Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5080/24.0T8BRG.G1
Relator: SUSANA RAQUEL SOUSA PEREIRA
Descritores: ASSUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
IRREVOGABILIDADE DA PROPOSTA
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
PERDA DO DIREITO À VIDA
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A declaração da seguradora de assunção da responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas ao(s) lesado(s) do sinistro, sem qualquer reserva, é irrevogável depois de ser recebida pelas destinatárias.
II. O teor do despacho de arquivamento do processo de inquérito (no qual se escreve que «é referido no relatório final do OPC que considerando o local de embate do veículo com o peão, o sentido de marcha do veículo e a configuração da via no local, o condutor do veículo tinha uma visibilidade para o local de embate com o peão de cerca de 30 metros antes. Não obstante, esta distância foi apurada no local, de dia e não nas mesmas circunstâncias em que se deu o atropelamento, ou seja, de noite e com o peão a trajar roupa escura»), conhecido pela ré após a emissão daquela declaração de assunção de responsabilidade pelo sinistro fundada no teor do Relatório Final do OPC (no qual se concluiu que «a causa principal do acidente se deveu a uma deficiência de perceção por parte do condutor AA, ou seja, uma determinada condição, perigo ou circunstância anormal, deveria ser percebida, fundamentalmente pela vista, num determinado momento e que foi percebida com atraso ou nem sequer foi percebida»), não constitui uma alteração anormal das circunstâncias em que a ré fundou a decisão de assumir a responsabilidade pelo sinistro.
Como tal, não podia a ré alterar a sua proposta de assunção da responsabilidade, estando a mesma vinculada pela proposta irrevogável de assumir a total responsabilidade pelo sinistro.
III. Perante o quadro factual apurado – vítima que contava 53 anos de idade, media 1,79 e pesava 128,3 kg e estava reformada por invalidez –, e atentando na jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores, reputa-se adequado o valor da compensação fixado pelo Tribunal a quo, pela perda do direito à vida, de € 60.000,00.
IV. Ainda perante o quadro factual apurado, do qual emerge, em consequência da morte da vítima, um sofrimento intenso para o cônjuge sobrevivo, tomando ainda por referência os valores arbitrados pela jurisprudência para casos semelhantes, julga-se adequado fixar equitativamente o montante indemnizatório pelo referido dano não patrimonial em € 25.000,00.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

BB, CC e DD, residentes na Rua ..., ..., ... ..., concelho ..., propuseram ação declarativa sob a forma de processo comum contra EMP01..., S.A. (...), entretanto adquirida por EMP02..., S.A. (...) e integrada na EMP02..., S.A., com sede na Av. ..., ..., ... ..., pedindo que a Ré fosse «condenada a pagar às autoras pelo dano morte e pelos danos morais, desgosto e incómodos sofridos que constituem a consequência adequada do acidente em apreço, bem como condenada a pagar-lhes a quantia global de € 450.000,00 (QUATROCENTOS E CINQUENTA MIL EUROS), sendo a quantia de € 170.000,00 (CENTO E SETENTA MIL EUROS) para a autora BB e a quantia de € 140.000,00 (CENTO E QUARENTA MIL EUROS), para cada uma das autoras CC e DD, quantias estas acrescidas dos juros legais que se vencerem a contar da citação até efectivo e integral pagamento».

Alegaram, para o efeito e em síntese, que em consequência de acidente de viação que teve como único e exclusivo culpado o condutor do veículo automóvel de matrícula ..-EE-.., seguro na ré, e que consistiu no atropelamento mortal do peão EE, do qual as autoras são as únicas e legítimas herdeiras, pretendem as mesmas ser indemnizadas pela morte do cônjuge e pai a título de dano morte, desgosto e incómodos sofridos.
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A ré contestou, por impugnação, concluindo que o único e exclusivo culpado pela ocorrência do sinistro ocorrido a 1 de abril de 2022 foi o sinistrado EE, pela conduta imprudente e perigosa ao atravessar a via de trânsito em condições que claramente não o deveria ter feito, além do seu estado físico e embriaguez que agravaram ainda mais o perigo, para si e para os demais utentes da via, e, por consequência, pela total improcedência do pedido formulado pelas autoras.
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As autoras responderam invocando a figura do abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, pelo facto de a ré, não obstante ter assumido a responsabilidade total do sinistro, vir agora alegar que não estaria na posse de todos os elementos necessários para tal, pedindo a condenação da ré como litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização às autoras de montante nunca inferior a € 5.000,00 para cada uma, por estar a utilizar um meio processual que não lhe é permitido, já que assume a responsabilidade, enceta negociações com uma das autoras e aceita os montantes peticionados e vem posteriormente dar o dito pelo não dito.
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A ré respondeu à exceção invocada e ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho no qual se relegou para a sentença a apreciação da invocada exceção do abuso de direito, se identificou o objeto do litígio e se elencaram os temas da prova.
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Realizou-se audiência final, e veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade:
- condeno a R. a pagar à AA a quantia total de 60.000,00€, (30.000,00€ como compensação pela perda do direito à vida do falecido, a dividir pelas três equitativamente, e 10.000,00€ para cada uma das AA a título de danos não patrimoniais próprios) acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4% desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento.
- Absolvo a R. do mais peticionado pelas AA.».
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Não se conformando com o assim decidido, as autoras interpuseram o presente recurso.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES (que aqui se reproduzem ipsis verbis, com exceção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redação):

«1. Da matéria dada como provada consta que: A ré por carta de 9.1.2023 assumiu prante as AA a responsabilidade do sinistro em apreço nos autos – ver fls. 9 assumiu a responsabilidade pelos danos causados pelo veículo ..-EE-.. (facto 35).
2. A confissão extrajudicial da Ré às Autoras tem força probatória plena, nos termos do artigo 358º, n.º 2 do CC, pelo que, deve a culpa do acidente ser exclusivamente imputada ao condutor do veículo seguro pela Ré.
3. da prova produzida e à matéria de facto dada como provada, deve ser exclusivamente imputada ao condutor do veículo seguro pela Ré a responsabilidade pela eclosão do acidente discutido nos presentes autos.
4. pois o peão seguia devagar, desde logo, porque tinha problemas de locomoção (na autópsia constatamos que pesava mais de 120 kg e sabemos que tinha sido operado à coluna e aguardava a colocação de uma prótese na anca)
5. e o condutor do EE se conduzisse atento e concentrado, certamente avistaria o peão a tempo de evitar o embate, travando ou desviando-se, pois o peão vem já de percorrer 5.10 metros da esquerda para a direita, atento o sentido do EE, e por mais escuro que estivesse, ali existiam 2 postes próximos, entendendo que um condutor atento e diligente teria percebido a presença do peão a tempo de evitar colhê-lo;
6. e tratando-se a zona do atropelamento de um entroncamento, ali existindo um café e habitações, devia o condutor ter redobrados cuidados, prestando atenção acrescida
7. e a condutora, que seguia no veículo imediatamente atrás do veículo seguro pela Ré, avistou o peão - apesar de ter um veículo na sua frente – pelo que era possível ao condutor do veículo seguro pela Ré avistar o peão a mais de 3 ou 4 metros, antes de ter embatido.
8. Ao peão, atento o seu estado de saúde e o seu peso, não lhe era possível evitar o acidente.
9.[1]Mas ainda que não seja possível demonstrar a responsabilidade do veículo seguro na Ré – o que não se aceita – sempre a questão deveria ser resolvida no domínio da responsabilidade pelo risco;
10. Pois a circulação de veículos é um acto gerador de perigo real, nomeadamente, para os peões que têm necessidade de utilizar as vias por onde aqueles circulam
11. E tem-se defendido em caso de acidente em que os intervenientes sejam peões venham a ser indemnizados independentemente de culpar que lhes venha a ser imputada;
12. No caso dos autos não existe qualquer facto da matéria dada como provada donde se possa inferir a responsabilidade do peão ou qualquer comportamento que seja merecedor de qualquer reparo;
13. Sem prescindir e caso assim não se entenda, sempre deve ser atribuída maior responsabilidade pela eclosão do sinistro ao condutor do veículo seguro do que ao peão, nomeadamente, 90% ao condutor do veículo seguro e 10% ao peão.
14. A vítima contava apenas com 53 anos à data da eclosão do sinistro, era casado, viva com a sua família (esposa e duas filhas) por quem era muito adorado e querido, e apesar de se encontrar reformado por invalidez, trabalhava como coveiro e numa funerária – e era retratado pela família como o seu pilar.
15. Pelo que, entendem as recorrentes que, a indemnização atribuída pela perda do direito à vida deve ser de, pelo menos, 100 mil euros.
16. A título de danos não patrimoniais, à viúva - A. BB, seria equitativo e justo, atribuir o valor de, pelo menos, 40.000,00 euros.
17. O tribunal “a quo” violou, além do mais, o disposto nos artigos 358º, n.º 2, 483º e 500º do CC
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se douto acórdão em conformidade com as alegações supra formuladas.
Com o que se fará
Como sempre,
JUSTIÇA!».
*
Foram apresentadas contra-alegações, formulando a ré, a final, as seguintes
CONCLUSÕES (que aqui se reproduzem ipsis verbis, com exceção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redação):

