Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | VERA SOTTOMAYOR | ||
| Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL INADMISSIBILIDADE PARCIAL DO RECURSO ELEMENTO SUBJECTIVO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I - Da conjugação dos n.ºs 1 al. a) e 3 do artigo 49.º do RPACOLSS resulta a inadmissibilidade do recurso relativamente às contraordenações cuja coima aplicável seja inferior a 25 UC ou valor equivalente. II – A falta de pagamento voluntário da coima pelo valor mínimo que corresponda à infração praticada com negligência não é impeditiva da aplicação de uma coima mais elevada, que é, aliás, o que sucede em regra, e muito menos impede a qualificação da conduta em termos de culpa, uma vez que é à posteriori, com base na prova recolhida durante a fase de instrução que é feita a avaliação da culpa aquando da prolação da decisão. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães 1. Relatório No âmbito da decisão administrativa proferida pela AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DE TRABALHO – CENTRO LOCAL ..., que deu origem aos presentes autos foi aplicada à arguida, EMP01..., LDA. a coima única de €10.500,00, que corresponde à coima parcelar de €8.800,00 e à coima parcelar de €1.700,00 (considerando solidariamente responsável pelo pagamento da coima o legal representante da arguida AA), pela prática das seguintes infrações: - uma contraordenação muito grave, por violação do disposto na alínea b) do n.º 11 do art.º 285.º, do CT, em conjugação com o n.º 10 do mesmo preceito e ainda em conjugação com os nºs 1 e 4 da cláusula 14ª da CCT celebrada entre a AES – Associação das Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos trabalhadores de serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e atividades diversas – STAD e outro – publicado no BTE nº 4 de 29 de Janeiro de 2023, estendido às partes através da portaria de extensão nº 131/2023, de 15/5, publicada no DR, 1ª série, nº 93, de 15 de maio de 2023 (por a arguida na qualidade de adquirente, não ter reconhecido no momento da adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância que se concretizou por concurso público, ter havido a transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com dois trabalhadores com a categoria de vigilantes, que se encontravam a prestar trabalho na portaria principal do Parque de Campismo X... – ..., em ..., cuja prestação do serviço de vigilância era assegurada pela empresa EMP02..., LDª até ../../2023 e que a partir do dia 1 de Agosto de 2023, na sequência do concurso público ...36..., passou a ser assegurada pela arguida) – Processo nº 252400215; - uma contraordenação grave, por violação ao disposto no n.º 1 do art.º 232.º do CT, conjugado com o disposto nos arts. 521.º, nº 1 e nº 5 do art.º 232.º, do mesmo código (a arguida, na qualidade de entidade empregadora ter permitido que o trabalhador BB prestasse trabalho, sem gozo de qualquer dia de descanso por semana) – Processo nº 252400418 A arguida não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Trabalho, negando a prática das imputadas infrações e conclui pela sua absolvição, com o consequente arquivamento dos autos. Caso assim não se entenda, requerer a aplicação da pena de admoestação escrita ou, sem prescindir, a suspensão das sanções. Recebido o recurso, procedeu-se à realização de audiência de julgamento na 1ª instância e seguidamente foi proferida sentença a qual julgou improcedente o recurso e terminou com o seguinte dispositivo: “Nestes termos e por tudo o exposto, julgamos procedente o recurso e, em consequência, decide o tribunal condenar a arguida “EMP01..., LDª” na coima única de €10.500,00 (sendo solidariamente responsável pelo pagamento da coima o seu legal representante AA), pela prática das seguintes infracções: - uma contra-ordenação muito grave, por violação do disposto na alínea b) do nº 11 do art. 285º, do CT, em conjugação com o nº 10 do mesmo preceito e ainda em conjugação com os nºs 1 e 4 da cláusula 14ª da CCT celebrada entre a AES – Associação das Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos trabalhadores de serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e actividades diversas – STAD e outro – publicado no BTE nº 4 de 29 de Janeiro de 2023, estendido às partes através da portaria de extensão nº 131/2023, de 15/5, publicada no DR, 1ª série, nº 93, de 15 de maio de 2023 – Processo nº 252400215; - uma contra-ordenação grave, por violação ao disposto no nº 1 do art. 232º do CT, conjugado com o disposto nos arts. 521º, nº 1 e nº 5 do art. 232º, do mesmo código – Processo nº 252400418. Mais se condena a arguida no pagamento das quantias apuradas na decisão impugnada. * Custas a cargo da arguida, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.Notifique e comunique à ACT. Deposite.” A arguida e o seu legal representante, inconformados com esta decisão recorreram para este Tribunal da Relação de Guimarães e pedem que se declare nula a sentença, por dela não constar os factos provados e não provados, nos termos do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do CPP. e por não se ter pronunciado sobre a atuação em estado de necessidade invocada pelos Recorrentes, nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP. Caso assim não se entenda, pedem os recorrentes a revogação da sentença, por considerarem que a mesma fez uma errada interpretação do disposto no arts. 17.º e 19.