Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | LUÍSA OLIVEIRA ALVOEIRO | ||
| Descritores: | CRIME DE DIFAMAÇÃO TIPICIDADE RELAÇÃO DE TRABALHO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
| Sumário: | 1. A discordância face à decisão e apreciação da matéria de facto constante da decisão instrutória não passa pelo recurso ao mecanismo da impugnação ampla da matéria de facto (art. 412º do C.P.Penal - reservado para a decisão final proferida em fase de julgamento quanto à factualidade provada ou não provada), mas antes pela sustentação pelo recorrente e correspetiva apreciação pelo tribunal superior, da existência ou inexistência de indícios suficientes do cometimento de uma determinada infração criminal. 2. O email, no qual a arguida fez constar “parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta … parece-me … deve dar cumprimento ao disposto na norma do Código do trabalho supra transcrita, mandando verificar por médico a situação da doença …”, consubstancia um documento interno, enviado a duas pessoas, que lhe foi solicitado no âmbito da sua atividade profissional, num quadro de aconselhamento jurídico à entidade patronal da assistente e com base em factos objetivos que lhe foram transmitidos 3. As expressões que dele constam revelam um juízo crítico sobre a atuação ou a conduta da assistente, emitido no âmbito da sua atividade profissional e com base na sua experiência profissional. 4. O contexto e a forma das expressões utilizadas demonstram que não foram proferidas com caráter de gratuitidade, nem com o propósito de rebaixar e humilhar a assistente, ao invés foram motivadas pelo propósito de aconselhar e justificar a reação da entidade patronal, informando-a da possibilidade de lançar mão dos mecanismos legais ao seu dispor, encerrando um juízo (de índole subjetiva) dirigido à conduta da assistente e não à pessoa da mesma. 5. Tendo a arguida atuado no contexto do exercício da sua atividade profissional, não ultrapassou os limites consentidos pelo exercício do direito à liberdade de expressão e do direito de crítica, enquanto direito a manifestar a sua convicção pessoal, no âmbito do aconselhamento jurídico. 6. Tais expressões, atento o modo e o concreto contexto em que foram proferidas, não merecem a censura ou a tutela do direito penal, pois não têm a virtualidade de alcançar um patamar mínimo de gravidade que reclame ou sequer justifique a intervenção do direito e, como tal não podem ser consideradas ofensivas da honra, consideração, dignidade e imagem da assistente. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Por decisão instrutória de 18 de fevereiro de 2025, o Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz 2 decidiu não pronunciar a arguida AA e, consequentemente, determinou-se o arquivamento dos autos. * Inconformada a assistente BB interpôs recurso da decisão instrutória, formulando as seguintes conclusões:“A. O Tribunal a quo errou ao não pronunciar a arguida para julgamento pela prática do crime que se lhe mostrava imputado na acusação particular deduzida. B. entende a recorrente que a subsunção jurídica imporia conclusão diversa, desde logo por não ser uma evidência necessária a consideração como não suficientemente indiciado o facto n.º 11. C. o Tribunal a quo errou ao considerar como não suficientemente indiciado o facto n.º 11, conforme consta a fls. 21, 2º parágrafo a negrito. Na verdade, é com essa fundamentação e consideração que depois extrai a douta decisão de não pronúncia da arguida/recorrida. D. a decisão recorrida apenas e tão-só seria correcta caso o teor de tal email remetido pela arguida/recorrida em 23/11/2022 pelas 12h30m se limitasse aos pontos 1 e 2 ou o teor da conclusão (ponto III) fosse diverso. E. A Arguida não se limita a dar conhecimento do circunstancialismo factual subjacente e da legislação aplicável e seu enquadramento, fazendo logo o juízo judicativo decisório, como resulta demonstrado pelo uso da expressão “Resulta por demais evidente… que o verdadeiro motivo da ausência…… foi a necessidade… de faltar para tratar de assuntos familiares e não uma situação de doença” (primeiro parágrafo do ponto III) ab initio] e “parece-me inequívoco que há intuito fraudulento dessa trabalhadora ao apresentar atestado médico” (segundo parágrafo do ponto III)]. F. E tudo mesmo antes de ser levada a cabo a diligência probatória que bem conhece e bem sabia ser aplicável por a ela expressamente se referir no penúltimo parágrafo: “o Centro Hospitalar ..., através do SGRH, deve dar cumprimento ao disposto no norma do Código do Trabalho supra transcrita, mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.” G. Afirmar que “resulta por demais evidente” que a ausência se deveu a outro motivo que não a situação de doença bem como “parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico” não se trata de apenas indicar a legislação aplicável e forma de reacção. H. Da mesma forma que se não indica como possível ou provável tal circunstancialismo, necessariamente desonroso por implicar prática e uso de documento falso bem como desonestidade para com a entidade patronal, antes se o afirma categoricamente e antes da diligência probatória apta a confirmar ou infirmar tal realidade. I. Tanto a mais cândida das sereias como o mais condenado dos arguidos, terão necessariamente também direito à honra! J. Julga-se ser notório, o que se invoca nos termos e para efeitos do art. 412º CPC que toda e qualquer pessoa que imputar a prática de algo com “intuito fraudulento” a outrem ofende a honra e consideração do visado!, sem realização de qualquer prévia diligência probatória que atestasse ou evidenciasse, assentando unicamente em especulações e fabulações pessoais! K. Sem a realização de qualquer diligência de prova a arguida/recorrida tratou logo de dar a “sentença” e em ternos desonrosos e ofensivos para a recorrente, imputando-lhe a prática de algo “fraudulento” e a contender com falsidade, o que seria a prática de um crime. L. A fraude será um esquema ilícito ou de má-fé, criado para obter ganhos pessoais, acto de má-fé praticado com o objetivo de enganar ou prejudicar alguém, podendo consubstanciar burla, engano, acção feita com a intenção de eludir uma disposição legal ou regulamentária, falsificação de documento ou aquilo que se faz passar pelo que não é. M. Indubitavelmente para toda e qualquer pessoa tal imputação é desonrosa e ninguém gostaria de passar por ela ou ver-lhe imputada tal conduta, causadora de danos, vergonha, vexame e desconsideração social. N. Para a prática do crime de “difamação” bastaria que a arguida/recorrida o tivesse feito apenas a título de suspeita, nem era preciso colocar logo a chancela da culpabilidade, como o fez. Pelo que, tendo-o feito e não se tendo ficado pelo estádio da mera suspeição, o crime e tipo de ilícito julga-se mais que perfectibilizado e cometido. O. Julga-se que todo e qualquer jurista ou advogado médio, tendo por parâmetro o critério do bonus paterfamilias, se teria abstido de escrever tais considerações como um dado adquirido. P. A Arguida deveria ter-se limitado ou a apenas referir o parágrafo final ou a ser cauteloso na formulação de tal outra possibilidade que implicasse a prática de um crime pela trabalhadora em causa, da qual se absteria. Q. Não se julga assim que haja conformidade ou actuação compatível com o exercício da profissão, seja de advogado ou jurista, por não constar no respectivo Estatuto que de entre as atribuições, competências ou funções conste a imputação de prática de crime ou a formulação de juízos desonrosos. R. No âmbito de prossecução de mandato forense e na pendência de qualquer processo ou para início do mesmo, da redacção de nota de culpa, queixa ou participação criminal, seja ele do foro disciplinar ou penal, tem sempre de haver cautelas redobradas na formulação e imputação factual. E se assim é na pendência ou para instauração de um processo, a fortiori o será aquando da fase prévia de mera apreciação de factos e aconselhamento jurídico, seja para efeito de consulta ou parecer. S. A própria lei (art. 252º CT) fala em “intuito fraudulento” mas não consagra qualquer presunção de culpa para com todo e qualquer trabalhador, antes consagrando a forma de fiscalizar e apurar. Tal preceito não impõe que previamente hajam considerações imputativas de tal “intuito fraudulento” dando-o como adquirindo antes de qualquer diligência probatória. T. Para agir de acordo com a sua profissão e a lei, a arguida/recorrida teria de se ter limitado a convocar o teor da legislação e elucidar a entidade patronal que em caso de qualquer suspeita, há o mecanismo e diligência de prova a levar a cabo, a qual até poderia ter aconselhado, mas nunca com aposição prévia de certeza inequívoca de ocorrência de fraude ou falsificação. U. Ao não o fazer, tendo ido para além do que lhe seria exigível, expectável bem como aconselhável, no exercício justo e adequado da profissão, incorreu a arguida/recorrida na prática do ilícito imputado. V. Uma vez que a arguida/recorrida não se limitou a aconselhar nem a prestar aconselhamento jurídico compatível com o exercício da profissão, seja de jurista seja de advogada, mas sim a extravasar o mesmo e a formular juízos de valor objectivamente desonrosos da honra e consideração profissional, laboral e pessoal da recorrente, julga-se haver indícios suficientes para tal facto ser tido por suficientemente indiciado. W. Tem-se assim tal desconsideração como errónea e disforme à subsunção jurídica devida in casu devendo tal facto 11 passar ao elenco dos factos suficientemente indiciados e ter lugar a pronúncia da arguida/recorrida e consequente submissão a julgamento pelos factos imputados na acusação particular”. * O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 27.03.2025, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.