Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA GORETE MORAIS | ||
| Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM SEDE RECURSÓRIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | DESATENDIDA | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I- Para que a decisão da 1ª instância que se pronunciou sobre a factualidade controvertida no processo seja alterada ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz a quo, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. II- Não deve ser deferido o pedido de exoneração do passivo restante se o devedor se absteve de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, sabendo não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. III- A violação dos deveres de informação e colaboração que, nos termos da alínea g) do nº 1 do art. 238º do CIRE, é suscetível de determinar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo não ocorre apenas quando o devedor viola a obrigação expressamente prevista no art. 83º desse diploma, mas também quando, sem justificação, não junte algum dos elementos que são exigidos pelo art. 24º do mesmo Corpo de Leis. IV- Idêntica consequência ocorre quando alegue factos referentes a essas matérias que não sejam verdadeiros, podendo ainda concluir-se pela violação desses deveres quando, de um modo geral, o devedor omita a alegação ou altere a verdade de factos relevantes com desrespeito pelos deveres de cooperação e boa-fé processual previstos nos arts. 7º e 8º do Código de Processo Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | I- RELATÓRIO AA intentou o presente processo especial requerendo que seja declarada a sua insolvência, impetrando outrossim que lhe seja concedida a exoneração do passivo restante, alegando, em síntese, estar impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Em 22.7.2023 foi proferida sentença declaratória da insolvência do requerente. Previamente à prolação do referido despacho o fiduciário havia-se pronunciado nos autos no sentido de ser concedida a requerida exoneração do passivo restante. Por sua vez, a credora reclamante EMP01... e Associados, ..., em 22.08.2022, no cumprimento do contraditório, opôs-se à concessão da exoneração, por considerar, em súmula, encontrar-se verificada a seguinte materialidade: (1) O insolvente já se encontrava em situação de insolvência desde 2019, posto que desde essa data que deixou de cumprir as suas obrigações vencidas e é a partir dessa data que o insolvente reconhece as suas dificuldades em cumprir as obrigações vencidas; (2) O devedor não se apresentou à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência; (3) A não apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à sua verificação causou prejuízos para os credores; (4 ) O insolvente sabia ou, pelo menos, não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica; (5) O devedor recorreu a expedientes dilatórios para obter subsídio de doença junto do ISS. IP, o que não lhe era devido, agindo em clara má-fé. Por despacho proferido em 22.11.2022 foi deferido o pedido de exoneração do passivo restante formulado por requerente, fixando-se o rendimento indisponível em €890,00 mensais. Inconformados com a decisão que admitiu a exoneração do passivo restante, quer o insolvente, quer a credora EMP01... e Associados, ... vieram interpor recurso, vindo este Tribunal da Relação a proferir decisão singular a julgar procedente o recurso interposto pela credora EMP01... e Associados, ..., revogando a decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra que aprecie a materialidade por esta alegada na sua oposição e só após tomar posição fundamentada sobre se se mostram, ou não, verificados os necessários pressupostos para a concessão liminar do benefício da exoneração do passivo restante. Remetido o processo ao Tribunal de 1ª instância, em cumprimento da decisão do Tribunal da Relação, foram realizadas as pertinentes diligências, após o que foi proferido despacho a indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no art. 238º, nº1, als. d) e g) do CIRE. Inconformado com o teor do aludido despacho o insolvente veio recorrer do mesmo. O recurso foi admitido por despacho exarado em 25.08.2023. Remetido o recurso a este Tribunal da Relação foi proferida decisão singular a julgar a apelação procedente e, por conseguinte, revogou-se o despacho recorrido, tendo-se determinado, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2 al. d) do Cód. Processo Civil, a remessa dos autos à 1ª instância, a fim de o tribunal recorrido fundamentar a decisão de facto, máxime no que respeita à materialidade objeto de impugnação (pontos nºs 2, 3, 5, 8, 11 e 12, dos factos considerados provados, e bem assim os factos dados como provados sob os pontos nºs 1, 4 e 10). Remetido o processo ao Tribunal de 1ª instância, no cumprimento do determinado, foi proferida decisão a indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Notificado o insolvente da aludida decisão, veio dela recorrer tendo com o requerimento de interposição do recurso apresentado alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES a) A decisão recorrida padece de contradição entre a fundamentação e a decisão, no que diz respeito à alegada violação do disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea g), do CIRE, que resulta do facto do Tribunal recorrido referir que não acompanha a jurisprudência que entende ser de estender a aplicação daquela alínea aos deveres previstos no artigo 24º do CIRE, mas, a final, decidir indeferir o pedido com base na violação de tal dever!! b) A contradição entre a fundamentação discorrida e a decisão proferida acarreta a nulidade da sentença proferida, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) e n.º 4, do CPC. c) Verifica-se, igualmente, a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do referido normativo, por excesso de pronúncia, em virtude de ter sido apreciada questão de facto, e de direito, ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração por violação do disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea g), do CIRE, uma vez que tal questão (possível existência e reconhecimento de um crédito) não foi invocada/alegada pelos credores e/ou administrador de insolvência e não é de conhecimento oficioso (contrariamente ao que resulta do ponto 13 dos factos). d) Sem prescindir, e caso V. Exas. consigam ultrapassar as nulidades invocadas, impõe-se concluir que não estão verificados os requisitos cumulativos exigidos para a verificação do fundamento de indeferimento liminar previsto no artigo 238.º, n.º 1, alínea d), do CIRE. e) A apreciação da conduta do insolvente passível de ser subsumida a qualquer das alíneas do artigo 238.º, n.º 1, do CIRE, apenas pode ter em conta uma atuação anterior do insolvente analisando-se se se mostra, ou não, pautada por uma boa conduta, pelo que o facto provado sob o n.º 1 é absolutamente irrelevante. f) Da factualidade julgada provada não se consegue extrair o momento a partir do qual o tribunal recorrido considerou que o recorrente se encontrava em situação de insolvência, nem sequer é possível extrair-se que em Fevereiro ou Julho de 2019 o recorrente estivesse já impossibilitado de cumprir as suas obrigações, sendo o próprio Tribunal recorrido que na sua motivação refere que essa situação de insolvência ocorreu após o início do processo-crime n.º 1170/18.7JABRG. g) Dos factos julgados provados não resulta a verificação do 1.º requisito previsto no artigo 238.º, n.º 1, alínea d), do CIRE, o que tanta basta para que não se possa indeferir liminarmente o pedido. h) Ainda que assim não se entendesse, da factualidade julgada provada também não se consegue extrair qualquer prejuízo, concreto, efetivo e real, para os credores, não permitindo concluir que o aqui recorrente, contraiu novas dívidas após o prazo de 6 meses contado a partir do momento em que se encontrou numa situação de insolvência. i) Alias, da matéria de facto julgado provada, conjugada com os apensos C e E, é possível atestar que o recorrente nunca ficou sem auferir rendimento de trabalho e foi pagando parte das suas dívidas. j) Não é possível, nem a decisão recorrida o admitiu, considerar-se que a conduta do aqui recorrente fosse dolosa ou gravemente culposa. k) Dos factos provados não é possível alcançar um nexo de causalidade entre a não apresentação atempada e um prejuízo para os credores e que o devedor não podia perspetivar qualquer melhoria séria da sua situação económica. l) Resulta da factualidade provada que, apesar do passivo do devedor ter aumentado entre o ano de 2019 e 2022 resulta, igualmente, da factualidade provada que o salário do devedor também aumentou significativamente e novamente em data recente, conforme resulta do documento 1 que se junta com o presente recurso. m) Não está, também, assim, preenchido o 3.