«I. O Presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida nos autos a qual considerou que os dois intervenientes do sinistro em discussão nos autos, condutor do veículo ligeiro segurado na R., com a matrícula ..-EE-.. e o malogrado peão EE, contribuíram para a eclosão do citado sinistro ocorrido a ../../2022 na ... n.º 308 ..., ....
II. Entendeu a Meritíssima Juiz a quo que os dois intervenientes infringiram regras decorrentes do Código da Estrada e ambos tiveram condutas que determinaram a eclosão do sinistro considerando desta forma que deveria ser imputada a ambos a responsabilidade pela dita ocorrência, atribuindo igual quota parte da responsabilidade a cada um.
III. Após ter determinado o valor dos danos sofridos pelas Autoras no sinistro em causa, a Meritíssima Juiz a quo condenou a R. seguradora ao pagamento da parte que lhe competia em face da repartição de responsabilidade apurada, ou seja, em 50% dos indicados danos, absolvendo-a do resto do Pedido, conforme vertido na Douta Sentença objeto do presente recurso.
IV. A ora Recorrida entende, com a devida vénia, que se considerarmos que caberia uma responsabilidade repartida a ambos os intervenientes pelo sinistro ocorrido, sempre caberia ao malogrado sinistrado, uma maior quota-parte na responsabilidade pelo dito sinistro do que a que foi fixada pelo Tribunal a quo.
V. A Companhia previamente assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes do sinistro, posição, que veio a ser retratada, declinando então desta forma, a responsabilidade pelos fundamentos indicados nos autos, fundamentos que foram considerados nos autos e em consequência determinou a discussão da dinâmica do sinistro e a decisão que veio a ser proferida.
VI. As Recorrentes entendem que esta posição inicial da Companhia deveria ter sido considerada na Decisão proferida, sendo que tem força probatória plena, nos termos do art.º 358º, n.º 2 do Código Civil.
VII. A Recorrente não concorda, nem pode, com a alegação das Recorrentes, desde logo porque não se trata de uma confissão de um ato que tenha praticado. Não foi a Companhia a causadora do sinistro e como tal não pode confessar o mesmo e, mesmo considerando a assunção inicial da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro, sobrevieram factos novos, após tal assunção, que necessariamente determinaram a alteração da posição da Recorrida.
VIII. Como é sabido as Companhias estão obrigadas ao cumprimento de obrigações legais no âmbito da sua intervenção em questões que decorram de sinistros cobertos por apólices contratadas nas mesmas. Tal é mais evidente ainda no caso dos sinistros automóveis, com cominações por atrasos ou ausências de respostas face à responsabilidade pelo ressarcimento dos danos como ao seu pagamento, quando esta responsabilidade existe.
IX. O que se verifica no sinistro em causa é que inicialmente, e como foi explicado em audiência de julgamento, a Gestora do sinistro ocorrido (que prestou depoimento), que efetuou o respetivo tratamento processual do mesmo junto da Companhia, entendeu que, face aos elementos de prova a que inicialmente havia tido acesso, em especial as conclusões que foram apresentadas pelo Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação (NICAV) da GNR, existiam elementos que permitiriam à Companhia assumir a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro em causa, apesar de a averiguação interna não ter chegado a nenhuma conclusão quanto à responsabilidade dos intervenientes.
X. Em face desta posição inicial a EMP02... chegou a discutir a questão dos danos, com o Ilustre Mandatário, que representava uma das Autoras.
XI. No entanto, já após os factos acima descritos, os quais levaram à comunicação da decisão inicial, a EMP02... teve conhecimento que, no decurso do processo de inquérito, aberto face ao óbito ocorrido do malogrado peão, e que foi atribuído o n.º 380/22.7GBBCL cujos termos correram na Procuradoria da República da Comarca de Braga – Departamento de Investigação e Ação Penal – Secção de Barcelos, foi proferido despacho de arquivamento.
XII. Este despacho de arquivamento, não sofreu qualquer contestação ou pedido de abertura de instrução por parte das Recorrentes, tendo transitado em julgado, conforme se extrai do Doc. n.º 1 junto com a Contestação apresentada nos autos.
XIII. Nesta decisão de arquivamento, é feita a devida fundamentação dos factos que a motivaram, mas agora, com o devido respeito, ao contrário das conclusões do relatório do NICAV, é tida em consideração e com o pormenor exigido, a forma, tempo e local do atravessamento da via pelo malogrado EE.
XIV. E é aqui, na fundamentação da decisão do M.P., que reside a alteração da posição por parte da Companhia, porquanto aponta erros importantes na elaboração do relatório do NICAV, que concluía pela responsabilidade do condutor do ligeiro, e que influenciaram, mal, a decisão inicial da Companhia.
XV. O mencionado despacho constata duas situações essenciais e que não foram consideradas no relatório emitido, a saber:
- As medidas constantes do relatório do NICAV, quanto à distância de visualização que o condutor detinha para o local onde se deu a travessia do peão, no momento do sinistro, foram apuradas por este órgão de investigação, em plena luz do dia, quando acidente se dá de noite, num local onde apesar de existir iluminação pública esta era fraca e
- Não existirem quaisquer provas que por parte do então arguido, condutor do veículo segurado, tenha existido no momento do sinistro, qualquer violação de normas estradais, seja em termos de velocidade ou qualquer outra, além de que, constata não lhe ser exigível que tivesse a possibilidade de adotar quaisquer medidas na sua condução de modo a permitir evitar o embate em face das circunstâncias em que este se dá.
XVI. Desta forma, em face do conhecimento destes novos elementos, que são claramente importantes quanto à descrição e dinâmica do sinistro, a Companhia viu-se perante factos que alteravam por completo a fundamentação que a levou inicialmente a assumir a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do infeliz acidente.
XVII. O que levou a Recorrida a alterar a sua posição, não se deveu a uma mera discordância quanto aos valores ou compensações a atribuir pelos danos das Recorrentes, mas sim factos novos respeitantes ao enquadramento das causas do sinistro, factos estes que determinaram a alteração da sua posição e que chegaram ao seu conhecimento após já ter assumido a responsabilidade.
