Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
291/24.1T8VPC.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: PROTEÇÃO JURÍDICA
NOTIFICAÇÃO DO INDEFERIMENTO
REVELIA OPERANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A notificação efectuada pela Segurança Social com observância das formalidades indicadas no dispositivo legal do art.º 112.º do Código de Procedimento Administrativo, é válida e eficaz, presumindo-se que foi entregue ao seu destinatário.
II – A Segurança Social não tem, pois, de fazer prova de que notificou o Recorrente do indeferimento de protecção jurídica, cabendo ao Recorrente a prova de que a notificação não ocorreu.
III – A operância da revelia leva, em princípio, a que se assuma como verificado nos autos o quadro factual alegado na petição inicial, deixando de subsistir qualquer controvérsia acerca do mesmo, limitando-se então o juiz a decidir a causa conforme for de direito.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I Relatório

AA, BB e CC intentaram acção de processo comum contra DD peticionando que seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre 1/3 do prédio urbano, sito no Bairro ..., Lugar ..., da freguesia ... e ..., do concelho ..., composto por prédio de dois pavimentos, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...59 urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...65, condenando o réu a restituir o imóvel, bem como os bens móveis que se encontravam no seu interior e no pagamento de indemnização pela ocupação ilegítima.
Para tanto alegaram que, pelo menos desde Novembro de 2022 o réu se apropriou do prédio em questão, tendo efectuado obras e impedindo os autores de aceder ao mesmo.
*
Regularmente citado, o réu não contestou nem juntou procuração forense aos autos.
*
Notificados, os autores apresentaram as suas alegações escritas.
*
Após foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

A-Declarou que os autores, AA, BB e CC, são donos e legítimos proprietários de 1/3 do prédio urbano, sito no Bairro ..., Lugar ..., da freguesia ... e ..., do concelho ..., composto por prédio de dois pavimentos, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...59 urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...65.
B-Condenou o réu, DD, a restituir aos autores a sua quota parte do prédio descrito no ponto anterior bem como os bens pertencentes aos autores, que se encontravam no seu interior.
C-Absolveu o réu do demais peticionado.
*
II- Objecto do recurso

Inconformada com essa decisão, veio o R. interpôr o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
I.No passado dia 13 de dezembro de 2024 foi o aqui Apelante citado para apresentar, no prazo de 30 dias, a sua defesa, através de contestação.
II. Pela ausência de meios económicos, em 22 de janeiro de 2025 o Apelante procedeu ao pedido de proteção jurídica junto dos Serviços da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono oficioso.
III.Para esse efeito, e com o intuito de não ver dissipar o seu direito de defesa, procedeu à junção do comprovativo deste pedido de proteção jurídica nos autos do presente processo, o que se concretizou na interrupção do mencionado prazo.
IV.Ora, desde a citação para apresentação da contestação, o Apelante não voltou a receber mais nenhuma notificação na sua caixa postal, nem do tribunal “a quo”, nem tão pouco dos serviços da segurança social.
V.Até ao passado mêsde abril de 2025, quando verificou que teria um aviso de receção na sua caixa postal, endereçada pelo tribunal “a quo”, de onde resultou o conhecimento que haveria sido proferida a referida sentença, sem que a este tivesse sido dada possibilidade de contestar.
VI.Ora, para todos os efeitos, o Apelante desconhecia o motivo pela qual estaria a receber a notificação da sentença, quando ainda continuava a aguardar (e continua até ao presente dia) a notificação da decisão que recaiu sobre o seu pedido de proteção jurídica.
VII.Nesse seguimento, o Apelante dirigiu-se junto dos serviços da Segurança Social peticionando informações acerca do sucedido, tendo-lhe sido transmitido que no passado mês de fevereiro de 2025, haveria sido enviado uma comunicação via postal pela Segurança Social com a notificação para audiência prévia, de onde solicitavam a junção de documentos–tendosidoentregueumacópia dessa missiva ao Apelante para seu conhecimento e do qual se junta como Doc. nº2 e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VIII.Acontece que, essa carta enviada pela Segurança Social nunca foi rececionada na caixa de correio do aqui Apelante, na sua morada – morada essa que este fez constar no requerimento de proteção jurídica.