º e último requisito imposto por lei para efeitos de indeferimento liminar de exoneração. n) Sem prescindir, também se conclui que não poderá prevalecer o entendimento de que o insolvente violou o dever de informação a que está obrigado, por efeito do disposto no artigo 83º, nº 1º do CIRE. o) Os factos julgados provados em que o Tribunal recorrido assentou a verificação do artigo 238.º, n.º 1, alínea g), do CIRE, não foram alegados por qualquer credor, nem sequer pela credora oponente, nem pelo sr. A.I.. p) Não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 238º, n.º 1, alínea g), por referência ao artigo 24º, n.º 1, alínea e), ambos do CIRE, uma vez que aquando da apresentação à insolvência, o alegado crédito do aqui recorrente se encontrava extinto, por efeito da decisão que havia determinado a exoneração do passivo restante naqueles outros autos. q) Ainda que assim não fosse, os recursos interpostos em momento posterior à apresentação de insolvência do recorrente não podem ser tidos em consideração para efeitos de imposição de indicação daquele crédito na sua petição inicial. r) Se o próprio Tribunal recorrido refere que se mantém “em aberto a hipótese de permanecer um crédito exigível” não se pode retirar dessa mera possibilidade que o devedor conscientemente, actuou com dolo ou culpa grave e indeferir-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. s) Ademais, o reconhecimento daquele crédito desde sempre foi do conhecimento da credora oponente, do sr. A.I. e do próprio Tribunal recorrido, através dos documentos juntos aos autos pela primeira, para prova do crédito que reclamou. t) Não se retira da factualidade julgada provada qualquer um dos requisitos referidos no artigo 238.º, n.º 1, alínea d), do CIRE, que, sendo cumulativos, é suficiente a não verificação de um deles para que se imponha a prolação de decisão que defira liminarmente o pedido de exoneração. u) Da mesma forma, da factualidade constante dos autos também não se retira a violação de qualquer dever de informação e/ou colaboração, não se encontrando demonstrada a previsão ínsita na alínea g) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE. v) O recorrente impugna a matéria julgada provada sob o ponto n.º 2, entendendo que é imprecisa e insuficiente, devendo ser complementada com a factualidade que resulta dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos no seu requerimento datado de 31/08/2022, impondo-se que seja modificada de molde a que abarque a factualidade relativa às renegociações encetadas com os credores e incumprimentos finais. w) O recorrente impugna a matéria de facto julgada provada sob o ponto 3, impondo-se que seja julgada não provada, uma vez que conforme resulta nomeadamente dos documentos juntos pelo recorrente com o seu requerimento de 31/8/2022, procurou sempre ativamente alcançar uma renegociação das suas dívidas, efetuando pagamentos prestacionais e diminuindo assim o seu passivo. x) O recorrente impugna a factualidade julgada provada sob o ponto 5, impondo-se que a mesma seja julgada não provada, na medida em que a medida de coação de suspensão de funções foi revogada antes da prolação daquele acórdão, não o tendo sido em virtude do seu não trânsito em julgado, não havendo qualquer suporte probatório para o efeito. y) O recorrente impugna a matéria de facto julgada provada sob o ponto 8, uma vez que o que resulta do relatório elaborado ao abrigo do disposto no artigo 155.º do CIRE é que se perspetivava, e sucedeu, a apreensão de quantias monetárias a favor da massa insolvente, estando a massa habilitada com a quantia de 5.889,55€. z) Impugna o recorrente a factualidade julgada provada sob o ponto 11, uma vez que de nenhum documento junto aos autos, se retira tal factualidade, pelo que se impõe julgar a mesma não provada. aa) Impugna o recorrente a matéria de facto sob o ponto 12, uma vez que resulta dos documentos n.ºs 33 e 36 juntos pela credora EMP01..., no apenso de reclamação de créditos (a saber: a sentença proferida no processo n.º 179/15.7T9FAF e respetivo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães), que esta credora conhecia aquele crédito e, conscientemente, nada alegou. Este conhecimento, por maioria de razão, se estende ao Sr. A.I. bb) Em suma, e por tudo o supra expendido, ao decidir pelo indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do preceito contido no artigo 238º do CIRE “a contrario sensu”, sendo o douto despacho recorrido passível de censura, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que defira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, em tempo, apresentado pelo insolvente. * O recurso foi recebido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.No despacho que recebeu o recurso foi dado cumprimento ao disposto no nº 1 do art.617º do CPC, tendo o juiz a quo tomado posição sobre as nulidades que foram arguidas no recurso, concluindo pela sua inexistência. * Foram apresentadas contra-alegações, onde se pugnou pela manutenção do decidido.* Neste Tribunal da Relação, o relator proferiu decisão individual, que julgou improcedente a apelação, mantendo consequentemente a decisão recorrida.Inconformado com o teor dessa decisão singular, veio agora o recorrente apresentar a presente reclamação para a conferência, requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão tendo junto as seguintes CONCLUSÕES a) Salvo o devido e merecido respeito, a decisão singular que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, enferma de errónea interpretação e aplicação do artigo 238º, nº1 alíneas d) e g) do CIRE, bem como de insuficiente apreciação da matéria de facto impugnada. b) A douta decisão singular considerou não se verificar a nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º,n.º 1, alínea c), do CPC. c) A decisão recorrida afastou o pressuposto que, em última análise, acabou por considerar como preenchido para declarar a violação do dever previsto na alínea g). d) Padecendo de uma contradição insanável entre os fundamentos (que excluem a aplicação do dever por falta de solicitação expressa) e a decisão (que considera o dever violado). Esta contradição não foi superada - nem sequer apreciada na sua verdadeira extensão - pela decisão singular, o que, salvo o devido respeito, consubstancia uma nulidade extensível à própria decisão singular ora reclamada. e) O documento junto com as alegações de recurso, relativo ao recibo de vencimento actualizado do insolvente, é superveniente, admissível e relevante (art. 425.º, alínea a), do CPC), sendo essencial à apreciação da existência de culpa grave do devedor. f) A desconsideração desse documento representa violação do direito à prova, podendo configurar denegação de justiça e contrariando o princípio da proporcionalidade e da protecção da confiança (art. 2º e 18º da CRP). g) Quanto à resposta à impugnação da matéria de facto, a fundamentação da decisão singular mostra-se meramente conclusiva, sem apreciação crítica e concreta dos elementos de prova apresentados, em violação dos deveres de apreciação e fundamentação impostos, nomeadamente pelo art. 607.º, n.