º da Lei 107/2009 de 14/09, conjugados com os arts. 283.º e 379.º, n.º 1 alínea b) do C.P.P., declarando nulo todo o processo de contraordenação. Motivam o seu recurso com as seguintes conclusões: “1- Vem o presente recurso interposto da sentença de fls…. dos autos, proferido em 28 de maio de 2025, que decidiu condenar os Recorrentes na coima única de €10.500,00 pela prática de “uma contra-ordenação muito grave, por violação do disposto na alínea b) do n.º 11 do art. 285.º, do CT, em conjugação com o nº 10 do mesmo preceito e ainda em conjugação com os nºs 1 e 4 da cláusula 14ª da CCT celebrada entre a AES – Associação das Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos trabalhadores de serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e actividades diversas – STAD e outro – publicado no BTE nº 4 de 29 de Janeiro de 2023, estendido às partes através da portaria de extensão nº 131/2023, de 15/5, publicado no DR, 1ª série, nº 93, de 15 de maio de 2023 – Processo nº 252400215;” e de “uma contra-ordenação grave, por violação ao disposto no n.º 1 do art. 232º do CT, conjugado com o disposto nos arts. 521.º, n.º 1 e n.º 5 do art. 232º, do mesmo código – Processo nº 252400418.” 2- Os ora Recorrentes, consideram que sentença recorrida é nula por dela não constar os factos provados e não provados, nos termos do disposto no art. 374.º, n.º 2 do C.P.P.; por não se ter pronunciado sobre a atuação em estado de necessidade invocada pelos Recorrentes, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P.; e por considerarem que a sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto no arts. 17.º e 19.º da Lei 107/2009 de 14/09, conjugados com os arts. 283.º e 379.º, n.º 1 alínea b) do C.P.P.. 3- Na impugnação por si apresentada, os Recorrentes alegaram que, e de forma resumida, o trabalhador BB estava a atravessar uma fase bastante complicada na sua vida em termos financeiros, que colocava em risco a sua subsistência, que estava a ter bastantes dificuldades em atender cumprir pontualmente as suas obrigações financeiras, que lhes solicitou que o contratassem a ele para efetuar o serviço de dois, pois só auferindo um salário mais elevado, é que conseguiria viver com dignidade, fazendo face às suas despesas e obrigações. 4- O Tribunal a quo considerou que estes factos “são inócuos e irrelevantes para a decisão e/ou são conclusivos”. 5- No entanto, e salvo o devido respeito, não assiste, razão, ao Tribunal a quo, já que os factos que permitem concluir ou não pela situação de necessidade extrema em que se encontrava o trabalhador BB é o que irá permitir apurar se os Recorrentes agiram ou não em estado de necessidade. 6- Há factos que não são conclusivos e que têm interesse para a decisão da causa que não constam da indicação dos factos provados e não provados, apesar de alegados pela Recorrente, pelo que a sentença é nula por violação do disposto no art. 374.º, n.º 2 do C.P.P., conforme refere o art. 379.º, n.º 1 a) do C.P.P. 7- Os Recorrentes alegaram que o trabalhador BB lhes comunicou que estava a atravessar uma fase bastante complicada na sua vida em termos financeiros, que colocava em risco a sua subsistência, já que estava obrigado a proceder mensalmente ao pagamento de uma renda da sua casa, a um crédito bancário, às pensões de alimentos dos seus filhos, acrescido das mais variadas despesas da vida corrente e do quotidiano que qualquer adulto tem. 8- Alegaram ainda os Recorrentes que o referido trabalhador lhes solicitou para, em vez de outro trabalhador, o contratar a ele para efetuar o serviço dos dois, ou seja, que ele iria fazer a vez de um outro trabalhador, pelo que receberia como se prestasse o trabalho em horário normal, sem qualquer acréscimo. 9- Perante o que lhes foi comunicado pelo trabalhador, os Recorrentes tiveram que colocar em confronto uma norma imperativa do direito constitucional e do direito laboral, o descanso semanal e a retribuição como trabalho suplementar, e um outro direito constitucional, o direito à vida, consagrado no art.º 4.º da Constituição da República Portuguesa. 10- O descanso semanal, previsto pelos arts.º 59.º, n.º1, al. d) da Constituição da República Portuguesa e 232.º do Código do Trabalho, tem como objetivo proteger o bem-estar dos trabalhadores, garantindo que não são submetidos a jornadas excessivas de trabalho que possam comprometer a sua saúde física e mental, bem como comprometer as suas relações pessoais. 11- Ou seja, os objetivos que se visam garantir com a proteção consagrada nos artigos referidos, são exatamente os objetivos que estão a ser colocados em causa com a aplicação dessas mesmas normas. 12- In caus, os Recorrentes tinham um trabalhador a querer abdicar de um direito constitucionalmente consagrado – o direito ao descanso semanal – por forma a garantir um outro – o direito à vida e à sua sobrevivência. 13- Aquando da impugnação para o Tribunal, os Recorrentes alegaram que se viram perante com uma verdadeira situação de estado de necessidade de um seu trabalhador, tendo em confronto dois princípios constitucionais, sendo certo que atender a um implicava a violação do outro. 14- Assim e considerando os interesses em questão: descanso semanal e subsistência do trabalhador, bem como a vontade do próprio trabalhador, os Recorrentes, agindo em estado de necessidade, decidiram preservar a subsistência do trabalhador. 