IX.Pelo que, o Apelante apenas teve conhecimento da decisão que recaiu sobre o seu pedido de proteção jurídica aquando da notificação da sentença condenatória e após se deslocar aos serviços da segurança social para pedir mais informações.
X.Nesse seguimento, foi apresentado competente reclamação junto dos serviços dos Correios...,assim como reclamação junto dos serviços da segurança social – conforme Doc. nº3 e nº4 que ora se juntam e se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
XI.E esta reclamação vai no seguimento da instauração de um procedimento de averiguação que deverá ser analisado por tais entidades, porquanto se esta carta foi enviada – e contra essa informação não há dúvidas – o que é certo é que estas entidades têm de fazer prova de que entregaram e rececionaram tal comunicação na caixa de correio do destinatário certo, isto é, na caixa de correio da morada do aqui Apelante.
XII.Só com a receção na caixa de correio do Apelante é que este tomaria o conhecimento do conteúdo da missiva da segurança social e que saberia que, ao não responder no prazo de 10 dias úteis, o seu pedido de proteção jurídica seria indeferido e que o prazo para apresentar a sua contestação seria iniciado.
XIII.O que não ocorreu, porquanto a segurança social nem os Correios... tem maneiras de comprovar que esta carta foi rececionada pela pessoa do aqui Apelante.
XIV. O que se circunscreve, portanto, no resultado de o Apelante ter o total desconhecimento, por facto que não é imputável, que haveria sido proferida esta decisão de indeferimento e que o prazo para apresentar a sua contestação haveria sido iniciado.
XV.Viu-se, pois, impedido de exercer a sua defesa, apresentar os seus factos e a sua prova, e vê-se agora numa situação de tremenda injustiça que deverá ser reposta!
XVI.Até porque, e como é prática comum dos doutos tribunais, sempre que haja uma decisão que recaia quanto ao pedido de proteção jurídica, deverá o sujeito processual ser notificado dessa decisão.
XVII.O que também não se verificou!
XVIII. Pelo que, o Apelante não apresentou a contestação – como era a sua pretensão, caso contrário não haveria requerido proteção jurídica com nomeação de patrono oficioso e requerido a interrupção desse prazo – tendo-lhe sido vedado exercício dos seus direitos, nos termos do Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
XIX.Houve, pois, uma falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, conforme prevê a alínea e) do Artigo 188º do Código de Processo Civil.
XX.Ora, conforme defendeu o acórdão do TRG de 10-07-2018 (Proc.º 4353/17.3T8BRG-A.G1): “[..] III Para que ocorra a falta de citação a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil é necessário que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato e que essa falta de conhecimento não lhe é imputável, permitindo-se ao citando demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação antes do termo do prazo da defesa”.
XXI.Razão pela qual e perante o demonstrado, e apesar das reclamações realizadas junto destas duas instituições, certo é que deverão estas serem oficiadas pelo tribunal a fim de juntar o comprovativo de entrega da citada missiva postal na caixa postal do aqui Apelante e, subsequentemente, da prova da receção desta missiva ao Apelante.
XXII.Acresce mais, que pelo facto de o Apelante não ter mandatárioconstituído, o tribunal “a quo” deveria ter procedido ao envio da notificação da decisão de indeferimento do apoio judiciário por carta para a residência deste, conforme dispõe o nº1 do Artigo 249º do Código de Processo Civil, o que não ocorreu.
XXIII. Assim, com todo o devido respeito, que é muito, o tribunal “a quo” violou as normas do Artigos 20º da CRP e Artigo 188º e) e 249º nº1 do Código de Processo Civil.
XXIV. Pelo que, ao negligenciar os citados normativos, a sentença enferma de nulidade, prevista na alínea d) do nº1 do 615º do Código de Processo Civil.
XXV. A falta de contestação do Apelante levou a que fossem considerados confessados os factos articulados na petição inicial, nos termos do Artigo 567º do Código de Processo Civil.
XXVI. Tal cominação foi aplicada ao Apelante por ter sido considerado regulamento notificado pela Segurança Social, para se pronunciar em sede de audiência prévia.
XXVII.O tribunal “a quo” deu credibilidade às informações prestadas pela Segurança Social que nunca logrou demonstrar que o Apelante tinha sido efetivamente e regularmente notificado para a audiência prévia.