XVIII. Por este motivo, esta questão da assunção da responsabilidade e os motivos da sua alteração, foi devidamente considerada no Ponto 1. da matéria dada como provada, tendo a Sentença ora posta em crise avaliado então a questão da responsabilidade pela ocorrência do sinistro assim como os montantes devidos quanto à compensação atribuir às Autoras, ora Recorrentes, pelos danos morais sofridos e também quanto ao dano de morte do malogrado peão EE.
XIX. No que concerne à matéria em apreciação nos presentes autos, verificamos que esta está circunscrita à responsabilidade pelo sinistro ocorrido, ao dano de morte do malogrado EE, peticionado pelas Autoras enquanto suas legítimas herdeiras e aos danos morais destas pela perda do seu Marido, quanto à primeira Recorrente e Pai quanto à segunda e terceira Recorrentes.
XX. Conforme acima se referiu, apesar de a Recorrida não ter apresentado recurso da Sentença proferida, entende que existiam elementos de prova suficientes que determinavam que a responsabilidade pelo sinistro caberia unicamente ao Peão. Desta forma, no limite, poder-se-ia aceitar a repartição, em igual proporção, da responsabilidade dos envolvidos no sinistro, ou seja, 50% para o Peão e 50% para o Condutor do veículo seguro na EMP02....
XXI. Dos factos dados por provados que importa avaliar, que não foram postos em causa, e que as Recorridas não referem nas suas Alegações, e que determinam, no entendimento da Companhia, a responsabilidade do Malogrado Peão são indicados na Sentença com os números 3 a 10; 16; 17; 23 a 28 e 30 a 33, cujo teor se dá por reproduzido.
Deste modo,
XXII. Verifica-se que o Peão, trajando roupa escura, de noite, num local com pouca iluminação e a caminhar lentamente, atravessa a faixa de rodagem sem verificar se o podia fazer em segurança, omitindo um dever objetivo de cuidado, atuando com leviandade e incúria, o que certamente terá provocado este infeliz acidente.
XXIII. Conforme decorre da dita matéria dada por provada, a visualização do peão, do local onde inicia a sua travessia para o via de onde provinha a viatura era manifestamente superior à do condutor do ligeiro, até pelo facto evidente que os faróis da mesma assim o permitiam. O contrário é que não sucede, ou seja, atenta a hora do dia e a fraca luminosidade, o condutor do ligeiro apercebe-se da presença do peão já bastante mais tarde.
XXIV. E se considerarmos que na aproximação do ligeiro ao local onde se dá o embate, existe uma curva à direita atento o sentido de marcha do ligeiro, ainda que não acentuada, e que o peão já se encontra mais próximo do extremo direito da hemifaixa, a visualização do mesmo, necessariamente dá-se já quando o ligeiro já está próximo, o que determina desde logo a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, na adoção de manobras de evasão que permitissem evitar o sinistro.
XXV. Ainda assim, apesar do exposto, constata-se o facto de a viatura ainda se ter desviado para a esquerda, de modo a tentar evitar o embate, tendo-se imobilizado poucos metros à frente, o que por si denota, primeiro, a tentativa de evitar o embate, e segundo, a reduzida velocidade a que seguia que permitiu imobilizar o veículo rapidamente.
XXVI. Conforme consta da matéria dada por provada, no relatório de toxicologia da autópsia do malogrado Peão, constatou-se a existência de uma taxa de álcool no sangue de 2,68 g/l, tendo ainda acusado positivo para Zolpidem.
XXVII. Desta forma parece-nos claro que o malogrado Peão, no momento do sinistro, encontrava-se profundamente alcoolizado, além de que estamos perante uma pessoa com excesso de peso, salvo o devido respeito, atendendo a que pesava 128 Kg à data do sinistro, conforme se extrai do relatório da autópsia. A esta condição existia também a dificuldade de locomoção atendendo a que padecia de problemas na anca, sendo que se encontrava, à data, a aguardar cirurgia para colocação de prótese.
(cfr. Ponto 27, 28 29, 30 e 31 dos factos dados por provados).
XXVIII. A soma perigosa destes fatores influenciou não só a mobilidade física do Peão como a sua condição psíquica na determinação da forma em que fazia a travessia da via e a capacidade de avaliação das condições da mesma, para lhe permitirem atuar com a segurança que lhe era exigida.
XXIX. Decorre ainda dos factos dados por provados, a perigosa mistura de álcool com o químico Zolpidem, o qual de acordo com os manuais de farmacologia é um hipnótico que pertence à categoria dos psicofármacos e é tomado para induzir o sono ou para combater a insónia.
XXX. A sua mistura com álcool aumenta o efeito sedativo do medicamento e pode provocar perda de consciência e depressão respiratória.
XXXI. Conforme publicação do Infarmed (revisão de segurança) o zolpidem “… um agente hipnótico semelhante às benzodiazepinas, com propriedades sedativas, e que deve ser utilizado em situações de insónia graves, incapacitantes ou causadoras de extrema ansiedade ao doente. Estes medicamentos devem ser utilizados em tratamentos de curta duração. (…)”
XXXII. Face ao exposto é claro o estado psíquico e físico em que se encontrava o malogrado Peão no momento do acidente, o qual determinava uma fraca perceção do ambiente e condições que o rodeavam, seja a visão a custa e longa distância, perceção de velocidade, consciência das suas limitações, etc., condições que determinaram uma conduta perigosa e temerária ao atravessar a via, no local onde se encontrava e sendo já de noite. (NICAV - vem indicado que para um indivíduo, com uma taxa de 1.5, a 3 g/l de álcool no sangue existe: ”…perturbação na marcha; diplopia embriaguez nítida…”
XXXIII. É do conhecimento comum que os efeitos do álcool nas faculdades mentais e motoras da pessoa são gravíssimos, nomeadamente no que concerne à faculdade de reagir, ver ou aperceber-se do meio que o rodeia.
XXXIV. Não é por acaso que a condução sob o efeito do álcool com uma TAS superior a 1,20 g/l além de contraordenação muito grave é considerada crime conforme prescreve o art. 292º do Código Penal.
XXXV. É por demais evidente que o peão, portador da taxa de alcoolémia tão elevada (2,68 g/l) no momento do sinistro, ainda por cima potenciada por um medicamento com Zolpidem na sua composição que potencia os efeitos do álcool, não tinha a atenção, reflexos e cuidados normais de um cidadão que não ingeriu qualquer bebida alcoólica, além da sua condição física, fatores que não lhe permitiram com certeza adotar qualquer ação para evitar este infeliz desenlace.
XXXVI. Se o Peão inicia uma travessia de uma estrada nacional, de noite, num local com pouca iluminação, fazendo-o, conforme decorre do croqui das autoridades, a partir de uma faixa de rodagem, numa zona precedida de uma curva e fá-lo estando num estado de embriaguez que compromete todos os seus sentidos, tendo a sua mobilidade reduzida, a responsabilidade, face à prova produzida, a ser repartida, nunca poderia ser imputada ao condutor do veículo ligeiro, em percentagem superior à ditada na Sentença.
