Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA CAUSA PREJUDICIAL DECISÃO DE FACTO DEFICIENTE CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA NULIDADE DO CONTRATO OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - Não pode o recorrente pretender impugnar uma decisão que não especificou no requerimento de interposição de recurso. II - As partes apenas podem juntar documentos com as alegações em duas situações, (i) superveniência objetiva ou subjetiva do documento; (ii) necessidade do documento surgida em face do julgamento proferido na 1.ª instância. III - E só podem ser admitidos os documentos que não sejam impertinentes – serão impertinentes os documentos relativos a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da ação ou desnecessários – serão desnecessários os documentos relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da ação. IV – A prejudicialidade entre acções para efeitos do n.º 1 do art.º 272º do CPC, verifica-se quando o que é decidido numa delas (a acção prejudicial) condiciona o que pode ser decidido na outra (a acção dependente). V - A suspensão da instância não pode servir para que se verifique eventualmente um facto /resultado de uma acção proposta, facto esse não alegado nos autos, mas essencial de acordo com determinada solução plausível de direito. VI - A nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC – oposição entre os fundamentos e a decisão – é intrínseca a uma decisão e resulta da estrita compaginação entre a mesma e os respectivos fundamentos, não abrangendo a contradição entre decisões autónomas. VII - A nulidade da sentença prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º - o juiz conheça de questões que não podia conhecer -, não abrange a consideração de factos que não deviam ter sido considerados. VIII - Uma vez que está vedado ao tribunal ad quem a prática de actos inúteis, não há lugar à reapreciação da decisão de facto se os factos objecto da impugnação, atentas as circunstâncias do caso e as várias soluções plausíveis de direito, mesmo que demonstrados são insusceptíveis de alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito. IX - É o que sucede no âmbito de um contrato de mediação imobiliária, seja ele válido ou inválido, com a factualidade com a qual se intenta demonstrar que o negócio visado com a mediação imobiliária não se realizou por facto imputável à mediadora, na medida em que a eventual manutenção da mesma como provada não é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de saber se, no primeiro caso, a mediadora tem direito a ser remunerada e, no segundo caso, se a mediadora tem direito ao valor correspondente à sua prestação. X - A decisão de facto será deficiente quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas da prova. XI - O tribunal não pode considerar provados ou não provados factos essenciais, ou seja, factos de que depende o reconhecimento do direito ou a procedência da excepção, não alegados. XII - Tendo o tribunal a quo considerado provado um facto não alegado, o mesmo deve ser eliminado em obediência ao disposto nos art.ºs 5º n.º 1 e 607º n.º 4 do CPC. XIII - Pode definir-se o contrato de mediação imobiliária como aquele em que uma empresa de mediação imobiliária (o mediador) assume perante outrem (o cliente), a incumbência, mediante uma remuneração, de procurar interessados na realização (com o cliente) de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis. XIV - O “contrato de prestação de serviço” não constitui um tipo contratual, mas um tipo-padrão, uma classe de contratos ou uma categoria de contratos. XV - Desde que um contrato tenha por objecto a procura de interessados na realização (com o cliente) de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis, independentemente da concreta expressão da posição do mediador, estamos perante um contrato de mediação imobiliária e não perante um contrato de prestação de serviço. XVI - Sendo o contrato de mediação imobiliária nulo por falta de forma, a mediadora terá, por aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 289º do CC, direito ao valor correspondente à sua prestação – encontrar interessado na realização do negócio visado com a mediação - insusceptível de restituição em espécie. XVII - Mas na determinação do valor correspondente a essa prestação, há-de ter-se em consideração as especificidades do direito à remuneração do mediador - o n.º 1 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013 dispõe que o mediador só tem direito à remuneração acordada quando o negócio visado pelo contrato de mediação se tenha concretizado – não podendo a mediadora receber o que não receberia se o contrato fosse válido e a remuneração que tiver sido acordada. XVIII - Na determinação do valor correspondente a essa prestação, não há que considerar o n.º 2 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013, que pressupõe o estabelecimento de uma cláusula de exclusividade, cuja aplicação pressupõe a validade do contrato; sendo o contrato nulo, aquela cláusula é englobada na nulidade e não pode ser aplicada. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório EMP01... Lda. instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra EMP02... Lda. pedindo a condenação da Ré a pagar à A. a quantia de € 7.287,75, acrescida de juros de mora vencidos que liquida no montante de € 154,74 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento. Alegou para tanto, e em síntese, que se dedica, entre outras actividades, à mediação imobiliária; a Ré dedica-se, entre outras actividades, à promoção e venda de imóveis; no âmbito e no desenvolvimento da sua actividade, a A. prestou serviços de mediação à Ré na venda da fracção autónoma que identifica, em que a principal responsabilidade da A., no âmbito da prestação de serviços, consistiu em encontrar um interessado na aquisição da referida fracção autónoma e na obtenção e elaboração de toda a documentação necessária à outorga da escritura de compra e venda; e como contrapartida da prestação destes serviços, a Ré obrigou-se a pagar à A. a quantia de € 5.925,00, acrescida do IVA em vigor à taxa legal de 23%, no total de € 7.287,75. Mais alegou que, na sequência das diligências de promoção realizadas, a A. conseguiu uma interessada na compra do referido imóvel – AA - e, nessa sequência, foi celebrado «Contrato de Promessa de Compra e Venda» entre a Ré e a referida interessada; a Ré remeteu à A. uma missiva na qual se arroga do direito de não pagamento da obrigação pecuniária invocando que a escritura pública subjacente à fracção acima descrita não se realizaria devido ao «manifesto incumprimento» da promitente compradora; a promitente compradora intentou contra a aqui Ré acção de execução específica do contrato promessa, a qual tem o n.º 2664/23.8T8VCT do J ... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo. E em sede de Direito invoca que celebrou um contrato de prestação de serviços com a Ré; à mediação, enquanto contrato de prestação de serviços, aplicam-se as regras do mandato sempre que a regulação específica da mediação não abranja determinada situação; a A. tem direito a receber a remuneração desde que esteja em condições de concluir o negócio; o contrato de compra e venda, a não se ter realizado, foi devido a comportamento imputável à Ré. Citada, a Ré contestou dizendo, em síntese, que entre a A. e a Ré não existe, nem nunca existiu, qualquer contrato de mediação imobiliária ou qualquer outro; o contrato de mediação imobiliária é, obrigatoriamente, reduzido a escrito e dele têm que constar, obrigatoriamente, os elementos definidos nas alíneas a) b) c) d) e) f) g) do nº 2 do artigo 16º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro; a ausência de qualquer um desses elementos determina, sem mais, a inexistência de contrato de mediação imobiliária e esta determina, sem mais, a inexistência da obrigação de a Ré pagar à Autora o que quer que seja a título de mediação imobiliária; na mediação imobiliária a remuneração da mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação; o negócio visado pelo alegado exercício da mediação não se realizou, pelo que não impende sobre a Ré a obrigação de pagar à A. qualquer tipo de remuneração; o contrato prometido não se concretizou por factos imputáveis, exclusivamente, à promitente compradora, de que a A. teve, então, absoluto conhecimento por neles ter participado activamente; a resolução daquele contrato de compra e venda tem, na sua génese, uma série consecutiva de cedências de posição contratual à revelia, sem conhecimento, nem consentimento da promitente vendedora, aqui Ré, e nesta série de cedências de posições contratuais figura, desde logo e em primeira linha, a sociedade «EMP03... – UNIPESSOAL, LDA”, empresa do universo empresarial da A., da qual é sócio e gerente BB que, também é sócio e gerente da aqui Autora; a A. gizou o plano de cedências sucessivas de posição contratual, permitindo o encaixe adicional de € 50.000,00; o mérito da causa não se refe pelo art.º 1156º do CC, dado que a A. alega que ocorreu intermediação imobiliária. A A. apresentou resposta, dizendo: responde a uma não identificada ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir; não se verifica a nulidade do contrato por falta de forma, porque, tal como alegado na petição inicial, estamos perante um contrato de prestação de serviços e não um contrato de mediação imobiliária, não estando, por isso, sujeito às regras de forma resultantes da Lei nº 15/2013; ainda que se estivesse perante um contrato de mediação imobiliária nulo, isso não implicaria que a A. não tivesse direito a remuneração; a não concretização do negócio também não é impeditiva da obrigação da Ré de remunerar a A., uma vez que não se está perante um contrato de mediação imobiliária, mas perante um contrato oneroso de prestação de serviços, ao qual se aplicam as regras do mandato, sendo uma das obrigações do mandante o pagamento da retribuição; é falso que tenha havido uma cedência da posição contratual da promitente compradora, tendo havido, sim, uma promessa de compra e venda de bem futuro, que não necessitava de autorização da R. E invocou a litigância de má-fé da R. porquanto a mesma deduziu contestação com alegações que bem sabe não corresponderem à verdade, pedindo a condenação daquela em multa e no pagamento de uma indemnização à A., no valor de mil euros. A Ré respondeu. Foi fixado o valor da causa em € 7.442,49 e, em função disso, aplicado o disposto no art.º 597º do CPC, tendo sido proferido despacho saneador, com apreciação tabelar dos pressupostos processuais, designação de data para realização da audiência final e admissão das provas oferecidas. A 30/09/2024 a A. requereu a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, alegando para tanto que nos presentes autos encontra-se em discussão a existência de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e a Ré e o incumprimento pela última da sua obrigação de pagar a remuneração devida à Autora; em sede de contestação, a Ré invocou a nulidade do contrato de mediação imobiliária, uma vez que o mesmo não foi reduzido a escrito, e que não se realizou; apesar de a A. manter que foi celebrado um contrato de prestação de serviços e não de mediação, caso o tribunal considere que estamos perante um contrato de mediação e que a comissão só é devida caso o negócio seja concluído, importa atender ao facto de no Juiz ... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo estar pendente com o n.º de processo 2664/23.8T8VCT, uma acção de execução específica em que a aqui Ré é também Ré e A. a promitente compradora, sendo que esse contrato foi aquele que resultou dos serviços prestados pela aqui A. e cujo pagamento requer nos presentes autos; alegando a R. que o não pagamento da comissão se deve, entre o mais, à não conclusão do negócio, o desfecho da acção que corre termos em ... irá influenciar o desfecho dos presentes autos, pois se a Ré for condenada nesse processo, o contrato-prometido será celebrado e a R. terá de pagar a comissão devida à A. A 30/09/2024 teve lugar a audiência final, durante a qual a Ré se pronunciou quanto à requerida suspensão da instância, constando da Acta, apenas e tão só, que a mesma se pronunciou no sentido de ser rejeitada a pretensão [por lapso consta petição] da A. No final da referida audiência Sra. Juiz a quo determinou que fosse solicitado ao processo 2664/23.8T8VCT que informasse o estado dos autos e remetesse certidão dos articulados, do despacho saneador e eventual sentença e que, após, fosse aberta conclusão para se pronunciar. Além disso, determinou, ao abrigo do disposto nos art.ºs 411º e 526º do CPC, que fosse: - extraída certidão do registo comercial da EMP03... e junta aos autos; - a notificação de CC, na qualidade de legal representante da EMP03..., para comparecer e prestar declarações em julgamento; - a notificação de DD, EE e FF para comparecerem a fim de prestarem depoimento na qualidade de testemunhas. Foi junta aos autos certidão do registo comercial da EMP03... e do processo 2664/23.8T8VCT, contendo cópia da petição inicial (em que figura como A. AA e Ré EMP02..., Ldª), da contestação e do despacho saneador e informação da data designada para julgamento. Na referida petição inicial a A. FF pede que: a) seja declarada a ilicitude da resolução efectuada pela Ré e, em consequência, o contrato de compra e venda celebrado entre A. e Ré se mantenha em vigor; b) seja deferida a execução específica do contrato-promessa, sendo, em consequência, emitida decisão que produza os efeitos da declaração negocial em falta da Ré, promitente compradora, declarando-se transmitida a favor da A. a referida fracção; c) subsidiariamente e para o caso de não ser possível a execução específica, seja declarado o incumprimento definitivo e culposo por banda da promitente compradora e a Ré condenada a pagar à A. a quantia de € 40.000,00 correspondente ao dobro do sinal acrescido de juros de mora; d) seja a Ré condenada a pagar uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 1.845,00 e danos não patrimoniais em montante não inferior a € 37.500,00, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento. Alegou para tanto, e em síntese, que celebrou com a aqui também Ré um contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma já identificada nestes autos, pelo preço de € 197.500,00, tendo entregue a título de sinal a quantia de € 20.000,00; a escritura seria celebrada até ../../2023, data em que a fracção autónoma seria entregue à A.; atribuíram ao contrato o benefício da execução específica; a Ré resolveu o contrato promessa e remeteu um cheque no valor de € 20.000,00; a A. não encontrará um outro imóvel idêntico ao prometido vender por valor inferior a € 235.000,00; a resolução injustificada causou à A. danos financeiros e um impacto emocional substancial. A Ré contestou invocando, em síntese, que a A., à revelia da Ré e, portanto, sem prévio consentimento desta, cedeu a posição contratual a terceiro, o qual, por sua vez, também já cedeu a posição contratual, situações de que só teve conhecimento quando se tratou de definir materiais, em que apareceu EE, que exibiu um contrato de cedência de posição contratual no qual figurava como representante de DD, a qual figurava como cessionária; a Ré desconhece esta pessoa; a A. cedeu a sua posição à EMP03... Unipessoal, Ldª, a qual cedeu a sua posição a DD. A 10/10/2024 a Sra. Juiz a quo pronunciou-se quanto à requerida suspensão da instância, nos seguintes termos [não se transcreve a parte do relatório que tem por objecto a pretensão da A. uma vez que já acima ficou transcrita]: “(….) No início da audiência de julgamento a ré, “EMP02..., Lda.” pronunciou-se no sentido do indeferimento da requerida suspensão da instância, porquanto caso a D. FF, na acção acima elencada, obtenha provimento de causa, a única consequência é a devolução do sinal em dobro por parte da ora ré. Ou seja, mantém-se a inexistência de qualquer contrato entre a ora autora e a ora ré, pelo que não há lugar ao pagamento de qualquer comissão. * O tribunal determinou que se oficiasse aos autos n.º de processo 2664/23.8T8VCT, que corre termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, a remessa de certidão dos articulados, despacho saneador e eventual sentença proferida.A certidão encontra-se junta aos presentes autos. * Cumpre apreciar e decidir.Dispõe o artigo 272.º, n.