15- Sobre esta questão nada disse o Tribunal a quo, que não a analisou nem decidiu, não se tendo pronunciado sobre o estado de necessidade invocado, não se tendo pronunciado sobre uma questão que deveria apreciar, sendo a sentença nula nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 2 do C.P.P. 16- Os Recorrentes alegaram que, no âmbito do processo n.º 252400215, por carta datada de 23/04/2024, foram notificados para exercer o seu direito à audiência prévia nos termos do disposto no art. 17.º, n.º 2 e 3 da Lei n.º 107/2009. 17- Alegaram também que, conforme consta dessa notificação, os ora Recorrentes estavam acusados de violarem o disposto na alínea b) do n.º 11 do art. 285.º do Código do Trabalho, em conjugação com o n.º 10.º do mesmo artigo e diploma, bem como com os n.º 1 e 4 da cláusula 14.º da CCT aplicável, o que os fez incorrer numa contraordenação muito grave, nos termos do art. 285.º, n.º 11 alínea b) do Código do trabalho, punível com a coima de 32 UC (€3.264,00) a 80 UC (€8.160,00) em caso de negligência e de 85 UC (€8.670,00) a 190 UC (€19.380,00), em caso de dolo. 18- Acrescentaram ainda que foram notificados que poderiam proceder ao pagamento da coima pelo seu valor mínimo, ou seja, €3.264,00. 19- Referiram também que foram notificados para exercer o seu direito de resposta quanto ao cometimento de uma infração a título de negligência: o valor corresponde ao montante mínimo quando os Impugnantes atuam a título de negligência. 20- Já quanto ao processo n.º 252400418, por carta datada de 13/09/2024, foram notificados para exercer o seu direito à audiência prévia nos termos do disposto no art. 17.º, n.º 2 e 3 da Lei n.º 107/2009. 21- Alegaram também que, conforme consta dessa notificação, os ora, Recorrentes estavam acusados de violarem o disposto n.º 1 do art. 232.º do Código do Trabalho, o que os fez incorrer numa contraordenação grave, nos termos do art. 521.º, n.º 1 do Código do trabalho, punível com a coima de 7 UC (€714,00) a 14 UC (€1.428,00) em caso de negligência e de 15 UC (€1.530,00) a 40 UC (€4.080,00), em caso de dolo 22-Acrescentaram ainda que foram notificados que poderiam proceder ao pagamento da coima pelo seu valor mínimo, ou seja, €714,00. 23- Referiram também que foram notificados para exercer o seu direito de resposta quanto ao cometimento de uma infração a título de negligência: o valor corresponde ao montante mínimo quando os Impugnantes atuam a título de negligência. 24- No entanto, e sem que para tal alguma vez tenham sido notificados, a ACT decide aplicar-lhe uma coima, pelos mesmo factos e em ambos os processos a título de dolo. 25- Alegaram os Recorrentes que a ACT decidiu alterar a qualificação jurídica dos factos sem que lhes tenha dado hipótese de se pronunciarem sobre isso, o que constitui uma nulidade, que foi invocada para todos os efeitos. 26- Entendeu o Tribunal a quo que a notificação efetuada em cada um dos processos o foi para que os Recorrentes procedessem ao pagamento voluntário da coima e que esta, em caso de pagamento voluntário, tem que ser liquidada pelo valor mínimo que corresponde à contraordenação praticada com negligência. 27- O art. 60.º da Lei 107/2009 de 14/09 refere que o regime geral das contraordenações se deve aplicar subsidiariamente; por sua vez, o art. 41.º o regime geral das contraordenações fixa a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal. 28- Nos termos do art. 358.º, n.º 3 do C.P.P. afirma que se aplica o disposto no n.º 1quando se pretende alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, ou seja, tal alteração tem que ser comunicada ao infrator / arguido para este, querendo, exercer o seu direito de defesa. 29- Caso tal alteração seja efetuada sem ser comunicada ao arguido / infrator, a decisão / sentença é nula, nos termos do disposto art. 379.º, n.º 1 alínea b) do C.P.C. 30- Entenderam os Recorrentes que, em ambos os processos, foram notificadas para exercer o seu direito de resposta pela prática de uma contraordenação a título de negligência e, depois, foram condenadas pela prática da mesma contraordenação a título de dolo, sem que tivessem tido hipótese de se pronunciar sobre esta alteração da qualificação jurídica, pelo que tal a decisão administrativa é nula e como tal deveria ter sido declarada pelo Tribunal a quo. 31- O Tribunal a quo considerou que não havia qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos, já que na notificação efetuada para o exercício do direito de defesa os factos não são qualificados. 32- Sucede que o Tribunal a quo não retira as consequências jurídicas do que afirma. 33- Conforme referido pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/11/2022, “I - A natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível do facto que consubstancia o elemento subjetivo da concreta contraordenação em causa, nomeadamente em termos de saber se estamos perante uma imputação a título de dolo ou, diversamente, a título de negligência. II - Independentemente da qualificação jurídico-processual que se atribua à decisão da autoridade administrativa de aplicação de uma coima, quer por referência à acusação (artº 283.º n.º 3 do Código de Processo Penal), quer por referência à sentença penal (artº 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal), o certo é que a consequência atribuída à omissão de factos nessa decisão (nomeadamente, de factos atinentes ao elemento subjetivo) consiste sempre na nulidade dessa decisão.” (in www.dgsi.pt) 34- A notificação aos infratores dos factos que constituem uma contraordenação para exercício do direito de defesa num processo de contraordenação corresponde à acusação proferida em processo penal e prevista no art. 283.