* A arguida AA apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:“A - Inconformada com a decisão instrutória proferida nos autos que não pronuncia a arguida/Recorrida pela prática do crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180°, nº 1 e 183.º, n.º 1 al. b), ambos do C. Penal, a assistente/recorrente vem dela interpor o recurso a que ora se responde, alegando, em suma, que o Tribunal a quo errou ao não pronunciar a arguida para julgamento pela prática do crime que lhe foi imputado na acusação particular, entendendo a Recorrente que “a subsunção jurídica imporia conclusão diversa, desde logo, por não ser uma evidência necessária a consideração como não suficientemente indiciado o facto n.º 11.” (Cfr. conclusões A. e B. das alegações da Recorrente). B) Diz a recorrente que “o Tribunal a quo errou ao considerar como não suficientemente indiciado o facto n.º 11, conforme consta de fls. 21, 2.º parágrafo a negrito. Na verdade, é com essa fundamentação e consideração que depois extrai a douta decisão de não pronúncia da arguida.” (Cfr. conclusão C. das alegações da Recorrente). C) A Recorrente, no recurso apresentado, defende que há indícios suficientes da prática dos crimes de difamação pela Arguida, pelo facto de a mesma ter produzido palavras e juízos atentatórios da honra e consideração do Assistente. Porém, não assiste razão à Recorrente, como passamos a demonstrar, D) A decisão recorrida refere o seguinte: «Por outro lado, o Tribunal considera que, com relevo para a boa decisão da causa e conforme resulta da análise crítica dos indícios infra descrita, não se mostra suficientemente indiciado o seguinte facto: 11. Ao remeter o email referido no ponto 10 dos factos suficientemente indiciados, referindo que havia um “intuito fraudulento ao apresentar atestado médico” por parte da assistente, a arguida agiu livre, deliberada e conscientemente visando/querendo denegrir o bem nome, a honra e a consideração laboral e social daquela, o que representou e conseguiu, bem como ainda a instauração à assistente de um processo disciplinar, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.» E) Portanto, o facto considerado como não suficientemente indiciado vertido no ponto 11 da decisão recorrida versa sobre o elemento subjetivo do tipo de crime de difamação agravada (o animus difamandi). F) Analisada a fundamentação jurídica da decisão recorrida, facilmente se compreende que a mesma aplicou corretamente o direito aos factos que resultaram suficientemente indiciados em sede de instrução dos presentes autos, não merecendo, por isso, qualquer crítica G) Contrariamente ao que alega a recorrente, o despacho de não pronúncia da arguida, aqui posto em crise, não assenta (exclusivamente) no facto não suficientemente indiciado n.º 11, mas sim no facto de o Tribunal a quo considerado que a conduta que vem imputada à arguida na acusação particular (a qual, aliás, que não foi acompanhada pelo Ministério Público, pelas mesmas razões) não preenche os elementos objetivos do tipo de crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º 183.º, n.º 1 al. b), ambos do C. P. H) É que, o não preenchimento dos elementos subjetivos do tipo de crime de difamação agravada é uma decorrência necessária do facto de o Tribunal a quo não ter dado por preenchidos os elementos objetivos típicos do crime imputado à arguida. I) Como é consabido, quando não há ilicitude, não pode haver culpa, porque estas são duas faces da mesma moeda, sendo que não se verificando o elemento objetivo (ilicitude), nunca se poderia dar por verificado o elemento subjetivo do tipo (culpa/dolo). J) As expressões proferidas pela Arguida, em si mesmas, tal como entendeu e bem o Tribunal a quo, não encerram qualquer desvalor para o Assistente e não são, por isso, aptas a integrar a tipicidade penal do crime. K) O Tribunal a quo fez uma correta subsunção jurídica dos factos ao direito, não tendo violado quaisquer as normas jurídicas, designadamente as do artigo 9.º do CC, arts. 14.º, 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) do CP, arts. 2.º, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1 da CRP; art. 412.º, n.º 1 e 2 do CPC, invocadas pela assistente/recorrente. L) Bem pelo contrário, a interpretação jurídica efetuada pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida, está de acordo com o princípio da mínima intervenção do aparelho sancionatório do Estado, que subjaz ao direito penal. M) Ora, o Tribunal a quo, atendeu ao contexto em que o juízo pretensamente atentatório da “honra ou consideração” foi produzido, como ressalta da fundamentação da decisão recorrida, designadamente da seguinte passagem: «Nessa sequência, a arguida considerou, no âmbito da sua atividade profissional, diga-se mais uma vez, tendo em consideração que a assistente tinha no dia 14-11-2022 solicitado aos recursos humanos do Centro Hospitalar ... uma ausência genérica ao serviço para o dia 22-11-2022 para tratar de assuntos familiares; o que lhe foi negado; que a falta do dia 22-11-2022 o foi pela necessidade previsível em 14-11-2022, para tratar de assuntos familiares e não por uma situação de doença – e, nessa medida, considerou que havia intuito fraudulento por parte da assistente ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22-11-2022 e daí dever ser dado cumprimento ao disposto no art. 254.º do Código do Trabalho - «mandando verificar por médico a situação de doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.» N) Portanto, da fundamentação da decisão recorrida, decorre que Tribunal a quo considerou, como não podia deixar de considerar, que a expressão - «Assim, parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022.» - não é ofensiva da honra e consideração da assistente, pelo que deu por não preenchidos os elementos objetivos do tipo de crime de difamação agravada de que a arguida vinha acusada. O) A expressão redigida pela Arguida, pela qual foi acusada pela assistente, foi produzida num contexto da emissão de um parecer jurídico solicitado pela sua superior hierárquica, em que os únicos factos que foram transmitidos à arguida foram os que a mesma elencou no item “I –Factos” do parecer, a saber: «1. No dia 14/11/2022 a Dra. BB enviou um email ao Dr. DD com o seguinte teor: “(…) tendo necessidade de me ausentar no próximo dia 22 de Novembro para tratar de assuntos familiares, venho solicitar a V. exa. a permissão para a utilização da modalidade de ausência genérica.” 2. No dia 22/11/2022, pelas 10H14, a Dra. CC enviou um email ao SGRH, dando conhecimento à Dra. EE, com o seguinte teor: “Serve o presente para informar que a colaboradora se encontra ausente do trabalho por doença.”» P) No caso em apreço não resulta da leitura do email enviado pela Arguida para a Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., qualquer expressão suscetível de ofender a honra ou consideração da assistente, não integrando a prática de qualquer crime. Q) Da leitura do email enviado pela Arguida ao Assistente não resulta que se encontrem imputadas à Arguida a prática de juízos atentatórios da sua honra ou consideração, e não pode ser pelo facto de o Assistente procurar encontrar gravidade ou subterfúgios inexistentes no escrito pela Arguida, que um facto lícito pode transformar-se em ilícito. R) Os factos que estão descritos, quer na acusação particular, quer no recurso ora apresentado, não integram a prática de qualquer crime S) Em suma, no contexto da emissão de um parecer jurídico, na qualidade de Advogada/jurista do Centro Hospitalar ... (entidade patronal da assistente/recorrente), a conduta da Arguida não integra a prática de qualquer crime e representa o exercício do seu direito de expressão, de opinião e de crítica, não tendo sido extravasados os seus limites e o núcleo essencial do direito à honra do Assistente, não foi violado. T) Termos porque deverá ser negado provimento ao recurso da Assistente, mantendo-se a decisão recorrida, porque formal e substancialmente correta, nos termos acima expostos, tudo com as legais consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!” * O Ministério Público veio responder, formulando as seguintes conclusões:“1- O crime de difamação traduz-se na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou de juízo que encerre em si uma reprovação ético-social por serem ofensivos da honra e consideração do visado. 2- No caso concreto, arguida exerce as funções de advogada, jurista e consultora jurídica no Centro Hospitalar ..., competindo-lhe, além do mais, prestar aconselhamento jurídico, elabora, emitir conselhos e pareceres sobre questões de direito sempre que solicitado por aquela entidade hospitalar. 3- Nessa sequência, foi-lhe solicitado um parecer jurídico em virtude da apresentação de baixa médica pela assistente/recorrente, pela então Presidente do Conselho de Administração daquela Unidade Hospitalar, por a esta se terem suscitado dúvidas quanto ao motivo invocado na baixa médica atendendo a que previamente a assistente/recorrente tinha pedido para estar ausente do seu serviço e local de trabalho naquele período temporal o que lhe foi negado superiormente. 4- Perante isso, limitou-se a arguida a emitir um parecer jurídico com base nos elementos que lhe chegaram, cumprindo assim aquilo que lhe é exigido enquanto jurista e advogada daquela Unidade Hospitalar, dando conta, dos meios legais disponíveis a qualquer entidade patronal para verificação e confirmação da situação de doença do trabalhador que no caso terá suscitado dúvidas. 5- Cumpriu assim a arguida aquela que é sua função e dever profissional, não configurando o teor daquele parecer a emissão ou formulação de juízos ofensivos da honra e consideração pessoal ou profissional da assistente/recorrente conforme exigido no tipo legal de crime. 6- Nessa medida, não se verifica assim a prática do referido crime de difamação agravada por parte da arguida e pelo qual a assistente/recorrente pretende que esta seja pronunciada”. * Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso interposto.* Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPPenal.* Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.* II. Objeto do recursoConforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação, pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt). Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do CPPenal). * Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, a única questão trazida à apreciação deste Tribunal é a de saber se deveria ter sido proferida decisão instrutória de pronúncia pela prática indiciada de um crime de difamação p. e p. pelo art. 180º, nº 1 e 183.º, n.º 1 al. b) do C.Penal.* III. FUNDAMENTAÇÃOCom interesse para decisão da questão suscitada resulta documentado nos autos o seguinte: 1. Através do requerimento com a Refª ...43 (email de 19.03.2024), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a assistente BB apresentou Acusação Particular contra AA, imputando-lhe a prática “de um crime de difamação, nos termos dos arts. 180º, nº 1 e 181º, nº 1 CP”; 2. Por despacho proferido em 22.03.2024 (Refª ...21), o Ministério Público não acompanhou a acusação particular por entender que “a conduta da arguida não preenche os elementos objetivos e subjetivos do referido crime de difamação”; 3. Por requerimento de 22.04.2024 (Refª ...44), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a arguida AA, inconformada com a acusação particular deduzida pela assistente, requereu a abertura da fase de instrução com o objetivo de ver proferido, a final, despacho de não pronúncia; 4. Em 18.02.2025 foi proferida a seguinte Decisão Instrutória (Refª ...43 - que se transcreve parcialmente, nos segmentos com interesse para a apreciação do recurso): “A assistente BB, ao abrigo do disposto no art. 285.º do C.P.P., deduziu a acusação particular com a ref. n.º ...43 contra a arguida AA [melhor id. nos autos] imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de difamação agravado, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do Código Penal [doravante designado de C.P.]. * Inconformada com a acusação particular apresentada pela assistente veio a arguida requerer a abertura da instrução [cf. req. com a ref. n.º ...44], ao abrigo do art. 287.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal [doravante designado de C.P.P.], pugnado, em suma, pela prolação de despacho de não pronúncia em relação ao crime de que se encontra acusada. (…) a) Dos elementos de prova Importa recordar que no âmbito de inquérito foram produzidos, em relação à eventual prática pela arguida dos factos de que se encontra acusada, os meios de prova seguintes: - Documental: . a participação de fls. 13 a 18; . os emails de fls. 58 a 62; . a participação de fls. 44; . os certificados de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 48 e 49; . o relatório de urgência de fls. 50. - Testemunhal: . o depoimento da testemunha FF de fls. 51; . o depoimento da testemunha GG de fls. 53. . Declarações da assistente BB de fls. 46; . Declarações da arguida AA fls. 56. * Por sua vez, no âmbito da instrução foram produzidos os meios de prova seguintes:- Documental: . o contrato individual de trabalho da arguida AA de fls. 106 a 109; . a cédula profissional de advogado da arguida de fls. 110; . a procuração de fls. 110 verso; . o processo disciplinar, nota de culpa e a resposta à nota de culpa de fls. 111 a 133. - Testemunhal: . o depoimento da testemunha HH; . o depoimento da testemunha EE; . o depoimento da testemunha DD. . Declarações da arguida AA. * Cabe-nos assim analisar se dos meios de prova recolhidos e produzidos em sede de inquérito e instrução resultam suficientemente indiciados os factos pelos quais a arguida se encontra acusada e constantes da acusação particular com a ref. n.º ...43.(…) Perante os meios de prova produzidos em sede de inquérito e instrução considera o Tribunal, conforme resulta da análise crítica dos indícios infra descrita, que se encontram suficientemente indiciados os seguintes factos: 1. A assistente BB exerce as funções de Nutricionista no Serviço de Nutrição do Centro Hospitalar ..., E.P.E. [doravante designado de Centro Hospitalar ...], sendo a Diretora deste serviço e sua superiora hierárquica EE. 2. A arguida AA é Diretora dos Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar ..., onde exerce as funções de advogada, jurista e consultora jurídica, competindo-lhe, para além do mais, prestar aconselhamento jurídico, elaborar e emitir conselhos e pareceres sobre questões de direito em salvaguarda dos interesses do Centro Hospitalar .... 3. No dia 14 de novembro de 2022, pelas 12h50m, a assistente enviou um email a DD [Diretor dos Recursos Humanos do Centro Hospitalar ...], com o seguinte teor: «Exmo. Sr. Diretor do SGRH, BB, nutricionista da instituição, tendo necessidade de se ausentar no próximo dia 22 de Novembro para tratar de assuntos familiares, vem solicitar a V. Exa. a permissão para a utilização da modalidade de ausência genérica. Respeitosamente BB (…)» . 4. Em resposta ao email remetido pela assistente, referido no ponto anterior, DD enviou um email àquela, no dia 16 de novembro de 2022, pelas 23h13m, com o seguinte teor: «Boa noite Dra. BB Importa informar desde já que não compete ao SGRH autorizar a utilização de qualquer ausência. As ausências devem ter enquadramento legal e ser devidamente justificadas, no prazo de 5 dias, tal como sucede por ex. no caso de ausências por consultas médicas ou cumprimento de obrigações relativamente às quais se exige declaração de presença por instituição de saúde ou tribunais. A ausência que refere não tem acolhimento nas tipologias de faltas justificadas habitualmente tramitadas em sede de processamento de absentismo. Obrigado. Com os melhores cumprimentos; DD (…)» ; não tendo, assim, a ausência requerida pela assistente, através do email referido no ponto antecedente, sido autorizada. 5. No dia 21 de novembro de 2022, a assistente foi realizar um exame médico e, após a realização do mesmo, quando se deslocava para a sua viatura, sofreu uma sincope, pelo que tendo sido vista pelas pessoas caída e inconsciente no chão foi chamado o I.N.E.M. ao local para lhe serem prestados os cuidados necessários – tendo, nesse mesmo dia e porque o seu estado de saúde não melhorava, dado entrada na urgência do Centro Hospitalar .... 6. No dia 22 de novembro de 2022, pelas 10h14m, a assistente não compareceu ao trabalho por indicação médica, tendo enviado, aos recursos humanos do Centro Hospitalar ..., com conhecimento de EE, o email com o seguinte teor: «Exmos. Srs. Serve o presente para informar que a colaboradora se encontra ausente do trabalho por doença. Cordialmente BB (…)» . 7. No dia 23 de novembro de 2022, por indicação do médico do serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., a assistente foi à médica de família que prescreveu os exames médicos necessários e certificou a sua incapacidade para o trabalho para os dias 21 a 25 de novembro, e que acabou por ser renovada até ao dia ../../2022 – certificados que a assistente fez chegar, tempestivamente, aos recursos humanos do Centro Hospitalar .... 8. No dia 23 de novembro de 2022, pelas 10h18m, EE [na qualidade de Diretora do Serviço de Nutrição do Centro Hospitalar ...] enviou um email para HH [na qualidade, à data, de Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ...] com o seguinte teor: «Bom dia Dra HH, Envio em anexo 2 emails relativos a ausência do dia de ontem, para conhecimento. com os melhores cumprimentos, EE (…)» - referindo-se aos emails constantes dos pontos n.ºs 3, 4 e 6. 9. Na sequência do email referido no ponto anterior, no dia 23 de novembro de 2022, pelas 10h54m, HH enviou, com o conhecimento de EE, à arguida [na qualidade de Diretora dos Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar ...] o email com o seguinte teor: «Dra. AA, Reencaminho para melhor orientação. Obrigado. Com os melhores cumprimentos, HH (…)» - referindo-se ao email referido no ponto anterior e aos emails anexos ao mesmo. 10. Ora, na sequência e em virtude do referido no ponto anterior, no dia 23 de novembro de 2022, pelas 12h30m, a arguida enviou o email para HH, com conhecimento de EE, com o seguinte teor: «Bom dia, I - Factos Dos emails em anexo, resultam os seguintes factos : 1. No dia 14/11/2022 a Dra. CC enviou email ao Dr. DD com o seguinte teor: "(...) tendo necessidade de se ausentar no próximo dia 22 de Novembro para tratar de assuntos familiares, vem solicitar a V. Exa. a permissão para a utilização da modalidade de ausência genérica." 2. No dia 22/11/2022, pelas 10H14 a Dra. CC enviou email ao SGRH, dando conhecimento à Dra. EE, com o seguinte teor: "Serve o presente para informar que a colaboradora se encontra ausente do trabalho por doença" II – Direito O artigo 254.º do Código do Trabalho, sobre a "Prova dos motivos justificativo da falta", estabelece o seguinte: «1- O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova do facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2- A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração do estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico. 3- A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação especifica. 4- A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5- O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere n.º 3, determina que a ausência seja considerada injustificada.» III- Conclusão Resulta por demais evidente do teor do email mencionado no ponto 1 do Factos supra elencados, que o verdadeiro motivo da ausência Dra. CC no dia 22/11/2022 foi a necessidade, previsível já em 14/11/2022 e declarada expressamente pela mesma, de faltar para tratar de assuntos familiares e não uma situação de doença. Assim, parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022. Face ao exposto, parece-me o Centro Hospitalar ..., através do SGRH, deve dar cumprimento ao disposto no norma do Código do trabalho supra transcrita, mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.. Com os melhores cumprimentos, AA (…)». * Por outro lado, o Tribunal considera que, com relevo para a boa decisão da causa e conforme resulta da análise crítica dos indícios infra descrita, não se mostra suficientemente indiciado o seguinte facto:11. Ao remeter o email referido no ponto n.