º 1, do CPC, que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”. A suspensão da instância, por determinação do Tribunal, depende, no seu exercício, da verificação do condicionalismo imposto por lei, ou seja, a existência de causa prejudicial idónea ou a ocorrência de motivo justificado, diferente da causa prejudicial e que, a seu ver, justifique a suspensão. Pode ocorrer quer, oficiosamente, logo que o Juiz se aperceba do facto determinante da suspensão, ou a requerimento das partes, sendo certo que estas podem acordar na suspensão da instância que, então, se impõe ao Tribunal, ao abrigo do princípio dispositivo, mas não por prazo superior a três meses, como decorre do n.º 4, daquele artigo 272.º, do CPC. Só pode concluir-se por uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra já anteriormente instaurada, ou seja, quando esta última tenha por objecto a apreciação de uma concreta questão cuja solução final seja susceptível de afectar a consistência jurídica ou prático-económica da situação dirimenda do pleito instaurado em segundo lugar (causa dependente), quando o julgamento da acção “dependente” possa ser atrasado ou decisivamente influenciado pela decisão a proferir na causa prejudicial (conforme Ac. do STJ de 04.06.2002, Agr. nº 1663/02.6ª, Sumários, 6/2002). Ora, compulsados os autos, constata-se que a autora alega que celebrou com a ré um contrato de prestação de serviços de mediação na venda de um imóvel (vide arts. 4º a 6º da petição inicial), no âmbito do qual a sua principal responsabilidade era a de encontrar um interessado na aquisição da referida fracção imobiliária, e como contrapartida, a ré obrigou-se a pagar à autora determinada quantia. Alega, ainda, que efectuou diligências de publicidade do imóvel e com vista à angariação de um cliente, que nessa sequência obteve um interessado na compra do imóvel, houve lugar à celebração de um contrato-promessa entre tal interessado e a ré, e o negócio definitivo não se realizou, por motivo imputável à esta última, que desistiu do negócio e acabou por não pagar a comissão à autora. Já na acção cível que corre termos no Juízo Central de Viana do Castelo, constata-se que a ora autora não é parte, por um lado, e por outro, a acção foi intentada pela D. AA (a tal interessada na compra do imóvel que celebrou o contrato promessa com a ré), contra a ré, com o objectivo de obter a execução especifica do contrato-promessa. Ora, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda. Posto isto, será que podemos afirmar que a procedência da acção judicial que corre termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, referida pela autora, fará com que a presente acção deixe de ter razão de existir? Desde já adiantamos que não! Vejamos. Dispõe o art. 342º, nº 1 do Código Civil que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” Assim sendo, cabe à autora a prova dos factos alegados na petição inicial, designadamente os concretos termos do negócio celebrado com a ré e se, efectivamente, o acordo celebrado passou pela mera obrigação de encontrar um comprador para o imóvel e no pagamento da comissão devida pela ré aquando da celebração do contrato-promessa, cumpre-lhe, a si, autora, provar tais factos no julgamento a realizar nestes autos. Veja-se que uma causa é prejudicial de outra, sempre que nela se ataque um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário desta. Ora, o incumprimento do contrato-promessa por parte da ré, não é pressuposto necessário da presente acção, porquanto a autora alega que efectuou todas as diligências contratadas e que a remuneração lhe era devida apenas com a celebração do contrato-promessa! Ou seja, se a ré (na perspectiva da autora) incumpriu ou não o contrato-promessa, será indiferente, pois sempre seria devida a comissão à autora, nesse momento processual. Com interesse para a decisão da questão sub iudice leia-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 14.05.2020 e disponível in www.dgsi.pt: “I - Não existe relação de prejudicialidade entre uma acção em que a causa de pedir se estriba num contrato de mediação mobiliário e em que é pedida a remuneração ajustada pela angariação do cliente, e uma outra instaurada pelo proprietário do imóveis contra os promitentes compradores angariados cujos pedidos assentam na celebração dos respectivos contratos-promessa. II - Quer na vigência do D. Lei nº 211/2004 de 20/08 quer na vigência da Lei 15/2013 de 08/02 a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. III - Exceptuam-se, porém, os casos em que as partes, dentro do princípio da liberdade contratual, estipulem uma remuneração, mesmo que o negócio não se venha a concretizar, designadamente quando tenha sido outorgado contrato promessa relativo ao negócio visado pela mediação, como o previsto no art. 18.º, nº 2 al. b) do D.Lei 211/2004, e no artigo 19.º, nº 1, 2ª parte da Lei 15/2013.”. Termos em que, indefiro a suspensão da instância requerida pela autora.” Na sessão de julgamento de 10/10/2024 foram ouvidos CC e AA e o tribunal considerou desnecessário ouvir DD, EE. Foi proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor: Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré, EMP02... Lda., dos pedidos deduzidos pela autora, EMP01... Lda.. * Custas da acção pela autora – conforme o disposto no artigo 527º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.A A. interpôs recurso, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente e, subsidiariamente, para o caso de se entender necessária a conclusão do negócio definitivo para o recebimento da retribuição da recorrente, a revogação da decisão interlocutória de 10/10/2024, verificando-se a existência de causa prejudicial e a necessária suspensão da instância, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: [1] I. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto (com reapreciação da prova gravada) e de Direito da decisão proferida nos presentes autos na data de 16-12-2024, que julgou pela improcedência da ação movida pela Autora e pela absolvição da Ré do pedido. II. Terá ainda como objeto, o despacho interlocutório proferido na data de 10-10-2024, e que judiciou pela inexistência de causa prejudicial, o qual assumirá relevância com o recurso da decisão final na hipótese de se judiciar pela existência de um contrato de mediação nulo por falta de forma e/ou pela necessária correlação do direito à retribuição da Autora com a conclusão do negócio definitivo. Primeiramente, - Nulidades da decisão III. Na data de 30-09-2024, a Autora/Recorrente apresentou nos autos requerimento invocando a possível verificação de causa prejudicial, em virtude da posição assumida pela Ré na contestação quanto à inexistência/nulidade do contrato e de o pagamento apenas ser devido com a celebração do contrato definitivo, e ao facto de se encontrar pendente ação de execução específica movida pela promitente compradora contra a aqui Ré. IV. Sobre tal pretensão, foi proferido o despacho de 10-10-2024, que judiciou pela inexistência de causa prejudicial e irrelevância da mesma para os autos, sendo que, na sentença a quo o Tribunal pronuncia-se sobre questões atinentes ao processo de execução específica, extravasando largamente o objeto do processo, e colidindo frontalmente com o despacho interlocutório proferido. V. Verificando-se, na decisão final proferida, nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) do CPC, não devendo o Tribunal ter conhecido dos factos provados 18) a 24). VI. Ainda que assim não se entenda, verifica-se a prolação de uma decisão surpresa, eivada de nulidade, pois que, considerando o despacho de 10-10-2024, nada faria razoavelmente prever que o Tribunal a quo proferisse decisão final com tal extensão. VII. Ou, pelo menos, enfermará a decisão a quo de notória contradição e ininteligibilidade. Ainda, -Retificação de Erros Materiais [Não se reproduzem aqui as conclusões respeitantes à questão enunciada, por os invocados erros materiais terem sido supridos no despacho que admitiu o recurso] - Matéria de Facto XII. Quanto à matéria de facto, a impugnação dos Recorrentes versa a que foi vazada nos pontos 18) a 24) dos factos provados, e nos pontos b) e e) dos factos não provados, pretendendo, ainda, o aditamento dos seguintes factos ao leque de factos provados: iv. A Autora e a Ré detinham, à data dos factos, uma longa relação empresarial e de confiança; v. Por acordo entre as partes, a Autora era a única empresa de mediação imobiliária, à data dos factos, a prestar serviços de angariação de destinatário/interessado comprador, promoção e publicitação do imóvel em crise nos autos; vi. O valor da fatura referida no facto provado 5), não foi pago pela Ré; vii. Com a prestação dos serviços referidos em 3), 6) a 12) dos factos provados, a Autora teve custos, designadamente - mas não só -, através da afetação exclusiva do funcionário GG ao stand da EMP02...; viii. O pagamento dos serviços prestados pela Autora não estava dependente - Dos factos dados como provados XIII. O Tribunal a quo baseou-se, aparentemente, para a prova dos factos 18) a 24) «na globalidade da prova produzida, que atribui veracidade à tese vertida na contestação. Muito relevantes foram as declarações de parte de CC (que confirmou a veracidade do contrato de fls. 33) e o depoimento de AA, pela total falta de sentido e de credibilidade, o depoimento de parte de HH, a certidão de fls. 62 e ss., bem como o contrato de fls. 33 e as missivas trocada entre as partes; tudo isto em conjugação com os demais depoimentos, nos termos supra explanados. Assim, o Tribunal ficou convencido da veracidade dos factos, tal como resultaram provados, sendo que nesta produção testemunhal sobrelevou-se a coerência dos factos relatados com os documentos juntos aos autos e que acima demos conta, bem como o conhecimento pessoal e direto dos factos perguntados, a isenção, sinceridade e a honestidade denotadas pelas testemunhas, bem como a convicção e transparência dos mesmos.». XIV. Acontece que, para além de não serem devidamente especificados os meios de prova documental analisada (sendo indicadas fls. do processo físico do Tribunal a quo a que o Apelante não tem acesso), tal valoração não reflete uma análise crítica, tratando-se de meros juízos genéricos e conclusivos. XV. Considerando que os factos e os concretos meios probatórios são agrupados, na sentença, em bloco, e tratando-se de factos que surgem na sequência lógica do facto imediatamente anterior, terão como princípio uma impugnação agrupada e/ou atinente aos mesmos meios de prova. Assim, XVI. Quanto ao ponto 19) não se depreende, sequer, qual o sentido e o alcance de tal facto consubstanciado numa alegação genérica e vaga, remissiva para aquela «situação» na qual alegadamente a Autora terá participado ativamente. XVII. Da globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, não resultou demonstrado qualquer «contributo» da Apelante/Autora (EMP01...), para a não celebração da escritura, estando a Autora empenhada em que a mesma se realizasse. XVIII. No que respeita ao ponto de facto 20), inexiste, de igual forma, qualquer prova produzida no processo que indicie que a resolução do acordo descrito em 12) se tenha devido a uma série de cedências de posição contratual à revelia e sem conhecimento nem consentimento da Ré. XIX. Desde logo porque, inexistem no processo quaisquer evidências de que tenham sido realizadas cedências de posição contratual, uma vez que a única cedência que existe no processo consta do documento junto como Doc. 1 da contestação, no qual não figura como parte ou interveniente a Autora (infirmando ora o facto 19), ora o facto 20). XX. Para além disso, resulta das declarações de parte do legal representante da Autora, (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 10-10-2024, com início pelas 14h12 e término pelas 14h52, mormente o período compreendido entre [00:17:45 e 00:22:38]), que existiram outras situações em que a Recorrida EMP02... terá anuído na celebração de cedências de posição contratual com reforço de sinal, tese corroborada pelo legal representante da Ré (cfr. resulta do depoimento prestado na audiência de julgamento de 30-09-2024, período compreendido entre 00:20:08 e 00:20:40), tornando, de acordo com as regras da experiência comum, inverosímil que a resolução do negócio pudesse ter na sua base motivos relacionados com cedências. XXI. Pois que, resulta das regras da normalidade e experiência comum, que o objetivo de uma empresa de construção será que os edifícios sejam vendidos, independentemente de quem os adquira. XXII. Das declarações de parte do legal representante da Autora, ordenadas oficiosamente pelo Tribunal a quo, dúvidas não quedam de que, quem interveio em alguma cedência, terá sido a sociedade EMP03...- Unipessoal, Lda., e não a sociedade Autora EMP01..., Lda. (cfr. resulta da ata de audiência de julgamento de 10-10-2024, com início pelas 14h12 e término pelas 14h52, mormente o período compreendido entre [00:14:00 e 00:21:00, 00:33:20 e 00:33:48]). XXIII. Pelo que, considerando tais elementos de prova, concatenando com as regras da experiência comum, e, bem assim, considerando a existência de apenas uma cedência contratual comprovada nos autos (Doc. 1 da contestação), não deveriam ter sido dados como provados os factos 19) e 20). XXIV. No que concerne aos factos provados 21) e 22), para se concluir pela existência de mais do que uma cedência, teria de se verificar prova documental no processo, uma vez que a cedência da posição contratual terá de seguir a forma do negócio jurídico que lhe deu causa (in casu, a forma do contrato promessa de compra e venda). XXV. In casu, o legal representante da Autora elucidou o Tribunal, conforme resulta inclusive da sentença proferida, que o que foi celebrado foi um contrato promessa de compra e venda de bem futuro (cfr. resulta da ata de audiência de julgamento de 10-10-2024, com início pelas 14h12 e término pelas 14h52, mormente o período compreendido entre [00:14:00 e 00:17:38]). XXVI. Pelo que, não deveriam ter-se dado como provados os factos 21) e 22), devendo passar a constar do leque de factos não provados. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se concebe, XXVII. Cumprirá, em virtude do julgamento proferido na primeira instância, ao abrigo do disposto no artigo 651.º n.º 1 do CPC, proceder à junção aos autos de certidão atinente a peça processual que integra os articulados do processo n.