º do C.P.P., sendo que a qualificação jurídica dos factos a título de dolo ou negligência é um dos elementos essenciais à defesa do infrator / arguido. 35- Conforme consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/09/2016 “III- Para além da indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes, terão de ser indicadas as normas que estabelecem a respectiva punição, ou seja, a espécie e a medida das sanções aplicáveis. § IV- Pretende a lei que ao arguido seja dado conhecimento do exacto conteúdo jurídico-criminal da acusação, ou seja, da incriminação e da precisa dimensão das consequentes respostas punitivas, dando se assim expressão aos princípios da comunicação da acusação e da protecção global e completa dos direitos defesa, este último acolhido no n.º 1 do artigo 32° da CRP. Só assim o arguido poderá preparar e organizar a sua defesa de forma adequada. § V- O arguido não tem que se defender apenas dos factos que lhe são imputados na acusação. A vertente jurídica da defesa em processo penal é, em muitos casos, mais importante. E esta para ser eficaz pressupõe que o arguido tenha conhecimento do exacto significado jurídico-criminal da acusação, o que implica, que lhe seja dado conhecimento preciso de todas disposições legais que irão ser aplicadas. Por isso, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação, principalmente qualquer alteração que importe um agravamento, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender, sob pena de se trair o ideário do processo justo e equitativo, de que fala o art.° 6° da CEDH e densificado no art.° 32° da nossa Constituição”. 36- Assim, e caso se considere que a notificação para a audiência prévia não tinha qualquer qualificação jurídica dos factos, o processo é todo ele nulo, e como tal deveria ter sido declarado. Nestes termos, menos pelo alegado do que pelo que os Venerandos Desembargadores sabiamente suprirão como é Vosso mister e apanágio, deve o presente recurso ser considerado procedente, considerando nula a sentença proferida: b) por dela não constar os factos provados e não provados, nos termos do disposto no art. 374.º, n.º 2 do C.P.P.; b) por não se ter pronunciado sobre a atuação em estado de necessidade invocada pela Recorrente, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P.; Caso assim não se entenda, deve ser revogada a sentença proferida, por considerar que a mesma fez uma errada interpretação do disposto no arts. 17.º e 19.º da Lei 107/2009 de 14/09, conjugados com os arts. 283.º e 379.º, n.º 1 alínea b) do C.P.P., declarando nulo todo o processo de contraordenação” O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela sua total improcedência. * Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no âmbito do qual suscitou a questão prévia da inadmissibilidade parcial do recurso relativamente à infração (referente à violação do descanso semanal), cuja coima aplicada foi de montante inferior a 25 UC e pugna pela improcedência do recurso quanto à restante matéria.Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. * 2. Objeto do RecursoO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente na sua motivação – artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09 -, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente, dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.° do CPP. As questões apreciar respeitam, sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras: - Inadmissibilidade parcial do recurso; - Nulidade da sentença por violação do disposto no art.º 374º nº 2 CPP. - Nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre questão suscitada pela Recorrente, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P. - Errada interpretação do disposto nos arts. 17.º e 19.º da Lei 107/2009 de 14/09, conjugados com os arts. 283.º e 379.º, n.º 1 alínea b) do CPP. Passemos ao seu conhecimento. 3. Fundamentação de facto O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto. a) A arguida EMP01..., Lda., é uma pessoa coletiva com o NIPC ...54 com atividade de atividades de segurança privada (CAE 80100). b) Tem sede na Rua ..., ... ... e local de trabalho na Avenida ..., ... ... - .... c) A empresa EMP02... Lda., dedica-se a atividades de segurança privada, tendo prestado serviços de vigilância e segurança para a Fundação X..., nomeadamente, no Parque de Campismo do X... sito no ... - ..., entre ../../2022 e 31 de julho de 2023, por força do concurso público Internacional n.º P.22.00.... d) CC (NISS ...48) e DD (NISS ...92), eram trabalhadores da EMP02..., desenvolvendo as funções de vigilante no parque de campismo suprarreferido, exercendo tal atividade, pelo menos durante L22 dias no período compreendido entre 1 de abril de 2023 e 31 de julho de 2023. e) Entre abril e julho de 2023, os referidos trabalhadores detinham a categoria profissional de vigilante e a retribuição base de DD era de €345,00 e de CC era de €864,96. f) Por concurso público, P.23.036/NC, para a aquisição de serviços de vigilância humana para as várias instalações da Fundação X..., a arguida concorreu ao mesmo, tendo-lhe sido adjudicados tais serviços a 27.06.2023, com efeitos a partir do dia 1.08.2023. g) No parque de campismo da Fundação X..., sito no ..., ..., tais serviços, até então, eram prestados pela EMP02... Lda., nos mesmos moldes que passaram a ser desempenhados pela arguida a partir de 01.08.2023, na sequência do supra referido concurso público. h) Os trabalhadores suprarreferidos, CC e DD, apresentaram-se para trabalhar no dia 01.08.2023 pelas 00h00 no identificado Parque de Campismo do X... e foram para tanto impedidos pelo facto de se encontrar outro funcionário nos seus postos de trabalho. i) Perante esta impossibilidade, os trabalhadores solicitaram a comparência da PSP .... j) No dia 3 de agosto de 2023, ás 10h55m foi efetuada visita inspetiva pelo inspector EE da ACT ao local de trabalho supra identificado, Portaria principal do Parque de Campismo da Fundação X...