º 4, do CPC. h) Devendo ser a matéria de facto dada como provada nos pontos 3,5,8,11 e 12 reapreciada e alterada pela conferência. i) No que diz respeito ao Ponto 3 (suposto aumento do passivo), uma vez que os créditos reclamados não resultam de novas dívidas contraídas pelo insolvente com indiferença ao seu estado económico, mas sim de obrigações pré-existentes ou vencidas por força da insolvência — o que afasta qualquer conclusão de agravamento culposo do passivo. j) Quanto ao ponto 5, uma vez que não há qualquer prova da alegada razão de regresso às funções do insolvente. k) Quanto a ponto 8 (apreensão de bens), existe um erro de leitura do relatório do Sr. Administrador de Insolvência, de onde resulta a previsão de futura apreensão de valores penhorados em execuções em curso, o que se veio efetivamente a verificar. l) Nos apensos C e E, consta que a massa insolvente foi habilitada com valores penhorados, num montante não inferior a € 5.889,55. m) Quanto ao ponto 11 (crédito reconhecido no proc. 2381/14.0T8GMR), um vez que não se encontra provado o trânsito em julgado da decisão nem a manutenção do crédito em causa. n) Quanto à matéria do ponto 12 (alegada omissão do dever de informação) resulta claramente dos autos, (doc. 33 e 36 juntos pela credora oponente, no apenso de reclamação de créditos) a existência do referido crédito. o) De igual modo, o próprio tribunal e o senhor A.I. teve ou deveria ter tido conhecimento do crédito em questão. p) Verifica-se erro manifesto na apreciação da matéria de facto nos pontos 3, 5, 8, 11 e 12 da sentença recorrida, cuja confirmação pela decisão singular ora reclamada foi feita de forma superficial e conclusiva, sem a necessária análise crítica dos documentos juntos aos autos. q) A apreciação da conduta do insolvente à luz da al. d) do artigo 238º do CIRE exige a verificação cumulativa de três requisitos. r) O primeiro, não se encontra preenchido, nem sequer provado uma vez que não consta da matéria de facto provada qualquer referência ao momento concreto em que o insolvente terá entrado em situação de insolvência, o que desde logo impossibilita a verificação do prazo de seis meses previsto na norma. s) A mera existência de dívidas ou o incumprimento pontual de obrigações não é suficiente, nos termos do art. 3.º, n.º 1 do CIRE. t) A decisão singular sob reclamação incorre em erro ao considerar que a diferença entre ativos e passivos, mesmo com um aumento de rendimento, seria suficiente para provar tal impossibilidade. u) Tal raciocínio assenta em critérios conclusivos e não em factos concretos provados. v) O segundo pressuposto exige que tenha ocorrido prejuízo para os credores. w) A decisão singular presume prejuízo sem o demonstrar. Afirma que o devedor “contraiu novas dívidas”, “reduziu a garantia patrimonial dos credores” e que houve um “ agravamento da sua situação económica”, mas tais conclusões não se apoiam em factos concretos nem em elementos objetivos constantes dos autos. x) Da matéria de facto provada não resulta qualquer ocultação de património, dissipação dolosa, alienação ilícita ou contratação abusiva de dívidas em estado de insolvência. y) A conclusão do tribunal recorrido, transcrita na decisão singular - nada fazia antever que a situação patrimonial do insolvente se alterasse positivamente -confunde um juízo de prognose económica (meramente subjetivo) com a demonstração de um prejuízo real e objetivo, exigido pela norma. z) O Reclamante não retirou qualquer benefício ilegítimo do alegado atraso a apresentação à insolvência, nem agiu com deslealdade processual, não se verificando qualquer comportamento censurável ou atentatório da boa-fé. aa) O terceiro requisito exige que o insolvente saiba, ou não possa ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica. bb) A expectativa de melhoria da situação económica pelo insolvente era real, legítima e concreta. O insolvente viu o seu rendimento mensal aumentar, revelando uma efetiva capacidade de reorganização económica e um esforço legítimo para regularizar as suas obrigações. cc) Não existe, em momento algum, nos autos, qualquer facto que permita inferir dolo ou culpa grave do Reclamante no agravamento da sua situação económica ou na alegada demora da apresentação à insolvência. dd) O raciocínio expendido na decisão singular implica uma presunção negativa quanto à boa-fé do insolvente que a lei não consente. ee) Ademais, não compete ao devedor provar um resultado positivo futuro, mas apenas demonstrar que existia uma expectativa séria de melhoria. ff) Assim, nenhum dos requisitos exigidos pela al. d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE se encontra preenchido, razão pela qual deve ser revogada a decisão de indeferimento liminar e admitido o pedido de exoneração para tramitação subsequente. gg) O segundo fundamento apontado para o indeferimento liminar do passivo restante prende-se com a alegada falta de colaboração do insolvente, concretamente pela omissão de um alegado crédito do insolvente no âmbito do pro-cesso n.º 2381/14.0T8GMR. hh) Esta interpretação é material e juridicamente insustentável. ii) À data da apresentação da petição inicial de insolvência (02/07/2022), já havia sido proferido despacho de exoneração do passivo restante do ali insolvente (22/06/2022). jj) Ou seja, o crédito que o ora insolvente detinha naquele processo estava extinto por força daquela decisão. kk) Ainda que se entendesse que o dever de declarar tal crédito subsistiu, a omissão eventual desse facto nunca poderia, por si só, configurar violação dolosa ou com culpa grave do dever de informação, como exigido pela alínea g) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE. ll) Da a) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRE, resulta que só poderá considerar-se violação do dever de apresentação e de colaboração, capaz de se subsumir à alínea g) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, a verificação, cumulativa, dos seguintes pressupostos: Que o insolvente não forneça informações relevantes; Que essas informações sejam solicitadas: pelo administrador de insolvência; pela assembleia de credores; pela comissão de credores; ou pelo tribunal; e que a omissão decorra de conduta dolosa ou gravemente negligente. mm) Nenhum destes requisitos se encontra preenchido in casu. nn) Não existe qualquer prova de que qualquer entidade processualmente legitimada tenha solicitado, ao insolvente, informação sobre o referido crédito. oo) O Sr. Administrador de Insolvência, no seu relatório elaborado ao abrigo do disposto no artigo 155.º do CIRE, declarou expressamente que o comportamento do insolvente foi pautado por licitude, transparência, e boa-fé, defendendo a concessão da exoneração como uma nova oportunidade legítima. pp) O próprio Ministério Público corroborou este entendimento, prestou parecer favorável à qualificação da insolvência como fortuita. qq) A tentativa de reconverter um facto irrelevante - a não menção de um crédito já extinto - numa violação dolosa de deveres legais revela-se forçada, desprovida de base factual ou normativa. rr) No limite, tratar-se-ia de um lapso ou imprecisão que não tem dignidade para ser qualificado como violação do dever de informação e colaboração. ss) A interpretação e aplicação do disposto no artigo 238º nº 1 al. g) do CIRE, ao conduzir ao indeferimento liminar da exoneração tem uma consequência demasiado gravosa para o insolvente, quando comparada com o prejuízo causado aos credores, considerando o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 18º nº 2 da Constituição de República Portuguesa, assim como afecta o princípio constitucional da protecção da confiança ínsito no princípio do estado de Direito Democrático plasmado no artigo 2º da CRP. tt) A interpretação efectuada extravasa a interpretação literal, fazendo da mesma uma interpretação que vai além do seu elemento literal (art. 9º do Código Civil), violando o princípio do acesso a uma justiça equitativa. uu) Deve ser afastada, in totum, a aplicação da alínea g) do n.º 1 do artigo 238.ºdo CIRE ao caso concreto, não se verificando qualquer violação, dolosa ou gravemente negligente, dos deveres de colaboração ou informação por parte do insolvente. vv) Ao decidir pelo indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante a douta decisão singular fez errada interpretação e aplicação do preceito contido no artigo 238.º do CIRE a contrario, sendo o douto despacho recorrido passível de censura, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que defira o pedido de exoneração do passivo restante em tempo apresentado pelo insolvente. Nestes termos e nos mais de direito, que mui douta e sabiamente serão supridos por Vossas Excelências, deve ser dado provimento à presente Reclamação e, em consequência, revogar-se a decisão em crise, substituindo-se esta por douto acórdão a proferir pela Conferência deste Digno Tribunal que aprecie e decida todas as questões suscitadas pelo reclamante, as quais deverão, a final, ser julgadas totalmente procedentes. Como é de inteira e sã Justiça! * A reclamada recorrida apresentou resposta pugnando pela inatendibilidade da reclamação.