de direito dada ao caso sub judice é a adequada tendo por base a matéria de facto agora definitivamente dada por assente.
Ainda que as autoras tenham intentado a presente ação fundando a sua pretensão principal num alegado direito a alimentos de que seriam detentores os falecidos pais e alegadamente devedores elas próprias e os irmãos, ora réus, sujeito a compensação entre estes por via das alegadas contribuições prestadas pelas ora autoras ainda em vida dos progenitores, com o invocado direito destas a haver de cada um dos irmãos o montante que lhes cabia na obrigação alimentícia dos progenitores, verifica-se que o Tribunal recorrido veio a considerar que inexistia fundamento para o reconhecimento da responsabilidade dos réus por tal obrigação alimentícia, não reconhecendo esse direito a alimentos, nem qualquer direito de crédito das autoras sobre os progenitores suscetível de ser reclamado em relação à correspondente herança.
Sucede que, nas conclusões da alegação, as recorrentes circunscrevem a reapreciação da questão de direito à aferição dos pressupostos para que possa operar o instituto do enriquecimento sem causa, subjacente ao pedido subsidiário formulado na ação em referência.
Deste modo, conformando-se as recorrentes com a decisão proferida relativamente ao pedido principal (o que implica a aceitação do entendimento nela plasmado em relação à correspondente causa de pedir), a questão a decidir na presente apelação está presentemente circunscrita pelas próprias apelantes à reapreciação da questão de direito atinente à aferição dos pressupostos para que possa operar o instituto do enriquecimento sem causa.
Apreciando a questão em análise, o Tribunal recorrido concluiu que no caso o comportamento das autoras fundou-se no cumprimento de uma obrigação natural em relação ao auxilio prestado aos progenitores, não se verificando os requisitos para que possa operar o instituto do enriquecimento sem causa.
Nos termos do disposto no artigo 473.º, n.º 1 do CC, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (n.º 1), prevendo o n.º 2 do mesmo preceito que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
Por seu turno, o artigo 474.º do CC, com a epígrafe «Natureza subsidiária da obrigação», dispõe que não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.

Neste domínio, anotam Pires de Lima/Antunes Varela[14]: «[a] obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.
(…)
Com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento (…).
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa - ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
(…)
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outra».
Por outro lado, de harmonia com o regime estabelecido no art. 342º, n.º 1 do CC, é sobre o autor (alegadamente empobrecido) que impende não só o ónus de alegação como de prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, ou seja, de todos aqueles pressupostos legais que integram o referido instituto. Acresce que, segundo as regras do ónus da prova, a mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efetivamente a causa falta.
In dubio, deve considerar-se que a deslocação patrimonial verificada teve justa causa[15].
Ponderando o que decorre dos factos definitivamente provados, e não obstante as alterações agora introduzidas em sede de alteração da decisão da matéria de facto, revela-se inequívoco que o Tribunal a quo fez uma correta ponderação da questão em análise na presente apelação.
Neste domínio, cita-se, pela sua relevância, a fundamentação vertida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2022[16], que sufragamos inteiramente, relatando situação fáctica com contornos similares aos dos presentes autos:
«(…) no caso concreto, é inviável reconhecer a pretensão da Autora nos termos em que o direito foi invocado na petição inicial.
Na verdade, os RR. (e a Autora) não se encontravam obrigados juridicamente a pagar qualquer quantia a título de alimentos à sua mãe (porque esta não lhes pediu).
Nessa medida, no caso concreto, apenas se pode reconhecer que a Autora terá efectuado as despesas alegadas em cumprimento do dever paterno-filial de auxilio e de assistência, que lhe incumbia, dever esse estabelecido no art. 1874º do CC.

Neste preceito legal, o legislador estabeleceu os seguintes deveres jurídicos:
“1- Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência”.
“2- O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir, durante a vida em comum de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”.
(…)
Como já dissemos, o legislador, no citado art. 1874.º, nº 1 do CC, consagra este dever de auxilio dos filhos para com os pais (e vice-versa).
No entanto, contrariamente ao que sucede na obrigação de alimentos (art. 2009º do CC), a lei apenas impõe este dever de auxilio aos descendentes no primeiro grau - ainda que em termos sociais, o mesmo seja assumido por pessoas ligadas por outros vínculos familiares. 
“O dever de auxilio remete de forma especial para os momentos de dificuldade de um dos membros da relação de filiação, qualquer que seja a respectiva causa”.
O conteúdo deste dever de auxilio tradicionalmente correspondia com o da coabitação com os prestadores de cuidados, mas a verdade é que não existe qualquer imposição legal no sentido dessa coabitação.   
A verdade é que este dever de auxilio se deve estruturar em função das necessidades de quem reclama cuidados e as possibilidades de quem os presta.