º 2664/23.8T8VCT, e que, por motivos a que a Apelante é alheia, não consta da certidão remetida pelo Juízo Central Cível de Viana do Castelo. XXVIII. De tal certidão se extrai o documento junto com a resposta às exceções, atinente ao «contrato promessa de compra e venda de bem futuro» a que aludiu a Recorrente, infirmando, por conseguinte, os factos provados 21) e 22). Ainda, XXIX. No que respeita ao facto provado 23), não resultou demonstrado, como supra indicado, a revelia e a falta de conhecimento ou consentimento da Ré, pelo que deveria, de igual forma, dar-se como não provado, inexistindo, na globalidade da prova produzida, qualquer elemento de prova que permita extrair tal conclusão. XXX. A infirmação de tal facto, no que concerne à revelia, conhecimento ou consentimento da recorrida, resulta das declarações de parte do legal representante da Autora, (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 10-10-2024, com início pelas 14h12 e término pelas 14h52, mormente o período compreendido entre [00:17:45 e 00:22:38]), na qual se dá conta de existiram outras situações em que a Ré terá anuído na celebração de cedências de posição contratual, situações confirmadas pelo próprio legal representante da Ré, nas declarações prestadas (cfr. resulta do depoimento prestado na audiência de julgamento de 30-09-2024, período compreendido entre 00:20:08 e 00:20:40). XXXI. No que respeita ao facto provado 24), a alegação «encaixaram» cerca de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), trata-se de alegação ambígua, e que dificulta o ónus impugnatório da Autora. XXXII. Mais uma vez se assevera que inexiste qualquer prova documental, testemunhal ou por declarações que indicie esse incremento patrimonial, tratando-se tal facto de um mero juízo conclusivo e de suposição, não permitindo retirar tal ilação do documento aportado aos autos como Doc. 1 da contestação. XXXIII. Sendo tal facto infirmado pelas regras da experiência comum, pela inexistência de qualquer prova documental nesse sentido, e por se tratar de facto para o qual a lei exige prova documental (extratos, balancetes, comprovativos de pagamento). XXXIV. Tendo o Tribunal a quo sustentado tal conclusão no entendimento de que «(…) basta confrontar os valores constantes do contrato-promessa compra e venda celebrado entre a ré e a AA e os valores constantes deste documento de cessão da posição contratual, para chegarmos à conclusão que efectivamente as empresas do Sr. CC, ora autora e EMP03..., lucrariam milhares de euros a mais, caso a ré não tivesse resolvido o contrato-promessa).». XXXV. Pelo que, não detendo qualquer sustento probatório nos autos, não encontrando respaldo em toda a prova documental, testemunhal, por declarações e confissão produzida, não se poderia ter dado como provado tal facto. XXXVI. O argumento dedutivo do Tribunal a quo para a prova dos factos 18) a 24) mostra-se patentemente errado, de acordo com as regras da lógica, e concretamente com as normas silogísticas. Dos factos dados como não provados XXXVII. Verifica-se contradição entre os factos provados 3) e 4), e o facto não provado b), pois que, se resulta provado que a Ré se obrigou a pagar à Autora a quantia de 73287,75 € como contrapartida de a Autora se comprometer a procurar um destinatário/interessado para a realização do negócio de compra da fração, tal resultaria, num raciocínio lógico e dedutivo, em não existir qualquer obrigatoriedade ou relevância em ser concluído o negócio definitivo. XXXVIII. Não obstante, e por cautela, resulta do depoimento de parte do Réu, da assentada realizada em audiência de julgamento (cfr. ata de audiência de julgamento de 31-09-2024), que a Autora se obrigou a encontrar um interessado na aquisição da fração, tendo a promitente compradora celebrado o contrato promessa de compra e venda (contrato carreado como Doc. 6 da petição inicial). XXXIX. Concatenando o contrato promessa junto como Doc. 6 da petição inicial, com a confissão do Réu, e considerando um raciocínio lógico e dedutivo, dúvidas não quedam de que a obrigação da Autora seria a de encontrar um interessado na aquisição da fração, independentemente da conclusão do negócio pois que tal não seria por si controlável, passando tal facto a constar dos factos provados. Dos factos não contemplados XL. Considerando a matéria em discussão nos autos, e porque resultaram da instrução da causa e com relevância para a boa decisão da causa, deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os seguintes factos: xi. A Autora e a Ré detinham, à data dos factos, uma longa relação empresarial de confiança; xii. Por acordo entre as partes, a Autora era a única empresa de mediação imobiliária, à data dos factos, a prestar serviços de angariação de destinatário/interessado comprador, promoção e publicitação do imóvel em crise nos autos; xiii. O valor da fatura referida no facto provado 5), não foi pago pela Ré; xiv. Em virtude da prestação dos serviços referidos em 3), 6) a 12) dos factos provados, a Autora teve custos, designadamente - mas não só -, através da afetação exclusiva do funcionário GG ao stand da EMP02.... xv. O pagamento dos serviços prestados pela Autora não estava dependente da conclusão do negócio definitivo. XLI. No que respeita ao facto i), atentando nas declarações prestadas pelo legal representante da Autora (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 10-10-2024, com início pelas 14h12 e término pelas 14h52, nomeadamente o período compreendido entre 00:37:40 e 38:55), dúvidas não quedam de que existia já uma relação de confiança, bem como a celebração de dezenas de negócios anteriores, conforme corroborado pelo legal representante da Ré (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 30-09-2024, no período compreendido entre 00:02:03 e 00:02:30). XLII. Por referência ao facto ii., resulta das declarações da testemunha II, que a Autora se encontrava afeta de forma exclusiva à angariação relativa às frações do edifício onde se situa a fração em crise nos autos, não existindo outras empresas de mediação (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 30-09-2024, período compreendido entre 00:02:50 e 00:04:20), o que se afigura verosímil considerando a relação empresarial e de confiança anterior. XLIII. O ponto de facto referido em iii., resulta de prova por confissão, designadamente do depoimento de parte prestado pelo legal representante da Ré (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 30-09-2024, mormente o período compreendido entre 00:22:39 a 00:23:53), que admite não ter pago qualquer valor à Autora pelos serviços prestados. XLIV. O ponto de facto iv. resulta das declarações prestadas pela testemunha GG (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 30-09-2024, mormente o período compreendido entre 00:09:57 e 00:17:15), que confirmou a sua permanência exclusiva no stand de vendas, inclusivamente aos fins de semana, e a utilização pela Recorrente de um programa específico e dispendioso para a publicitação e promoção do imóvel, o que, concatenado com as regras da experiência comum, permite concluir pela verificação de custos pelos serviços prestados. XLV. No que concerne ao ponto de facto v., resulta das declarações do legal representante da Autora (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 10-10-2024, com início pelas 14h12 e término pelas 14h52, nomeadamente o período compreendido entre 00:22:40 e 00:24:05), concatenadas com a fatura junta aos autos como Doc. 4 da petição inicial, não quedando dúvidas de que o momento do pagamento não estaria dependente nem contenderia com a conclusão de qualquer negócio definitivo. XLVI. Pelo que, considerando a fundamentação supra exposta, deveriam ter sido dados como provados tais factos. XLVII. Cumprindo, entretanto, fazer uma observação acerca da credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu às testemunhas funcionárias da Autora (GG, II e ...). XLVIII. Os depoimentos das referidas testemunhas revelam que as mesmas procuraram, relativamente a todas as questões, esclarecer o Tribunal da melhor forma e de modo coerente, não obstante as normais lacunas mnésicas, que a afigurarem-se relevantes será no sentido de lhe conferirem maior credibilidade, não se lobrigando quaisquer imprecisões ou sinais que, em conjugação com a linguagem não verbal a que o Tribunal a quo alude, sejam suscetíveis de retirar credibilidade ao seu depoimento. XLIX. Assim, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, constata-se que nada há a apontar relativamente à credibilidade das testemunhas, devendo ser contemplados os seus depoimentos para a prova dos factos referidos supra e nos moldes ali referenciados. - Matéria de Direito L. O Tribunal a quo transgrediu a norma jurídica constante do artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC). LI. De acordo com o que resultou demonstrado, não é apontado um processo lógico-racional que tenha conduzido à formação da convicção do julgador a quo, verificando-se um notório vício de fundamentação, assente em juízos de prognose e de suposição, e o recurso a remissões gerais e em bloco. LII. Não indicando, por referência a cada facto provado ou matéria em causa, porque deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, se achou satisfatória ou não a prova por documentos, tornando hercúlea a tarefa recursiva de impugnação. LIII. Devidamente analisada a factualidade provada e não provada, nos termos impugnados supra, dúvidas não quedam de que não foram devidamente analisadas as provas produzidas, não tendo sido, de igual forma, considerados factos provados por documentos e por confissão. LIV. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 607.º n.º 4 do CPC, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de se verificar a necessidade de concretizar, por cada facto provado, os concretos meios de prova relevantes, por que motivo foram mais relevantes do que outros, e, bem assim, devendo ter-se em consideração os factos provados por documentos e por confissão, nos moldes referenciados em sede de impugnação da matéria de facto. Ainda, LV. O Tribunal a quo transgrediu a norma jurídica constante do artigo 607.º n.º 5 do CPC. LVI. Ao longo da motivação da decisão, o Tribunal a quo parece fundir o princípio da livre apreciação da prova com uma convicção íntima e indecifrável do julgador, proferindo inúmeras expressões conjeturais e de convicção subjetiva («Pois não interessava à autora que CC fosse inquirido e confrontado com o documento junto aos autos pela ré a fls. 33 e ss. (acordo de cedência da posição contratual da EMP03..., Unipessoal, Lda. a DD (…) daqui se depreende que quem está por detrás deste negócio, bem como dos negócios subsequentes – cessões da posição contratual – que deram origem a que a ré não celebrasse o contrato promessa com a AA é, de facto, CC, sócio-gerente da autora e da EMP03..., Unipessoal, Lda.).(…) Cremos que quem está por trás da propositura da referida acção, não é esta testemunha, mas sim o Sr.CC e a EMP01.... Em primeiro lugar, lida a certidão de fls. 62, é notório que os Ilustres mandatários da AA são os mesmos da EMP01....»). LVII. Usou, ainda, o Tribunal a quo da livre apreciação probatória e da produção de prova testemunhal e por declarações, para a prova de factos que apenas poderiam ser demonstrados por documentos, sendo o que sucede com os factos provados 18) a 24), pois que, a prova da cessão de posição contratual do promitente comprador obedece à forma do contrato-promessa a que se reporta a cessão. LVIII. In casu, o contrato promessa foi celebrado por escrito, pelo que a prova de qualquer cedência posterior da promitente compradora, haveria de ser feita mediante prova documental, inexistindo qualquer documento nesse sentido. LIX. O mesmo se diga quanto ao alegado «encaixe» patrimonial de 50.000,00 € que não se prova pela mera indicação de valores dos imóveis, mas mediante comprovativos de pagamento, extratos ou documentos contabilísticos, inexistindo, em toda a prova produzida, qualquer prova nesse sentido. LX. Pelo que, ao decidir como decidiu, transgrediu o Tribunal a quo o disposto na norma jurídica ínsita no artigo 607.º n.º 5 do CPC, ora por ter optado por uma fundamentação da convicção íntima, indecifrável e visivelmente discricionária, ora por ter considerado provados factos para cuja prova a lei exige formalidade especial, designadamente a existência de prova documental, Ademais, LXI. O Tribunal a quo transgrediu a norma jurídica do artigo 411.º do CPC, mediante a determinação oficiosa de prestação de declarações de parte e prova testemunhal não requerida nem indicada pelas partes, in casu, pela Ré, a quem incumbia tal prova. LXII. Extravasou, assim, o princípio do inquisitório, resultando a sobreposição ao princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, resultando erradamente interpretado e aplicado o princípio do inquisitório plasmado no artigo 411.º do CPC, não devendo ter sido ordenadas tais diligências de prova, nem se afigurando as mesmas relevantes para a boa decisão da causa. Para além disso, LXIII. A Recorrente configurou a sua ação inaugural como uma prestação de serviços. LXIV. Devidamente compulsado o leque de factos dados como provados, e independentemente da impugnação factual realizada supra, bastavam os factos 3) a 12) do leque de factos provados, para se judiciar pela condenação da Ré. LXV. Pois que, resulta de tais factos a prestação de um serviço mediante retribuição, correspondendo à definição ínsita no artigo 1154.º do Código Civil, mais se enquadrando, na disposição ínsita no artigo 1156.º do Código Civil [1. 1 Atente-se no entendimento propalado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 01-04-2024, pelo relator Gabriel Catarino, no âmbito do processo n.º 894/11.4TBGRD.C1.S1, ao qual aderimos, «IV - Quem mediante uma retribuição/remuneração, a receber a final, se compromete, perante o cliente, a promover, angariar, facilitar, desenvolver esforços, desencadear vontades de realização de negócios, concitar e convocar situações de convergência de vontades negociais e confluência de intenções de celebração de um contrato (encomendado e pretendido entre ele e o comitente), sem que, como resultado dessa actividade, se comprometa, perante o comitente, à conclusão de um negócio não compactua um contrato típico de mediação imobiliária, mas sim um contrato de prestação de serviços.». LXVI. Tendo a Autora emitido a correspondente fatura no valor devido pelos serviços prestados, com data de vencimento. LXVII. Pelo que, ao decidir como decidiu, transgrediu o Tribunal a quo o disposto nas normas jurídicas ínsitas nos artigos 1154.º, 1156.º, 804.º, 817.º e 806.º do Código Civil, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido de se verificar, in casu, e face à matéria dada como provada, a existência de um contrato de prestação de serviços, devendo desembocar na condenação da Ré/Recorrida no pagamento dos serviços comprovadamente prestados. Mas, ainda que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se concebe, LXVIII. Ainda que não se entendesse pela verificação de um contrato de prestação de serviços nos moldes indicados supra, e se judiciasse pela verificação de um contrato de mediação nulo por falta de forma, sempre haveria de judiciar-se pelo direito à restituição do prestado pela Recorrente, independentemente da conclusão do negócio, em virtude do efeito da nulidade, e ainda que com recurso à equidade. LXIX. Considerando que nenhuma culpa poderá ser imputada à Recorrente pela não celebração do negócio definitivo, inexistindo qualquer evidência nesse sentido. LXX. Pelo que, considerando a factualidade provada nos pontos de facto 3) a 13), sempre assistiria o direito de restituição à Recorrente dos serviços que comprovadamente prestou, ainda que com recurso à equidade, sendo que, ao não judiciar de tal forma, interpretou e aplicou erradamente o Tribunal a quo o disposto nas normas jurídicas ínsitas nos artigos 2.º, 16.º e 19.º n.º 1 da Lei 15/2013 de 08/02, e do artigo 289.º n.º 1 e n.º 2 do Código Civil. Se divergisse o entendimento, o que por hipótese se concebe, LXXI. A propugnar-se pelo entendimento propalado a quo, isto é, pela existência de um contrato de mediação imobiliária, nulo por falta de forma, e a que a restituição decorrente da nulidade dependeria daquilo a que a Recorrente teria direito se o contrato fosse válido, sempre haveria de considerar-se a existência de exclusividade. LXXII. Pois que, a Recorrente logrou provar a existência de exclusividade na relação com a Ré, não existindo outras empresas de mediação a promover os apartamentos da Autora. LXXIII. Além disso, não resultou provado pela Ré que a não celebração do contrato prometido se tenha dado por motivos imputáveis à Recorrente, o que, concatenado com a existência da ação de execução específica a correr em juízo, bem como com a ausência de prova documental atinente à sobejada cedência por parte da promitente compradora, não permite imputar qualquer culpa à Recorrente ou à promitente compradora. LXXIV. Pelo que, sempre haveria de se ter considerado existir à Autora o direito à restituição do prestado, por equivalência ao valor dos serviços prestados/comissão acordada, uma vez que também teria esse direito caso o contrato fosse válido. LXXV. Pelo que, ao decidir como decidiu, interpretou e aplicou erradamente o Tribunal a quo as normas jurídicas ínsitas nos artigos 289.º, 342.º n.º 1 do CC, e19.º n.º 1 a 3 da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido de assistir o direito à Autora da restituição do valor equivalente aos serviços prestados, em virtude da existência de exclusividade, não existindo qualquer evidência de que o contrato não se tenha celebrado por culpa da promitente compradora ou da Autora. Ainda que assim não se perscrute, o que por mera hipótese se concebe, e no que à concreta decisão de 10-10-2024 concerne, LXXVI. Ainda que se judiciasse pela verificação de um contrato de mediação nulo por falta de forma, cuja restituição dependeria da celebração do contrato definitivo, sempre haveria de considerar-se que se encontrava pendente uma ação de execução específica que poderia permitir a celebração do contrato definitivo e, portanto, fazendo nascer o direito à remuneração conforme apregoado pelo Tribunal a quo. LXXVII. A pugnar-se pela tese aventada pela Ré/Recorrida na contestação, teria de se considerar a existência de causa prejudicial por referência à ação que sob o n.