XXVIII. Pelo que, o tribunal “a quo” fez fé nas informações prestadas pela Segurança Social e, por conseguinte, das informações transmitidas pelos serviços dos Correios... que entre tantos erros e omissões, não poderão atestar que o Apelante rececionou qualquer comunicação.
XXIX.Mais a mais, na área de residência do Apelante, é conhecido que a correspondência é muitas vezes trocada pelos funcionários dos Correios... e depositada em recetáculos errados.
XXX.Facto é que, a notificação da audiência prévia enviada pela segurança social não foi colocada na esfera de cognoscibilidade do Apelante, seu destinatário e, tal preterição determina desde logo, a nulidade da confissão, por ter sido fundamentada com base na confissão deste, por não ter contestado.
XXXI.Ora, o Apelante pediu a nomeação de patrono para contestar e foi-lhe negado esse direito plasmado na Lei Fundamental porque não recebeu a notificação para audiência prévia, onde tinha de proceder à junção de documentos adicionais para a apreciação do seu pedido.
XXXII-O apoio judiciário visa obstar que por razões de insuficiência económica as pessoas não tenhamacesso à justiça e se vejamimpedidos de exercer os seus direitos nos tribunais.
XXXIII-Contudo, foi exatamente isso que aconteceu ao ora Apelante que não dispõe de meios económicos para assegurar os seus direitos de defesa.
XXXIV-Foi, pois, negado ao Apelante o direito de exercer a sua defesa sendo privado do Acesso ao Direito e aosTribunais,da tutela jurisdicional efetiva e em tempo útil do seu direito, sendo-lhe negado o direito à justiça, nos precisos termos que é consagrado constitucionalmente e sem advogado, o Apelante não assegurou o seu direito a exercer o contraditório, violando-se desta forma, também, o Artigo 3º do Código de Processo Civil.
XXXV.O Apelante entende, pois, que a sentença proferida que considerou confessados os factos articulados na petição inicial é nula, porquanto “o facto provado nº1 relativo à propriedade de 1/3 do prédio resultou da certidão permanente e da caderneta predial juntas aos autos com a petição inicial; os demais factos provados resultam da confissão do réu, em virtude de não ter contestado”.
XXXVI-Salvo melhor entendimento, entende o Apelante que os factos dados como provados em virtude da falta de contestação são nulos, por falta de fundamento legal.
XXXVII-Porquanto, condenar o Apelante a restituir os bens pertencentes aos Recorridos que se encontravam, alegadamente, no interior do prédio, não poderia terocorrido, por ser um facto cuja prova se exijadocumento escrito, talcomodispõe a alínead)doArtigo568º doCódigo de Processo Civil – e não pela não apresentação de contestação.
XXXVIII-Senão vejamos, os Recorridos elencam na factualidade da sua petição inicial bens que alegadamente se encontravam no interior do prédio – e que o Recorrente se apoderou – sem proceder à junção de fotografias que comprovassem que esses bens existiam, para fazer fé das suas características,e que se encontravam efetivamente dentro do interior do prédio.
XXXIX-Ao não juntar qualquer tipo de prova documental tal como fotogramas dos mencionados bens, não poderia o tribunal “a quo” dar como provado e condenar o Apelante à restituição desses bens – entendendo que se deveu à falta de contestação do Apelante.
XL. Mais ainda, e conforme dispôs o Acórdão do STJ, de 16-12-2021, 1142/18.1T8ACB.C1.S2, “A situação de revelia “operante” determinada pelo art. 567º, 1, do CPC não exclui a legitimidade do(s) Réu(s) vencido(s) para a interposição da apelação (art. 631º, 1, CPC), nem vicia a apreciação e a decisão da questão recursiva pelo tribunal “ad quem”, decorrente da valoração jurídica dosfactosarticuladosna petição inicial e considerados confessados.”
XLI. Pelo que, o tribunal a quo violou o disposto nos Artigos 567º e 568º d) do Código de Processo Civil, o que determinará que a sentença enferma de nulidade, ao abrigo do disposto na alínea d) do Artigo 615º do Código de Processo Civil.
XLII. A douta sentença recorrida violou as normas dos Artigos 20º da CRP, Artigo 188º e), 249º nº1, 567º e 568º d) do Código de Processo Civil. Pelo que, ao negligenciar os citados normativos, a sentença enferma de nulidade, prevista na alínea d) do nº1 do 615º do Código de Processo Civil.