*** III- FUNDAMENTOS DE FACTOA materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto da presente reclamação é a que dimana do antecedente relatório. *** IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO Como se viu, o reclamante insurge-se contra a decisão singular que determinou a manutenção da decisão recorrida, não concordando com tal ato decisório por nela se ter considerado que inexistem os vícios que foram assacados pelo recorrente àquela, a saber: (1) que o ato decisório sob censura não enferma dos vícios formais previstos nas als. c) e e) do nº 1 do art. 615º; (2) que o tribunal a quo não incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto sob os pontos 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da decisão recorrida; (3) e que se mostram verificados os pressupostos necessários para a prolação de despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante nos termos em que o foram. O recorrente na reclamação que apresenta imputa à decisão singular os vícios assinalados nas alíneas a) a g), os quais se passam a transcrever: a) Salvo o devido e merecido respeito, a decisão singular que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, enferma de errónea interpretação e aplicação do artigo 238º, nº1 alíneas d) e g) do CIRE, bem como de insuficiente apreciação da matéria de facto impugnada. b) A douta decisão singular considerou não se verificar a nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC. c) A decisão recorrida afastou o pressuposto que, em última análise, acabou por considerar como preenchido para declarar a violação do dever previsto na alínea g). d) Padecendo de uma contradição insanável entre os fundamentos (que excluem a aplicação do dever por falta de solicitação expressa) e a decisão (que considera o dever violado). Esta contradição não foi superada - nem sequer apreciada na sua verdadeira extensão - pela decisão singular, o que, salvo o devido respeito, consubstancia uma nulidade extensível à própria decisão singular ora reclamada. e) O documento junto com as alegações de recurso, relativo ao recibo de vencimento actualizado do insolvente, é superveniente, admissível e relevante (art. 425.º, alínea a), do CPC), sendo essencial à apreciação da existência de culpa grave do devedor. f) A desconsideração desse documento representa violação do direito à prova, podendo configurar denegação de justiça e contrariando o princípio da proporcionalidade e da protecção da confiança (art. 2º e 18º da CRP). g) Quanto à resposta à impugnação da matéria de facto, a fundamentação da decisão singular mostra-se meramente conclusiva, sem apreciação crítica e concreta dos elementos de prova apresentados, em violação dos deveres de apreciação e fundamentação impostos, nomeadamente pelo art. 607.º, n.º 4, do CPC. Ora, da exegese do requerimento de reclamação apresentado pelo reclamante constata-se que este, à exceção do erro mencionado nas als. e) e f), se limita a reproduzir os argumentos que verteu nas suas alegações de recurso, concluindo, assim, que a decisão sumária ao confirmar, como confirmou, a sentença de 1ª instância, oportunamente objeto de recurso de apelação, violou, tal como essa sentença, diversas normas legais, designadamente, o disposto nos arts. 238º, nº1 alíneas d) e g) do CIRE, arts. 607º, nº4 e 615º nº 1, alínea c), do CPC e ainda o disposto nos arts. 2º e 18º da Constituição da República Portuguesa. Porém, não se antolha em que medida a mencionada decisão padeça dos invocados vícios. Com efeito, da sua leitura verifica-se, com mediana clareza, que na mesma se expendem as razões de facto e de direito que justificam a emissão do juízo decisório nela acolhido, concretamente de confirmação da decisão recorrida, com a consequente improcedência das conclusões com que o Apelante rematou a sua peça recursiva. Com relação à discordância manifestada ao indeferimento da junção do documento que apresentou com as alegações de recurso, a mesma carece igualmente de qualquer razão na medida em que tal documento se revela irrelevante para a questão em discussão, ou seja: a análise da conduta do insolvente e das suas perspetivas económicas reporta-se ao período entre 2019 e à data da apresentação à insolvência. Na verdade, o vencimento registado em setembro de 2024 não apaga a conduta passada, nem a ausência de "perspetiva séria de melhoria" verificada naquele momento crítico. A este propósito escreveu-se na decisão singular - cuja argumentação aqui se recupera - que “A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova. No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção do documento em causa, como meio de prova pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental.” Carece, assim, de fundamento legal a requerida junção do documento. No mais, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular, os quais se passam a transcrever: “Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões solvendas: . dilucidar se o ato decisório sob censura enferma dos vícios formais previstos nas al.c) e e) do nº 1 do art. 615º; . determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto, mormente se está incorretamente julgada a matéria de facto julgada provada sob os pontos 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da decisão recorrida; . decidir em conformidade face à alteração, ou não, do substrato fatual dado como provado e não provado na decisão recorrida, mormente dilucidar se se mostram, ou não, verificados os pressupostos necessários para a prolação de despacho de deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. *** 2. Das alegadas nulidades da sentençaNas suas alegações recursórias o apelante advoga, desde logo, que o ato decisório sob censura enferma dos vícios de nulidade, que reconduz à previsão das alíneas c) e d) do nº 1 do art. 615º. 2.1. Da nulidade da decisão recorrida por oposição entre os fundamentos e a decisão Esta causa de nulidade encontra-se prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º, nos termos da qual “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Verifica-se o referido vício formal quando há contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, a fundamentação conduz logicamente a resultado distinto do que consta do dispositivo da decisão judicial. Dito de outro modo, a fundamentação seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando num dado sentido, e depois a decisão segue outro oposto, chegando a uma conclusão completamente diferente da apontada pela fundamentação. A razão de ser desta causa de nulidade ancora-se primordialmente na ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão. Portanto, o vício em questão ocorre quando se verifique contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Quid iuris? Como se viu, o recorrente advoga que a decisão recorrida padece de contradição entre a fundamentação e a decisão final proferida, no que diz respeito à alegada violação do disposto no artigo 238º, nº 1, alínea g), do CIRE, que resulta do facto de o Tribunal recorrido referir que não acompanha a jurisprudência que entende ser de estender a aplicação daquela alínea aos deveres previstos no artigo 24º do CIRE, mas, a final, decidir indeferir o pedido com base na violação de tal dever (cfr. cls. a) e b)). Da exegese do ato decisório sob censura verifica-se que o Juiz a quo, nos respetivos fundamentos, faz uma resenha jurisprudencial a propósito das diferentes interpretações possíveis da al g) do nº 1 do art. 238º do CIRE, tendo concluído que independentemente de se considerar aplicável a interpretação literal (omissão verificada no decurso do processo de insolvência) ou a interpretação mais abrangente (omissão verificada quer na apresentação à insolvência ou no decurso do processo de insolvência), a omissão da indicação da existência do crédito em causa pelo aqui Recorrente configura uma violação do al g) do nº 1 do art. 238º do CIRE, já que pela interpretação literal o insolvente estava obrigado informar a existência desse ativo ao Administrador de insolvência ao abrigo do princípio da colaboração, e pela interpretação abrangente o insolvente estava obrigado a informar a existência desse ativo na sua apresentação à insolvência. Decorre da decisão em crise que a mencionada indicação jurisprudencial visou, fundamentalmente, ilustrar um conjunto de decisões que versam sobre a temática em causa, tendo, no final, o Tribunal tomado a decisão de indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, a qual explicitou. Com efeito, na decorrência da argumentação assim expendida, entendeu-se “(…) que a omissão da indicação da existência daquele crédito configura uma violação da referida al. g) do art. 238º do CIRE, quer se entenda que a mesma deveria ter ocorrido logo aquando da petição inicial – como ativo da massa insolvente – quer ainda no decurso da mesma e em cumprimento do dever de colaboração ali imposto com o Sr. A.I. mormente na elaboração do relatório previsto no art. 155º do CIRE.”, pelo que, em consonância com essa fundamentação suportada na al. g) do nº1 do art. 238º do CIRE - e também com base na alínea d) do mesmo normativo legal - decidiu indeferir-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Portanto, percebe-se claramente o caminho lógico da decisão, que assim não enferma de qualquer ambiguidade. Por outro lado, a contradição que o apelante considera registar-se na decisão recorrida diz respeito a uma exposição jurisprudencial acerca das diferentes interpretações possíveis da al g) do n.