º 2664/23.8T8VCT, corre os seus termos no T.J.C. Viana do Castelo- Juízo Central Cível de Viana do Castelo- Juiz ..., uma vez que o resultado naqueloutra ação influiria a decisão a proferir no presente processo, no que concerne aos motivos da não celebração do negócio definitivo e da sua possibilidade de cumprimento, e, bem assim, o correspondente preço devido à Recorrente. LXXVIII. A perfilhar-se tal entendimento, dúvidas não quedam de que, sendo ainda possível a realização do negócio considerando a existência de uma ação de execução específica em curso (conforme resulta do facto provado 17), e, portanto, podendo emergir o direito à restituição por via da nulidade, deveria ter-se aguardado pelo desfecho daqueloutro processo. LXXIX. Assim, ao decidir como decidiu, interpretou e aplicou erradamente o Tribunal a quo as normas jurídicas ínsitas nos artigos 272.º n.º 1 do CPC e, consequentemente, a norma jurídica ínsita no artigo 289.º do CC, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido de se verificar, in casu, a existência de causa prejudicial, em virtude de a decisão pendente naqueloutro processo influir na decisão final do Tribunal a quo, em virtude de se considerar a existência de nulidade e a não celebração do negócio definitivo. Alfim, LXXX. O Tribunal a quo julgou procedente a tese aventada na contestação, judiciando pela absolvição da Ré do pedido, em virtude da existência de um contrato de mediação imobiliária nulo por falta de forma, e de o contrato definitivo não se ter realizado por motivos alegadamente imputáveis à Recorrente (sustentando ainda teses inverosímeis de «encaixe» financeiro por parte da Autora/Recorrente no valor de 50.000,00 €), sem que tais factos se encontrassem devidamente demonstrados. (factos provados 18) a 24). LXXXI. Pelo exposto, ao decidir como decidiu – i. e., dando tais factos, indemonstrados que foram, como provados e cuja prova incumbia aos Recorridos – o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos n.º 2 do artigo 342.º do CC, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de que tais factos se encontravam não provados. A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida. A Sra. Juiz a quo pronunciou-se quanto às impetradas nulidades da sentença, considerando que as mesmas não se verificavam. 2. Questões a apreciar 2.1. Enquadramento jurídico O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139). Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. Por outro lado, muito embora nos recursos também vigore o principio do dispositivo, a apreciação das questões suscitadas não está sujeita à ordem com que as mesmas são colocadas pelas partes, mas à precedência lógico-jurídica por devem ser apreciadas, o que resulta quer do disposto na 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663º, n.º 2 também do CPC, ao dispor que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, quer do principio da utilidade processual, plasmado no art. 130º do CPC. 2.2. Em concreto 2.2.1. Nas conclusões LXI e LXII a recorrente afirma: LXI. O Tribunal a quo transgrediu a norma jurídica do artigo 411.º do CPC, mediante a determinação oficiosa de prestação de declarações de parte e prova testemunhal não requerida nem indicada pelas partes, in casu, pela Ré, a quem incumbia tal prova. LXII. Extravasou, assim, o princípio do inquisitório, resultando a sobreposição ao princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, resultando erradamente interpretado e aplicado o princípio do inquisitório plasmado no artigo 411.º do CPC, não devendo ter sido ordenadas tais diligências de prova, nem se afigurando as mesmas relevantes para a boa decisão da causa. Como decorre do Relatório supra na sessão da audiência de julgamento que ocorreu a 30/09/2024 a Sra. Juiz a quo determinou, ao abrigo do disposto nos art.ºs 411º e 526º do CPC, que fosse: - extraída certidão do registo comercial da EMP03... e junta aos autos; - a notificação de CC, na qualidade de legal representante da EMP03..., para comparecer e prestar declarações em julgamento; - a notificação de DD, EE e FF para comparecerem a fim de prestarem depoimento na qualidade de testemunhas. Como é próprio do principio do dispositivo e decorre da parte final do n.º 2 do art.º 635º do CPC, cabe à parte que pretende impugnar dada decisão, sobretudo quando distinta da sentença, manifestar a vontade de o fazer, especificando tal decisão no requerimento de interposição de recurso (cfr. Rui Pinto in Manual do Recurso Civil, I, pág. 305 e Abrantes Geraldes in Recursos Em Processo Civil, 7ª edição, pág. 155), o qual, como também referido supra, baliza o objecto do recurso. Com as conclusões acima referidas, a recorrente intenta impugnar a decisão proferida na sessão da audiência final que teve lugar a 30/09/2024 e supra referida. Sucede que no seu requerimento de interposição de recurso a mesma não manifestou a vontade de a impugnar. Nos termos do n.º 4 do art.º 635º do CPC a parte recorrente pode, nas conclusões, restringir, expressa ou tacitamente, o objecto do recurso. Mas a lei não lhe permite ampliar o objecto do recurso nas conclusões, ou seja, não pode pretender impugnar uma decisão que não especificou no requerimento de interposição de recurso. Em face do exposto a decisão proferida na sessão da audiência de julgamento que ocorreu a 30/09/2024 não pode integrar o objecto do recurso, o que se decide. 2.2.2. Nas conclusões V, XII e XIII a recorrente declara impugnar os factos consignados nos pontos 18) a 24) dos factos provados. Sucede que analisando a motivação, a mesma apenas refere os factos constantes dos pontos 19) a 24), não havendo qualquer menção à factualidade constante do ponto 18). Por outro lado, nas próprias conclusões para além das menções ao ponto 18) constantes das conclusões V, XII e XIII, não há qualquer análise substancial de tal ponto, análise essa que começa no ponto 19) – cfr. conclusão XVI. No ponto 2.1. consignou-se que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões. Dir-se-ia que bastaria ao recorrente suscitar determinada questão nas conclusões para que a mesma fosse apreciada. Porém, não é assim. Na realidade, apenas cumpre apreciar as questões que constem das conclusões se, e na medida, em que sejam a tradução, tenham correspondência, na alegação. É o que resulta do disposto nos art.ºs 637º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC. O primeiro dispõe que o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade… E o segundo dispõe que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Estes normativos impõem dois ónus: o de alegação e o de conclusão. Na alegação devem constar as razões, os fundamentos, com base nos quais o recorrente entende que a decisão deve ser revogada ou alterada. As conclusões traduzem um resumo ou condensação dos fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo. (Ac. RP de 09/11/2020, proc. 18625/18.6T8PRT.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp). Já referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V volume, 1984, pág. 359, que: “As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”. No mesmo sentido Aveiro Pereira, in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil“, pág. 31, acessível in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf, onde refere que as conclusões são as “ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.” Destarte, as conclusões têm de ser uma decorrência, uma consequência da alegação. Aplicando o que se acaba de referir à impugnação da decisão de facto – questão que ora nos ocupa – pode afirmar-se que o recorrente cumpre o ónus de alegação ao expor o raciocínio argumentativo tendente a demonstrar por que razão considera que se impõe a alteração da decisão quanto a determinado ponto de facto, raciocínio argumentativo esse que passa, em primeiro, pela indicação do facto que foi considerado provado ou não provado e, em segundo, pela indicação dos meios probatórios e das razões pelas quais o recorrente considera que aqueles e estas impõem que se considere não provado, ou provado, consoante for o caso, aquele facto. Destarte, aquele raciocínio argumentativo tem (há-de ter) sempre um referencial - um concreto facto considerado provado ou não provado – e visa (há-de visar) demonstrar que se impõe a sua modificação para não provado ou provado. Quanto ao ónus de conclusão é cumprido mediante a indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que, em função e em consequência daquele raciocínio argumentativo, o recorrente considera incorrectamente julgados. Se nas conclusões é suscitada uma questão que não foi objecto de alegação, a mesma não pode ser considerada por falta de alegação. Assim tem sido decidido, por exemplo, no: - Ac. da RE, de 05/06/2008, proc. 612/08-3, consultável in www.dgsi.pt/jtre e em cujo sumário se diz: I - Em regra são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, mas conclusões em sentido técnico-jurídico não é tudo o que os Ilustres Mandatários apelidam como tal mas apenas o que tem correspondência directa com o conteúdo das alegações e constitui uma sua decorrência lógica e natural. II - Não podem ser consideradas conclusões as indicadas como tal, mas sem qualquer referência à fundamentação do recurso. Por isso, só devem ser conhecidas, as questões suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. - Ac. da RC de 08/06/2018, proc. 1840/16.4T8FIG-A.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc cujo sumário tem o seguinte teor: I – O artº 639º, nº 1 do nCPC impõe ao recorrente dois ónus: o ónus de alegar e o ónus de formular conclusões. II – O recorrente cumpre o ónus de alegar apresentando a sua alegação onde expõe os motivos da sua impugnação, explicitando as razões por que entende que a decisão está errada ou é injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, para além de especificar o objectivo que visa alcançar com o recurso. III – Deve, todavia, terminar a sua minuta com a indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida. IV – As conclusões do recurso que versem matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes. E, na doutrina, Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, pág. 294 entende que a falta absoluta de alegação “consiste na ausência efetiva de afirmações com uma funcionalidade demonstrativa“, precisando que “não apenas conclusões, sem fundamentos (segundo vício de falta absoluta)”, para concluir (pág. 295) que neste último caso, “se as conclusões do recurso versam “matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes” (citando o já referido Ac. da RC de 08/06/2018). E finalmente refere Abrantes Geraldes in Recurso Em Processo Civil, 7ª edição, pág. 185: “A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos porque pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com a necessária distância, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integra a petição inicial.” Aceitando tal paralelismo, verifica-se que muito embora a recorrente peticione nas conclusões a reapreciação da decisão de facto quanto ao ponto 18), o certo é que a motivação é totalmente omissa quanto ao mesmo, pelo que falta causa de pedir. Ainda que assim não fosse, sempre se teria de considerar que nem na motivação, nem nas conclusões, a recorrente especificou os concretos meios de prova (alínea b) do n.º 1 do art.º 640º) constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias), ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinariam uma decisão diversa quanto ao mesmo, pelo que sempre a impugnação quanto a tal ponto teria de ser rejeitada. Em face do exposto, também não constitui objecto do recurso o ponto 18) dos factos provados. 2.2.3. As questões que cumpre apreciar, de acordo com a sua ordem lógica de precedência, são: - deve ser admitida a junção do documento junto com o recurso interposto pela A.? - a decisão interlocutória de 10/10/2024 - que considerou que a pendência do processo 2664/23.8T8VCT do J ... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo não constituía causa prejudicial e indeferiu a suspensão da instância -, incorreu em erro de julgamento? - a sentença é nula à luz das alíneas c) ou d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC? - os factos consignados nos pontos 19) a 24) dos factos provados devem ser considerados não provados? - a decisão de facto é deficiente devendo ser aditada a seguinte factualidade: 1. A Autora e a Ré detinham, à data dos factos, uma longa relação empresarial e de confiança; 2. Por acordo entre as partes, a Autora era a única empresa de mediação imobiliária, à data dos factos, a prestar serviços de angariação de destinatário/interessado comprador, promoção e publicitação do imóvel em crise nos autos; 3. O valor da fatura referida no facto provado 5), não foi pago pela Ré; 4. Com a prestação dos serviços referidos em 3), 6) a 12) dos factos provados, a Autora teve custos, designadamente - mas não só-, através da afetação exclusiva do funcionário GG ao stand da EMP02...; 5. O pagamento dos serviços prestados pela Autora não estava dependente da conclusão do negócio definitivo. - existe contradição entre os factos constantes dos pontos 3) e 4 dos factos provados e a alínea b) dos factos não provados? - a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar ter sido celebrado entre as partes um contrato de mediação imobiliária? - e considerando que se trata de um contrato de mediação imobiliária, a A. sempre teria direito à remuneração acordada independentemente da conclusão do negócio visado? 3. Da admissibilidade dos documentos juntos com o recurso 3.1. Enquadramento jurídico Dispõe o artigo 651.º do CPC: 1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. (…) Por sua vez o art.º 425.º do CPC dispõe: Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Desde logo, e tendo em consideração as expressões do art.º 425º “só são admitidos” e do art.º 651º “apenas”, a faculdade de junção de documentos com as alegações de recurso é excepcional. Conjugando os dois normativos verifica-se que as partes apenas podem juntar documentos com as alegações em duas situações, (i) superveniência objetiva ou subjetiva do documento; (ii) necessidade do documento surgida em face do julgamento proferido na 1.ª instância. A superveniência do documento será: a) objectiva se o documento tiver sido produzido em momento posterior ao encerramento da discussão da causa; b) será subjectiva se, justificadamente, só depois do encerramento da discussão da causa o documento chegar ao conhecimento da parte ou esta tiver acesso ao mesmo, exigindo-se, neste último caso, que tenha diligenciado atempadamente pela sua obtenção. Quanto à 2ª parte do n.º 1 do art.º 651º, é integrada pela “novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento” (neste sentido o Ac. do STJ de 30/04/2019, proc. 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj e já antes o Ac. da RC de 18/11/2014, processo 628/13.9TBGRD.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc). E no mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 813, afirmam que “não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”, acrescentando que “a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação e interpretação as partes não contavam.” Mas além disso, como se afirma no Ac. desta RG de 17/11/2022, proc. 5015/20.0T8VNF-C.