- ..., .... k) Nessas circunstâncias de tempo, modo e lugar, na sequência da substituição das prestadoras de serviços de vigilância, ocorrida por força do acima identificado concurso público, os equipamentos de controlo da portaria e da entrada e saída de pessoas, bens e viaturas, eram os mesmos, mas os vigilantes não eram os trabalhadores CC e DD. l) A 04.08.2023 e a fim de efetivar a ação inspetiva, a arguida e a EMP02... foram notificadas, via postal, para apresentar no Centro Local ... da ACT, diversa documentação necessária à caracterização da sucessão dos postos de trabalho dos trabalhadores abrangidos. m) Em resposta, constatou-se que a EMP02... enviou á arguida, por correio eletrónico datado de 24.07.2023, no qual refere que “juntamos em anexo os documentos para a transmissão de estabelecimento do cliente "Fundação X... - Parque de Campismo do ...". Os restantes documentos seguem via correio”. Em anexo ao mesmo, seguiram documentos relativamente ao trabalhador CC (NISS ...) e de DD (NISS ...). n) No mesmo dia, pelas 16h57m foi enviado novo e-mail à arguida, em que refere no respetivo corpo do texto "Enviamos em anexo' quadro corrigido do funcionário DD.". o) No mesmo dia, pelas 17h19m, a EMP02... remeteu carta registada à arguida - a qual foi rececionada a 25.07.2023 na pessoa de FF - na qual remeteu à mesma os seguintes elementos referentes aos trabalhadores DD e CC. a. Nome, morada e contacto telefónico; b. Número de Segurança Social, de cartão de vigilante e validade, número de identificação fiscal e data de nascimento; c. Categoria profissional e função desempenhada; d. Data de admissão; e. Antiguidade na categoria e na função; f. Situação contratual (a termo ou sem termo); g. Salário base, subsídio de alimentação h, Indicação das férias marcadas; i, Informação relativa ao pagamento de subsídio de férias e/ou subsídio de Natal; j. Cópia do contrato de trabalho, cópia do cartão de cidadão, cópia do cartão profissional e cópia do último registo criminal. p) No dia 2023.07.27, a arguida enviou carta registada à EMP02... e aos trabalhadores envolvidos, dando conta de que, dado a EMP02... não ter cumprido a comunicação no prazo legal sobre as informações relevantes para a transmissão, que "... face a esse incumprimento, entendemos não estarem cumpridos os pressupostos da transmissão, devendo V. Exas, a v/ empresa denominada EMP02..., Lda, assumir os trabalhadores CC e DD". q) Em resposta veio a EMP02... referir à arguida, via correio eletrónico datado de ../../2023, pelas 18h05m, dando conta de que entendiam que a posição da arguida no que respeita à transmissão dos trabalhadores era "violadora do contrato, da lei e do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho", acrescentando que" ainda que a EMP02... tivesse incorrido em incumprimento (...) tal não influenciaria em nada o facto de a transmissão da posição de empregador ser automática e não depender da entrega ou não dessa documentação." r) A 16.08.2023 os trabalhadores e a arguida reuniram nas suas instalações sita em ..., tendo acordado que o trabalhador CC gozaria férias durante o mês de agosto e reiniciaria as suas funções de vigilante, no parque de campismo do X... - ..., no início de setembro. Foi ainda solicitado o envio da documentação do trabalhador CC (cartão de vigilante, registo criminal, entre outros). s) Por email datado de 16.08.2023, o citado trabalhador remeteu à arguida a documentação solicitada. t) A arguida, a 16.08.2023, comunicou à segurança social a admissão dos trabalhadores CC e DD com efeitos a 01.08.2023. u) A 16.08.2023, o trabalhador DD denunciou o contrato de trabalho. v) A 31.08.2023, pelas 15:52:14, a arguida, procedeu à anulação junto da segurança social do trabalhador CC, por "desistência do trabalhador”. w) O trabalhador CC nunca denunciou o seu contrato de trabalho. x) Entre os citados trabalhadores e a EMP02..., não foram celebrados quaisquer acordos no sentido de estes permanecerem ao seu serviço. y) A 8 de setembro de 2023, pelas 07h15m foi efetuada visita inspetiva ao local de trabalho da arguida sito no Parque de Campismo do X... em ... - .... z) Foi verificado que a arguida, ali mantinha, ao seu serviço, sob a sua autoridade e direção o trabalhador BB, NISS ...46, admitido pela arguida a 1.08.2023 para exercer funções inerentes à categoria profissional de vigilante. aa) O referido trabalhador foi o interlocutor da visita inspetiva. bb) Constatou-se que no local se encontrava afixado o mapa de horário de trabalho, do qual resulta que estavam dois trabalhadores afetos àquele local, BB e GG. cc) O trabalhador BB tinha horário de trabalho fixo, das 00h00 às 08h00 de segunda a sexta- feira, seguidos de dois dias de descanso (sábado e domingo), os quais eram assegurados