A questão que se poderia colocar era a de saber se, no caso de tal coabitação se tornar necessária, por exemplo, face à gravidade da dependência física do progenitor, se tal exigência decorrente do dever de auxilio se pode impor ao filho devedor desse auxilio?
Tem-se entendido que a resposta deverá ser negativa.
Daí que (nestas situações) “na ausência de um comportamento voluntário neste sentido, não faça sentido que a solução seja imposta pelo Direito, dando fundamento a uma demanda judicial. Todavia, ainda assim, o dever de auxilio mantém-se, embora em termos diferentes”.
Na prestação dessa ajuda por parte dos descendentes do primeiro grau, põe-se ainda outra questão, resultante da situação que se verifica nos presentes autos, que é a de saber o que sucede quando existem vários filhos e, portanto, o concurso de vários obrigados a este dever de auxilio
Ora, como defende a Prof. Paula Távora Vítor, no estudo que vimos citando, a págs. 54, “neste caso, não será de aplicar (nem analogicamente) a regra relativamente à pluralidade de vários obrigados à prestação de alimentos. A natureza pessoal desta prestação impede que se reparta “na proporção das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando” (cf. art. 2010º do CC), já que esta solução pressupõe uma prestação pecuniária”.
Aqui chegados, podemos concluir que se é certo que os RR. (outros filhos) também estavam obrigados a cumprir este dever de auxilio, a verdade é que o facto de a Autora ter assumido voluntariamente esse dever de auxilio da progenitora (ainda que com a alegada oposição de alguns dos outros filhos - v. contestações apresentadas), não permite, como se acaba de referir, que, por essa via, obtenha uma compensação pecuniária por aplicação do invocado art. 2010.º do CC.
Por outro lado, relativamente ao cumprimento da obrigação de alimentos, como já referimos, a verdade é que a sua falecida mãe (ou quem a representasse) nunca intentou uma acção, visando o reconhecimento do direito a alimentos contra os seus filhos, pelo que não pode a Autora, por essa via, também reclamar o cumprimento do citado dispositivo legal.
Ou seja, além da inviabilidade atrás afirmada relativa à pretensão fundada nas regras legais atinentes à obrigação de alimentos, também a pretensão da Autor não encontra acolhimento legal, na invocação do dever de auxilio em geral nos termos expostos.
(…)
Não há que confundir a obrigação de alimentos - aqui não juridicamente imposta - com o dever geral de auxilio que incumbe aos filhos.
Pela via da obrigação de alimentos, como decorre do exposto, a pretensão da Autora é inviável.
Já, quanto àquela segunda via, como decorre do exposto, a verdade é que a Autora também não pode impor que os seus irmãos contribuam economicamente por aplicação do art. 2010º do CC. Como dissemos, a natureza pessoal desta prestação impede que se possa aplicar directa ou analogicamente, esta regra legal de repartição das despesas.
Aqui chegados, podemos concluir que se é certo que os RR. (outros filhos) também estavam obrigados a cumprir este dever de auxilio, a verdade é que, tendo a Autora assumido voluntariamente esse dever relativamente à progenitora, tal situação não permite, como já se referiu, que, por essa via, obtenha uma compensação pecuniária por aplicação do invocado art. 2010.º do CC.
De resto, independentemente destas considerações, também poderemos chegar a essa mesma solução através do raciocínio apresentado no acórdão da RG citado - em circunstâncias fácticas semelhantes às alegadas pela recorrente.
Na verdade, como decorre do exposto nesse Acórdão, tendo em conta o que se mostra alegado na petição inicial, a recorrente ao assumir o encargo exclusivo de prestar auxílio à mãe - de que a mesma alegadamente se encontrava necessitada -, terá efectuado esse cumprimento no âmbito de uma obrigação natural (art. 402º do CC).
Nos termos deste preceito legal, a obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral e social cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
Ora, decorre dos respectivos princípios (da obrigação natural) que, neste âmbito, não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente - isto é, livre de toda a coacção (art. 403º, nº 2 CC) - no cumprimento de uma obrigação natural (art. 403º, nº 1 CC).  
Assim, a prestação de auxilio por parte da Autora/recorrente à sua mãe, podia também configurar-se, no caso concreto, como o cumprimento espontâneo do seu dever paterno-filial, pelo que a Autora não teria o direito à restituição do valor das despesas alegadas e dos valores que deixou de auferir, ainda que invocando o instituto do enriquecimento sem causa.
Com efeito, neste enquadramento jurídico, importa ter em atenção que, além da ausência de alegação dos factos (e do que se acaba de dizer), a dificuldade da verificação dos requisitos do enriquecimento sem causa nestas situações também surge quanto ao último dos requisitos enunciados (a verificação da “falta de causa justificativa do enriquecimento”).