XXXVII. Existiu uma clara violação do disposto no art.º 101º do Código da Estrada, por parte do malogrado Peão que provocou o sinistro em causa.
XXXVIII. Sendo de noite e circulando a viatura com os seus dispositivos de iluminação ligados, conforme se apurou, é por demais evidente que o Peão devê-la-ia ter visualizado quando se acercou do local onde efetuou a travessia da via, muito antes do respetivo condutor visualizar o Peão, permitindo-lhe a possibilidade de verificar se o podia fazer em segurança, postura que claramente não foi adotada.
XXXIX. Ainda que no momento que antecede o embate a distância de visualização do peão possa já ser inferior, face ao traçado da via, antes de iniciar a travessia não o era, conforme mesmo do relatório do NICAV.
XL. Atente-se à jurisprudência quanto à dinâmica do sinistro em situações similares à ocorrida, nomeadamente o Acórdão TRG - 21-09-2015 in www.dgsi.pt. e TRC Ac. de 14 de Março de 2017-Processo: 401/14 sumário acima se reproduziu.
XLI. Quanto ao condutor do ligeiro, verifica-se pela prova produzida que agiu de forma prudente tentando adotar as medidas de evasão em segurança que lhe foram possíveis uma vez que nas concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar, não lhe era permitido, ou a qualquer homem médio, adotar qualquer conduta adequada a evitar a colisão com a vítima.
XLII. O dito condutor, atendendo ao local, ser de noite, mal iluminado e face ao malogrado Peão trajar roupa escura, já só o consegue visualizar quando está muito próximo, tendo ainda tudo feito para tentar evitar o embate, acionando os travões (deixou marca de travagem) e desviando-se para a sua esquerda, atento o sentido de marcha em que seguia e face à localização do peão na via.
XLIII. Este facto é suportado no relato da testemunha (FF), que seguia no mesmo sentido de marcha, atrás do veículo segurado na R. e que presenciou o sinistro, tendo confirmado a pouca visibilidade existente face à parca iluminação existente no local mais afirmando que o veículo que a precedia só terá visualizado o malogrado Peão já muito perto do local onde se encontrava a atravessar a via de trânsito (depoimentos prestados em audiência de julgamento com registo sonoro de 01-04-2025, com inicio às 10h57mn e o condutor GG com registo sonoro com início às 11h09mn do mesmo dia).
XLIV. Mesmo que considerássemos que o veículo seguia entre 40 a 50 Km/h, ser confrontado com um peão a cerca de 4 metros, conforme vem alegado no Recurso das AA., não permitiria a um condutor evitar o embate, e pouco mais seria possível do que a manobra realizada de desvio à esquerda para evitar o Peão, o que, tendo sido feito pelo condutor não foi suficiente para escapar do que se verificou ser inevitável.
XLV. Acresce que, não é apontada qualquer violação do Código da Estrada ao condutor do ligeiro, seja velocidade excessiva ou não cumprimento de qualquer sinalização existente no local ou que a sua viatura não tivesse as condições necessárias de segurança para circular, seja a nível mecânico ou elétrico, pelo que tentar atribuir a responsabilidade ao condutor do ligeiro seria certamente uma enorme injustiça em face da sua atuação na condução do veículo que tripulava mas também em face das condições em que foi feita a travessia a via, o estado de embriaguez em que se encontrava o Peão assim como a sua condição física.
XLVI. Em face do acima vertido a Recorrida, entende, com a devida vénia, que a Sentença proferida não deverá sofrer alteração quanto à atribuição da responsabilidade pela ocorrência do sinistro em apreço.
Dos danos morais,
Perda do Direito à Vida (Dano de Morte),
XLVII. Sem prejuízo da fixação da responsabilidade pela ocorrência do sinistro, caso venha a ser alterada, o que não se concede, a R. entende que o valor fixado na Sentença recorrida, quanto ao denominado Dano de Morte, é proporcionado, porquanto este encontra-se enquadrado nos valores normalmente praticados pela Jurisprudência em casos idênticos.
XLVIII. Não pretende a R. desrespeitar o Sinistrado, e muito menos minorar ou desvalorizar um direito fundamental que é o direito à vida, mas em face do processo judicial importa analisar os factos, que o Tribunal considere como relevantes, com a objetividade necessária e enquadra-los, não só em face do sinistro ocorrido, nomeadamente, a atuação do Peão e suas consequências na eclosão do sinistro, sua idade, assim outros elementos considerados como relevantes para o efeito.
XLIX. Por esta razão aceita-se como razoável o valor fixado pelo Tribunal a quo de € 60.000,00, porquanto se entende enquadrado, face à Jurisprudência dominante nesta matéria.
L. De facto, atendendo à idade da Vítima e às decisões que têm vindo a ser tomadas quanto ao Dano de Morte, é fácil de entender que o valor ora fixado encontra-se dentro do que normalmente é atribuído pelos nossos Tribunais superiores.
LI. Salvo o devido respeito a indemnização por dano de morte, a atribuir, deve-se situar dentro dos parâmetros já pormenorizadamente trabalhados pela nossa Jurisprudência e Doutrina, considerando os diversos fatores que devem ser tidos em consideração nesta difícil análise que o Tribunal efetuou e que nos parece, salvo o devido respeito, razoável.
LII. Dos danos morais da Autora, enquanto Esposa do Sinistrado
LIII. As Recorrentes CC e DD, declaram aceitar os valores fixados pela Sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo que a Recorrente BB, viúva do falecido EE não concorda com o valor fixado por entender não ser justo, alegando que o valor adequado deveria situar-se nos € 40.000,00 (quarenta mil euros).
LIV. Conforme acima se referiu, não se pretende mensurar a dor da perda do progenitor, no entanto, com o devido respeito, devemos recorrer a critérios de equidade para apurarmos valores indemnizatórios verificando-se que, ao contrário do vertido nas alegações das AA., os valores peticionados estão enquadrados na nossa Jurisprudência.
LV. Com o devido e elevado respeito que nos merece o Meritíssimo Juiz e os Autores, a R. entende que o Recurso apresentado, não encontra fundamentação quer na matéria dada por provada ou na motivação da Sentença proferida.
LVI. As Autoras, na sua pretensão, limitam-se a alegar os factos que ao condutor dizem respeito, não analisando ou sequer colocando em causa a matéria dada como provada, e não provada, nomeadamente quanto à condição física e psíquica em que o peão se encontrava no momento do sinistro, nomeadamente quando iniciou a travessia da faixa de rodagem.