pelo trabalhador GG. dd) O trabalhador apresentou apenas os seus registos dos tempos de trabalho referentes a agosto e setembro de 2023. ee) Na sequência da visita, foi a arguida notificada para apresentar, nomeadamente, mapa de horário de trabalho atualizado, registos de tempos de trabalho, recibos de vencimento, entre outros. ff) A arguida remeteu mapa de horário de trabalho atualizado, do qual se constata que o único trabalhador é o referido BB, escalado para trabalhar todos os dias da semana, sem nenhum dia de descanso. gg) Não foram apresentados registos dos tempos de trabalho, recibos de vencimento ou contrato de trabalho do trabalhador GG. hh) O trabalhador BB exerceu atividade durante 37 dias seguidos, no período compreendido entre os dias 1 de agosto de 2023 e 6 de setembro de2023, sem o gozo de pelo menos um dia de descanso em cada semana. ii) A arguida procedeu ao pagamento no montante de €445,80 a título de horas extras. jj) É devida ao trabalhador BB a quantia de €313,84 e de €122,54 à segurança social, a título de trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal obrigatório e complementar desde 1.08.2023 até ao dia da visita inspetiva, 8.09.2023. kk) A arguida permitiu, enquanto entidade empregadora que o citado trabalhador prestasse trabalho de forma ininterrupta, de segunda a domingo, sabendo que tal circunstância é ilícita, conformando-se com tal resultado. ll) O trabalhador BB, solicitou, por escrito, à arguida, um pedido de não usufruir folgas, por motivos pessoais. mm) Nessa sequência, em 01/08/2023, entre a arguida e o trabalhador BB foi outorgado um documento denominado “celebração de acordo de horário de trabalho”, junto como documento nº 7 anexo ao auto de notícia, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. * 4. Fundamentação de direito1. Questão Prévia - Da admissibilidade do recurso Da admissibilidade do recurso no que tange a uma das contraordenações imputadas à arguida - violação ao disposto no nº 1 do art. 232º do CT, conjugado com o disposto nos arts. 521º, nº 1 e nº 5 do art. 232º CT. por a arguida, ter permitido que um dos seus trabalhadores prestasse trabalho, sem gozo de qualquer dia de descanso por semana-, cuja coima aplicada em concreto foi de montante inferior a 25 UC e não abrange sanção acessória. Estabelece o artigo 49.º do RPACOLSS (regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e da segurança social), aprovado pela Lei n.º 107/2009 de 14/9, o seguinte: Decisões judiciais que admitem recurso 1 - Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente; b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público; 2 (…) 3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.” No caso em apreço a coima individualmente aplicada a uma das infrações cuja prática é imputada à recorrente, não tendo esta se conformado com tal condenação, é de montante inferior ao previsto na al. a) do transcrito normativo, que se cifra em €2.550,00 e no que respeita a esta infração, não lhe foi aplicada qualquer sanção acessória. Na verdade, pela prática da mencionada infração referente à falta do descanso semanal de um dos seus trabalhadores, foi aplicada uma coima de €1.700,00, sendo certo que apenas pela prática da outra infração cuja condenação a recorrente não se conforma, foi aplicada uma coima de valor superior a €2.550,00, mais precisamente foi lhe aplicada a coima de €8.800,00. Por outro lado, do n.º 3 do citado artigo 49.º resulta que a recorribilidade se afere em função das coimas individuais e não da coima única e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites. Em face do exposto, temos por certo que só é admissível recurso quanto às contraordenações cuja coima individualmente aplicada é superior a 25 UCs, razão pela qual se consigna que, por inadmissibilidade legal rejeita-se o recurso quanto à contraordenação p. e p. pelo 232.º n.º 1º do CT, conjugado com o disposto nos arts. 521º, n.º 1 e n.º 5 do art. 232.º CT. cuja coima aplicada foi de valor inferior a 25 UC, sem que tivesse sido aplicada qualquer sanção acessória[1]. Importa deixar assente que quanto às questões por nós acima enunciadas referentes às invocadas nulidades da sentença nos termos do art. 379º nº 1 al. a) CPP, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do CPP. e ainda por não se ter pronunciado sobre questão suscitada pela Recorrente, nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP., dizem as mesmas respeito à contraordenação grave por violação ao disposto no n.º 1 do art.º 232.º do CT, conjugado com o disposto nos arts. 521º, nº 1 e nº 5 do art. 232º CT (a arguida, na qualidade de entidade empregadora ter permitido que o trabalhador BB prestasse trabalho, sem gozo de qualquer dia de descanso por semana), pelo que não sendo admissível recurso, fica prejudicado o conhecimento de tais questões. 2- Da errada interpretação do disposto nos arts. 17.º e 19.º da Lei 107/2009 de 14/09, conjugados com os arts. 283.º e 379.º, n.º 1 alínea b) do CPP. Entende a arguida/recorrente que a sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto nos arts.º 17.º e 19.º da Lei 107/2009 de 14/09, conjugados com os arts.º 283.º e 379.º, n.º 1 alínea b) do CPP, já que foram notificados nos termos do art.º 17.º da Lei nº 107/2009 pela prática de uma contraordenação a titulo de negligencia e pelo valor mínimo e foram condenados a titulo de dolo numa coima de montante superior, dizendo assim, ter ocorrido alteração da qualificação jurídica dos factos, a determinar a nulidade da decisão, nos termos do art.