º 10 dos factos suficientemente indiciados, referindo que havia um “intuito fraudulento ao apresentar atestado médico” por parte da assistente, a arguida agiu livre, deliberada, voluntária e conscientemente visando/querendo denegrir o bom nome, a honra e consideração laboral e social daquela, o que representou e conseguiu, bem como ainda a instauração à assistente de um processo disciplinar, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei criminal. * Concentremo-nos agora nas razões pelas quais o Tribunal considera que a factualidade supra descrita se encontra suficientemente ou não suficientemente indiciada.Para dar como suficientemente indiciados os factos n.ºs 1 e 2, o Tribunal atendeu ao contrato individual de trabalho da arguida AA de fls. 106 a 109; à cédula profissional de advogado desta de fls. 110; à procuração de fls. 110 verso; documentos estes que foram concatenados com as declarações da arguida [cf. fls. 56 e declarações prestadas em sede de instrução] e da assistente [cf. fls. 46] a este propósito, bem como com os depoimentos das testemunhas EE, HH e DD – sendo certo que a factualidade em análise, até ao momento, não se mostra controvertida. Os factos n.ºs 3, 4 e 6 são de dar como suficientemente indiciados atendendo aos emails de fls. 60 e 61, de onde se extrai de forma cristalina a matéria constante dos factos em escrutínio. Por sua vez, e para dar como suficientemente indiciado o facto n.º 5, o Tribunal valeu-se das declarações da assistente de fls. 46 [cf. ainda participação de fls. 13 a 18], a qual relatou que no dia ../../2022 quando se dirigia para o seu veículo automóvel desmaiou, tendo ficado inconsciente, sendo que, em virtude disso, foi chamado o I.N.E.M. ao local e, de seguida, foi transportada ao Centro Hospitalar ..., o que é confirmado pelo relatório de urgência de fls. 50. Valorou ainda o Tribunal os depoimentos das testemunhas FF de fls. 51 e de GG de fls. 53, os quais corroboram as declarações da assistente neste segmento factual. Também em relação ao facto n.º 7, o mesmo foi dado como suficientemente indiciado tendo em consideração as declarações da assistente de fls. 46 – concatenadas com a participação de fls. 13 a 18 e com os certificados de incapacidade temporária para o trabalho atinentes àquela de fls. 48 e 49. No que concerne aos factos n.ºs 8, 9 e 10 o Tribunal deu-os como suficientemente indiciados, pois que os mesmos resultam dos emails de fls. 58 e 59, bem como das próprias declarações da arguida [de fls. 56 e em sede de instrução] e dos depoimentos das testemunhas HH e EE que, em sede de instrução, explicaram ao Tribunal a razão e contexto dos referidos emails terem sido enviados. Por último, e quanto ao facto não suficientemente indiciado n.º 11, remete-se para a matéria de direito as razões pelas quais o Tribunal o considerou nesse sentido. *** V. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICOA arguida AA encontra-se nos presentes autos acusada da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de difamação agravado, previsto e punido pelos art. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P.. (…) No caso dos autos considera-se que, tendo por referência a factualidade dada como suficientemente indiciada e não indiciada, a atuação da arguida não preenche os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime que lhe é imputado – o crime de difamação agravado, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P.. Vejamos. Em primeiro lugar, deu-se como suficientemente indiciado que a assistente BB exerce as funções de Nutricionista no Serviço de Nutrição do Centro Hospitalar ..., sendo a Diretora deste serviço e sua superiora hierárquica EE. Por sua vez, a arguida AA é Diretora dos Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar ..., onde exerce as funções de advogada, jurista e consultora jurídica, competindo-lhe, para além do mais, prestar aconselhamento jurídico, elaborar e emitir conselhos e pareceres sobre questões de direito em salvaguarda dos interesses do Centro Hospitalar .... Ora, tendo por referência o mencionado, ressalta do facto suficientemente indiciado n.º 3, que no dia 14-11-2022 a assistente requereu, através do envio de um email, ao Diretor dos Recursos Humanos do Centro Hospitalar ..., DD, a ausência genérica ao serviço, para tratar de assuntos familiares, relativamente ao dia 22-11-2022 – o que não lhe foi concedido [cf. facto suficientemente indiciado n.º 4]. Por outro lado, resultou, igualmente como suficientemente indiciado, que no dia ../../2022, a assistente foi realizar um exame médico e, após a realização do mesmo, quando se deslocava para a sua viatura, sofreu uma sincope, pelo que tendo caído e ficado inconsciente no chão foi chamado o I.N.E.M., onde nesse mesmo dia acabou por dar entrada na urgência do Centro Hospitalar ... – sendo que, no dia seguinte, pelas 10h14m e por email, a assistente comunicou aos recursos humanos do Centro Hospitalar ..., com conhecimento da sua superior hierárquica – EE –, que se encontrava ausente do trabalho por doença [cf. facto suficientemente indiciado n.º 6] – sendo que foi-lhe certificada a incapacidade temporária para o trabalho entre os dias ../../2022 e ../../2022 [cf. facto suficientemente indiciado n.º 7]. Nesta conjetura factual suficientemente indiciada, no dia 23-11-2022, pelas 10h18m, EE, na qualidade de Diretora do Serviço de Nutrição do Centro Hospitalar ..., enviou um email para HH, na qualidade, à data, de Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., dando-lhe conhecimento dos emails constantes dos factos suficientemente indiciados n.ºs 3, 4 e 6, designadamente daquele em que a assistente tinha requerido aos recursos humanos do Centro Hospitalar ... a sua ausência genérica ao serviço relativamente ao dia 22-11-2022 para tratar de assuntos familiares; daquele em que não lhe foi concedida autorização para a ausência ao serviço; e daquele em que a assistente comunicou a sua ausência ao serviço no dia 22-11-2022 por motivos de doença. Nessa sequência, no mesmo dia, pelas 10h54m, HH, na qualidade, à data, de Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., enviou um email com conhecimento de EE, à arguida, na qualidade de Diretora dos Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar ... [e onde exerce as funções de advogada, jurista e consultora jurídica] dando-lhe conhecimento do supra referido e requerendo uma orientação a esse título quanto à situação que lhe tinha sido reportada por EE – superior hierárquica da assistente. Ora, nessa sequência e em virtude do referido, no dia 23 de novembro de 2022, pelas 12h30m, a arguida enviou o email para HH, com conhecimento de EE, com o seguinte teor: «Bom dia, I – Factos Dos emails em anexo, resultam os seguintes factos : 1. No dia 14/11/2022 a Dra. CC enviou email ao Dr. DD com o seguinte teor: "(...) tendo necessidade de se ausentar no próximo dia 22 de Novembro para tratar de assuntos familiares, vem solicitar a V. Exa. a permissão para a utilização da modalidade de ausência genérica." 2. No dia 22/11/2022, pelas 10H14 a Dra. CC enviou email ao SGRH, dando conhecimento à Dra. EE, com o seguinte teor: "Serve o presente para informar que a colaboradora se encontra ausente do trabalho por doença" II – Direito O artigo 254.º do Código do Trabalho, sobre a "Prova dos motivos justificativo da falta", estabelece o seguinte: «1- O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova do facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2- A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração do estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico. 3- A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação especifica. 4- A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5- O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere n.º 3, determina que a ausência seja considerada injustificada.» III- Conclusão Resulta por demais evidente do teor do email mencionado no ponto 1 do Factos supra elencados, que o verdadeiro motivo da ausência Dra. CC no dia 22/11/2022 foi a necessidade, previsível já em 14/11/2022 e declarada expressamente pela mesma, de faltar para tratar de assuntos familiares e não uma situação de doença. Assim, parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022. Face ao exposto, parece-me o Centro Hospitalar ..., através do SGRH, deve dar cumprimento ao disposto no norma do Código do trabalho supra transcrita, mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.. Com os melhores cumprimentos, AA (…)». Aqui chegados, constata-se que é sobre o email indiciariamente remetido pela arguida a HH, na qualidade, à data, de Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., supra descrito, designadamente na parte em que faz constar o seguinte: «(…) parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022. (…)», que a assistente imputa à arguida a prática de 1 (um) crime de difamação agravado, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P., por entender que o aí constante é ofensivo da sua honra e consideração. Preconiza-se, desde já, que o Tribunal não corrobora tal entendimento, senão vejamos. Em primeira linha ressalta como evidente que o email indiciariamente remetido pela arguida no dia 23-11-2022 à Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., à data – HH - e o seu respetivo teor, foi elaborado por aquela no exercício das suas funções de Diretora dos Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar ... [onde exerce a profissão de advogada, consultora jurídica e jurista] – tratando-se, tendo até por referência o seu teor – “factos” ; “direito” ; e “conclusão”; com recurso, inclusivamente, à citação de normas jurídicas – de um parecer jurídico que a arguida emitiu após tal lhe ter sido pedido, nos termos supra explicitados, pela referida Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., sua entidade patronal – a quem tem, portanto, de prestar o respetivo aconselhamento jurídico. Não se trata assim de um documento elaborado pela arguida, no âmbito das suas relações pessoais e da sua vida privada, mas antes de documento interno e elaborado, como se disse, no contexto da sua atividade profissional – remetido apenas e tão só para duas pessoas HH e EE – superior hierárquica da assistente – sendo que contexto supra referido tem influência na interpretação jurídico-penal que o Tribunal possa fazer do teor do email em análise. Compulsado o constante do referido email, consubstanciado numa orientação/parecer jurídico como se referiu supra, não consta do mesmo, no entender do Tribunal, e conforme assinala a arguida, qualquer ataque gratuito de ordem pessoal, familiar ou social da pessoa da assistente, não se extraindo, de todos os factos dados como indiciados, qualquer intenção, por parte da arguida, de atingir a honra e consideração da pessoa da assistente, tendo antes como única finalidade informar do direito que assistia à sua entidade patronal de mandar verificar a situação de doença da assistente – atuando a arguida, como se disse, no exercício das suas funções. Por outro lado, precise-se que tendo por referência os dados tidos na sua posse por parte da arguida, considerou esta ser de invocar o disposto no art. 254.º do Código do Trabalho, o qual dispõe, sob a epígrafe prova de motivo justificativo de falta, que «1 – O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2 - A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, centro de saúde, de serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, ou ainda por atestado médico. 3 – A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica. 4 - A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5 - A declaração dos serviços digitais do Serviço Nacional de Saúde, ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, referida no n.º 2, é feita mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano. 6 - O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 determina que a ausência seja considerada injustificada.» [negrito e sublinhado nosso]. Nessa sequência, a arguida considerou, no âmbito da sua atividade profissional, diga-se mais uma vez, tendo em consideração que a assistente tinha no dia 14-11-2022 solicitado aos recursos humanos do Centro Hospitalar ... ausência genérica ao serviço para o dia 22-11-2022 para tratar de assuntos familiares; o que lhe foi negado; que a sua falta no dia 22-11-2022 o foi pela necessidade previsível já em 14-11-2022 para tratar de assuntos familiares e não por uma situação de doença – e, nessa medida, considerou que havia um intuito fraudulento por parte da assistente ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22-11-2022 e daí dever ser dado cumprimento ao disposto no art. 254.º do Código do Trabalho – «mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.» . Tendo por referência o disposto no art. 252.º do Código do Trabalho supra citado, constata-se que a situação de doença de um trabalhador por ser verificada por um médico a pedido da entidade patronal, mesmo tendo esse trabalhador apresentado o respetivo atestado médico [como resulta que indiciariamente ocorreu nos autos], sendo que é a própria lei que fala no art. 252.º, n.º 4 do C.P. de “intuito fraudulento” . Nestes termos, considera-se que, como a emissão do parecer constante do email em escrutínio [cf. facto suficientemente indiciado n.º 10] a arguida limitou-se a cumprir a sua função, emitindo o seu parecer jurídico sobre o quadro factual que lhe foi apresentado, tendo por referência, claro está, a sua experiência profissional. Não vê assim o Tribunal que o uso por parte da arguida no seu parecer da expressão – «Assim, parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022.» – seja ofensiva da honra e consideração da assistente, tendo em consideração o contexto supra alinhavado em que a mesma foi indiciariamente proferida – até porque a ofensa à honra e consideração não pode ser perspetivada de forma estritamente subjetiva, ou seja, não basta que a assistente se sinta atingida na sua honra ou consideração, para que essa mesma ofensa exista. Acresce ainda que, diante dos contornos do caso concreto, supra citados, não se vislumbra que, com a sua atuação, a arguida visou ou quis denegrir o bom nome, a honra e consideração laboral e social da assistente, bem como ainda a instauração a esta de um processo disciplinar – e daí se ter dado como não suficientemente indiciado o facto n.º 11 – mas antes cumprir a sua função, no âmbito da sua atividade profissional [conforme referiu a arguida]. Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objeto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento – o que não sucede no caso dos presentes autos – dado que expressões indiciariamente utilizadas pela arguida não merecem censura ou tutela do direito penal, tendo por referência o contexto e modo em que as mesmas foram proferidas. Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-01-2023, processo n.º 1027/19.4T9VFX.L1-5, Mafalda Sequinho dos Santos, disponível em www.dgsi.pt, «(…) O direito penal não pode ser chamado a intervir sempre que a linguagem verbal ou escrita utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Apenas o deve fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais e consideração profissional que devem subsistir para que a pessoa mantenha o respeito por si própria e seja pelos outros considerada. (…)» . Neste sentido, considera-se, portanto, que a factualidade dada como suficientemente indiciada, não se mostra suscetível de preencher os elementos do tipo do crime de difamação agravado, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P., pelo que não há uma possibilidade razoável de arguida ser condenada, mostrando-se a probabilidade de absolvição maior do que a probabilidade de condenação e, quando assim o é, a causa não pode ser submetida a julgamento, devendo ser proferido despacho de não pronúncia, o que se decide. Em face do exposto, decide-se não pronunciar para julgamento a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de difamação, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P.. (…) VI. DECISÃO Em face do supra exposto, e nos termos do disposto nos arts. 307.º e 308.º do C.P.P., o Tribunal decide não pronunciar para julgamento, em processo comum e perante Tribunal Singular, a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de difamação, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P., e, em consequência, determinar o oportuno arquivamento dos presentes autos”. * Apreciação do recursoA recorrente sustenta que “o Tribunal a quo errou ao considerar como não suficientemente indiciado o facto n.º 11” (conclusão C) e que “julga-se ser notório, o que se invoca nos termos e para os efeitos do art. 412º CPC que toda e qualquer pessoa que imputar a prática de algo com “intuito fraudulento” a outrem ofende a honra e consideração do visado! sem realização de qualquer prévia diligência probatória que atestasse ou evidenciasse, assentando unicamente em especulações e fabulações pessoais!” (Conclusão J). Desta forma, a recorrente alega que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que a prova produzida em sede de inquérito e em sede de instrução impunha que fosse dada como suficientemente indiciada a matéria de facto que consta do facto 11 que o despacho recorrido considerou não se mostrar suficientemente indiciado. Antes de mais, impõe-se esclarecer que, tal como se afirma no Acórdão do TRP de 1902.2025, Proc. nº 516/22.8GCSTS.P1, “a discordância face à decisão da matéria de facto operada pelo tribunal recorrido na decisão instrutória e correlativos parâmetros de apreciação pelo Tribunal ad quem de tal dissenso, não passa pelo recurso ao mecanismo da impugnação ampla da matéria de facto, vertido no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP e que aquele expressamente invoca, já que o antedito está reservado para a decisão final proferida em fase de julgamento quanto à factualidade provada ou não provada, mas antes pela sustentação pelo recorrente e correspetiva apreciação pelo tribunal superior, da existência ou inexistência de indícios suficientes do cometimento de uma determinada infração criminal”. No caso concreto, a decisão objeto de recurso consiste num despacho de não pronúncia reportado à imputação, pela assistente à arguida, no âmbito de acusação particular que deduziu contra esta, de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. b) do C.Penal. A Exma. Juíza de Instrução Criminal fundamentou tal decisão de não pronúncia no facto de que, segundo o seu entendimento, “as expressões indiciariamente utilizadas pela arguida não merecem censura ou tutela do direito penal, tendo por referência o contexto e modo em que as mesmas foram proferidas”, pelo que está em causa, no presente recurso, saber se existem indícios suficientes nos autos para submeter a arguida a julgamento pela prática do crime de difamação agravado, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. b) do C.Penal. E, tendo sido proferido despacho de não pronúncia, trata-se de sindicar o juízo sobre as provas indiciárias produzidas em sede de inquérito e instrução feito pela Exma. Juíza de Instrução Criminal. Em primeiro lugar, importa ressaltar as finalidades da fase de instrução. Como sabemos e resulta do art. 286º do C.P.Penal “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Nela pretende-se apurar a existência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança (art. 308º, n.