XLIII. Por conseguinte, deverá a presente sentença ser declarada nula e, em consequência, deverá o Apelante ser notificado para vir apresentar a sua contestação!
Decidindo, em conformidade, V. Ex.ªs farão, como sempre, inteira e JUSTIÇA!
*
Recebido o recurso, foram colhidos os vistos.
*
III- O Direito

Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, importa apurar sobre se ocorre:
- nulidade da sentença ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º1 do 615.º do Código de Processo Civil, por violação das normas dos arts.  20.º da CRP e 188.º e) e 249.º n.º1 do CPC, decorrente do facto de alegadamente o R. não ter tido conhecimento da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário de dispensa do pagamento de taxas de justiça e demais encargos como processo e respectiva nomeação de patrono;
-Nulidade da sentença, por falta de fundamento, quanto ao facto dado como provado no seu ponto 1, com base na falta de contestação, e quanto aos demais, por ser exigível documento escrito, como se impõe nos arts. 567.º e 568.º, al. d), do Cód. Proc. Civil, e essa prova não ter sido produzida.
*
Fundamentação de facto

Com relevância para a decisão a proferir, quanto à invocada nulidade processual, importa ter em consideração os elementos que constam dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, bem como os seguintes factos tidos como provados:

1-A propriedade de 1/3 do prédio urbano, sito no Bairro ..., Lugar ..., da freguesia ... e ..., do concelho ..., composto por prédio de dois pavimentos, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...59 urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...65 encontra-se registada a favor dos autores.
2-Pelo menos desde Novembro de 2022, sem autorização dos autores:
Removeu e apoderou-se das mobílias antigas compostas existentes no seu interior, concretamente 3 camas de solteiro e casado em castanho e pinho, 4 cómodas em castanho, 6 mesinhas de cabeceira em castanho, 6 barrotes e pranchas de madeira em castanho e pinho.
Construiu um novo telhado;
Alargou a porta de entrada
Mudou as fechaduras e trancou as janelas
Em consequência da conduta do réu, os autores encontram-se impedidos de aceder ao prédio.
*
Fundamentação jurídica

Com interesse para a situação em análise, dispõe o art.º 24.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que:
1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes. (…)
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Com efeito, a razão da interrupção do prazo judicial está em se assegurar o direito à defesa a quem por insuficiência económica tem que recorrer à proteção judiciária e, por isso, verifica-se, sempre e meramente, em função do atempado requerimento de nomeação de patrono.

Por outro lado, no regime da revelia do réu, o legislador prescreve, no art.567.º/1 do C. P. Civil, sob a epígrafe «Efeitos da revelia» que:
«1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2 - É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito. (…)».
Por sua vez, para o caso que agora nos interessa, preceitua-se no art.568º, al. d), do C. P. Civil, sobre as «excepções» aos efeitos da revelia, que «n[N]ão se aplica o disposto no artigo anterior, “q[Q]uando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.».
A admissão de factos por força ope legis da falta de contestação do réu citado pessoalmente, que não seja excepcionada por alguma das previsões legais, prevista neste regime de cominatório semipleno, subtrai a matéria de facto alegada e admitida à possibilidade de ser demonstrada por meios de prova, nos termos dos arts.341.º ss do C. Civil e 410.º ss do C. Civil, e de ser decidida pelo tribunal como matéria controvertida, nos termos do art.607.º/4-1.ª parte e 5.º do C. P. Civil.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Almedina, nota 3 ao art.567º, pág.535, qualificam esta “ficção de confissão” do art.567º/1 do C. P. Civil como uma “admissão” (em face das diferenças do regime da confissão escrita previsto nos arts.352º ss do C. Civil), e sublinham o carácter de definitividade desta prova de factos alegados, ao referirem que esta prova «(…) fica, entre nós, definitivamente adquirida no processo, não podendo o réu vir posteriormente negar os factos sobre os quais se manteve silencioso (…). Tem assim o tratamento duma presunção inilidível (…)»
Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II- Julho de 2018, Almedina, nota 3- II ao art.567º do CPC, pág.53, por sua vez, assinala que:
«I. (…) Esta omissão de contestação significa que os factos articulados pelo autor não chegam a ser controvertidos, porquanto o réu não se lhes opõe. Em consequência, o autor fica dispensado de os provar, como decorreria da regra do artigo 342.º n.º1 CC. A lei tem-nos como admitidos por confissão, ficta e inilidível, pelo que o processo não carece de atividade instrutória para que a sentença possa ser prolatada. Trata-se do efeito essencial da revelia operante. (…)