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, “as normas constantes dos arts. 425º e 651º do C.P.Civil de 2013, são normas especiais relativas à fase de recurso, mas não afastam e não dispensam a verificação das regras gerais sobre a admissibilidade dos meios de prova, nomeadamente que os meios de prova apresentados/requeridos têm que assumir relevância (pertinência), ou potencial relevância, para a prova (ou contraprova) dos «factos necessitados de prova» (cfr. parte final do art. 410º do C.P.Civil) e só podem e devem ser admitidos os meios de prova que se apresentem como podendo ter relevância/pertinência para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio (cfr. art. 411º do C.P.Civil de 2013), sendo que a relevância jurídica dos meios de prova constitui uma condição da sua própria pertinência e deve ser verificada em função dos «interesses concretos» em causa na respectiva acção: logo, não serão admissíveis todos os meios de prova que se apresentem como irrelevantes (impertinentes) para a concreta causa a decidir, ou seja, todos aqueles que, atento o objecto do litígio em causa, se assumem como desnecessários ao apuramento da verdade material porque são insusceptíveis de acrescentar qualquer elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide (não tem um mínimo de influência na decisão). Seguir outra linha de entendimento, significaria a admissão automática, em qualquer recurso, de todos os documentos que as partes quisessem apresentar com as alegações e/ou contra-alegações de recurso desde que fossem objectivamente supervenientes e independentemente de terem ou não a relevância jurídica.” Acompanha-se este entendimento, sendo impertinentes os documentos relativos a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da ação e desnecessários os documentos relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da ação (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, reimpressão, Coimbra Editora, 1987, p. 58). Ou, como referem António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa in CPC Anotado, I, 2ª edição, anotação ao art.º 443º, pág. 532: “[d]e um modo abrangente, pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraem factos essenciais ou ainda por se tratar de facto importante para apreciar a fiabilidade de outro meio de prova. São desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, sejam insuscetíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, ou quando respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa, ou ainda por já constar no processo documento de igual ou superior relevo.” 3.2. Em concreto A A. junta uma certidão extraída do 2664/23.8T8VCT composta: - por um instrumento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda de Bem Futuro”, em que são partes AA, enquanto promitente vendedora, e EMP03... – Unipessoal, Ldª, como promitente compradora, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra ..., no ... andar, de tipologia ... uma garagem na cave, assinalada na planta como K, do Bloco ..., na Avenida ..., ..., ...; - pela resposta apresentada pela referida AA no processo 2664/23.3T8VCT. A recorrente não alegou qualquer facto que permita concluir pela superveniência objectiva ou subjectiva dos referidos documentos, sendo certo que o primeiro dos referidos documentos está datado de 06/12/2021 e os presentes autos são de 2024. Por outro lado, nada vem invocado no sentido de que a junção dos mesmos se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sendo certo que relativamente ao primeiro dos mencionados documentos é manifesto que isso não ocorre já que nos artigos 58º e 59º da resposta à contestação apresentada nos presentes autos a A. invocou: 58. Importando, no entanto, esclarecer que é falso que tenha existido uma cedência da posição contratual da promitente compradora AA. 59. O que aconteceu, como bem sabe a Ré, até porque tal contrato já foi junto ao processo por si indicado, o 2664/23.3T8VCT, foi a celebração de um contrato promessa de compra e venda de bem futuro. Destarte, o primeiro dos citados documentos já se revelava pertinente ab initio, por se relacionar directamente com uma das questões suscitadas nos autos. Quanto ao segundo dos documentos, para além dos aspectos já referidos, não se mostra pertinente para a boa decisão desta acção, nem mesmo, diga-se, para a apreciação da questão da suspensão da instância. Em face de tudo o exposto, não se admite nenhum dos documentos juntos com o recurso. 4. Da suspensão da instância 4.1. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 272º n.º 1 do CPC que o juiz pode determinar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta. Atento o que consta do artigo 276º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. E tal normativo acolhe o ensinamento de Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, III vol): «Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda (...)» (pág. 268), «... a razão de ser da suspensão por pendência da causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos» (pág. 269). O que é necessário é que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão; nada importa que o não estivesse ainda na data em que se intentou a causa dependente. A frase “já proposta” reporta-se ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão, visto estar em correlação com o passo: «O juiz pode ordenar a suspensão» (pág. 288). De forma mais lata afirma-se que a prejudicialidade entre acções verifica-se quando o que é decidido numa delas (a acção prejudicial) condiciona o que pode ser decidido na outra (a acção dependente) (Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, Livro II, pág. 155). Ou, como afirmam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, pág. 535: “Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.” 4.2. Em concreto No entender da A. a procedência do peticionado no processo 2664/23.3T8VCT – execução específica - é susceptível de influir na decisão da presente acção na medida em que, a entender-se que as partes celebraram um contrato de mediação imobiliária nulo por falta de forma e que o direito ao valor dos serviços por si prestados depende da celebração do contrato definitivo, então a execução específica ali peticionada permite a celebração do contrato definitivo, fazendo, assim, nascer o direito à obrigação. Compreende-se a pretensão da A: reconhecendo, implicitamente, que o negócio visado com a mediação não se concretizou, pretende se suspenda a instância a fim de, com a decisão de execução especifica que se pretende obter no processo 2664/23.3T8VCT, obter também a constituição do facto “concretização do negócio visado com a mediação imobiliária”. Porém, a suspensão da instância não pode servir para que se verifique, eventualmente, um facto /resultado de uma acção proposta, facto esse não alegado nos autos, mas essencial de acordo com determinada solução plausível de direito. A decisão a proferir nesta acção há-de ter em consideração os factos alegados nos articulados oportunamente produzidos no processo. É certo que, nos termos do art.º 611º n.º 1 do CPC, sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Mas como expressa o normativo, exige-se que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito efectivamente se produzam até ao encerramento da discussão da causa, o que não significa uma permissão para suspender a instância para que os mesmos se produzam e venham a ser alegados. Destarte, não estando alegada nos autos a concretização do negócio visado com a mediação imobiliária, a decisão a proferir no processo 2664/23.3T8VCT não é pressuposto e, portanto, não pode influir sobre a decisão desta acção; ou, dito de forma inversa, a decisão a proferir nesta acção, tal como ela se encontra intentada, não depende da decisão a proferir naquele processo. Note-se que naqueles autos pode acontecer o facto de nem sequer ser deferida a requerida execução específica, por a mesma não ser já possível, tendo a ali A. direito, apenas, à restituição do sinal em dobro, o que é objecto de pedido subsidiário. Note-se, ainda, que a decisão a proferir no processo 2664/23.3T8VCT em nada é susceptível de contrariar a decisão a proferir nos presentes autos, dada a absoluta distinção de objectos processuais: ali está em causa o alegado incumprimento pela aqui Ré do contrato promessa celebrado com a alegada interessada encontrada pela aqui A. e aqui está em causa o incumprimento do contrato celebrado entre a A. e a Ré, que a primeira qualifica como sendo de prestação de serviços e a sentença julgou tratar-se de mediação imobiliária. Em face do exposto, a decisão do tribunal a quo, que indeferiu a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, não merece censura, devendo manter-se; e, assim, o recurso quanto a tal decisão deve ser julgado improcedente. 5. Da nulidade da sentença 5.1. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 615º do CPC: 1. É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)” Este normativo também é aplicável aos despachos como decorre do disposto no art.º 613º n.º 3 do CPC. A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto. Enquanto trâmite, fica sujeito às nulidades processuais (art.º 195º). Enquanto acto, pode ser perspectivado pelo seu conteúdo formal ou pelo seu conteúdo material: no que diz respeito à primeira perspectiva, fica sujeito às nulidades da sentença (art.º 615º do CPC), aplicável aos despachos (art.º 613º, n.º 3 do CPC) e aos acórdãos (666º, n.º 1); no que diz respeito à segunda perspectiva, pode incorrer em erro de julgamento, ficando, então, sujeito a ser anulado, revogado ou alterado. A alínea c) tem dois fundamentos distintos - a contradição e a ininteligibilidade – que não se confundem. A primeira (contradição): verifica-se quando ocorre incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 763). A contradição entre fundamentos e a decisão é estritamente no plano lógico da construção da decisão. Coisa diversa é o próprio silogismo estar errado no seu mérito, por conter uma contradição com os factos ou com o direito: trata-se, então, de erro de julgamento, por o juiz decidir contra os factos ou contra “lei” que lhe impunha uma decisão diversa (Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, AAFDL Editora, pág. 83). Daqui decorre que não cabe nesta alínea a contradição entre duas decisões autónomas. Se a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto for contraditória, a solução passa pela aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 662º do CPC. A este respeito afirmam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, Vol. 2, 3ª edição, pág. 736-737; “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.” A ininteligibilidade verifica-se quando ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade, ou seja, respectivamente, quando da decisão se puder extrair mais de um sentido ou quando não se puder retirar um sentido lógico, racional e coerente. Cabe aqui perguntar qual o sentido da expressão “decisão” e, concretamente, se tem em vista o decisório e/ou também os fundamentos. Referia Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. V, pág. 151, que “a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. (...) É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz”. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, I, pág. 734 entendem que a ininteligibilidade apenas tem em vista “a parte decisória da sentença”, referindo mais adiante (pág. 735) que “[n]o regime actual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando um declaratário normal, nos termos dos art.ºs 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”; e ainda (pág. 741) que “[o] actual Código (…) passou a considerar causa de nulidade da sentença a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615-1-c), o que significa, (…) que a ambiguidade ou obscuridade da respectiva fundamentação (…) não pode ser arguida nos termos do art. 615 “. Já Francisco Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 454, refere que “a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre a causa de nulidade do 2º segmento da al. c) do n.º 1 do art.º 615º, se tais vícios tornarem a decisão ininteligível ou incompreensível.” E Remédio Marques in Ação Declarativa à Luz Do Código Revisto, 3ª edição, pág. 667, refere que a ambiguidade da sentença “exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos” e, quanto à obscuridade, “traduz os casos de ininteligibilidade da sentença”. Em primeiro lugar, não há dúvidas que a sentença é um acto jurídico (é um acto a que a lei atribui relevância e efeitos jurídicos), a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos (ex vi art.º 295º do Código Civil), pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, do CC), são igualmente válidas para a interpretação daquela. Assim, a interpretação da sentença deve fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente (artºs 236º, nº. 1 e 238º, nº. 1 do Código Civil) Mas sendo um acto formal, não pode a mesma valer com um sentido que não tenha na respectiva letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. Ac. do STJ de 03/02/2011, proc. 190-A/1999.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj). Ou seja: a interpretação tem como limite o texto decisório, apenas sendo lícito extrair dele o significado permitido pelas normas sobre interpretação dos actos processuais. Além disso, a sua interpretação não pode assentar, apenas, no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se, também, considerar os respectivos fundamentos, os quais são constitutivos e determinantes da decisão, ou seja, a decisão só se compreende à luz dos respectivos fundamentos (no sentido de tudo o até aqui exposto, os Acs. do STJ de 23/01/2019, proc. 4568/13.3TTLSB.L2.S1, e de 01/07/2021, proc. 726/15.4T8PTM.E1.S1, ambos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj). Assim também Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 765: “É da sentença no seu todo que hão-de extrair-se os verdadeiros sentido, conteúdo e objeto do julgado; importa, por isso, ponderar e sopesar devidamente os motivos, isto é, a parte justificativa (motivatória) da decisão, em ordem a surpreender nela uma qualquer restrição ou ampliação do dispositivo, ou mesmo a concluir que determinadas questões não foram objeto de resolução explícita ou sequer implícita (apesar da amplitude da redação da parte dispositiva) ou ainda, e ao invés, que foram consideradas e decididas questões não compreendidas na parte dispositiva. No fundo, tornar-se-á, amiúde, necessário recorrer ao arrazoado da sentença para captar o verdadeiro pensamento do julgador.” Neste contexto, a ambiguidade ou obscuridade tanto se pode verificar nos fundamentos, como no próprio decisório. Mas verificando-se nos fundamentos, não pode ser objecto de invocação autónoma para efeitos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615º: só se a ambiguidade ou obscuridade dos fundamentos “torn[ar] a decisão ininteligível”, ou seja, só se se alguma delas se projectar, repercutir no decisório. Neste sentido o Ac. do STJ de 31.03.2022, processo 812/06.1TBAMT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj onde se afirma: “A ambiguidade ou obscuridade relevante não é apenas aquela que possa afectar a decisão (o dispositivo), podendo encontrar-se nos respectivos fundamentos. No entanto, e conforme resulta da construção verbal da disposição legal, não é qualquer ambiguidade ou obscuridade que provoca a nulidade da sentença, mas apenas aquela que torna a decisão ininteligível. Ou seja, quando a decisão e o raciocínio que lhe está subjacente (o silogismo judiciário) não se logra entender, por surgir como enigmático, impenetrável, inacessível.” De notar que apenas se tem em vista os fundamentos de direito, porquanto se estiver em causa uma obscuridade ao nível dos factos, não é aplicável o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, mas sim a alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC: o tribunal ad quem suprirá a obscuridade se tiver elementos para tal ou anulará a decisão de facto. A alínea d) contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia), ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia). A primeira está relacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, onde se dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…” O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia. Mas, como tem sido afirmado recorrentemente, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, as questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. Não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora Limitada, pág. 143). O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, vd., a título meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst). Por outro lado, o facto de, eventualmente, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto a factos alegados, não constitui nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC. É que as questões essenciais que a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC impõe que o juiz conheça, também não se confundem com “factos”. Como refere Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Volume V, 1984, pág. 145: “Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra é conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.” Destarte e quando muito, o facto de, eventualmente, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto a factos alegados, constituirá uma deficiência da matéria de facto, patologia a suprir nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC. A segunda verifica-se quando o tribunal conhece de questões que não foram invocadas pelas partes e de que não podia conhecer oficiosamente. Naturalmente, que tal conhecimento há-de importar consequências para a decisão da causa, ou seja, desse conhecimento hão-de ser extraídos efeitos jurídicos. Caso assim não suceda, caso o juiz conheça de uma questão que é desnecessária para a boa decisão da causa, no sentido em que o seu conhecimento se revela inconsequente para a decisão final, o juiz terá praticado um acto inútil (art.