º 1 do art. 238º do CIRE, sendo que o Tribunal acaba por justificar a opção que tomou e que reputou mais ajustada ao caso. Destarte, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não se antolha a ocorrência de qualquer contradição intrínseca passível de consubstanciar vício de nulidade do ato decisório sob censura, sendo que, neste conspecto, verdadeiramente o que estará em causa não será a existência de tal vício formal, mas, quando muito, de erro de julgamento. Improcede, pois, o invocado vício formal. * 2.2. Da nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúnciaA este respeito, o apelante filia a existência do apontado vício formal no facto de ter sido apreciada questão de facto e de direito, ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração por violação do disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea g), do CIRE, uma vez que tal questão (possível existência e reconhecimento de um crédito) não foi invocada/alegada pelos credores e/ou administrador de insolvência e não é de conhecimento oficioso (contrariamente ao que resulta do ponto 13 dos factos). Alega o Recorrente que a decisão ora em crise enferma de nulidade por excesso de pronúncia, por entender que o Tribunal a quo não se podia pronunciar sobre factos que não foram alegados pelos credores e/ou pelo Administrador de Insolvência (cfr. cls. c)). Vejamos, então, se assiste razão ao apelante. Como é sabido, o art. 11º do CIRE, com a epígrafe “princípio do contraditório”, estabelece que no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes. Assim sendo, contrariamente ao que alega o recorrente, o despacho de exoneração inicial não tem que se circunscrever aos factos que sejam alegados pelo devedor, fiduciário ou credores, pois o princípio do inquisitório consagrado no referido art. 11º do CIRE permite-lhe que funde a decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes, sendo que, como se viu, a aplicação deste normativo não se encontra restringida ao processo de insolvência stricto sensu, sendo igualmente aplicável quer ao incidente de qualificação da insolvência, quer à exoneração do passivo restante. Neste sentido se pronunciou já a doutrina[1] e a jurisprudência[2] , não sendo despiciendo relembrar que a exoneração do passivo restante é uma figura que tem como objetivo primordial conceder uma “segunda oportunidade” ao devedor singular que caia em situação de insolvência de recomeçar vida nova no fim do período, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito daquele processo[3] e que em face dessa concessão de uma “segunda oportunidade” o juiz pode, mesmo na falta daquela alegação e prova, fundamentar a sua decisão em factos não alegados, nos elementos constantes do processo, naqueles que tenha averiguado, nos factos notórios, bem como nos que sejam do seu conhecimento por via das funções que exerce, já que o objetivo que o legislador pretendeu atingir é o de filtrar os devedores insolventes que não merecem à partida o benefício que está em causa[4]. Como assim, não se antolha que a decisão sob censura enferme do alegado vício, posto que nela o Tribunal a quo, ao verificar o incumprimento do Recorrente e ao enquadrá-lo nos termos e para os efeitos do disposto na al. g) do n.º 1 do art. 238º do CIRE, estava legitimado pelo disposto no citado art. 11º do CIRE a considerar a materialidade atinente ao preenchimento da respetiva fattispecie normativa, razão pela qual inexiste qualquer nulidade por excesso de pronúncia. * 3. Da (ir)regularidade de junção de documento em sede recursóriaNas alegações de recurso o apelante veio requerer a junção do recibo de vencimento atualizado, contendo o seu atual rendimento base. Alegou, em sede de fundamentação da pertinência dessa junção, que se trata de documento necessário e imprescindível à boa decisão da causa com vista a aferir-se da factualidade atinente ao “conhecimento ou desconhecimento com culpa grave, por parte do devedor, da inexistência de qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica”. Como é consabido, em regra, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, como decorre do art. 423º, nº1. A parte pode ainda juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ficando neste caso sujeito ao pagamento de multa, como se prevê no art. 423º, nº 2. Contudo, a lei adjetiva, no art. 523º, nº 2, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[5]. A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade. Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Como se prevê no art. 425º depois do encerramento da discussão, em sede de recurso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio[6]”. A junção de documentos em sede de recurso está, contudo, subordinada ao critério estabelecido no art. 651º, no qual se determina que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”. Dispõe o art. 425º: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”. Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando: - a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto); - se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[7]. No caso em análise o apelante juntou um documento produzido em setembro de 2024, ou seja, em data posterior à sentença, destinando-se, na sua alegação, a provar factos por ele articulados. Confrontando os fundamentos dos articulados com o teor da decisão proferida em 1ªinstância, resulta que na sentença o juiz do tribunal a quo não veio invocar novos e diferentes argumentos. A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[8]. No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção do documento em causa, como meio de prova, pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental. Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º, nº1 carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção do documento, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante. Como quer que seja, também não se vislumbra qual a pertinência do documento com data de emissão posterior à data da elaboração da decisão recorrida, referente a factos a ela posteriores, e não a factos a ela contemporâneos, já que o que se visa é contraditar esses e não aqueles. O incidente será tributado com custas a cargo do apelante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euros ) – art. 543º, nº1 e art. 27º, nºs 1 e 3 do RCJ. A final desentranhe e devolva ao apelante o documento junto com as alegações de recurso. * 4. Recurso da matéria de facto4.1. Factualidade considerada provada na sentença O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1. O insolvente foi condenado no processo nº 1170/18.7JABRG do Juízo Central Criminal de Guimarães - Juiz ... por acórdão ainda não transitado em julgado, na pena única de 13 (treze) anos de prisão, e resultante das penas parcelares que expressamente constam do segmento decisório do dito acórdão. 2. A data de incumprimento do crédito reclamado pelo credor, EMP02... STC, S. A. ocorreu em 21.07.2019 e em relação ao incumprimento do crédito reclamado pelo credor, EMP03..., S. A. o mesmo verificou-se no dia 05.02.2019. 3. Desde 2019 até 2022, o passivo do insolvente aumentou em 39.069,49€. 4. Com a suspensão do exercício de funções o insolvente deixou de beneficiar de vários suplementos remuneratórios, daí que o seu rendimento mensal líquido tenha diminuído cerca de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros), sendo à presente data de aproximadamente 780,00€ (setecentos e oitenta euros). 5. Entretanto e em face do não trânsito em julgado da decisão referida sob 1. o insolvente voltou ao ativo auferindo um rendimento mensal de € 1200,00. 6. A este rendimento mensal do insolvente, somam-se os serviços remunerados que os militares da GNR prestam, e que, no Posto Territorial ..., onde o insolvente presta funções, rondam em média os € 600,00 mensais, valor que acresce ao seu salário base. 7. Por sentença transitada em julgado foram reconhecidos créditos nos presentes autos que ascendem a um passivo total de 48 338,42 €. 