II. Na revelia operante o contraditório do autor encerrou-se para o réu, como regra.
Efectivamente, em harmonia com a preclusão decorrente do princípio da concentração da defesa na contestação (cf. artigo 573.º n.º1), o réu não pode mais tarde vir a deduzir as impugnações e excepções, dilatórias e peremptórias, que à contestação cabiam (cf. artigos 571.º e 572.º).».
Dos princípios fundamentais no nosso processo civil há que referir também para o caso em apreço os princípios da autorresponsabilidade das partes e da preclusão.
Do primeiro directamente conexionado com o princípio basilar do dispositivo resulta que sendo as partes que conduzem o processo a seu próprio risco, a negligência ou inépcia delas redunda inevitavelmente em prejuízo das partes, porque não pode ser suprida por iniciativa e actividade do tribunal (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 378).
É claro que este princípio, em determinadas situações poderá ser mitigado pelo princípio da cooperação e do poder-dever de gestão processual que se encontram reforçados na atual lei processual, de tal modo que se entende que “o limite desta atenuação deverá ser encontrado no direito a um processo equitativo que servirá de critério na aplicação concreta destes princípios” (cfr. in Elementos Direito Processual Civil”, p. 158, 2ª ed., Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Castro)
Por outro lado, ao longo do processo as partes estão sujeitas a vários ónus, sendo um deles e dos mais relevantes, o dever de praticar os actos dentro de determinados prazos peremptórios.
Como é sabido os prazos para a prática de atos das partes, sejam estabelecidos pela lei ou fixados pelo juiz, salvo se forem dilatórios (art. 139 n.º 2 do CPC), são peremptórios.
Como expressamente estipula o n.º 3 do art. 139.º do CPC, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, sem prejuízo do justo impedimento (n.º 4 do citado artigo).
Daqui resulta que as partes têm o ónus de praticar os actos que devam ter lugar em prazo peremptório, sob pena de preclusão, ou seja, só o justo impedimento pode validar o acto levado a efeito após o prazo extintivo.
Posto isto, importa considerar que no caso em apreço, os RR., no prazo que tinham para deduzir contestação, solicitaram junto da segurança social pedido de apoio judiciário na modalidade, além do mais, de nomeação de patrono.
Após, perante a informação prestada pelo CRSS, sem que o R. tenha vindo aos autos deduzir contestação, veio a ser proferida, a final, a decisão que notificada ao demandado originou a apresentação por parte do mesmo do presente recurso.
O Recorrente invoca, nessa sede, que a sentença proferida pelas razões apontadas (violação das normas apontadas e falta de fundamentação) é nula, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CP Civil.
Afirma que o tribunal recorrido se limitou a decidir apenas com base na informação da Segurança Social, com total alheamento quanto à falta de conhecimento por parte do recorrente da decisão de indeferimento do requerimento de apoio judiciário.
Vejamos.
Os vícios típicos da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.
Assim, as nulidades da sentença são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Tais vícios não se confundem, assim, com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má percepção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Especificamente, quanto ao vício consagrado no art. 615.º/1 d) CPC, a sentença é nula, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A previsão deste art. 615.º, n.º 1, al. d) está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
 Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver).
Logo, esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287).
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
Ora, in casu, o tribunal a quo, após a informação de pedido de apoio judiciário por parte do R., na modalidade também de nomeação de patrono, ficou a aguardar a decisão por parte da segurança social quanto a esse pedido, vindo posteriormente a solicitar informação sobre o despacho que recaiu sobre o mesmo.
Informou, assim, o CRSS, a 10.3.2025, que, tendo sido o requerente notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia por ofício de 7.2.2024, comunicando-lhe proposta de indeferimento e requerendo apresentação de documentos complementares, e nada tendo dito no prazo dado, foi o requerido pedido de apoio judiciário solicitado pelo R., em 22.1.2025, consequentemente, indeferido.