Por tudo o que acima se expôs e pela prova produzida no decurso dos presentes autos a Recorrida entende, com a devida vénia que, o Venerando Tribunal da Relação deverá manter a decisão proferida em Primeira Instância, pois só assim se fará inteira,
JUSTIÇA».
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com efeito devolutivo, a subir imediatamente e nos próprios autos, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil – sendo que o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de apreciar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. 
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelas recorrentes, são as seguintes as questões solvendas:
. Da assunção de responsabilidade pela ré;
. Da repartição da responsabilidade pela eclosão do sinistro;
. Do montante atribuído às recorrentes pela perda do direito à vida registado por EE;
. Do montante atribuído à recorrente BB a título de dano não patrimonial.
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2. FUNDAMENTOS DE FACTO

2.1. Factualidade provada

O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos que aqui se transcrevem nos seus exatos termos, com exceção de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redação:

1. EE faleceu a ../../2022, no estado de casado com a autora BB, tendo deixado duas filhas, as autoras CC e DD, àquela data já maiores, que foram habilitadas com a viúva, como únicas e universais herdeiras do falecido EE, conforme decorre da habilitação de herdeiros de fls. 15 e ss.
2. No dia 01.04.2022, por volta das 20h30, na EN ...08, km 10,650, na freguesia ..., concelho ..., ocorreu um sinistro onde foram intervenientes EE que seguia como peão e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-EE-.., propriedade de HH e conduzido naquela ocasião por GG.
3. No indicado dia, hora e local, o falecido EE estava a atravessar a Estrada Nacional ...08, no quilómetro 10,650, em ..., ....
4. Já era de noite.
5. O peão trajava roupa escura.
6. Não existe passagem assinalada para peões nas proximidades do local do sinistro.
7. O peão fazia a travessia da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha ....
8. Circulando o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-EE-.., no sentido ....
9. A velocidade que não foi possível apurar.
10. Atento o sentido de marcha do veículo, a via naquele local configura uma curva à direita, com o entroncamento da Rua ... à esquerda.
11. Existindo um café do lado direito atento o sentido ... (para onde o peão se dirigia) e habitações nas imediações (ver fotos de fls54v). 12. No local existia iluminação pública do lado esquerda da faixa de rodagem (ver fotos de fls. 54 v e 55), atento o sentido ..., estando a mesma ligada naquele momento.
13. Tendo a largura da faixa de rodagem no local 6,05 metros.
14. A velocidade máxima ali prevista (dentro de localidade) é de 50Km/h.
15. Quando o peão já havia percorrido cerca de 5,10metros na via, estando já na hemifaixa reservada à circulação no sentido ... e a cerca de 0,90 metros da conclusão da travessia da faixa de rodagem, foi colhido pelo EE.
16. Quando o condutor se apercebeu da presença do peão na via, ainda travou e fez um desvio para a esquerda.
17. Não logrando, ainda assim, evitar o embate da parte frontal direita do veículo no peão.
18. Projetando-o para a frente, acabando este por ficar imobilizado na berma direita, atento o sentido ..., a 10,80 metros do local do embate.
19. Em consequência do atropelamento, EE sofreu lesões traumáticas craniomeningoenccefálicas, taracoabdominais e raquimedulares que lhe causaram a morte.
20. Quando a equipa da VMER chegou ao local, EE encontrava-se em paragem cardiorrespiratória, tendo-lhe sido efetuadas manobras de reanimação que se revelaram infrutíferas, tendo o óbito sido declarado pelas 21h10.
21. O veículo ficou imobilizado com as rodas do lado direito na via de trânsito destinado ao sentido ..., e o restante veículo na via de trânsito destinada ao sentido oposto e a 16,35 metros do local do embate.
22. A 4 metros do local do embate existia uma pequena mancha de vestígios hemáticos.
23. Durante o dia e considerando o sentido de travessia do peão, este desde o início da travessia tinha uma visibilidade de cerca de 118 metros para a proveniência do veículo.
24. Esta visibilidade era reduzida para 30 metros no local do embate, atenta a configuração da via.
25. No sentido de marcha do veículo e atenta a configuração da via no local, durante o dia, o condutor tinha uma visibilidade para o lugar do embate com o peão de cerca de 30 metros.
26. Sendo de noite, era mais fácil para o peão avistar o veículo do que o contrário, dado as luzes do veículo estarem ligadas.
27. O peão seguia na ocasião com uma TAS de 2,68g/l +/-0,34g/l.
28. Tendo o exame toxicológico da autópsia dado também positivo para Zoldipem.
29. O condutor apresentou uma TAS de 0,47g/l - 0,06g/l.
30. O peão tinha problemas físicos numa anca encontrando-se em lista de espera para a colocação de uma prótese na anca.
31. Pesava 128,3 kg e media 1,79m.
32. O condutor do veículo não seguia com a atenção e concentração devidas à condução, não se tendo apercebido que o peão estava a atravessar a via, a tempo de imobilizar o veículo e evitar o atropelamento.
33. O peão, fruto do estado de embriaguez em que seguia, não se apercebeu da aproximação do veículo, nem sequer apressando o passo ou tentado desviar-se.
34. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...80, à data aludida em 2., a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matrícula ..-EE-.. mostrava-se transferida para a ré.
35. A ré, por carta de 9.1.2023, assumiu perante as autoras a responsabilidade do sinistro em apreço nos autos – ver fls. 9, ou seja, assumiu a responsabilidade pelos danos causados pelo veículo ..-EE-...
36. Tendo acordado com a autora DD pagar-lhe uma indemnização de € 57.000,00 - ver fls. 10.
37. Tendo após o arquivamento do inquérito n.º 380/2.7G8BCL pelo MP, alterado a sua posição (ver fls. 10v e certidão de fls. 40 e ss).
38. EE - ver fls.8v - nasceu a ../../1969, pelo que à data do acidente tinha 53 anos de idade.
39. Estava reformado por invalidez, mas fazia pequenos trabalhos para conseguir mais dinheiro para casa.
40. Em consequência do acidente e da morte do falecido, a sua esposa e filhas viram-se privadas da sua presença.
41. Nutriam as autoras grande afeto, carinho e amor pelo marido e pai.
42. Ainda hoje, quando se recordam da morte prematura do marido e pai, são as autoras acometidas pela dor da perda do seu ente querido.
43. O que lhes causa enorme abalo, tristeza e desgosto.
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2.2. Factos não provados

- que seguia o condutor a velocidade excessiva;
- a distância a que o peão e o veículo tinham visibilidade um do outro no momento do sinistro (de noite).
Quanto ao mais alegado, não foi considerado por não ter sido feita prova da sua verificação e/ou por se tratar de matéria irrelevante, de direito ou com natureza conclusiva.
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3. FUNDAMENTOS DE DIREITO

3.1. Da assunção de responsabilidade pela ré;

Em cumprimento do disposto no artigo 36.º, n.º 1, al. e), do DL. n.º 291/2007, de 21 de agosto (segundo o qual as seguradoras são obrigadas a comunicar aos lesados a assunção, ou não assunção, da responsabilidade), a ré, por carta remetida a 9.1.2023, “assumiu perante as autoras a responsabilidade do sinistro em apreço nos autos” (ponto 35.º da matéria de facto provada).
Consequentemente, sustentam as recorrentes que a culpa do acidente deve ser exclusivamente imputada ao condutor do veículo seguro, atenta a confissão extrajudicial da ré, com força probatória plena, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil.
A recorrida discorda da alegação das recorrentes, desde logo, por entender que não se trata de uma confissão de um ato que tenha praticado e que mesmo considerando a assunção de responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro, sobrevieram factos novos, após tal assunção de responsabilidade, que necessariamente determinaram a alteração da posição da Companhia.
Defende a recorrida que, no caso dos autos, a Gestora do sinistro (que depôs em audiência de julgamento), e que efetuou o respetivo tratamento processual do mesmo junto da Companhia, entendeu, em face dos elementos de prova a que teve acesso e que haviam sido apresentados, em especial as conclusões que foram apresentadas pelo Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação (NICAV) da GNR, que existiram elementos que permitiram à Companhia assumir a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro, apesar de a averiguação interna não ter chegado a nenhuma conclusão quanto à responsabilidade dos intervenientes.
Neste seguimento, a EMP02... chegou a discutir a questão dos danos com o Ilustre Mandatário que representava uma das autoras.
Acontece que, após os factos acima explanados, que levaram à comunicação da decisão inicial, a EMP02... teve conhecimento que, no decurso do processo de inquérito aberto face ao óbito ocorrido do malogrado peão a que foi atribuído o n.º 380/22.7GBBCL e que correu os seus termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga – Departamento de Investigação e Ação Penal – Secção de Barcelos, foi proferido despacho de arquivamento, no qual são tidos em consideração factos novos respeitantes ao enquadramento das causas do sinistro, que alteravam por completo a fundamentação que a levou inicialmente a assumir a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente.

Vejamos se lhe assiste razão.

Prescreve o artigo 36.º, n.º 1, do DL. n.º 291/2007, de 21 de agosto, que “[s]empre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:

a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;
(…)
e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;
(…)
4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.
5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas.”

A comunicação prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte (cf. artigo 38.º, n.º 1).
           
Vem sendo entendido que a declaração de assunção de responsabilidade por parte da seguradora no ressarcimento dos danos resultantes do sinistro, em carta dirigida ao lesado ou a quem o representante, tem a natureza de confissão extrajudicial, com força probatória plena, nos termos do n.º 2 do artigo 358.º do Código Civil[2], o que deverá determinar, no caso concreto, a recusa, pelo tribunal, por inútil, da discussão da culpa na produção ou eclosão do evento lesivo.[3]

No caso vertente, a ré assumiu perante as autoras a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro, o que fez por carta datada de 9 de janeiro de 2023, junta com a petição inicial como doc. 2, na qual solicitou às autoras que formulassem o pedido indemnizatório, decorrente da morte do Sr. EE, devidamente fundamentado e documentado.
A declaração da ré de assunção de responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro consubstancia uma proposta negocial de assunção de dívida, mais precisamente, de assunção da responsabilidade total pelo pagamento das indemnizações devidas às lesados, sem redução por repartição da culpa entre os intervenientes do acidente[4].
           
A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida (cf. artigo 224.º, n.º 1).
Tornando-se eficaz, a proposta fica à espera de ser aceite ou não, e para este efeito, ela é irrevogável, durante certo tempo, necessário para que se possa dar a sua aceitação.