Na verdade, estes casos de enriquecimento sem causa, nas palavras dos Profs. Antunes Varela/ P. Lima [   ], traduzem-se “… na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, o legitimem … “ (ou seja, que legitimem o enriquecimento).
O enriquecimento é, assim, injusto, não apresentando causa justificativa, quando, segundo a própria lei, deve pertencer a outrem, o que não acontece, tendo, então, causa justificativa, se o enriquecimento criado está de harmonia com a correcta ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema [   ].
Com efeito, o que suscita a reacção da lei é a circunstância de determinado valor se achar no património do enriquecido, quando o seu lugar não é aí, mas antes no património do empobrecido, em função da ordem de atribuição ou destinação dos bens [   ].
Ora, tendo a Recorrente decidido, no cumprimento do seu dever paterno-filial, prestar auxilio à sua mãe – de que alegadamente a mesma estaria necessitada -, tais “serviços” foram efectuados no cumprimento desse dever paterno-filial que assim constitui a causa justificativa do enriquecimento da mãe/empobrecimento da recorrente.
Assim, se a natureza da obrigação cumprida pela recorrente assume tais características, tem que se concluir que o alegado empobrecimento da apelante e o consequente enriquecimento da mãe (ou da herança desta), tem causa justificativa, ou seja, o cumprimento do aludido dever.
De resto, como explica o Prof. Antunes Varela [   ], nestes casos (obrigação natural), “além de não poder ser repetida, a prestação do naturaliter obligatus não dá lugar à obrigação de restituir nos termos do enriquecimento sem causa”».
No enquadramento enunciado, concluímos que no caso as autoras não lograram demonstrar, como lhes competia, os pressupostos do invocado enriquecimento sem causa, designadamente a existência de um enriquecimento do património dos recorridos, ou da herança, em face do correspondente empobrecimento no respetivo património, ao mesmo tempo que também não provaram a falta de causa da deslocação patrimonial alegada e também não comprovada,
Daí que a decisão recorrida não mereça censura nesta parte, improcedendo as correspondentes conclusões das apelantes.
Síntese conclusiva:

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.
Guimarães, 13 de novembro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Raquel Baptista Tavares (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)


[1] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 - 5.ª edição -, p. 165-166.
[3] A propósito, cf. por todos, o Ac. TRG, de 10-07-2018 (relatora: Eugénia Cunha), p. 5245/16.9T8GMR-C. G1 disponível em www.dgsi.pt
[4] Neste sentido, cf., por todos, os acórdãos do STJ de 09-02-2021 (relatora: Maria João Vaz Tomé), p. 26069/18.3T8PRT.P1. S1; 14-03-2019 (relatora: Maria do Rosário Morgado), p. 8765/16.16.1T8LSB.L1. S2; 13-07-2017 (relator: Fonseca Ramos), p. 442/15.7T8PVZ.P1. S1; 17-05-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira), p. 4111/13.4TBBRG.G1. S1; disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cf., o ac. do STJ de 24-05-2022 (relator: Tibério Nunes da Silva), p. 1610/20.5T8STR.E1. S1 disponível em www.dgsi.pt.
[6] Relator Gregório Silva Jesus, p. 422/2001.L1. S1 - 1.ª Secção - com o sumário disponível em www.stj.pt.
[7] Obra citada, p. 115.
[8] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pgs. 767-768.
[9] Neste sentido, cf., por todos, os acs. do STJ de 23-06-2022 (relatora: Maria da Graça Trigo), p. 6149/20.6T8VNG.P1. S1; do TRP de 24-01-2022 (relator: Pedro Damião e Cunha), p. 2925/19.0T8STS-A. P1; do TRG de 10-01-2019 (relatora: Conceição Sampaio), p. 129/16.3T8VNC.G1; disponíveis em www.dgsi.pt.
[10] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1. S1 - 7.ª Secção; disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
[12] Cf. o Ac. do STJ de 01-10-2019 (relator: Fernando Samões), p. 109/17.1T8ACB.C1. S1; disponível em www.dgsi.pt.
[13]   Cf. os Acs. do STJ de 11-07-2012 (relator: Fernandes da Silva), p. 3360/04.0TTLSB.L1. S1; de 22-05-2012 (relator: Paulo Sá), p. 5504/09.7TVLSB.L1. S1; de 19-04-2012 (relator: Pinto Hespanhol), p. 30/80.4TTLSB.L1. S1; de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção; todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pgs. 454-455.
[15] Cf. o ac. do TRG de 27-02-2020 (relator: Alcides Rodrigues), p. 4710/18.8T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Relator: Pedro Damião e Cunha, p. 2925/19.0T8STS-A. P1; disponível em www.dgsi.pt.