Assim, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, considerou-se reiniciado o prazo para contestar, a partir da notificação ao requerente do indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
De igual modo, não tendo apresentado, em tempo, contestação nem junto procuração forense a favor de mandatário judicial, em conformidade com o disposto no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, consideraram-se confessados os factos articulados pelos autores, concedendo-se
o prazo de 10 dias ao mandatário dos autores para alegar por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, vindo, após a apresentação das alegações por parte dos AA., a ser proferida sentença.
Tendo sido remetida, a 11.4.25, notificação ao R. dessa decisão, veio este apresentar recurso a 21.5.25, sem arguir qualquer nulidade prévia nos autos.
Dando-se cumprimento ao preceituado no artigo 617.º n.º 1 do Código de Processo Civil, o tribunal a quo consignou que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício pelo que se indeferiu a arguição de nulidade suscitada pelo réu.
À contrario, o R./Recorrente alega, para este efeito, que, contrariamente à informação que consta nos autos do “Instituto da Segurança Social, I.P.”, não foi notificado da audiência prévia nem de qualquer comunicação por parte daquele Instituto, requerendo, assim, a possibilidade de se defender, por via da anulação dos actos praticados sem a efectiva notificação desse acto.
Quanto ao caso há que ter em conta que de acordo com o disposto no art.º 37.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, são subsidiariamente aplicáveis ao procedimento de concessão de protecção jurídica as disposições do Código de Procedimento Administrativo.
Por aplicação subsidiária do art.º 112.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, a notificação em referência pode ser feita “p[P]or carta registada, dirigida para o domicílio do notificando ou, no caso de este ter escolhido para o efeito, para outro domicílio por si indicado.”, sendo que, por aplicação do art.º 113.º, n.º 1 e 2 seguinte, “a[A] notificação por carta registada presume-se efectuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Estabelece-se aqui uma presunção iuris tantum: a notificação efectuada pela Segurança Social com observância das formalidades indicadas no dispositivo legal do art.º 112.º do Código de Procedimento Administrativo é válida e eficaz, presumindo-se que foi entregue ao seu destinatário.
As presunções legais apelam sempre “a regras de experiência que, atendendo o elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, permitem dar este por assente quando o primeiro é provado” – cfr. “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.

Contudo, em termos substantivos, o art.º 350.º, n.º 2, do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário (com excepção, obviamente, das inilidíveis), fixando o art.º 344.º, n.º 1, do mesmo Código uma correspondente inversão do ónus da prova.
Em termos processuais, deve atender-se a que um dos princípios basilares do processo civil é o princípio fundamental de acesso à justiça, aqui se incluindo os subprincípios da indefesa e do direito à prova.
O subprincípio do direito à prova comporta uma dupla vertente de direito de propor a prova e de direito de produzir a prova indicada.
Neste particular, em conformidade com a jurisprudência que tem repetidamente defendido idêntica posição, cita-se, a título exemplificativo, o Acórdão n.º 62/2013 do Tribunal Constitucional, de 29.1.2013, publicado no site do tribunal constitucional, em que se indeferiu uma reclamação para a conferência com o fundamento de que “a[A] Segurança Social não tem de fazer prova de que notificou o Recorrente do deferimento de protecção jurídica, cabendo ao Recorrente a prova de que a notificação não ocorreu.” – cfr. também neste sentido os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 25/01/18 e de 01/10/13, publicados no site da dgsi.
Acontece que, in casu, foi junto pela Segurança Social cópia do registo da carta remetida ao requerente, aqui recorrente, quanto à respectiva notificação do sentido de indeferimento do pedido de apoio judiciário em sede de audiência prévia, caso não fosse dado cumprimento ao requerido.
Certo é que feita a respectiva pesquisa no site dos Correios... tendo por base o número desse registo, se constatou que essa notificação foi entregue na respectiva morada indicada pelo requerente e que coincide com aquela que consta destes autos e na qual foi citado e notificado.
Presumida, assim, a sua notificação para impugnar o acto no prazo concedido, cabia ao requerente alegar e provar não ter recebido essa notificação e não ter tido, como tal, conhecimento desse acto.