8. Do inventário constante do relatório do Sr. A.I. nos termos do art. 155º do CIRE consta a impossibilidade de apreensão de quaisquer bens. 9. Na petição inicial declarou não ser titular de quaisquer bens, nem apresentou relação de bens. 10. Do seu CRC não constam condenações pelos crimes especificamente previstos no art. 238º, nº 1, al. f) do CIRE. 11. No processo nº 2381/14.0 T8GMR foi reconhecido ao insolvente um crédito no montante de € 4.301,70 tendo o mesmo sido homologado por sentença, sendo que ainda se encontra pendente um recurso intentando pelo aqui insolvente relativo ao despacho de exoneração do passivo restante da ali devedora. 12. O insolvente não informou o Sr. A.I. da existência deste crédito, o qual só teve conhecimento do crédito reclamado pelo insolvente no processo n.º 2381/14.0T8GMR com a notificação com a referência n.º ...16, de 14 de dezembro de 2023. 13. Este crédito apenas foi mencionado neste processo oficiosamente pelo Tribunal. * 4.2. Factualidade considerada não provada na sentençaInexiste qualquer alusão à matéria considerada como não provada. * 4.3. Apreciação da impugnação da matéria de factoComo se notou, o apelante pretende a alteração da matéria de facto plasmada nos factos provados nºs 2, 3, 5, 8, 11 e 12, da decisão recorrida por considerar estarem incorretamente julgados. Propugna que o ponto nº 2 seja modificado de molde a que abarque a factualidade relativa às renegociações encetadas com os credores e incumprimentos finais, conforme entende resultar dos documentos nºs 1 e 2 juntos por si no seu requerimento datado de 31/08/2022, sendo que os pontos nºs 3, 5, 8, 11 e 12 deveriam antes ter sido dados como não provados e, consequentemente, deveria ter sido deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, em tempo, apresentado por si. O recorrente sustenta, a este propósito, que a decisão recorrida traduz um manifesto erro na apreciação da prova. Como se viu, o recorrente impugna a matéria julgada provada sob o ponto nº 2, entendendo que é imprecisa e insuficiente, sugerindo dever ser complementada com a factualidade que resulta dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos no seu requerimento datado de 31/08/2022, impondo-se, assim, que seja modificada de molde a que abarque a factualidade relativa às renegociações encetadas com os credores e incumprimentos finais (cfr. cls.v)). Do mesmo modo, ancorando-se nos mesmos documentos, o recorrente impugna a matéria de facto julgada provada sob o ponto 3, afirmando que procurou sempre ativamente alcançar uma renegociação das suas dívidas, efetuando pagamentos prestacionais e diminuindo assim o seu passivo (cfr. cls. w)). O recorrente impugna a factualidade julgada provada sob o ponto 5, na medida em que a medida de coação de suspensão de funções foi revogada antes da prolação daquele acórdão, não o tendo sido em virtude do seu não trânsito em julgado, não havendo qualquer suporte probatório para o efeito ( cfr. cls. x)). Por sua vez, o recorrente impugna a matéria de facto julgada provada sob o ponto 8, por entender que o que resulta do relatório elaborado ao abrigo do disposto no artigo 155º do CIRE é que se perspetivava, e sucedeu, a apreensão de quantias monetárias a favor da massa insolvente, estando a massa habilitada com a quantia de 5.889,55€ ( cfr. cls. y)). O apelante impugna a factualidade julgada provada sob o ponto 11, por achar que tal factualidade não se retira de qualquer documento junto aos autos, razão pela qual deveria a mesma ser considerada como não provada por ausência absoluta de prova (cfr. cls. z)). Por fim, o apelante impugna a matéria de facto sob o ponto 12, ancorando-se nos documentos n.ºs 33 e 36 juntos pela credora EMP01..., no apenso de reclamação de créditos (a saber: a sentença proferida no processo n.º 179/15.7T9FAF e respetivo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães), alegando que esta credora conhecia aquele crédito e, conscientemente, nada alegou no seu requerimento de oposição ao deferimento liminar de exoneração do passivo. Mais adianta que este conhecimento, por maioria de razão se entende ao Sr. A.I. Que dizer? O tribunal recorrido, nos referidos pontos de facto nºs 2, 3, 5, 8, 11 e 12 considerou provado que: . “A data de incumprimento do crédito reclamado pelo credor, EMP02... STC, S. A. ocorreu em 21.07.2019 e em relação ao incumprimento do crédito reclamado pelo credor, EMP03..., S. A. o mesmo verificou-se no dia 05.02.2019.” (facto provado nº2); . “Desde 2019 até 2022, o passivo do insolvente aumentou em 39.069,49€, encontrando-se, todavia, o crédito de EMP04... SA declarado extinto por prescrição.” (facto provado nº3); . “Entretanto e em face do não trânsito em julgado da decisão referida sob 1, o insolvente voltou ao ativo auferindo um rendimento mensal de € 1200,00”. (facto provado nº5); . “Do inventário constante do relatório do Sr. A.I. nos termos do art. 155º do CIRE consta a impossibilidade de apreensão de quaisquer bens”. (facto provado nº8); . “No processo nº 2381/14.0 T8GMR foi reconhecido ao insolvente um crédito no montante de € 4301,70 tendo o mesmo sido homologado por sentença, sendo que ainda se encontra pendente um recurso intentando pelo aqui insolvente relativo ao despacho de exoneração do passivo restante da ali devedora.” (facto provado nº11); . “O insolvente não informou o Sr. A.I. da existência deste crédito, o qual só teve conhecimento do crédito reclamado pelo insolvente no processo n.º 2381/14.0T8GMR com a notificação com a referência n.º ...16, de 14 de dezembro de 2023”. (facto provado nº12); Na respetiva motivação da decisão de facto, o tribunal a quo deixou adrede consignado que «Relativamente aos meios de prova atendíveis, os mesmos resultam do requerimento do Sr. A.I. sob ref. ...70 relativamente aos factos ali contidos. (…) O facto 2 tem por base o requerimento sob ref. ...70, de 02/06/2023, o qual vem acompanhado da reclamação de créditos do referido credor, sendo que no apenso A., tal crédito veio a ser reconhecido por sentença já transitado em julgado. Ainda do requerimento de 09/06/2023 acompanhado de certidões judiciais pode concluir-se que, resulta do requerimento injuntivo instaurado em 29.06.2017 e da sentença proferida em 28.05.2018 na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias que sob o n.º 64170/17.8YIPRT correu termos no Juízo Local Cível de Vila Real - Juiz ..., o incumprimento contratual ocorreu em 28.03.2017, tendo o Insolvente sido condenado a pagar à ali Credora “o montante de € 2.930,88 (dois mil, novecentos e trinta euros, oitenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, calculados à taxa contratualmente prevista e contados desde 28/03/2017 até integral e efectivo pagamento”. Posteriormente, acordaram a Credora e o Insolvente a liquidação do valor em dívida em 26 prestações mensais e sucessivas, com início a 05.07.2018, tendo acordado igualmente que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações nos termos acordados, determinaria que o acordo ficaria sem efeito, podendo a Banco 1... intentar de imediato a competente execução de sentença, caso em que seria devido o valor peticionado na injunção, acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa anual de 20,700%, até efectivo e integral pagamento, deduzidos os pagamentos eventualmente efectuados. Tal acordo veio a ser incumprido pelo ora Insolvente em Fevereiro de 2019 (apenas pagou 7 das 26 prestações acordadas), tendo a ora Credora consequentemente instaurado a execução respectiva (P. 1976/20.7T8CHV, Juízo de Execução de Chaves). As certidões judiciais têm valor probatório pleno estando assim subtraídas à livre apreciação do julgador. Sobre o facto nº3, há que atentar que o volume de créditos reconhecidos – sublinhe-se por decisão transitada em julgado – ascende a € 48.338,42. Sucede que em 2019 está demonstrado o incumprimento dos créditos de Banco 2... e Banco 1..., EMP01..., os quais resultam integralmente do apenso A e do acórdão ali proferido em 30/03/2023. De salientar que o crédito de EMP04..., SA foi declarado extinto por prescrição, mas indica que nessa altura o insolvente também entrou em incumprimento relativamente a esta obrigação que por efeito da prescrição operada se tornou inexigível. Da diferença entre o valor desses créditos e do valor reclamado é que o Tribunal retira a conclusão constante sob 3. Tal tem a nosso ver, relevo porquanto, a sua realidade económica e financeira em 2019 já era de débil