º 130º), mas não ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia. Por outro lado, não há excesso de pronúncia se o juiz para decidir usar de fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes (Ac. do STJ de 27/04/2017, proc. 685/03.6TBPRG.G1.SI, consultável in www.dgsi.pt/jstj). Já Alberto dos Reis, in ob. cit. pág. 56, afirmava: “Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, (…) que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi).” E depois de analisar situações em que o que ocorreu foi uma diferente qualificação jurídica dos factos, afirma (pág. 58) que: “quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não podia tomar conhecimento”, considerando que a sentença incorria na nulidade prevista na 2ª parte do n.º 4 do art.º 668º do CPC então vigente, ou seja, em excesso de pronúncia e que hoje integra a 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC. Também Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos… pág. 223, refere que “se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea d), 2ª parte” e que corresponde hoje à 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC. E Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC anotado, II volume, pág. 737, referem: “Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.º 608-2) é nula a sentença que o faça.” Na jurisprudência o Ac do STJ de 07/04/2016, processo 842/10.9TBPNF.P2.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj refere: “… para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja , indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida . Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia” Também o Ac. do STJ de 05/12/2019, processo 5940/16.2T8GMR.G1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj, conclui que “incorre em nulidade por excesso de pronúncia o acórdão que conhece de um pedido com base em causa de pedir diversa da que o havia fundado.” 5.2. Em concreto A recorrente invoca a contradição entre a sentença recorrida e a decisão proferida a 10/10/2024, que julgou improcedente a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial. Como já ficou referido, o primeiro fundamento de nulidade previsto na alínea c) – oposição entre os fundamentos e a decisão – é intrínseco a uma decisão e resulta da estrita compaginação entre a mesma e os respectivos fundamentos, não abrangendo a contradição entre decisões autónomas. Improcede assim, sem necessidade de outras considerações por desnecessárias, este fundamento de nulidade. A recorrente invoca ainda com base naquele fundamento a ininteligibilidade da sentença. Mais uma vez estamos perante um vício intrínseco a uma dada decisão ou aos seus fundamentos, não tendo aqui cabimento a eventual contradição entre duas decisões autónomas. Improcede assim e também este fundamento de nulidade. Finalmente a recorrente invoca que a sentença recorrida pronunciou-se sobre questões que são objecto do processo n.º 2664/23.8T8VCT, extravasando, assim, o objecto desta acção, não devendo o tribunal ter conhecido dos provados 18) a 24). É patente e manifesto o equívoco da recorrente. Em primeiro lugar, como ficou referido em sede de enquadramento jurídico da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º, não cabe na nulidade nela prevista a consideração de factos que não deviam ter sido considerados. Independentemente disso, o tribunal limitou-se a conhecer das questões que tinha de conhecer nestes autos - “o tipo de relação contratual existente entre as partes e do objecto da mesma, bem como a verificação se, em face daquela relação é devida à Autora qualquer quantia monetária por parte da Ré e a que título “ – tendo concluído que as partes haviam celebrado um contrato de mediação imobiliária nulo por falta de forma e que a A. não tinha direito a qualquer remuneração porque o negócio visado pela mediação não se tinha concretizado por causa imputável à promitente compradora e não havia exclusividade. E ainda independentemente de não caber na alínea d) a consideração de factos que não deviam ser atendidos, o tribunal a quo mais não fez do que: a) considerar a factualidade alegada pela recorrente nos art.ºs 18º e 19º da PI (a Ré remeteu uma carta à A. em que declina pagar qualquer quantia por não celebração do contrato prometido, por manifesto incumprimento da promitente compradora e ao referir no art.º 28º da PI que a promitente compradora havia intentado o processo n.º 2664/23.8T8VCT; b) considerar a factualidade alegada pela recorrida: o negócio prometido não se concretizou (15º da contestação), a recorrente teve conhecimento dessa situação por nela ter participado activamente (23º da contestação), a resolução do contrato-promessa teve na sua génese uma série consecutiva de cedências de posição contratual à revelia, sem conhecimento, nem consentimento da promitente vendedora, aqui Ré (29º da contestação), nesta série de cedências de posições contratuais figura, desde logo e em primeira linha, a sociedade «EMP03... – UNIPESSOAL, LDA”, empresa da qual é sócio e gerente BB que também é sócio e gerente da aqui Autor (30º da contestação); a Autora arroga-se credora de uma comissão subjacente à angariação de comprador da fracção autónoma ... relativamente à qual, após ter sido celebrado o respectivo contrato promessa de compra e venda, a promitente compradora – AA – cedeu a posição contratual à sociedade «EMP03... – UNIPESSOAL, LDA”, empresa cujo sócio e gerente supra identificado é comum às duas empresas (31º da contestação), a qual, por sua vez, cedeu a posição contratual a novo cessionário – tudo isto à revelia, sem conhecimento nem consentimento da promitente vendedora – aqui Ré (32º da contestação); por via destas sucessivas cedências de posição contratual, EMP01..., Ldª e “EMP03... – UNIPESSOAL, LDA”, encaixaram cerca de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) (33º da contestação); e CC, sócio-gerente da autora, é também sócio-gerente da empresa EMP03..., Unipessoal, Lda., que tem como objecto social, entre outras actividades, a promoção imobiliária e investimentos imobiliários e sede na Rua ..., ... (concretização do 30º da contestação). Compaginando o que se acaba de referir com o que ficou exposto no Relatório supra quanto às questões suscitadas no processo 2664/23.8T8VCT, é certo que parte das questões nele invocadas foram também aqui invocadas para obstar ao direito da A. à pretendida remuneração. Mas precisamente por isso este tribunal não conheceu de questão que não podia conhecer e, também por isso, também não há decisão surpresa. Improcede assim e também este fundamento de nulidade. 6. Fundamentação de facto 6.1. O tribunal a quo considerou: A - FACTOS PROVADOS Da instrução e discussão da causa, julgou-se provada a seguinte factualidade: 1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à mediação imobiliária, à administração de imóveis por conta de outrem, ao arrendamento de imóveis e intermediação de crédito a título acessório para prestação de serviços relacionados com a actividade da empresa, sendo detentora da licença AMI n.º ...13, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, IMPIC; 2. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à promoção e venda de imóveis, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, investimentos imobiliários, gestão e administração de propriedades, loteamentos, projectos, assistência técnica e consultadoria de obras, exploração e desenvolvimento de campos de golfe, importação e exportação de materiais de construção e afins, gestão e exploração de espaços em condomínio fechado, gestão e administração de condomínios, arrendamento de imóveis, administração de imóveis por conta de outrem, e alojamento local de curta duração; 3. No âmbito e no desenvolvimento da sua actividade comercial, a autora e a ré celebraram um acordo verbal, no qual a Autora se comprometeu a procurar destinatário/interessado para a realização do negócio de compra da fracção autónoma designada pela letra ..., no ... andar, de tipologia ..., sita no Bloco ..., na Avenida ..., ..., ...; 4. Como contrapartida do referido em 3), a Ré obrigou-se a pagar à Autora a quantia de € 5.925,00, acrescido do IVA em vigor à taxa legal de 23%, que ascende ao valor de € 7.287,75; 5. A autora emitiu a factura nº ...85, destinada à Ré, com data de emissão e de vencimento de 10.01.2024, no valor de € 5.925,00, acrescida de IVA à taxa de 23%, no valor total de € 7.287,75, com a descrição “comissão de mediação imobiliária ...95-K da ...”; 6. Na sequência do acordo supra descrito, a Autora deu início às diligências de promoção e publicitação tendentes a alcançar a finalidade estabelecida pelas partes; 7. Para tanto, existia um stand de vendas no edifício do qual a Fracção ... faz parte; 8. No stand encontravam-se colaboradores da Autora, concretamente, GG e II, a promover a fracção, a receber os potenciais interessados e a realizar as visitas; 9. A Autora inseriu os dados do imóvel na sua base de dados, o qual foi atribuído o código ...41; 10. Ficando o mesmo disponível «on-line», na sua página da .../; 11. Na sequência das diligências de promoção realizadas, a Autora conseguiu um interessado na compra do referido imóvel – a Senhora AA; 12. Nesta esteira, foi outorgado um documento particular denominado de «Contrato de Promessa de Compra e Venda», no dia 21 de Outubro de 2021, entre a Ré e o Interessado (angariado pela Autora); 13. No referido documento, concretamente na Cláusula Décima, os Outorgantes declararam que «no presente negócio houve intervenção da sociedade de mediação imobiliária “EMP01..., Lda.”»; 14. No dia 18 de Dezembro de 2023, a Ré remeteu à Autora uma missiva com o seguinte teor: “Exmos. Srs. Serve a presente para informar que o contrato prometido, vulgo escritura pública, subjacente à fracção autónoma designada pela letra ..., tipo ..., sita no Bloco ..., na Avenida ..., freguesia ..., na qual configura como promitente compradora AA, não se realizará dado o manifesto incumprimento desta. Nesta conformidade, a obrigação pecuniária da EMP02..., Lda. com a EMP01..., Lda., resultante da intervenção desta no negócio em causa, cessa por inutilidade superveniente.”; 15. No dia 8 de Janeiro de 2024, a autora remeteu missiva à ré, com o seguinte teor: “Exmos. Senhores, Vimos por este meio acusar a recepção da vossa carta datada de 2023.12.15 que mereceu a nossa melhor atenção e à qual passamos a responder. Através dos serviços da nossa empresa foi angariado o cliente em questão que, posteriormente, celebrou com a vossa empresa o contrato promessa de compra e venda de fracção automóma de prédio urbano em regime de propriedade horizontal (2º, Fracção ... do Bloco ...). A nossa empresa é alheia aos motivos que determinaram a cessação dos efeitos do referido contrato. Atento o exposto deverão V. Exas. proceder ao pagamento da comissão devida à nossa empresa porquanto estão verificados os pressupostos do direito à mesma. Agradecemos a sua liquidação imediata, para o que, juntamente com a presente, se remete a factura respectiva.”; 16. Em resposta, a ré enviou à autora carta registada com aviso de recepção, datada de 18 de Janeiro de 2024, com o seguinte teor: “Exmos. Srs.: Relativamente à questão vertida na epígrafe em assunto, anexamos ao presente as v/s facturas nºs ...86 e ...85, bem como as cartas que capearam as mesmas (…). A devolução das cartas e respectivas facturas supra identificadas, consigna de forma clara e inequívoca que a EMP02..., Lda., discorda em absoluto do teor daquelas e não reconhece, em circunstância alguma, a existência de comissão de mediação imobiliária referida nestas. (…)”; 17. AA intentou uma acção de execução específica contra a Ré, que corre termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, Juiz ..., no âmbito do processo 2664/23.8T8VCT, na qual visa suprimir a declaração negocial omitida pela Ré; 18. O contrato prometido através do documento descrito em 12) – escritura pública – subjacente à fracção autónoma objecto do contrato promessa, não se concretizou; 19. E a Autora teve conhecimento daquela situação, na qual, aliás, participou activamente; 20. A resolução do acordo descrito em 12) teve na sua génese uma série consecutiva de cedências de posição contratual à revelia, sem conhecimento, nem consentimento da promitente vendedora, aqui Ré; 21. E nesta série de cedências de posições contratuais figura desde logo e em primeira linha a sociedade «EMP03... – UNIPESSOAL, LDA”, empresa da qual é sócio e gerente BB que também é sócio e gerente da aqui Autora; 22. A Autora arroga-se credora de uma comissão subjacente à angariação de comprador da fracção autónoma ... relativamente à qual, após ter sido celebrado o respectivo contrato promessa de compra e venda, a promitente compradora – AA – cedeu a posição contratual à sociedade «EMP03... – UNIPESSOAL, LDA”, empresa cujo sócio e gerente supra identificado é comum às duas empresas; 23. A qual, por sua vez, cedeu a posição contratual a novo cessionário – tudo isto à revelia, sem conhecimento nem consentimento da promitente vendedora – aqui Ré; 24. Por via destas sucessivas cedências de posição contratual, a EMP01..., Ldª e “EMP03... – UNIPESSOAL, LDA”, encaixaram cerca de € 50.000,00 (cinquenta mil euros); 25. CC, sócio-gerente da autora, é também sócio-gerente da empresa EMP03..., Unipessoal, Lda., que tem como objecto social, entre outras actividades, a promoção imobiliária e investimentos imobiliários e sede na Rua ..., .... B - FACTOS NÃO PROVADOS Dos relevantes para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos: a) Que a autora se tenha obrigado a obter e elaborar toda a documentação necessária à outorga da escritura de compra e venda do imóvel referido em 3); b) Que a autora se tenha obrigado a encontrar um interessado na aquisição da fracção da Ré independentemente da conclusão do negócio; c) Que o stand descrito em 7) pertencesse à autora; d) Que a EMP03..., Lda. seja uma empresa “do universo empresarial” da autora; e) Que FF tenha celebrado um contrato promessa de compra e venda de bem futuro com a EMP03..., Lda.. 6.2. Da inutilidade da reapreciação da decisão de facto quanto à matéria constante dos pontos 19) a 24) dos factos provados 6.2.1. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 130º do CPC que não é lícito realizar no processo actos inúteis. Tal normativo tem aplicação à reapreciação da matéria de facto: se a modificação dos pontos de facto impugnados não tiver a virtualidade de, segundo as diversas soluções plausíveis das várias questões de direito, conduzir, per se ou conjugados com outros factos, à alteração do julgado, não faz sentido proceder à sua reapreciação. Neste sentido o Ac. do STJ de 28/09/2023, processo 2509/16.5T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, sumariou o seguinte: “Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto se entender que os concretos factos objecto da impugnação, atentas as circunstâncias do caso e as várias soluções plausíveis de direito, não têm relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual puramente gratuita ou diletante.” E anteriormente o Ac. do STJ de 17/05/2017, processo 4111/13.4TBBRG.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, afirmou: “Definido o processo jurisdicional, do ponto de vista estrutural, como uma sequência de actos jurídicos logicamente encadeados entre si, ordenados em fases sucessivas com vista à obtenção da providência judiciária requerida pelo autor (Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, pág. 7, e A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed.,1985, pág.11), cabe ao juiz, no âmbito da sua função de direcção e controlo do processo, obviar a que nele sejam produzidos ou produzir actos inúteis. O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis. Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.” 6.2.2. Em concreto A factualidade constante dos pontos 19) a 24) intenta demonstrar que o negócio visado com a mediação imobiliária não se realizou por facto imputável à A. Na situação em que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de mediação imobiliária válido, dispõem os n.ºs 1 e 2 do art.º 19º da Lei 15/2013: 1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. Neste quadro saber se o negócio visado com a mediação imobiliária não se realizou por facto imputável à A. é irrelevante porque: - o n.º 1 do art.º 19º considera que o mediador tem direito a remuneração se o contrato visado com a mediação se concretizar; - o n.º 2 do art.º 19º, considera que o mediador tem direito a remuneração se o contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade e se o negócio visado com o contrato de mediação não se realizou por causa imputável ao cliente proprietário. Destarte e para o referido n.º 2 o que releva é saber se o negócio visado com o contrato de mediação não se realizou por causa imputável ao cliente e não saber se o contrato não se realizou por causa imputável à mediadora. No caso de o contrato de mediação imobiliária ser nulo, há lugar à aplicação do disposto no art.º 289º do CC, devendo a nulidade do contrato dar origem ao dever do cliente de restituir o resultado da actividade da mediadora, pagando um valor equivalente à retribuição acordada, desde que se verifiquem a situação prevista no n.º 1 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013, de 08 de fevereiro, ou seja, quando o negócio visado pelo contrato de mediação se tenha concretizado. Destarte, seja o contrato de mediação imobiliária válido ou inválido, é irrelevante a factualidade constante dos pontos 19) a 24), na medida em que a eventual manutenção da mesma como provada não é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de saber se, no primeiro caso, a mediadora tem direito a ser remunerada e, no segundo caso, se a mediadora tem direito ao valor correspondente à sua prestação. Importa aqui referir que imediatamente antes da conclusão L, está inserido um título com a designação “Matéria de direito”. E nas conclusões L a LX a recorrente invoca que a sentença recorrida violou do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do CPC. Os referidos normativos dispõem: 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. Tudo quanto se invoca nas referidas conclusões relativamente à formação da convicção do julgador de 1ª instância e à alegada violação das normas de direito probatório material não tem autonomia relativamente à impugnação da decisão de facto em si mesmo considerada. E por ser assim, sendo inútil a apreciação da impugnação da decisão de facto, é também inútil tudo quanto consta de tais conclusões. Em face do exposto, não se procede à apreciação da impugnação dos pontos 19) a 24) dos factos provados por a mesma não ter qualquer utilidade para a boa decisão da causa. 6.3. A decisão de facto deficiente. 6.3.1. Enquadramento jurídico Nos termos do n.º 2 do art.º 662º, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: “(…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)” Relativamente ao processo declarativo em geral, Alberto dos Reis in CPC Anotado, IV, pág. 553, tendo por pano de fundo a existência de questionário, referia: “…as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado.“ Tendo por pano de fundo a base instrutória, o art.º 712º n.º 4 do CPC revogado, dispunha que se não constassem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitisse a reapreciação da matéria de facto, a Relação podia, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando considerasse indispensável a ampliação da matéria de facto, significando-se, então, a matéria de facto que, muito embora alegada pelas partes, não havia integrado a base instrutória. Destarte e no âmbito da base instrutória, a distinção entre deficiência e ampliação da matéria de facto traduzia-se no seguinte: havia deficiência quando, muito embora determinado facto integrasse a base instrutória, o tribunal não se tinha pronunciado quanto ao mesmo, nem positiva, nem negativamente; era indispensável a ampliação quando o facto alegado pela parte tinha sido completamente omitido na base instrutória. Actualmente poderá afirmar-se que haverá deficiência quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas da prova ou, como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 352, a decisão de facto será deficiente se houver “falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso” e será indispensável a ampliação da matéria de facto, quando tiver sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litigio (aut e ob. cit., pág. 353). O art.º 662º, n.º 2, alínea c) do CPC confere à Relação poderes de cassação (“anular a decisão proferida na 1ª instância… “). No entanto, tem sido entendido que o citado poder de anulação “deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit. pág. 354). Ou seja, entende-se que o poder rescisório ou cassatório é subsidiário dos poderes de reexame da prova, pois só haverá lugar à anulação se não constarem do processo todos os elementos - factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente - que permitam a alteração (refere o preceito “quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto“). Dispõe o art.º 5º n.º 1 do CPC que cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções invocadas. Além disso, e nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, além dos factos articulados pelas partes são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude das suas funções. Factos essenciais são aqueles de que depende o reconhecimento do direito ou a procedência da excepção. Factos complementares ou concretizadores de factos essenciais relevam em factualismos complexos, com previsões normativas em que há conceitos de direito indeterminados ou cláusulas gerais e completam os factos essenciais ou concretizam-nos, resultando no preenchimento da facti spécies normativa geradora do reconhecimento do direito ou do preenchimento da excepção (Paulo Pimenta, Ónus de alegação e de impugnação das partes e poderes de cognição do tribunal, in II Colóquio de Processo Civil de Santo Tirso, Almedina, 2016, pág. 95 e Miguel Teixeira de Sousa, in CPC Online, Blog do IPPC, https://drive.google.com/file/d/1Qrkj7KpwR-oC3n4DzvYQlkEbJoQcst0B/view). Facto instrumental é aquele que permite a afirmação, por indução, de outros factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção e sendo assim, não há ónus de alegação ou sequer qualquer tipo de preclusão, pelo que poderão ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova e em face dos temas da prova que tenham sido enunciados; e sobre os mesmos não tem de haver uma pronúncia judicial, na medida em que sirvam de apoio à formação da convicção acerca da restante factualidade, máxime, quando a partir deles se possam inferir outros factos mediante presunções judiciais (cfr Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 32, e art.º 5º n.º 2, alínea a) do CPC que dispõe que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa). Para que um facto complementar possa ter relevo enquanto tal, é necessário tenham sido alegados factos essenciais consubstanciadores de um direito cujo reconhecimento se pretende ou de uma excepção. Nos termos do n.º 4 do art.º 607º do CPC "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados,…”. No que ora releva, decorre deste normativo que o tribunal deve considerar provados ou não provados: a) factos essenciais que tenham sido alegados pelas partes, acolhendo a regra plasmada no art.º 5º n.º 1 do CPC - às partes e só a elas cabe alegar os factos essenciais; b) factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, acolhendo a alínea b) do n.º 2 do art.º 5º do CPC. Inversamente, o tribunal não pode considerar provados ou não provados factos essenciais não alegados, já que tal constituiria uma violação das normas conjugadas dos art.ºs 5º n.º 1 e 607º n.º 4, como também não pode dar como provados factos complementares fora do condicionalismo da alínea b) do n.º 2 do art.º 5º do CPC. Refere Manuel Tomé Soares Gomes in A Sentença Cível, CEJ, 2014, pág. 14, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202 que (sublinhado nosso): “ (…) o tribunal só deve atender aos factos que, te[nham] sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos durante a instrução…., 6.3.2. Em concreto A recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto provada a seguinte matéria: 1. A Autora e a Ré detinham, à data dos factos, uma longa relação empresarial e de confiança; 2. Por acordo entre as partes, a Autora era a única empresa de mediação imobiliária, à data dos factos, a prestar serviços de angariação de destinatário/interessado comprador, promoção e publicitação do imóvel em crise nos autos; 3. O valor da fatura referida no facto provado 5), não foi pago pela Ré; 4. Com a prestação dos serviços referidos em 3), 6) a 12) dos factos provados, a Autora teve custos, designadamente - mas não só -, através da afetação exclusiva do funcionário GG ao stand da EMP02...; 5. O pagamento dos serviços prestados pela Autora não estava dependente da conclusão do negócio definitivo. A matéria referida em 1 é absolutamente irrelevante para a boa decisão da causa. A matéria referida em 2 seria relevante tendo em consideração a qualificação do contrato celebrado entre as partes como de mediação imobiliária e a sua validade; e o já referido n.º 2 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013, donde resulta que o mediador tem direito à remuneração acordada se tiver sido estabelecida a exclusividade da mediação e o negócio visado pelo contrato de mediação não se tenha concretizado por facto imputável ao cliente proprietário ou arrendatário. Mas sendo assim, a factualidade reveladora da exclusividade é um facto essencial, na medida em que dela depende o reconhecimento do direito à remuneração. Sucede que em parte alguma ou em momento algum a A., ora recorrente, alegou tal factualidade. Sendo assim, e ainda que a mesma resulte da instrução da causa, nem a 1ª instância, nem este tribunal a pode considerar provada, sob pena violação das normas conjugadas dos art.ºs 5º n.º 1 e 607º n.º 4. A factualidade constante do ponto 3 é irrelevante porquanto não cabe àquele que se arroga credor alegar e provar o não pagamento, mas ao devedor alegar e provar que pagou, já que o pagamento constitui um facto extintivo do direito do autor. A factualidade constante do ponto 4 é totalmente irrelevante tendo em consideração o enquadramento jurídico já sucintamente referido. O referido em 5 é uma pura e simples conclusão jurídica, pelo que nunca poderia ser considerada na factualidade provada ou não provada. Em face do exposto, improcede in totum a invocada deficiência da decisão de facto. 6.4. Decisão de facto contraditória 6.4.1. Enquadramento jurídico Já acima citámos Alberto dos Reis in CPC Anotado, IV, pág. 553, quando referia: “…as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. (…).“ O actual figurino da decisão de facto não contem respostas, porque hoje não existem quesitos. Mas o ensino do insigne professor é perfeitamente aplicável considerando-se que haverá contradição quando o conteúdo de um dado ponto de facto for incompatível, for a antítese, for o contrário, de outro ponto de facto. 6.4.2. Em concreto Alega a recorrente que existe contradição entre os factos constantes dos pontos 3 e 4 dos factos provados e a alínea b) dos factos não provados. Os pontos 3 e 4 têm o seguinte teor: 3. No âmbito e no desenvolvimento da sua actividade comercial, a autora e a ré celebraram um acordo verbal, no qual a ré se comprometeu a procurar destinatário/interessado para a realização do negócio de compra da fracção autónoma designada pela letra ..., no ... andar, de tipologia ..., sita no Bloco ..., na Avenida ..., ..., ...; 4. Como contrapartida do referido em 3), a Ré obrigou-se a pagar à Autora a quantia de € 5.925,00, acrescida do IVA em vigor à taxa legal de 23%, que ascende ao valor de € 7.287,75; A matéria constante destes pontos constitui parte dos artigos 4, 5, 6 e 8 da PI. A alínea b) dos factos não provados tem o seguinte teor: b) Que a autora se tenha obrigado a encontrar um interessado na aquisição da fracção da Ré independentemente da conclusão do negócio; Aparentemente esta matéria foi extraída dos pontos 32 e 33 da resposta da A. à contestação. Sucede que a mesma não retrata com rigor o que ali foi alegado e que tem o seguinte teor: 32. Estando a Autora, por força do contrato oneroso de prestação de serviços, ao qual se aplicam as regras do mandato, celebrado com a Ré, obrigada a encontrar um interessado na aquisição da fração da Ré e tendo cumprido com tal obrigação, terá sempre o direito a ser remunerada, 33. independentemente da conclusão do negócio. Ou seja: considerou-se não provado (é este o sentido da alínea b) em causa) que as partes acordaram que a A. se tenha obrigado a encontrar um interessado na aquisição da fracção da Ré independentemente da conclusão do negócio. Porém, não foi isto que foi alegado pela A., ora recorrente. O que consta do ponto 33 é o epílogo, uma conclusão jurídica extraída do alegado no ponto 32. Correspondendo a alínea b) a um facto não alegado, a mesma deve ser eliminada em obediência ao disposto nos art.ºs 5º n.º 1 e 607º n.º 4, o que se decide. E, desse modo fica prejudicada a invocada contradição. 7. Fundamentação de direito 7.1. Da qualificação do contrato celebrado A A., na petição inicial (art.º 4º) invocou que no âmbito e desenvolvimento da sua actividade comercial, prestou serviços de mediação à Ré. No entanto, e posteriormente, afirma que o contrato celebrado entre as partes é um contrato oneroso de prestação de serviços, regulado pelas disposições dos artigos 1154 e segs. do CC, bem como pelas normas do contrato de mandato. A Ré, na contestação, invocou que o alegado pela A. reconduz-se ao contrato de mediação imobiliária regulado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, sendo o mesmo “inexistente” por falta de forma nos termos do art.º 16º da citada Lei. Na resposta à contestação a A., ora recorrente insistiu na qualificação como prestação de serviços, opondo-se à qualificação como contrato de mediação, sem, no entanto, – diga-se – indicar razões substantivas para tal. A sentença recorrida qualificou o acordo celebrado entre as partes como mediação imobiliária. No recurso a recorrente insiste na qualificação como contrato de prestação de serviços. Vejamos, tendo em consideração que a qualificação é essencial, porquanto determina a definição do regime jurídico a aplicar. A qualificação de um contrato “é um juízo predicativo que tem como objeto um negócio jurídico concretamente celebrado e que tem como conteúdo a correspondência de um negócio a um ou mais tipos negociais, bem como os graus e o modo de ser dessa correspondência” – Pedro Pais de Vasconcelos in Teoria Geral do direito Civil, 8ª edição, pág. 499. E refere o mesmo autor, in ob. cit. pág. 500, que “[o] juízo predicativo não precisa de ser de correspondência exacta e total entre o caso e o tipo e só raramente o será. A correspondência entre o caso e o tipo é graduável e poderá ser maior ou menor. O juízo predicativo é um juízo de correspondência que opera com base na semelhança. (…) A medida de semelhança necessária para a qualificação não é susceptível de ser determinada exactamente nem em geral. (…). Quanto ao método refere (ob. cit. pág. 501) que “[a] comparação necessária à qualificação é feita com recurso a índices do tipo. Os índices do tipo são aquelas qualidades ou características que têm capacidade para o individualizar, para o distinguir dos outros tipos e para o comparar, quer com os outros tipos, na formação de séries e planos, quer com o caso, na qualificação e concretização. (…). Os índices do tipo são plurais. Não existe um traço distintivo único capaz de, por si só e sem o concurso de outros, individualizar, distinguir e servir de critério de comparação de todos os tipos negociais.” Na situação dos autos a análise está limitada ao contrato de mediação imobiliária e ao contrato de prestação de serviços. Quanto ao contrato de mediação imobiliária. O art.