º 379.º nº 1 al. c) CPP. É de salientar, que ao contrário do entendido pelos recorrentes, não lhe foi imputada a prática de qualquer infração a título de negligência, simplesmente de acordo com prescrito no art.º 17.º n.º 1 conjugado com o 19.º n.º1, al. a) da Lei n.º 107/2009, foi notificada para proceder ao pagamento voluntário da coima pelo seu valor mínimo, o que corresponde à contraordenação praticada com negligência. Mas vejamos: A Lei n.º 107/2009, de 14.09, é a lei que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, no qual se definem as regras para o processamento e a decisão destas infrações. Prescreve o art.º 15º da Lei nº 107/2009, de 14.09 (doravante RPACLSS): 1 - O auto de notícia, a participação e o auto de infracção referidos nos artigos anteriores mencionam especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante e, ainda, relativamente à participação, a identificação e a residência das testemunhas. 2 - Quando o responsável pela contra-ordenação seja uma pessoa colectiva ou equiparada, indica-se, sempre que possível, a sede da pessoa colectiva e a identificação e a residência dos respectivos gerentes, administradores ou directores. 3 - No caso de subcontrato, indica-se, sempre que possível, a identificação e a residência do subcontratante e do contratante principal. Por outro lado, prescreve o art.º 17.º do RPACLSS 1 - O auto de notícia, a participação e o auto de infracção são notificados ao arguido, para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento voluntário da coima. 2 – Dentro do prazo referido no número anterior, o arguido pode apresentar resposta escrita, em língua portuguesa, devendo juntar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada infração. E por fim prescreve o art.º 19.º do RPACLSS: 1 - Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão da autoridade administrativa competente, nos casos em que a infracção seja qualificada como leve, grave ou muito grave praticada com negligência, o arguido pode proceder ao pagamento voluntário da coima, nos termos seguintes: a) Em caso de pagamento voluntário da coima efectuado no prazo de 15 dias estabelecido no n.º 1 dos artigos 17.º e 18.º, a coima é liquidada pelo valor mínimo que corresponda à contra-ordenação praticada com negligência, devendo ter em conta o agravamento a título de reincidência, sem custas processuais; b) Em caso de pagamento voluntário da coima efectuado posteriormente ao decurso do prazo previsto na alínea anterior, mas antes da decisão da autoridade administrativa competente, a coima é liquidada pelo valor mínimo que corresponda à contra-ordenação praticada com negligência, devendo ter em conta o agravamento a título de reincidência, acrescido das devidas custas processuais. 2 - Se a contra-ordenação consistir na falta de entrega de mapas, relatórios ou outros documentos ou na omissão de comunicações obrigatórias, o pagamento voluntário da coima só é possível se o arguido sanar a falta no mesmo prazo. 3 - O pagamento voluntário da coima, nos termos do n.º 1, equivale a condenação e determina o arquivamento do processo, não podendo o mesmo ser reaberto, e não podendo os factos voltar a ser apreciados como contra-ordenação, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma. 4 - Se o infractor agir com desrespeito das medidas recomendadas no auto de advertência, a coima pode ser elevada até ao valor mínimo do grau que corresponda à infracção praticada com dolo. Dos citados normativos resulta inequívoco que, do auto de noticia, participação ou auto de infração que é notificado ao infrator não tem de constar a imputação subjetiva do tipo, a factualidade subjetiva irá resultar da investigação a efetuar no âmbito do processo[2], pois num momento inicial apenas se constata de forma objetiva da existência da prática da infração, por isso apenas são descritos no respetivo auto os factos materiais e concretos integradores da prática da infração. Importa reter que o auto de noticia não constitui em si mesmo uma acusação. Com efeito, o facto de no auto de noticia não constar o elemento subjetivo, não significa que não tenham sido fornecidos todos os elementos necessários para que a arguida, fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes, de facto e de direito, relativos à sanção que se lhe pretende aplicar, de forma a que possa exercer um efetivo direito de defesa. Com o auto de notícia inicia-se o procedimento contraordenacional, vindo o mesmo a terminar com a decisão proferida nos termos do art.º 25.º do RPACLSS, decisão esta, que passa a valer como acusação, desde que aja impugnação judicial, conforme resulta do prescrito no art.º 37.º da citada Lei. É normal que, apesar de se ter constatado a existência objetiva da prática de uma contraordenação, aquando da laboração do auto de noticia se desconheça se existe imputação subjetiva e, na afirmativa, a que título. A decisão sobre a factualidade subjetiva resultará da investigação a efetuar no âmbito do processo contraordenacional e para o qual contribuirá seguramente a defesa da arguida. Assim, a inexistência de invocação fáctica no auto de notícia do elemento subjetivo da contraordenação imputada não constitui qualquer violação ao prescrito nos art.ºs 15 e 17.º do RPACLSS. De tudo isto resulta que a nulidade prevista no n.º 3 do art.º 283.