º 1 do C.P.Penal). Indícios suficientes serão aqueles dos quais resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (art. 283º nº 2, aplicável ex vi art. 308º nº 2 ambos do C.P.Penal). O significado normativo, por constituir um conceito aberto do conjunto de significantes “indícios suficientes” não é objeto de compreensão, interpretação e aplicação uniforme pela doutrina e pelos tribunais (cfr. quanto à disparidade de entendimentos o referido conceito e construção da definição adotada o Acórdão do TRP, de 07.12.2016, Proc. nº 866/14.7PDVNG.P1). Entendemos que o juiz de instrução deverá proferir despacho de pronúncia quando considerar que os indícios disponíveis, avaliados em função do seu valor probatório no momento e de uma previsão prudente sobre a sua evolução dinâmica em julgamento, conduzem a uma conclusão racionalmente fundada em elementos objetiváveis de que é mais provável que o arguido venha a ser condenado do que absolvido e de que se justifica, no plano da proporcionalidade, comprimir o direito à presunção de inocência em nome da proteção do direito à realização da justiça e da proteção dos valores com tutela penal. Caso contrário, sendo negativo o juízo, seja por virtude de alguma exceção ou vício processual, ou por inexistência dos factos, da sua não punibilidade, irresponsabilidade do arguido ou de insuficiência da prova para a pronúncia, o despacho é de não pronúncia, nos termos do disposto no art. 308º, nº 1, parte final, do C.P.Penal. Assim sendo, o Juiz de Instrução Criminal deve compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida, fazendo um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento. No caso vertente, a assistente pretende que a denunciada seja submetida a julgamento, por factos que, em seu entender, integram a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. b) do C.Penal. O artigo 180º do C.Penal preceitua que: “1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. 3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. 4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”. E, o art. 183º do C.Penal refere que: “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º: a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou, b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias”. Conforme diretamente decorre da inserção sistemática do tipo de crime em análise e mais resulta da epígrafe do capítulo VI do título I do livro II do Cód. Penal, o bem jurídico protegido no crime de difamação é a honra, sendo certo que o ordenamento jurídico penal português “alarga a tutela da honra também à consideração ou reputação exteriores” (José de Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 607). Numa fórmula simplista podemos dizer que o tipo objetivo deste ilícito se satisfaz com a imputação, através de terceiros, de “factos, palavras ou juízos desonrosos”, enquanto o tipo subjetivo, exige o dolo (genérico, que não específico), em qualquer das suas modalidades previstas no art. 14º do C.Penal. É pacífico na jurisprudência e na doutrina não ser necessário que o agente tenha procedido com “animus injuriandi vel diffamandi” ou dolo específico, bastando o dolo genérico traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são de molde a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada. É o critério constitucional da “necessidade social” que orienta a tarefa de determinação de quais são as situações em que a violação de um bem jurídico justifica a intervenção penal, não esquecendo que o direito penal é sempre a ultima ratio da política social. Pressuposto da referida intervenção penal é a tutela constitucional do direito fundamental “ao bom nome e reputação” de qualquer pessoa (art. 26º, nº 1 e 2 da CRP). O direito à honra e consideração constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade, tem consagração constitucional (o art. 26º nº 1 da CRP consagra o direito ao bom nome e reputação entre os vários direitos de personalidade, que representa um lado individual - o bom nome - e um lado social - a reputação -, cujo conteúdo é constituído basicamente pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros) e noutras Leis Fundamentais, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH). Pelo que, honra e consideração são conceitos que não se confundem. A honra tem componente individual ou subjetiva, podendo definir-se como o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua inviolável dignidade, atributo inato de qualquer pessoa; a consideração envolve uma componente social, devendo entender-se como a reputação que a pessoa tem no seio da comunidade em que se insere. Como escreve o Prof. Beleza dos Santos, in “Algumas Considerações Jurídicas sobre Crimes de Difamação e de Injúria”, RLJ ano 92, n.º3152, pág.167/168, a honra consubstancia-se “naquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale” e a consideração é “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa (…) ao desprezo público. (…). A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social ou ao menos de não o julgar um valor negativo”. Acresce que, no crime de difamação, “a ofensa à honra e consideração não pode ser perspetivada em termos estritamente subjetivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra –, na perspetiva interior/exterior – para que a ofensa exista. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido e as relações entre eles, entre outros aspetos” – Acórdão deste TRG de 30.09.2019, Proc. nº 1123/18.5T9BCL.G1. Nesta linha de raciocínio, o Prof. Beleza dos Santos, na ob. cit., pág.167, citando Jannitti Piromallo, escreve que “os crimes contra a honra ofendem um sujeito, mas não devem ter-se em conta os sentimentos meramente pessoais, senão na medida em que serão objectivamente merecedores de tutela”. O direito à honra, enquanto dimensão da reserva da vida privada, não constitui um valor absoluto. Na verdade, há outros valores, potencialmente com a mesma dignidade, com que o direito fundamental à honra tem que conviver e em face dos quais, em função das especificidades de cada caso, poderá ter que, em alguma medida, ceder. Assim sendo, importa proceder à compatibilização desse direito com o também direito fundamental da “liberdade de expressão e informação” (art. 37º da CRP) pois não se pode erigir a tutela da honra como algo de absoluto, nem pode afirmar-se que um prevalece sobre o outro quando ambos gozam de igual dignidade e hierarquia constitucional. O direito à liberdade de expressão e de opinião encontra igualmente consagração a nível de mecanismos de direito internacional, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948 (art. 19º), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado, para ratificação, pela Lei nº 29/78, de 12 de junho (art. 19º) e a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, de 13 de outubro. “De acordo, contudo, com o art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão pode ser limitada pela lei quando seja necessário numa sociedade democrática, nos seguintes casos: 1) para proteger a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública; 2) para prevenir a desordem e o crime; 3) para proteger a saúde e a moral; 4) para proteger a reputação e os direitos de outros; 5) para prevenir a revelação de informação recebida confidencialmente; ou 6) para manter a autoridade e a imparcialidade da judicatura” – Acórdão do TRL de 15.06.2021, Proc. nº 505/18.7PAMTJ.L1-5. Quando se verifica um conflito entre tais direitos importa encontrar uma solução que procure a sua harmonização de acordo com um princípio de concordância prática[1], atendendo aos dados do caso concreto segundo critérios de proporcionalidade, razoabilidade e adequação. Esta convivência, que por vezes assume contornos conflituantes, entre direitos e valores fundamentais, é própria de uma sociedade democrática, como aí estão para o evidenciar as restrições expressamente admitidas pelo art. 18º da CRP e ainda pelo art. 8º/2 da CEDH. “Como tem vindo a ser repetidamente afirmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, caracterizada ainda pelo pluralismo, tolerância e espírito de abertura, e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Uma das manifestações da liberdade de expressão é precisamente o direito que cada pessoa tem de divulgar a opinião e de exercer o direito de crítica” – cfr. Acórdão deste TRG de 05.03.2018, Proc. nº 566/16.3CHV.G1. Neste campo, há que distinguir entre a crítica da atuação de uma pessoa e a crítica que atinge a própria pessoa na sua dignidade, entre um juízo sobre essa atuação (que poderá até ser injusto, exagerado, formulado em termos agressivos, ou indelicados e descorteses) e um juízo sobre a pessoa. Porém, a difamação não é punível desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições: - A imputação de facto desonroso ser feita para realizar interesses legítimos e, para além disso, - O agente provar a verdade da mesma imputação ou ter fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. Hoje é indesmentível que um simples interesse privado preenche o conteúdo da al. a) do nº 2 do art. 180º (neste sentido, José de Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 615). No caso vertente, mostra-se indiciado que: a) no dia 14.11.2022, a assistente requereu, através do envio de um email, ao Diretor dos Recursos Humanos do Centro Hospitalar ..., DD, a ausência genérica ao serviço, para tratar de assuntos familiares, relativamente ao dia 22.11.2022 (cfr. facto suficientemente indiciado nº 3); b) no dia 16.11.2022, aquele respondeu-lhe por email, não lhe concedendo autorização para a ausência ao serviço requerida (cfr. facto suficientemente indiciado nº 4); c) no dia 22.11.2022, a assistente não compareceu ao trabalho e comunicou aos recursos humanos do Centro Hospitalar ..., com conhecimento da sua superior hierárquica (EE), que se encontrava ausente do trabalho por doença (cfr. facto suficientemente indiciado nº 6); d) no dia 23.11.2022, EE enviou um email, pelas 10h18m, para HH, na qualidade, à data, Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., dando-lhe conhecimento dos emails datados de 14, 16 e 22 de novembro de 2022 (cfr. facto suficientemente indiciado nº 8); e) no dia 23.11.2022, HH enviou um email, pelas 10h54m, com conhecimento de EE, à arguida (na qualidade de Diretora dos Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar ..., onde exerce as funções de advogada, jurista e consultora jurídica), dando-lhe conhecimento dos emails supra referidos e requerendo uma orientação a esse título quanto à situação que lhe tinha sido reportada por EE (superior hierárquica da assistente) – cfr. facto suficientemente indiciado nº 9; f) no dia 23.11.2022, pelas 12h30m, a arguida enviou o email para HH, com conhecimento de EE, com o seguinte teor: «Bom dia, I – Factos Dos emails em anexo, resultam os seguintes factos : 1. No dia 14/11/2022 a Dra. CC enviou email ao Dr. DD com o seguinte teor: "(...) tendo necessidade de se ausentar no próximo dia 22 de Novembro para tratar de assuntos familiares, vem solicitar a V. Exa. a permissão para a utilização da modalidade de ausência genérica." 