Acontece que, em vez disso, o R./recorrente, sem alegar qualquer facto que permitisse ilidir a referida presunção, veio requerer que fosse a própria Segurança Social a demonstrar ter praticado o acto.
Ora, essa demonstração já foi pela Segurança Social realizada, pelo que era ao requerente, aqui recorrente, que cabia afastar essa factualidade.
Não o tendo feito, precludido fica esse seu direito.
 Aliás, tal questão nem sequer foi suscitada por incidente preliminar ao recurso daí não ter sido apreciada e decidida, nenhuma omissão existindo, portanto, que tivesse de ser objecto de pronúncia.
Nessa medida, não se antevê a violação de qualquer procedimento pelo Tribunal, nem se alcança a que violação do contraditório e proibição da indefesa se reconduz o recorrente.
Pois, a decisão do ISSS foi efectuada, como tinha de ser, por esse mesmo organismo e se comprova da cópia do registo junta.
Se o não foi, o Recorrente tinha que alegar e provar essa falta, o que não fez.
O despacho recorrido não padece, pois, de qualquer nulidade ou vício, o mesmo se verificando quanto aos factos dados como provados, especificamente no ponto 2.
Pois, à falta de contestação faz a mesma lei corresponder determinados efeitos jurídicos desfavoráveis ao demandado, tomando por confessados os factos articulados pelo autor.
Contestar acção contra si proposta é não apenas um direito do réu, mas também um ónus que sobre ele recai, na medida em que a lei processual associa consequências jurídicas desfavoráveis ao réu, no caso da revelia operante. O exercício da contestação constitui, pois, uma das expressões do princípio do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes
A falta de contestação determina, como resulta do citado n.º 1 do artigo 567.º do Código de Processo Civil, a confissão dos factos articulados pelo autor quando o réu, não contestante, tenha sido ou deva considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou haja juntado procuração a mandatário judicial, no prazo da contestação. O efeito deste comportamento omissivo do réu constitui a designada confissão tácita ou ficta (ficta confessio).
A operância da revelia leva a que se assuma como verificado nos autos o quadro factual alegado na petição inicial, deixando de subsistir qualquer controvérsia acerca do mesmo, limitando-se então o juiz a decidir a causa “conforme for de direito” – cfr. artigo 567.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil.
Esse julgamento pode conduzir ou não à procedência da acção, já que há confissão dos factos, mas não do direito, estando-se perante o chamado efeito cominatório semi-pleno associado à revelia operante – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 630.
Tal como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2015, in Processo n.º 7256/10.9TBCSC.L1.S4, publicado no site da dgsi, “o efeito cominatório semi-pleno, decorrente da situação de revelia operante da R./demandada, apenas determina que se devam ter por confessados os factos efectivamente alegados pelo demandante – cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente ao pedido deduzido.”
Porém, a revelia não produz efeitos em relação aos factos para a prova dos quais se exija documento escrito - alínea d) do artigo 568.º do Código de Processo Civil..
Com efeito, impondo a lei, no seu artigo 364.º do Código Civil.C:\Users\fj56568\Downloads\2038-23.0T8MTS.P1-JUDITE PIRES-generated.docx - _ftn5 ou exigindo a convenção das partes, nos termos do artigo 223.º do Código Civil, determinada forma para a declaração negocial, não pode a lei processual, em virtude da operância da revelia, por falta de contestação do réu, conduzir a uma solução contrária à definida em sede de lei substantiva.
Desta forma, ainda que o réu não conteste, se a lei ou a vontade das partes exigir documento escrito para prova de determinado facto alegado na petição inicial, se o autor não tiver junto tal documento a falta de contestação não pode suprir essa falta, pelo que tal facto não poderá ter-se por confessado.
In casu, a alegação de acto alegadamente praticado pelo R. não depende de qualquer prova documental, contrariamente ao defendido pelo Recorrente.
Aliás, tal não seria sequer causa de nulidade da sentença nos termos alegados, mas de impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto.
Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
*
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se nesta 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo R., confirmando-se, consequentemente, o decidido.
Custas pelo R.
Notifique.
*
Guimarães, 2 de Outubro de 2025

Relatora: Juiz Desembargadora Maria dos Anjos Melo
1.º Adjunta: Juiz Desembargador Paulo Reis
2.º Adjunto: Juiz Desembargador Afonso Cabral de Andrade