A irrevogabilidade da proposta resulta do disposto no artigo 230.º, segundo o qual:
“1. Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida.
2. Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito.
(…).”
O princípio da irrevogabilidade da proposta e os prazos para a aceitação da mesma enquanto irrevogável, existem para fomentar a segurança do tráfico jurídico e para proteger as expetativas criadas do lado do destinatário.[5]

Todavia, conforme preconizam Fernando Ferreira Pinto e Fernando Sá[6], «[o] princípio da irrevogabilidade da proposta deve ser mitigado pelos efeitos da alteração anormal das circunstâncias. Se, após a emissão da proposta, ocorrer uma alteração imprevisível e anormal das circunstâncias, parece dever aplicar-se, com as necessárias adaptações, o regime da alteração das circunstâncias (artigo 437.º).».
           
No caso vertente, a declaração da ré de assunção de responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro chegou ao conhecimento das destinatárias, sem qualquer reserva, sendo, por isso, irrevogável (cf. artigo 230.º, n.º 1), sendo que dos autos não resulta que, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, as destinatárias tivessem recebido qualquer retratação da proponente (cf. artigo 230.º, n.º 2).
Não obstante, a ré alterou a sua posição, declinando toda e qualquer responsabilidade no sinistro em apreço, após tomar conhecimento do despacho de arquivamento proferido no âmbito do inquérito n.º 380/2.7G8BCL, dado as conclusões do Ministério Público contrariarem algumas das conclusões do NICAV.
Com efeito, escreve-se naquele despacho de arquivamento que «é referido no relatório final do OPC que considerando o local de embate do veículo com o peão, o sentido de marcha do veículo e a configuração da via no local, o condutor do veículo tinha uma visibilidade para o local de embate com o peão de cerca de 30 metros antes. Não obstante, esta distância foi apurada no local, de dia e não nas mesmas circunstâncias em que se deu o atropelamento, ou seja, de noite e com o peão a trajar roupa escura»
Na sequência, entendeu a ré que resulta provado que o condutor do veículo seguro nada de diferente poderia ter feito para evitar o acidente, pois não dispunha de condições para avistar o peão com a antecedência necessária que lhe permitisse tomar medidas tendentes a evitar o embate. Já o peão dispunha de todas as condições para avistar a aproximação do veículo, visto que o mesmo circulava com as luzes ligadas, e, como enfatiza a ré, não nos podemos alhear do facto de o peão circular alcoolizado e que, nesta condição, não terá tido a perceção do perigo da situação em que se estava a colocar.
           
A questão que se coloca é, assim, a de saber se o conhecimento, por parte da ré, do teor do despacho de arquivamento do processo de inquérito n.º 380/22.7GBBCL, que correu termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga – Departamento de Investigação e Ação Penal – Secção de Barcelos, após a emissão da sua declaração de assunção de (total) responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro, fundada no teor do Relatório Final elaborado pelo OPC em 29 de setembro de 2022 (no qual se concluiu que «a causa principal do acidente se deveu a uma deficiência de perceção por parte do condutor AA, ou seja, uma determinada condição, perigo ou circunstância anormal, deveria ser percebida, fundamentalmente pela vista, num determinado momento e que foi percebida com atraso ou nem sequer foi percebida»), constituiu uma alteração anormal das circunstâncias em que a ré fundou a decisão de assumir a (total) responsabilidade pelo sinistro em apreço.
E, já adiantamos, que a resposta a tal questão só pode ser negativa.
São requisitos da aplicação do instituto previsto no artigo 437.º, a existência de uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; o caráter anormal dessa alteração; que essa alteração provoque uma lesão para uma das partes; que a lesão seja de tal ordem que se apresente como contrária à boa fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas e que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato.
Relativamente ao primeiro requisito, «dele resulta que apenas são relevantes as alterações das circunstâncias efectivamente existentes à data da celebração do contrato, e que tenham sido causais em relação à sua celebração pelas partes (a denominada “base do negócio objectiva”). Não relevam assim, para efeitos desta norma, os casos de falsa representação das partes quanto às circunstâncias presentes ou futuras, que apenas colocam um problema de erro».[7]
A alteração das circunstâncias tem uma base objetiva, o que afasta a aplicação do regime em situações de erro da base do negócio que têm uma base subjetiva, unilateral.

Como enfatiza Sandra Reis Luís[8]«[a] alteração das circunstâncias serve para resolver ou modificar contratos válidos, o que não sucede quando há erro sobre a base do negócio, cuja previsão se encontra no artigo 252.º, n.º 1, do Código Civil. O erro não é uma circunstância superveniente
Relativamente ao segundo requisito, exige-se que essa alteração tenha carácter anormal.
Como refere Henrique Sousa Antunes[9], «[s]em prejuízo dos termos em que o requisito foi redigido, a imprevisibilidade parece sugerida pela exigência de subtração da alteração aos riscos próprios do contrato.
(…) Em nosso entender, «é imprevisível a verificação de um evento, ou do seu alcance, quando, embora pudesse ser representado, em abstrato, pelas partes, a prevenção dos seus efeitos não lhes é imputável, em razão das circunstâncias contemporâneas da vinculação negocial, explicando, assim, que o bom pai de família acordasse, nos mesmos termos, o contrato».
Para Ana Prata[10], a qualificação da alteração como “anormal” «implica a sua imprevisibilidade para um contraente de informação e conhecimentos médios. Pode acontecer que a alteração não tenha sido prevista por qualquer das partes, mas, se ela era previsível para quem tivesse o cuidado de se informar adequadamente, não pode dizer-se que estejamos perante uma “alteração anormal”».
No caso vertente, os «novos elementos» constantes do despacho de arquivamento do processo de inquérito n.º 380/22.7GBBCL, que correu termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga – Departamento de Investigação e Ação Penal – Secção de Barcelos – no qual se escreve que «é referido no relatório final do OPC que considerando o local de embate do veículo com o peão, o sentido de marcha do veículo e a configuração da via no local, o condutor do veículo tinha uma visibilidade para o local de embate com o peão de cerca de 30 metros antes. Não obstante, esta distância foi apurada no local, de dia e não nas mesmas circunstâncias em que se deu o atropelamento, ou seja, de noite e com o peão a trajar roupa escura» –, não substanciam uma alteração anormal das circunstâncias que determinaram, de modo essencial, a vontade negocial da ré, pese embora não terem sido considerados no relatório final do OPC, desde logo, por não se tratar de uma alteração das circunstâncias efetivamente existentes à data do sinistro.
Com efeito, a visibilidade que o condutor do veículo tinha para o local de embate com o peão, de noite, era e continua a ser a mesma, e tal circunstância era previsível para a ré se tivesse tido o cuidado de se informar adequadamente, dado que possui os meios necessários para investigar as causas e as circunstâncias de um sinistro.
Não é, assim, de considerar que as circunstâncias em que a ré fundou a decisão de assumir a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro sofreram uma alteração anormal, pelo que não podia a ré alterar a sua proposta de assunção de 100% da responsabilidade pelo sinistro.
Se ocorreu alguma situação de vício de vontade acerca de tais circunstâncias aquando da emissão da declaração (artigo 359.º), tal não foi invocado pela ré na sua defesa.
Desta forma, considera-se que a ré está vinculada pela proposta irrevogável de assumir 100% da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro, e nessa medida, fica prejudicada a discussão da questão da repartição da responsabilidade pela eclosão do sinistro.
                       
3.2. Do montante atribuído às recorrentes pela perda do direito à vida;

O Tribunal a quo fixou a indemnização pela perda do direito à vida de EE em € 60.000,00.
As recorrentes insurgem-se contra o valor fixado argumentando que a jurisprudência tem vindo a aumentar o montante indemnizatório, situando-o em regra e com algumas oscilações entre os € 80.000,00 indo mesmo os arestos mais recentes a € 120.000,00, e que atendendo à idade da vítima – 53 anos –, à sua situação familiar e social, entendem as recorrentes que deve ser atribuída uma indemnização pela perda do direito à vida de, pelo menos, € 100.000,00.
Atentemos.

Estabelece o artigo 496.º que:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
(…)
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.

Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2009[11], «[o]s danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque afectam bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a física, a liberdade, a honra, o bom nome, a privacidade, a beleza, de que resultam o sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou confiança, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados ​​com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos decorrentes das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob o envolvência de uma certa particularidade sancionatória ou de pena privada.».

É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.[12]

Quando os danos não patrimoniais assumem a gravidade legalmente suposta, são passíveis de serem indemnizados (rectius, compensados).
Conforme estabelece o n.º 4 do artigo 496.º, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”, isto é, o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso”.
Para além das referidas circunstâncias, ter-se-ão em consideração, na fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, «os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o artigo 8º, n.º 3 do Código Civil (“Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”), fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito.».
Não se trata aqui de atribuir uma verdadeira indemnização, mas de uma soma pecuniária adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, por força das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.

Como sublinha Carlos Alberto da Mota Pinto[13], «os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal».
Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que determina que o julgamento seja feito de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objetivo de, após adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.
Assim se compreende que a atividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjetiva não se reconduza ao puro arbítrio. O julgador, ao atribuir esta compensação, não está subordinado a critérios normativos fixados na lei; o que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda.
Enunciado, deste modo, o critério que a lei estabelece para a fixação da compensação, nos termos do qual o tribunal deve julgar exclusivamente com equidade “dentro dos limites que tiver por provados” (cf. artigo 566.º), importa apurar se o valor arbitrado na sentença recorrida atinente ao dano da perda da vida registado por EE se mostra ajustado tendo em conta o concreto quadro factual apurado.

A perda do direito à vida constitui um dano não patrimonial, suscetível de reparação pecuniária, cujo direito à reparação é reconhecido, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e outros descendentes, ou, na falta destes, aos pais e outros ascendentes.
O direito a indemnização pela perda do direito à vida em sentido estrito, sem abranger a relativa ao sofrimento entre o facto danoso e a morte e a reportada ao dano afetivo dos chegados ao falecido, de há muito tem sido reconhecido pela jurisprudência portuguesa como constituindo um dano não patrimonial autonomamente indemnizável[14].
 Idêntico entendimento vem sendo outrossim sufragado pela generalidade da doutrina pátria[15].
E, como igualmente vem sendo afirmado, o direito à vida, enquanto direito absoluto inerente à condição humana deve, em abstrato, obter sempre a mesma valoração absoluta, ou seja, todas as vidas se equivalem. Não obstante, não significa que, em cada caso concreto e, desde logo, por razões de equidade, não devam nem possam ser atendidos fatores que estabeleçam diferenças no montante compensatório a fixar.
Na verdade, a justiça do caso concreto pode impor a consideração de elementos relativos à idade, à saúde, à integração e desempenho social da vítima, entre outros, como fatores de valoração do dano.

Conforme se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2008[16], o dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros, sendo que «na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a sua saúde, o estado civil, os projetos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e económica».

Em todo o caso, como refere Joaquim José de Sousa Dinis[17], estamos perante parâmetros genéricos que deixam à sensibilidade de cada juiz (dentro da delimitação do pedido formulado) a manifestação prática de expressar a “arte” de minorar o sofrimento ou a supressão da vida, através da fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais.
De qualquer modo, por evidentes razões de certeza e segurança jurídicas, na fixação do montante indemnizatório a arbitrar pela perda da vida (dano morte), não poderemos deixar de atentar na jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Perscrutando a casuística mais recente, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que pela perda do direito à vida têm sido fixadas indemnizações que variam entre um valor de € 50.000,00 e € 80.000,00[18], chegando a atingir € 100.000,00 para vítimas jovens.
No caso vertente, sopesando o conjunto dos factos, designadamente a idade da vítima, que contava 53 anos de idade, a sua compleição física - media 1,79 e pesava 128,3 kg – e o facto de se encontrar reformada por invalidez, tendo ainda em consideração que não há, no caso, que ponderar a situação económica do lesante, visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização, reputa-se adequado o valor da compensação fixado pelo Tribunal a quo, pela perda do direito à vida de EE, de € 60.000,00.

3.3. Do montante atribuído à recorrente BB a título de dano não patrimonial

O Tribunal a quo atribuiu à recorrente BB, viúva do falecido EE, o valor de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
A recorrente insurge-se contra o valor fixado argumentado que seria equitativo e justo o valor de € 40.000,00.

No que se reporta ao quantum indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais próprios da recorrente BB, há que considerar o relacionamento da vítima com o seu cônjuge, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que, como salienta Joaquim José de Sousa Dinis[19], «a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou.».

Da matéria de facto provada resulta o seguinte:
. EE estava reformado por invalidez, mas fazia pequenos trabalhos para conseguir mais dinheiro para casa.
. Em consequência do acidente e da sua morte, a sua esposa e filhas viram-se privadas da sua presença.
. As autoras nutriam grande afeto, carinho e amor pelo marido e pai.
. Ainda hoje, quando se recordam da morte prematura do marido e pai, são acometidas pela dor da perda do seu ente querido, o que lhes causa enorme, abalo, tristeza e desgosto.

Desta factualidade emerge, em consequência da morte de EE, um quadro de sofrimento intenso para as recorrentes, havendo, em nosso entender, que estabelecer uma distinção entre as filhas da vítima e o cônjuge sobrevivo, dado que se nos afigura evidente que a recorrente BB terá maior dificuldade em ultrapassar a experiência traumática resultante da sua viuvez, face à menor dificuldade que as autoras CC e DD terão em ultrapassar a experiência traumática resultante da respetiva orfandade de pai.

Conforme se escreve no acórdão desta Relação de 29.06.2017[20], a propósito da indemnização do dano não patrimonial resultante da viuvez de um homem de 49 anos, que viu falecer a mulher de 46 anos, de quem dependia emocionalmente e para gerir a sua vida, bem como da indemnização do dano patrimonial sofrido pelos filhos maiores da vítima, «atenta a diferente fase da vida em que aquele e estes se encontram, o horizonte de aquisição de novas e compensadoras experiências é maior no caso dos Filhos da Vítima (sendo que o constituir família própria não deixará de pontuar aí de forma relevantíssima).
Já o Viúvo, por ter vivido toda a sua vida adulta com o respectivo Cônjuge, à sombra do qual se foi mantendo (nomeadamente, mercê de uma personalidade menos assertiva e mais passiva, cujos traços definidores se acentuaram com a sua viuvez), terá acrescidas dificuldades em encontrar outra pessoa com quem compartilhar a vida, ou outro centro de interesses que preencha a falta que a Mulher lhe faz.».

No mesmo sentido, foi entendido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2017[21] o seguinte: «[r]evela-se adequado o valor da indemnização, a título de danos não patrimoniais, diferenciadamente fixado pela Relação – € 30 000 para a viúva, e € 25 000, para cada um dos dois filhos da vítima – dado que aquela viu, com o perecimento do marido, destruído o seu plano de vida em comum, ao passo que os filhos, considerando a sua idade (à data do sinistro, um com 18 anos, outro ainda menor), previsivelmente, não verão o seu projecto de vida futura afectado pelo desaparecimento de seu pai, sendo o sofrimento e desgosto do cônjuge sobrevivo, normalmente, mais intenso e de maior duração do que aquele de que padecem os filhos.».

Destarte, tendo em atenção a factualidade provada e recorrendo à equidade, tomando ainda por referência os valores arbitrados pela jurisprudência para casos semelhantes[22], julga-se adequado ao sofrimento que a recorrente BB experimentou e experimenta, fixar o montante indemnizatório pelo dano não patrimonial em causa em € 25.000,00.