e insuficiente, e ainda assim o insolvente continuou sem qualquer melhoria até à apresentação à insolvência, o que só veio a fazer em 2022 (…). Os factos 5 e 6 resultam ainda do documento junto pelo insolvente no seu requerimento junto aos autos atestando a sua atual situação económico-financeira, isto em 21/11/2023 (ref. ...55). Sendo que tais factos não foram impugnados, aplicam-se as regras do processo civil, assim os mesmos devem ser julgados provados, acrescendo que foi junto recibo de vencimento atual, o qual foi emitido por autoridade pública, pelo que não nos merece qualquer reserva quanto à sua veracidade. (…). O facto 8 extrai-se do referido relatório e que está junto aos autos, a nosso ver esta remissão é mais do que suficiente, atenta a ausência de bens apreendidos o que decorre dos autos (…). E também o facto 11 resulta do requerimento junto pelo aqui insolvente em 08/01/2024 sob ref. ...32 onde se pronuncia expressamente sobre a questão suscitada, e que apesar de alegar que já tinha sido proferido despacho de exoneração, como decorre do ali processado o mesmo não transitou em julgado, e como tal não era definitivo como ainda não o é à data da prolação do presente despacho, mantendo-se em aberto a hipótese de permanecer um crédito exigível. Ora além de não existir qualquer menção na petição inicial à existência desse crédito, o mesmo é ainda confirmado no requerimento do Sr. A.I. de 05/01/2024 (ref. ...96) constando ainda certidão da decisão proferida no processo nº 2381/14.0 T8GMR, junta em 22/01/2024, ref. ...91. O facto 12 deriva do requerimento do Sr. A.I. sob ref. ...96, sobressaindo ainda que o credor opoente disse não ter tido conhecimento anterior da existência daquele crédito, como expressamente decorre do facto provado. (…) Como já defendemos, todos estes factos resultam de elementos constantes do processo e como tal, atenta a sua natureza probatória, não dependem da convicção do julgador, fazendo prova plena dos factos que atestam. Na verdade, a nosso ver terão sempre de se considerar provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.». Ora, analisando os elementos constantes dos autos, mormente os aludidos suportes documentais, e ponderando a respetiva interpretação, não se nos afigura, por isso, desajustado o posicionamento assumido pelo juiz a quo, ao considerar demonstrada, nos moldes em que o fez, a materialidade plasmada nos mencionados pontos nºs 2, 3, 5, 8, 11 e 12 dos factos provados. Na verdade, todos estes factos impugnados resultam dos documentos a que se faz alusão na transcrita motivação da decisão de facto, os quais, atenta a sua natureza probatória, de documento autêntico ou autenticado, fazem prova plena da materialidade que atestam, enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa, o que não ocorreu no presente processo. Daí que não se vislumbre razão bastante para divergir do sentido decisório trilhado pelo julgador de 1ª instância relativamente a essa facticidade, já que nenhuma argumentação consistente foi aportada aos autos no sentido de desconstruir a motivação adrede tecida na decisão recorrida. Com efeito, para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação da “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[9]. De qualquer modo, não obstante se garantir no atual sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607º, nº 5, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)” Assim sendo, não há motivo para concluir que o tribunal de que provém o recurso, ao decidir julgar provada à facticidade vertida nos referidos pontos de facto impugnados, tenha incorrido – por violação das regras da ciência, da lógica ou da experiência – em qualquer error in iudicando, por erro na avaliação das provas. Dito doutro modo, a convicção que esta Relação delas extrai, coincide com a convicção da 1ª instância. Inexiste, pois, razão válida para a impetrada alteração da materialidade plasmada nos pontos de facto em causa (nºs 2, 3, 5, 8, 11 e 12 dos factos provados). *** III. FUNDAMENTOS DE DIREITOO apelante insurge-se contra o despacho recorrido, por entender que, ao invés do que nele se afirmou, os elementos constantes dos autos não legitimam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante que formulou no âmbito do presente processo insolvencial. Como se viu, o insolvente impugnou a matéria de facto provada, a qual não mereceu provimento, sendo que o mesmo afirmou nas alegações de recurso que, ainda assim, os factos dados como provados não são suficientes para integrar qualquer causa de indeferimento liminar do presente incidente. A questão que se coloca consiste, deste modo, em apreciar se estão, ou não, reunidos os requisitos para proferir despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, com os fundamentos contemplados nas als. d) e g) do nº 1 do art. 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[10] (aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18.03, com as alterações introduzidas pelos DL nº 116/2008, de 04.07, DL nº 185/2009, de 12.08, Lei nº 16/2012, de 20.04, DL 79/2017, de 30.04, DL n.º 87/2024, de 07/11, DL nº 57/2022, de 25/08 e Lei nº 9/2022, de 11/01). Como é sabido, a exoneração do passivo restante constitui um benefício concedido ao devedor pessoa singular declarado insolvente, cujo regime consta dos arts. 235º a 248º. O caráter inovador do instituto no nosso ordenamento jurídico mereceu do legislador, no preâmbulo do referido DL nº 53/2004, de 18.03 a seguinte referência: “[o] princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da ‘exoneração do passivo restante’. O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. A efetiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta reta que ele teve necessariamente de adotar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”. Mais adiante o legislador enfatiza ainda que este instituto não se destina ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, quando observa que “a aplicação deste regime é independente da de outros procedimentos extrajudiciais ou afins destinados ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, designadamente daqueles que relevem da legislação especial relativa a consumidores”. Em concretização do assinalado propósito, postula o art. 235º que “[s]e o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo”. No regime criado, confrontamo-nos, pois, com dois interesses fundamentais (e antagónicos entre si) a ponderar: por um lado, o interesse dos credores, que pretendem, naturalmente, reaver os seus créditos; por outro lado, o interesse do insolvente (seja ou não titular de uma empresa) em libertar-se do passivo que não seja integralmente liquidado no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. Como este resultado é conseguido à custa dos credores, importa, por isso, seguir com especial atenção a lisura do comportamento do devedor e a sua boa-fé, visto que a medida em causa, gravosa quanto àqueles, só se compreende à luz da ideia de que o insolvente deseja orientar a sua vida de modo a não se envolver de novo em situações similares. Neste contexto - procurando conciliar os apontados interesses antagónicos[11] - a lei estabelece limites que passam, designadamente, pelo indeferimento “liminar[12]” do pedido de exoneração (art. 238º) e pela cedência do rendimento disponível aos credores (art. 241º), com o que se visa minorar o prejuízo destes e de responsabilizar o devedor pelo cumprimento, na medida do possível, das suas obrigações. Portanto, a atribuição do benefício depende da verificação de um conjunto de requisitos de natureza processual e substantiva que, como refere CARVALHO FERNANDES[13], são dominados pela “preocupação de averiguar se o insolvente pessoa singular, pelo seu comportamento, anterior ao processo de insolvência ou mesmo no curso dele, é merecedor do benefício que da exoneração lhe advém”. Destaca, ainda, o mesmo autor[14] o “caráter judicial da medida” e que “a exoneração efetiva não decorre imediatamente da liquidação da massa insolvente como seria próprio de um sistema de fresh start. Bem pelo contrário, implica um período subsequente ao encerramento do processo, de três anos, durante o qual os rendimentos do devedor, com exceção de valores, não muito generosos, destinados a garantir a sua base de vida familiar e profissional, vão ficar afetados ao pagamento dos créditos não satisfeitos no processo de insolvência, mediante cessão a um fiduciário. Este ponto é tanto mais significativo quanto é certo que na pendência do período de