2. No dia 22/11/2022, pelas 10H14 a Dra. CC enviou email ao SGRH, dando conhecimento à Dra. EE, com o seguinte teor: "Serve o presente para informar que a colaboradora se encontra ausente do trabalho por doença" II – Direito O artigo 254.º do Código do Trabalho, sobre a "Prova dos motivos justificativo da falta", estabelece o seguinte: «1- O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova do facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2- A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração do estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico. 3- A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação especifica. 4- A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5- O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere n.º 3, determina que a ausência seja considerada injustificada.» III- Conclusão Resulta por demais evidente do teor do email mencionado no ponto 1 do Factos supra elencados, que o verdadeiro motivo da ausência Dra. CC no dia 22/11/2022 foi a necessidade, previsível já em 14/11/2022 e declarada expressamente pela mesma, de faltar para tratar de assuntos familiares e não uma situação de doença. Assim, parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022. Face ao exposto, parece-me o Centro Hospitalar ..., através do SGRH, deve dar cumprimento ao disposto no norma do Código do trabalho supra transcrita, mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.. Com os melhores cumprimentos, AA (…)».” Face a esta sequência (que não é posta em causa pela assistente), a Exma. Juíza de Instrução Criminal teceu as seguintes considerações: “Em primeira linha ressalta como evidente que o email indiciariamente remetido pela arguida no dia 23-11-2022 à Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., à data – HH - e o seu respetivo teor, foi elaborado por aquela no exercício das suas funções de Diretora dos Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar ... [onde exerce a profissão de advogada, consultora jurídica e jurista] – tratando-se, tendo até por referência o seu teor – “factos” ; “direito” ; e “conclusão”; com recurso, inclusivamente, à citação de normas jurídicas – de um parecer jurídico que a arguida emitiu após tal lhe ter sido pedido, nos termos supra explicitados, pela referida Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., sua entidade patronal – a quem tem, portanto, de prestar o respetivo aconselhamento jurídico. Não se trata assim de um documento elaborado pela arguida, no âmbito das suas relações pessoais e da sua vida privada, mas antes de documento interno e elaborado, como se disse, no contexto da sua atividade profissional – remetido apenas e tão só para duas pessoas HH e EE – superior hierárquica da assistente – sendo que contexto supra referido tem influência na interpretação jurídico-penal que o Tribunal possa fazer do teor do email em análise. Compulsado o constante do referido email, consubstanciado numa orientação/parecer jurídico como se referiu supra, não consta do mesmo, no entender do Tribunal, e conforme assinala a arguida, qualquer ataque gratuito de ordem pessoal, familiar ou social da pessoa da assistente, não se extraindo, de todos os factos dados como indiciados, qualquer intenção, por parte da arguida, de atingir a honra e consideração da pessoa da assistente, tendo antes como única finalidade informar do direito que assistia à sua entidade patronal de mandar verificar a situação de doença da assistente – atuando a arguida, como se disse, no exercício das suas funções. Por outro lado, precise-se que tendo por referência os dados tidos na sua posse por parte da arguida, considerou esta ser de invocar o disposto no art. 254.º do Código do Trabalho, o qual dispõe, sob a epígrafe prova de motivo justificativo de falta, que «1 – O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2 - A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, centro de saúde, de serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, ou ainda por atestado médico. 3 – A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica. 4 - A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5 - A declaração dos serviços digitais do Serviço Nacional de Saúde, ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, referida no n.º 2, é feita mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano. 6 - O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 determina que a ausência seja considerada injustificada.» [negrito e sublinhado nosso]. Nessa sequência, a arguida considerou, no âmbito da sua atividade profissional, diga-se mais uma vez, tendo em consideração que a assistente tinha no dia 14-11-2022 solicitado aos recursos humanos do Centro Hospitalar ... ausência genérica ao serviço para o dia 22-11-2022 para tratar de assuntos familiares; o que lhe foi negado; que a sua falta no dia 22-11-2022 o foi pela necessidade previsível já em 14-11-2022 para tratar de assuntos familiares e não por uma situação de doença – e, nessa medida, considerou que havia um intuito fraudulento por parte da assistente ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22-11-2022 e daí dever ser dado cumprimento ao disposto no art. 254.º do Código do Trabalho – «mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.» . Tendo por referência o disposto no art. 252.º do Código do Trabalho supra citado, constata-se que a situação de doença de um trabalhador por ser verificada por um médico a pedido da entidade patronal, mesmo tendo esse trabalhador apresentado o respetivo atestado médico [como resulta que indiciariamente ocorreu nos autos], sendo que é a própria lei que fala no art. 252.º, n.º 4 do C.P. de “intuito fraudulento” . Nestes termos, considera-se que, como a emissão do parecer constante do email em escrutínio [cf. facto suficientemente indiciado n.º 10] a arguida limitou-se a cumprir a sua função, emitindo o seu parecer jurídico sobre o quadro factual que lhe foi apresentado, tendo por referência, claro está, a sua experiência profissional. Não vê assim o Tribunal que o uso por parte da arguida no seu parecer da expressão – «Assim, parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022.» – seja ofensiva da honra e consideração da assistente, tendo em consideração o contexto supra alinhavado em que a mesma foi indiciariamente proferida – até porque a ofensa à honra e consideração não pode ser perspetivada de forma estritamente subjetiva, ou seja, não basta que a assistente se sinta atingida na sua honra ou consideração, para que essa mesma ofensa exista. Acresce ainda que, diante dos contornos do caso concreto, supra citados, não se vislumbra que, com a sua atuação, a arguida visou ou quis denegrir o bom nome, a honra e consideração laboral e social da assistente, bem como ainda a instauração a esta de um processo disciplinar – e daí se ter dado como não suficientemente indiciado o facto n.º 11 – mas antes cumprir a sua função, no âmbito da sua atividade profissional [conforme referiu a arguida]. Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objeto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento – o que não sucede no caso dos presentes autos – dado que expressões indiciariamente utilizadas pela arguida não merecem censura ou tutela do direito penal, tendo por referência o contexto e modo em que as mesmas foram proferidas. Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-01-2023, processo n.