Isto posto, importa decidir em conformidade, pela parcial procedência do recurso de apelação interposto, fixando-se a quota percentual de responsabilidade pelo acidente em 100% para o condutor do veículo seguro; mantendo-se a indemnização arbitrada pelo dano morte registado por EE na quantia de € 60.000,00, e elevando-se a indemnização arbitrada pelo dano não patrimonial sofrido pela recorrente BB para a quantia de € 25.000,00.
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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelas autoras BB, CC e DD e, em consequência:
. alterar a sentença recorrida, na parte em que fixou a contribuição de cada um dos intervenientes para a produção do sinistro em causa nos autos em 50%, fixando-se a quota percentual de responsabilidade pelo acidente em 100% para o condutor do veículo seguro;
. alterar a sentença recorrida, na parte em que condenou a ré a pagar às autoras a quantia de € 30.000,00, para indemnização do dano morte registado por EE, elevando-se agora aquela quantia para € 60.000,00 (sessenta mil euros), e
. alterar a sentença recorrida, na parte em que condenou a ré a pagar à coautora BB a quantia de € 10.000,00 para indemnização do dano não patrimonial resultante do falecimento do marido, elevando-se agora aquela quantia para € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
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Custas da apelação pelas recorrentes e pela recorrida, na proporção de 40% para as recorrentes, acrescida de 15% para a recorrente BB e 45% para a recorrida (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da consideração do benefício do apoio judiciário concedido às autoras.
Notifique.
                                   
Guimarães, 25 de setembro de 2025

Susana Raquel Sousa Pereira – Relatora   
João Peres Coelho – 1º Adjunto
José Carlos Pereira Duarte – 2º Adjunto
 

[1] Atendendo a que o n.º 9 não continha qualquer conclusão, corrigiu-se a numeração, ao abrigo do disposto no artigo 249.º do Código Civil, passando a conclusão com o n.º 10 a constar como n.º 9, a conclusão com o n.º 11, como n.º 10, e assim sucessivamente.
[2] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[3] Cf. os acórdãos da Relação do Porto de 09.09.2013 (processo n.º 1608/08.0TJPRT.P1), da Relação de Lisboa de 09.05.2019 (processo n.º 5995/18.5T8ALM-A.L1-2) e da Relação de Évora de 29.04.2021 (processo n.º 2340/20.3T8STR.E1).
No acórdão da Relação do Porto de 19.11.2020 (processo n.º 5748/18.0T8MAI.P1) considerou-se que «[a]busa do direito de ação, no exercício da sua defesa, a R. seguradora que, tendo assumido inequivocamente a responsabilidade pelo acidente e a obrigação de reparar os danos dele emergentes em momento prévio à instauração da ação pelos lesados, recusa depois essa responsabilidade, sem explicação reconhecida e aceite, conduzindo os lesados à necessidade de instaurar aquela acção judicial, nela passando a discutir as circunstâncias em que o acidente ocorreu e os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente a culpa do seu segurado, concluindo pela sua absolvição.».
[4] Vd. o acórdão desta Relação de 11.05.2023 (processo n.º 2820/21.3T8VRL.G1).
[5] Assim, HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português Teoria Geral do Direito Civil, Reimpressão da Edição de 1992, Almedina, p. 462.
[6] Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Editora, p. 522, nota VI.  
[7] Assim, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, 2.ª edição, Almedina, p. 129.
[8] «A alteração anormal das circunstâncias: o artigo 437.º do Código Civil e a situação pandémica: reflexos contratuais», JULGAR Online, julho de 2020, p. 17.
[9] Comentário ao Código Civil Direito das Obrigações Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa, pp. 155-156.
[10] Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição revista e atualizada, 2021 - reimpressão, Almedina, p. 594, nota 3.
[11] Processo n.º 397/03.0GEBNV.S1.
[12] Assim, JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, p. 606 e VAZ SERRA, RLJ, ano 109.º, p. 115.
[13] Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, 1991, p. 115.
[14] Com efeito, esse entendimento jurisprudencial firmou-se com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.1971, publicado no BMJ, n.º 205, p. 161 e ss. Cf., sobre a questão, VAZ SERRA, RLJ, ano 105.º, p. 63 e ss.
[15] Cf., entre outros, INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Sucessões – Noções Fundamentais, p. 86; F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, p. 65; NUNO ESPINOSA GOMES DA SILVA, Direito das Sucessões, p. 76; DIOGO LEITE DE CAMPOS, A indemnização do Dano Morte, Universidade de Coimbra - Boletim da Faculdade de Direito, vol. I, p. 296; RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, pp. 294-295; JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, obra citada, p. 608 e ss; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol. II, pp. 289 a 294 e DELFIM MAYA LUCENA, Danos não patrimoniais, O Dano da Morte, p. 57 e ss.
[16] Processo n.º 08P3380. No mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2006 (processo n.º 06B2520) e de 18.12.2007 (processo n.º 07B3715).
[17] «Dano Corporal em Acidentes de Viação», comunicação feita em 27.05.1997 no Centro de Estudos Judiciários, publicada na CJSTJ 1997, tomo II, p. 13.
[18] Cf., entre outros, os acórdãos de 31/01/2012 (processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1) – € 75.000,00 para uma vítima de 27 anos; de 10.05.2012 (processo n.º 451/06.7GTBRG.G1.S2) - € 75.000,00, para uma vítima de 41 anos; de 12.09.2013 (processo n.º 1/12.6TBTMR.C1.S1) - € 65.000,00 para uma vítima de 19 anos; de 19.02.2014 (processo n.º 1229/10.9TAPDL.L1.S1) – € 100.000,00 para uma vítima de 49 anos; de 09.09.2014 (processo n.º 121/10.1TBPTL.G1.S1) – € 50.000,00 para uma vítima de 86 anos; de 11.02.2015 (processo n.º 6301/13.0TBMTS.S1) – € 70.000,00 para uma vítima de 31 anos; de 30.04.2015 (processo n.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1) - € 80.000,00 para uma vítima de 19 anos;  de 18.06.2015 (processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1) - € 80.000,00 para uma vítima de 20 anos, embatida na sua faixa de rodagem por um veículo que se pôs de imediato em fuga; de 05.06.2018 (processo n.º 370/12.8TBOFR.C1.S2) - € 65.000,00 para uma vítima de 44 anos; de 24.09.2020 (processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1) - € 54.000,00 para uma vítima de 75 anos; de 03.03.2021 (processo n.º 3710/18.2T8FAR.E1.S1) - € 80.000,00 para uma vítima de 33 anos; de 03.11.2016 (processos n.º 6/15.5T8VFR.P1.S1) - € 60.000,00, para uma vítima de 52 anos; de 25.2.2021 (processo n.º 4086/18.3 T8FAR.E1.S1) - € 80.000,00 para uma vítima tinha 53 anos que não contribuiu para a produção do acidente; de 13.05.2021 (processo n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1) - € 80.000,00 para uma vítima com 45 anos; de 15.09.2022 (processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1.S1) -  € 85.000,00 para uma vítima com 33 anos; de 10.11.2022 (processo n.º 239/20.2T8VRL.G1.S1) - € 70.000,00 para uma vítima com 63 anos e de 27.09.2022 (processo n.º 253/17.5T8PRT-A.P1.S1) - € 95.000,00 para uma vítima com 41 anos.
[19] Na comunicação «Dano Corporal em Acidentes de Viação» citada, p. 13.
[20] Processo n.º 382/15.0T8VCT.G1.
[21] Processo n.º 1270/15.5 T8PNF.P1.S1.
[22] Cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2017 (processo n.º 1270/15.5T8PNF.P1.S1), de 25.2.2021 (processo n.º 4086/18.3T8FAR.E1.S1) e de 15.10.2024 (processo n.º 1830/21.5T8PVZ.P1.S1); da Relação do Porto de 19.12.2023 (processo n.º 7698/21.4T8LSB.P1) e de 23.04.2024 (processo n.º 18987/22.0T8PRT.P1), desta Relação de 11.07.2024 (processo n.º 5518/22.1T8GMR.G1) e de 12.09.2024 (processo n.º 2707/22.2T8VRL.G1) e da Relação de Évora de 12.01.2023 (processo n.º 927/21.6T8FAR.E1).