º 2º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro dispõe que a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis. E o n.º 6 dispõe: 6 - É designada por cliente a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária. O art.º 3º, n.º 1 dispõe: 1 - A atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida em território nacional por empresas de mediação imobiliária e mediante contrato. O art.º 16º, n.º 1 dispõe: 1 - O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito. Finalmente o art.º 19º da mesma Lei dispõe nos n.ºs 1 e 2: 1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. Muito embora a Lei tenha essencialmente em vista regular a actividade de mediação imobiliária, ao conter normativos reguladores do contrato de mediação imobiliária, como sucede com os citados art.ºs 16 e 19º, tipificou-o (ao contrário do que sucede com o contrato de mediação em geral). A Lei não contem uma definição do contrato de mediação imobiliária, como já não a continha o Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto. Há, no entanto, uma diferença entre os dois diplomas. O art.º 2º, n.º 1 do DL 211/2004 dispunha (o sublinhado é nosso): 1 - A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel. E o art.º 2º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013 dispõe que a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis. Como refere Higina Orvalho Castelo in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliário Anotado, 2015, pág. 35: “O RJAMI (2013) abandona a referência a uma obrigação do mediador de efetuar dadas diligências e descreve simplesmente a atividade na perspetiva da sua execução fáctica, como a procura de destinatários, sem fazer corresponder essa procura a uma obrigação contratual.” Assim, e tendo por referência os normativos citados, podemos definir o contrato de mediação imobiliária como aquele em que uma empresa de mediação imobiliária (o mediador) assume perante outrem (o cliente), a incumbência, mediante uma remuneração, de procurar interessados na realização (com o cliente) de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis. De referir que o Ac. do STJ de 17/03/1967, publicado no BMJ 165, ano 1967, pág. 331, acolheu a seguinte definição de contrato de mediação: I - O contrato de mediação supõe, na sua essência, a incumbência a uma pessoa de conseguir interessado para certo negócio, a aproximação feita pelo mediador entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio entre ambos como consequência adequada da actividade do intermediário, sendo indiferente, no entanto, que este intervenha na fase final do negócio. Quanto ao contrato de prestação de serviços, O art.º 1154º do CC define o contrato de prestação de serviço como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. A doutrina vem entendendo que não estamos perante um tipo contratual, mas perante um tipo-padrão (a expressão é de Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit. pág. 505) ou uma classe de contratos (o mesmo autor, mas in Os Contratos atípicos, pág. 163-164, apud Higina Castelo in O contrato de mediação, pág. 352) ou uma categoria de contratos (Higina Castelo in O contrato de mediação, pág. 354). Na realidade, a lei define o contrato de prestação de serviço, mas não estabelece para ele um modelo regulativo próprio, antes determinando, por um lado, no art.º 1155º do CC, que são contratos típicos do contrato de prestação de serviço o mandato, o depósito e a empreitada e, por outro, no art.º 1156º do CC, que as disposições sobre o mandato são aplicáveis, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente. As modalidades não contempladas hão-de ter como conteúdo a obrigação de uma parte proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, como sucede no contrato de transporte ou no contrato de hospedagem. Feito este enquadramento vejamos a factualidade provada. Resulta da factualidade provada (ponto 1) que a Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, entre outras actividades, à mediação imobiliária, sendo detentora da licença AMI n.º ...13, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, IMPIC. Está ainda provado (ponto 2) que a Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, entre outras actividades, à promoção e venda de imóveis. E no que releva, está provado (ponto 3) que no âmbito e no desenvolvimento da sua actividade comercial, a autora e a ré celebraram um acordo verbal, no qual a A. se comprometeu a procurar destinatário/interessado para a realização do negócio de compra da fracção autónoma designada pela letra ..., no ... andar, de tipologia ..., sita no Bloco ..., na Avenida ..., ..., ...; e (ponto 4) como contrapartida do referido em 3), a Ré obrigou-se a pagar à Autora a quantia de € 5.925,00, acrescida do IVA em vigor à taxa legal de 23%, que ascende ao valor de € 7.287,75. Tendo em consideração esta factualidade e sobretudo a que consta do ponto 3 dos factos provados, é patente e manifesto que estamos perante um contrato de mediação imobiliária por nele estar verificado o elemento em que reside a essência, o cerne, da tipicidade legal do contrato de mediação imobiliária: a A., aqui recorrente, comprometeu-se a procurar interessados na realização, com a aqui Ré, de um negócio que visava a aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada. De notar que o que consta da parte final do ponto 3 – que a A. se comprometeu a procurar destinatário/interessado para a realização do negócio de compra da fracção autónoma –, não pode ser interpretado no sentido de que bastava à mediadora diligenciar no sentido de encontrar um interessado na aquisição do imóvel, antes tendo de ser interpretado no sentido de encontrar um interessado com quem viesse a ser realizada a compra e venda do imóvel. Impõe-se justificar porque não estamos perante uma modalidade do contrato de prestação de serviço. Desde logo, e como já se disse, o legislador da Lei n.º 15/2013 abandonou a referência a uma obrigação do mediador de diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio visado pela mediação. A referida alteração não pode ser considerada inócua, tanto mais que, nos termos do n.º 3 do art.º 9º do CC, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Neste quadro, não se pode considerar que o mediador imobiliário “se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual”, razão pela qual o contrato de mediação imobiliária se afasta do contrato de prestação de serviço. Além disso, caso o mediador não diligencie pela procura de interessados, não incorre em incumprimento porque a incumbência que o mediador assume não corresponde a um direito do cliente, que não lhe pode exigir uma indemnização; apenas sucede o mediador não ter direito a ser remunerado. Por outro lado, mesmo que as partes estipulem que o mediador se obriga a conseguir interessado na realização de determinado negócio (como sucedia no primeiro diploma que regulou o contrato de mediação imobiliária – o DL 285/92, de 19 de dezembro) ou se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado (como dizia o Decreto-Lei n.º 211/2004), o contrato celebrado não deixa de ser de mediação imobiliária se estiver em causa a procura de interessados na realização (com o cliente) de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis, elemento em que reside a essência, o cerne, da tipicidade legal do contrato de mediação imobiliária. Dito de outra forma: desde que um contrato tenha por objecto a procura de interessados na realização (com o cliente) de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis, independentemente da concreta expressão da posição do mediador, estamos perante um contrato de mediação imobiliária e não perante um contrato de prestação de serviço. Como refere Higina Castelo in O contrato de mediação, pág. 40, nota 46 (sublinhado nosso): “(…) o tipo legal passou a comportar qualquer vínculo do mediador, incluindo uma espécie de ónus, cabendo às partes contraentes acordarem a que melhor se adeque aos seus interesses, sem que a espécie de vinculação in casu assumida possa colocar o contrato fora do tipo legal”. E na pág. 401 reforça: “Ao abandonar a referência a uma obrigação do mediador de efetuar determinadas diligências (veja-se a definição da atividade contida no art.º 2º, n.º 1, do antecedente DL 211/2004), amplia o leque das ocorrências comportamentais a que se destina a sua aplicação direta. A vinculação contratual do mediador e a sua intensidade terão de procurar-se casuisticamente, sem que isso afete a qualificação como contrato de mediação imobiliária legalmente típico.” Outro elemento que distingue o contrato de prestação de serviço do contrato de mediação imobiliária é que “enquanto a retribuição do prestador de serviço é devida em função do serviço prestado, em função do cumprimento da sua prestação, a remuneração do mediador depende de um resultado que está fora da sua prestação contratual, embora tenha conexão com ela, e que não depende da sua vontade e está na disponibilidade da contraparte.” (cfr. Higina Castelo, O contrato de mediação, pág. 367). E neste sentido compreende-se – diga-se -, a pretensão da A. de que o contrato em causa fosse considerado um puro e simples contrato de prestação de serviço e não um contrato de mediação imobiliária, defendendo, para tanto, que se obrigou a encontrar um interessado na aquisição e que o encontrou, tendo, portanto, e por esse simples facto, direito a remuneração, intentando, assim, afastar a aplicação do art.º 19º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, o qual dispõe que o mediador só tem direito a remuneração com a concretização do negócio visado com a mediação, o que não se verificou no caso concreto. Note-se que, como já vimos, o contrato de prestação de serviço não é um tipo legal, mas uma classe de contratos típicos em que é obrigação de uma parte proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Sendo assim, e no limite, no caso estaríamos perante uma modalidade não legalmente tipificada do contrato de prestação de serviço, mas socialmente típica que é o contrato de mediação (em geral). Mas como tem vindo a ser referido pela doutrina (cfr. por todos Higina Orvalho Castelo, O contrato de mediação, pág. 271), em tal modalidade o direito à remuneração só nasce com a realização, com a concretização do negócio visado pela mediação. Destarte, e ainda que assim fosse – e não é – o intento da A. – ser remunerada pela simples actividade - nunca poderia ser alcançado. Em síntese: o contrato celebrado entre as partes é um contrato típico de mediação imobiliária e não uma modalidade não legalmente regulada do contrato de prestação de serviço, sendo inaplicável o disposto no art.º 1156º do CC. 7.2. Da nulidade do contrato Qualificado o contrato celebrado entre as partes como contrato de mediação imobiliária, dispõe o art.º 16º n.º 1 da Lei n.º 15/2013 que o mesmo é obrigatoriamente reduzido a escrito. E dispõe o n.º 5 do mesmo diploma que o incumprimento do disposto no n.º 1 determina a nulidade, não podendo a mesma ser invocada pela empresa de mediação. No caso a nulidade foi invocada pela Ré e foi julgada procedente pela sentença recorrida, por resultar provado no ponto 3 que o acordo foi verbal, decisão que não merece censura e que, por isso, também acompanhamos. Sendo o contrato nulo, coloca-se a questão de saber se a mediadora tem, ainda assim, direito a ser remunerada e em que condições. Dispõe o artigo 289.º do Código Civil que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. A prestação do mediador é a de encontrar interessado na realização do negócio visado com a mediação. Essa prestação não é susceptível de restituição em espécie. Coloca-se então a questão do valor correspondente à mesma. Neste ponto importa considerar as especificidades do direito à remuneração do mediador pois, como dispõe o n.º 1 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013, o mediador só tem direito à remuneração acordada quando o negócio visado pelo contrato de mediação se tenha concretizado. Não há que considerar o n.º 2 do art.º 19º, que pressupõe o estabelecimento de uma cláusula de exclusividade e cuja aplicação pressupõe a validade do contrato; sendo o contrato nulo, aquela cláusula é englobada na nulidade e não pode ser aplicada – cfr. Ac. do STJ de 29.04.2021, processo 5722/18.7T8LSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj; Ac. da Rl de 25/01/2022, processo 6047/19.6T8LSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl. Uma vez que, por efeito da nulidade do contrato de mediação, o mediador não pode receber aquilo que não receberia se o contrato fosse válido, o valor correspondente à prestação do mesmo, insusceptível de ser restituída em espécie, terá de ser compaginado com o disposto no referido normativo. Quanto ao valor a considerar, acompanha-se Higina Castelo in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, pág. 110, quando refere: “Creio que o melhor critério para aferir este valor é fazê-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida do mediador para si valia.” E no sentido de tudo o exposto, afirma-se no Ac. do STJ de 29.04.2021, processo 5722/18.7T8LSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj: “(…) se a actividade prestada não corresponde a qualquer benefício da contraparte, [o] dever de restituição não existe. Não pode ser restituído aquilo que não se recebeu. É isso que, por vezes, sucede nas situações de nulidade dos contratos de mediação. As especiais caraterísticas da prestação do mediador no contrato de mediação e da sua sinalagmaticidade, colocam algumas dificuldades no apuramento do âmbito do dever de restituição, perante um contrato de mediação nulo. ”, pelo que, mesmo que a mediadora desenvolva toda uma actividade no sentido de se realizar o negócio pretendido pelo cliente, a verdade é que se o negócio não se concretizar por causa que não seja imputável a este último, não é devida qualquer retribuição (…). Já quando o negócio que é objecto do contrato de mediação se concretiza por acção da mediadora, a nulidade do contrato pode dar origem ao dever do cliente de restituir o resultado da actividade da mediadora, pagando um valor equivalente à retribuição acordada. (…)” Na situação em referência está provado que o contrato visado com a mediação pura e simplesmente não se concretizou (ponto 18 dos factos provados), pelo que a recorrente não tem direito à restituição do valor acordado, não tendo relevância saber se essa não concretização se ficou a dever ou não à A. Em face do exposto a decisão recorrida deve ser mantida e em consequência a apelação deve ser julgada improcedente. 7.3. Custas Dispõe o art.º 527º n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. E o n.º 2 dispõe que “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.” A apelante ficou integralmente vencida, pelo que é responsável pelas custas. 8. Decisão Termos em que se mantem a decisão recorrida e em consequência julga-se a apelação improcedente Custas pela recorrente Notifique-se * Guimarães, 25/09/2025 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Alexandra Maria Viana Parente Lopes Maria João Marques Pinto de Matos [1] Dispõe o n.º 1 do art.º 639º do CPC que (sublinhado nosso) “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Este normativo impõe dois ónus: o de alegação e o de conclusão. No caso releva este último e traduz-se na necessidade de finalizar as alegações recursivas com a formulação sintética de conclusões, em que é suposto que o apelante resuma ou condense os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo. (Ac. RP de 09/11/2020, proc. 18625/18.6T8PRT.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp). Já referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V volume, 1984, pág. 359, que “As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”. No mesmo sentido Aveiro Pereira, in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil “, pág. 31, acessível in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf, onde refere que as conclusões são as “ ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.” Tendo em consideração as questões que cumpre decidir nos autos, é patente e manifesta a prolixidade das 81 conclusões. Mas opta-se por não proferir despacho de aperfeiçoamento (art.º 639º n.º 3 do CPC) e, assim, convidar a recorrente a sintetizá-las única e exclusivamente para não dilatar a apreciação do recurso. |