º 1027/19.4T9VFX.L1-5, Mafalda Sequinho dos Santos, disponível em www.dgsi.pt, «(…) O direito penal não pode ser chamado a intervir sempre que a linguagem verbal ou escrita utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Apenas o deve fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais e consideração profissional que devem subsistir para que a pessoa mantenha o respeito por si própria e seja pelos outros considerada. (…)» . Neste sentido, considera-se, portanto, que a factualidade dada como suficientemente indiciada, não se mostra suscetível de preencher os elementos do tipo do crime de difamação agravado, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P., pelo que não há uma possibilidade razoável de arguida ser condenada, mostrando-se a probabilidade de absolvição maior do que a probabilidade de condenação e, quando assim o é, a causa não pode ser submetida a julgamento, devendo ser proferido despacho de não pronúncia, o que se decide”. No recurso apresentado, a assistente insurge-se contra a posição do tribunal a quo pois considera que “a arguida não se limita a dar conhecimento do circunstancialismo factual subjacente e da legislação aplicável e seu enquadramento, fazendo logo o juízo judicativo decisório” (conclusão E). Acrescenta que: “ Para agir de acordo com a sua profissão e a lei, a arguida/recorrida teria de se ter limitado a convocar o teor da legislação e elucidar a entidade patronal que em caso de qualquer suspeita, há o mecanismo e diligência de prova a levar a cabo, a qual até poderia ter aconselhado, mas nunca com aposição prévia de certeza inequívoca de ocorrência de fraude ou falsificação; Ao não o fazer, tendo ido para além do que lhe seria exigível, expectável bem como aconselhável, no exercício justo e adequado da profissão, incorreu a arguida/recorrida na prática do ilícito imputado; Uma vez que a arguida/recorrida não se limitou a aconselhar nem a prestar aconselhamento jurídico compatível com o exercício da profissão, seja de jurista seja de advogada, mas sim a extravasar o mesmo e a formular juízos de valor objectivamente desonrosos da honra e consideração profissional, laboral e pessoal da recorrente, julga-se haver indícios suficientes para tal facto ser tido por suficientemente indiciado” (conclusões T, U e V). Por conseguinte e não tendo a arguida posto em causa a autoria do email que consta do ponto 10 dos factos indiciados, está em causa verificar se as expressões que dele constam são idóneas a ofender a honra e consideração da assistente. Desde já adiantamos que a resposta afigura-se-nos negativa. Da factualidade indiciada resulta que está em causa um email elaborado pela arguida, no exercício das suas funções e na sequência de um pedido de “orientação” solicitado por HH, enquanto Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., a quem a arguida tem, por força das suas funções, de prestar aconselhamento jurídico, elaborar e emitir conselhos e pareceres sobre questões de direito. Nesse email, a arguida formulou os seguintes considerandos: “Assim, parece-me inequívoco que há intuito fraudulento desta trabalhadora ao apresentar atestado médico para justificar a falta do dia 22/11/2022. Face ao exposto, parece-me o Centro Hospitalar ..., através do SGRH, deve dar cumprimento ao disposto no norma do Código do trabalho supra transcrita, mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022.”. Não obstante se reconheça que a expressão usada pela arguida pode ter gravidade, pelo juízo de valor veiculado ser suscetível de, em abstrato, beliscar o direito à honra ou consideração da visada, é preciso enquadrá-la na forma e no contexto em que foi proferida, com invocação dos mecanismos legais disponíveis, e perante a sequência factual que lhe foi apresentada. Com efeito, esta factualidade indiciada demonstra que a assistente faltou ao serviço no dia 22.11.2022, invocando “doença”, quando, no dia 16.11.2022, lhe havia sido recusado um pedido de ausência por ela formulado, no dia 14.11.2022, invocando “assuntos familiares”, precisamente para este dia. Está também indiciado (ou, pelo menos, não há indícios em contrário) que era totalmente desconhecido pela arguida a situação ocorrida no dia 21.11.2022 e o subsequente episódio de urgência. Neste contexto, resulta indiciado que a arguida, por tal lhe ter sido solicitado, no âmbito da sua atividade profissional, e perante a sequência de emails que lhe foi apresentada, elaborou um documento interno que enviou apenas a duas pessoas (HH e EE), no qual invocou o art. 254º do Código do Trabalho (o qual menciona, no seu nº 4, “a apresentação ao empregador de declaração médica, com intuito fraudulento”) e informou o Centro Hospitalar ... do direito que lhe assistia, enquanto entidade patronal, de mandar verificar “por médico a situação da doença da dra. CC alegada por esta como motivo da ausência no dia 22/11/2022”. Atendendo às circunstâncias envolventes, a arguida considerou que havia intuito fraudulento por parte da assistente, ao apresentar o atestado médico para justificar a falta no dia 22.11.2022, e, por isso, emitiu parecer no sentido de ser dado cumprimento ao disposto no art. 254º do Código do Trabalho. Neste contexto, tal expressão consubstancia uma formulação de um juízo crítico sobre a atuação ou conduta da assistente, emitido pela arguida, no âmbito da sua atividade profissional e com base na sua experiência profissional e nos dados que então eram por ela conhecidos. No entanto, tal juízo não é gratuito, antes surge na sequência da referida factualidade resultante do teor dos emails que lhe foram enviados e da exposição do Direito que lhe considera aplicável (“Face ao exposto, parece-me o Centro Hospitalar ..., através do SGRH, deve dar cumprimento ao disposto no norma do Código do trabalho supra transcrita, mandando verificar por médico a situação da doença da Dra. CC alegada por esta como motivo da ausência do dia 22/11/2022”), pelo que não pode ser desligado do respetivo suporte factual – a ausência ao serviço da assistente (invocando “doença”) num dia relativamente ao qual já tinha havido uma decisão de indeferimento de um pedido por ela formulado, invocando “assuntos familiares”. Perante o circunstancialismo exposto, não se vislumbra que as expressões utilizadas pela arguida, nas conclusões do seu parecer – as quais não se podem considerar desajustadas ou despropositadas perante os dados conhecidos -, sejam atentatórias da honra e consideração da assistente. Efetivamente, o contexto e a forma das expressões utilizadas (num quadro de aconselhamento jurídico à entidade patronal da assistente, através de um documento interno e com base em factos objetivos que lhe foram transmitidos, mas que não abrangiam toda a realidade ocorrida entretanto) demonstram que não foram proferidas com caráter de gratuitidade, nem com o propósito de rebaixar e humilhar a assistente, ao invés foram motivadas pelo propósito da arguida de aconselhar e justificar uma eventual reação da entidade patronal perante uma possível fraude, informando-a da possibilidade de lançar mão dos mecanismos legais ao seu dispor, encerrando um juízo (de índole subjetiva) dirigido à presumível conduta da assistente, assente na sequência factual que lhe foi apresentada, e não à pessoa da mesma. A corroborar o exposto temos o carater profissional do email que apenas foi remetido à HH, com conhecimento da EE. Logo, não se nos afigura possível retirar, por parte da assistente, um significado de achincalhamento, rebaixamento ou ataque gratuito e, como tal, consideramos que a arguida, tendo atuado no contexto do exercício da sua atividade profissional, não ultrapassou os limites consentidos pelo exercício do direito à liberdade de expressão e do direito de crítica, enquanto direito a manifestar a sua convicção pessoal, no âmbito do aconselhamento jurídico. Assim sendo, concordamos com o tribunal recorrido quando considera que as expressões indiciariamente utilizadas pela arguida, atento o modo e o concreto contexto em que o foram, não merecem a censura ou a tutela do direito penal, pois não têm a virtualidade de alcançar – à luz dos princípios da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade – um patamar mínimo de gravidade que reclame ou sequer justifique a intervenção do direito e, como tal não podem ser consideradas ofensivas da honra, consideração, dignidade e imagem da assistente/recorrente. Na verdade, retirar-se do email em causa a prática de um crime de difamação equivaleria a dizer que o aconselhamento jurídico à entidade patronal, destinado à utilização de mecanismos legais (tal como o consagrado no art. 254º do Código do Trabalho que pressupõe o intuito fraudulento por parte do trabalhador na apresentação ao empregador de declaração médica), quando não conducentes à não comprovação da doença, importariam sempre a responsabilidade criminal de quem aconselha a entidade patronal, o que não se pode aceitar. Assim sendo na sequência do exposto, é irrelevante que a assistente se tenha sentido desagradada, humilhada e ofendida na sua honra pessoal na medida em que o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidades do visado. Em suma, enquadrando-se as expressões indiciariamente proferidas pela arguida no campo da crítica e da livre elaboração jurídica, sem atingir seriamente o reduto mínimo de dignidade e bom nome da visada e sem que se revelem desproporcionadas ao fim visado (informar e aconselhar juridicamente e justificar uma eventual reação da entidade patronal), impõe-se concluir que não assumem a necessária relevância jurídico-penal a impor a intervenção estadual, intrinsecamente subsidiária, materializada na punição dos agentes de crimes. Face às razões apontadas, não se podem ter por preenchidos os elementos objetivos típicos do crime imputado à arguida e, na decorrência, necessariamente, também os elementos subjetivos do tipo, pelo que bem andou o tribunal a quo ao considerar “que a factualidade dada como suficientemente indiciada não se mostra suscetível de preencher os elementos do tipo do crime de difamação agravado, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) ambos do C.P”. Em conformidade, a decisão recorrida não merece censura, improcedendo o recurso. * IV. DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em negar provimento ao recurso interposto pela assistente BB, e, em consequência, confirma-se a decisão de não pronúncia recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s (art. 515º, n.º 1, al. b) do C.P.Penal, e 8º, n.º 9, do RCP, com referência à tabela III anexa). * Guimarães, 30 de setembro de 2025 Luísa Oliveira Alvoeiro (Juíza Desembargadora Relatora) Anabela Rocha (Juíza Desembargadora Adjunta) Júlio Pinto (Juiz Desembargador Adjunto) [1] "No contexto constitucional português, os direitos em colisão devem considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se quaisquer ideias de supra ou infra valoração abstrata" – Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 110-111. |