º do Código de Processo Penal possa ser aplicada à decisão proferida nos termos do citado art.º 25.º, mas não à notificação prevista nos arts. 15.º e 17.º do RPACLSS, pois, apenas se poderá impor àquela e não a esta a existência de factos relativos ao elemento subjetivo do tipo da contraordenação imputada, sob pena de nulidade. É este o entendimento dominante na jurisprudência, no sentido de que tendo presente a natureza específica dos ilícitos contraordenacionais, a prévia audição do arguido, quanto à infração que lhe é imputada, não carece, sequer, de que seja feita menção ao respetivo elemento subjetivo. Neste sentido, se pronunciou o Acórdão da RG de 1.12.2014, proferido no processo n.º 36/14.4TBPCR.G1, ao referir que “[n]o cumprimento do dever de audição pela entidade administrativa, indispensável é que o arguido passe a conhecer os factos que lhe são imputados, não sendo necessária qualquer referência aos elementos subjetivos da infração”, o Acórdão da RG de 28.10.2019, proferido no processo n.º 4963/18.1T8GMR.G1, ao referir que “[o] facto de, no direito de audição e defesa conferido nos termos do previsto no art.º 50º R.G.C.O. não constar o elemento volitivo não se traduz em qualquer nulidade, bastando tão-só ao direito de defesa a descrição naturalística dos factos, para que o arguido possa defender-se, exercendo o contraditório” e o Ac. da RG de 05.03.2020, proferido no processo n.º 2481/19.0T8GMR.G1, no qual se sumariou o seguinte: “2. A prévia audição do arguido, nos termos conjugados dos citados arts. 15.º e 17.º do Regime Processual Aplicável às Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social, não impõe a concretização do elemento subjectivo da contra-ordenação que lhe é imputada.”[3] Por outro lado, resulta ainda dos transcritos normativos que o auto de noticia com os respetivos elementos, nos quais não se inclui a imputação subjetiva, são notificados ao arguido, para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento voluntário da coima, que é liquidada pelo valor mínimo que corresponda à infração praticada com negligência, equivalendo tal pagamento à condenação, o que não pode deixar de ser entendido como uma contrapartida concedida ao arguido que se conforma com a prática da infração renunciando à possibilidade de discutir a sua existência. Daí que só no caso de não se verificar o pagamento voluntário da coima pelo seu valor mínimo é que o processo prossegue a sua normal tramitação com o apuramento da prática da infração, designadamente quanto às circunstâncias da sua ocorrência em termos subjetivos, sendo proferida decisão de acordo com o prescrito no art.º 25.º do RPACLSS. Em suma, a falta de pagamento voluntário da coima pelo valor mínimo que corresponda à infração praticada com negligência não é impeditiva da aplicação de uma coima mais elevada, que é, aliás, o que sucede em regra, e muito menos impede a qualificação da conduta em termos de culpa, uma vez que é à posteriori, com base na prova recolhida durante a fase de instrução que é feita a avaliação da culpa aquando da prolação da decisão. Não constitui, assim, qualquer alteração na qualificação jurídica dos factos imputados à arguida/recorrente o facto de ter sido notificada para liquidar a coima pelo seu valor mínimo, o que corresponde à contraordenação praticada com negligência e depois ter-lhe sido imputada em sede de decisão administrativa a prática da mesma infração a título de dolo, sendo certo que na notificação efetuada para o exercício do direito de defesa os factos não são qualificados no que respeita ao seu elementos subjetivo. Tal como se refere no parecer emitido pelo Ministério Público junto aos autos “Não resulta da lei nem tal faria sentido, que, não tendo sido efetuado o pagamento voluntário, apuradas as circunstancias concretas da prática dos factos, a coima não pudesse ser doseada nos termos do art. 18º do DL nº 433/82.” Improcede na totalidade o recurso é de manter a sentença recorrida. Decisão Por todo o exposto, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em confirmar o decidido relativamente à infração cuja coima individualmente aplicável foi de valor superior a 25 UC e não admitir o recurso relativamente à infração cuja coima aplicada foi de valor inferior a 25 UC. Custas do recurso a cargo dos Recorrentes, condenando-se os mesmos em 3UC de taxa de justiça (artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro e 8.º, n.º 9 e Tabela III do RCP). Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão. Guimarães, 9 de Outubro de 2025 Vera Maria Sottomayor (relatora) Maria Leonor Barroso Francisco Sousa Pereira [1] Neste sentido tem sido uniforme a posição assumida por este Tribunal da Relação, tal como resulta a título meramente exemplificativo dos seguintes arestos: Ac. de 20/10/2016, proc. n.º 650/16.3T8VCT.G1; Ac. de 7/12/2017, proc.º n.º 143/17.1T9VRL.G1; Ac. de 19/04/2018, proc.º n.º 2099/17.T8VCT.G1; Ac. de 20/09/2018, proc. n.º 6360/17.7T8BRG.G1, Ac. de 24/01/2019, proc. n.º 3926/17.9T8GMR.G1, Ac. de 10/07/2019, proc. n.º 1139/18.1T9VRL e Ac. de 19/11/2019, proc. n.º 1138/18.3T9VRL.G1, todos consultáveis in www.dgsi.pt. [2] Neste sentido ver Acs. TRE de 09-06-2022 Proc. 807/21.5T8EVR.E1 e de 06-12-2017, Proc. 2823/16.0T8STB.E1 ambos disponiveis em www.dgsi.pt [3] Ainda neste mesmo sentido se pronunciaram os Acs. da RL de 6.12.2017, processo n.º 746/17.4T8LSB.L1-4, e da RG de 20.022018, processo n.º 167/17.9T8VNC.G1.Todos disponíveis em www.dgsi.pt |