cessão são impostas ao devedor severas obrigações e um comportamento correto, cuja inobservância impede a efetiva exoneração (arts. 243º e 244º), sem prejuízo da afetação, já feita, dos seus rendimentos”. O procedimento em causa desenvolve-se fundamentalmente em duas fases: o despacho inicial e o despacho de exoneração. O pedido de exoneração do passivo restante tem que ser formulado pelo devedor, conforme decorre do art. 236º. Segue-se a fase do contraditório, dando-se a possibilidade dos credores e administrador da insolvência se pronunciarem sobre o pedido (art. 236º, nº 4), após o que o juiz profere o despacho liminar, nos termos dos arts. 237º e 238º, designado como despacho inicial. O segundo despacho – despacho de exoneração – determina a concessão definitiva da exoneração, decorrido o prazo de três anos e verificando-se o cumprimento das obrigações constantes do despacho inicial (art. 244º). Postas tais considerações, analisaremos, então, esta concreta questão que é trazida à apreciação deste Tribunal de recurso, que se traduz em reapreciar os fundamentos do despacho que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor com o requerimento de apresentação à insolvência. Cumpre, desde logo, atender de modo particular à função e natureza deste despacho, bem como ao critério de avaliação das circunstâncias que podem justificar o indeferimento e que se mostram tipicamente estabelecidas no já citado art. 238º. Da exegese deste normativo emerge que os fundamentos de indeferimento assumem natureza processual (alínea a)) ou natureza substantiva (alíneas b) a g)), sendo que em relação a estes últimos podem os mesmos serem enquadrados em três categorias[15]: . comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram – alíneas b), d) e e); . situações ligadas ao passado do insolvente – alíneas c) e f); . condutas adotadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência - alínea g). A respeito da natureza e função deste despacho a doutrina[16] tem defendido e a jurisprudência acolhido, que uma vez que os requisitos apresentados por lei obrigam à produção de prova e a um juízo de mérito por parte do juiz, o despacho em causa visa aferir o preenchimento de requisitos substantivos, que se destinam a perceber, se o devedor merece que uma nova oportunidade lhe seja dada. Ainda não é a oportunidade de iniciar a vida de novo, liberado das dívidas, mas a oportunidade de se submeter a um período probatório que, no final, pode resultar num desfecho que lhe seja favorável. Sendo certo que esse desfecho favorável depende totalmente da sua atuação. Portanto, com esse escopo, numa fase inicial do procedimento cumprirá ao juiz aferir se o comportamento anterior ou atual do devedor foi pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência (als. b), d), f) e g) do nº1 do art. 238º); não tenha um passado recente (nos 10 anos anteriores) de insolvência e correspondente exoneração do passivo restante (al. c) do nº1 do art. 238º); e não tenha tido culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência (al. e) do nº1 do art. 238º). Na economia deste normativo as causas aí taxativamente enumeradas como fundamentos de indeferimento assumem, pois, natureza de factos impeditivos do direito à exoneração do passivo restante, na justa medida em que definem, pela negativa, os requisitos de cuja verificação depende essa exoneração. Daí que, conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência maioritária[17] – que igualmente acolhemos –, ao requerente que pretenda aceder ao procedimento bastará alegar a qualidade de insolvente e fazer constar do requerimento a declaração expressa do n.º 3 do art. 236º, cabendo aos credores e ao administrador da insolvência alegar e provar os factos e circunstâncias mencionadas nas aludidas alíneas, enquanto factos impeditivos do direito (art. 342.º, n.º 2 do Cód. Civil), sem prejuízo do princípio do inquisitório (art. 11º). Como se viu, no caso sub judicio, nessa apreciação liminar o decisor de 1ª instância considerou existir fundamento para o indeferimento por verificação das situações contempladas nas mencionadas als. d) e g). O apelante insurge-se contra esta decisão argumentando que não estão verificados os requisitos cumulativos exigidos para a verificação do fundamento de indeferimento liminar previsto no artigo 238º, n.º 1, alínea d). Sustenta que não se retira da factualidade julgada provada qualquer um dos requisitos referidos no artigo 238º, nº 1, alínea d), que, sendo cumulativos, é suficiente a não verificação de um deles para que se imponha a prolação de decisão que defira liminarmente o pedido de exoneração. Argumentando, da mesma forma, que da factualidade constante dos autos também não se retira a violação de qualquer dever de informação e/ou colaboração, não se encontrando, assim, demonstrada a previsão ínsita na alínea g) do nº 1 do artigo 238º. Apreciemos, então, os fundamentos que o apelante invoca em suporte da sua pretensão recursória. O primeiro fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração fundou-se na al. d) do nº 1 do art. 238º, ou seja, na tardia apresentação à insolvência e consequente prejuízo causado aos credores, por esse motivo. Postula o referido preceito que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se “[o] devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica”. Integram-se na previsão da norma os comportamentos do devedor que, sendo relativos à sua situação de insolvência, para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram. O indeferimento, neste caso, pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: . que o devedor tenha incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência; . que a tardia apresentação cause prejuízo em qualquer dos casos para os credores; e, . sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Conforme vem sendo sustentado pela doutrina e jurisprudência claramente maioritárias[18], o fundamento em causa apenas se verifica quando estão preenchidos cumulativamente os três requisitos, de tal forma que basta não se verificar um deles para se entender que o devedor está em condições de poder beneficiar da medida de exoneração do passivo restante. E se inicialmente se anotou alguma divergência na jurisprudência[19]a respeito do ónus da prova de tais requisitos, presentemente vem-se entendendo, praticamente una voce, que recai sobre os credores e o administrador da insolvência o ónus da prova dos prejuízos sofridos com o atraso na apresentação do devedor à insolvência, por tal realidade - como já anteriormente se deu nota - constituir um facto impeditivo ou extintivo do direito do devedor[20]. Passando à análise dos referidos requisitos, verificamos que no preceito em questão se estabelece um distinguo entre duas situações: a do devedor ter incumprido o dever de apresentação à insolvência e a de, não estando obrigado a tal apresentação[21], da mesma se ter abstido nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência. Considerou-se no despacho recorrido que: “Segundo a lei para haver indeferimento liminar nos termos do art. 238º, nº1, al. d) do CIRE exige-se 3 requisitos: a sua não apresentação atempada à insolvência (neste caso 6 meses seguintes à situação de insolvência); o prejuízo para os credores; e o conhecimento ou desconhecimento com culpa grave, por parte do devedor, da inexistência de qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. O primeiro requisito, face à data dos incumprimentos e data da instauração do processo de insolvência o mesmo não oferece dificuldades. No tocante ao segundo, cfr. o Ac. TRG de 30 de Abril de 2009 (Raquel Rego) e Ac. do TRP de 14 de Janeiro de 2014 (Pedro Lima da Costa) pode ler-se neste último o prejuízo para os credores de que trata o art. 238º, nº1, al. d) do CIRE é o que resulta do capital de dívidas contraídas pelo devedor em período posterior ao momento em que a sua insolvência está consolidada e/ou que resulta de dissipação de património pelo devedor nesse mesmo período, reduzindo a garantia patrimonial de todos os credores ou a garantia patrimonial de alguns credores que não está autorizado a preterir nessa dissipação. Assim porque desde os incumprimentos de 2019 o devedor ainda aumentou o seu passivo contraindo novas dívidas podemos dizer que tal requisito também está preenchido. Quanto ao terceiro requisito o mesmo é geralmente reconduzido à inexistência ou insuficiência de bens. Mas deve exigir-se um nexo de causalidade entre a não apresentação à insolvência e o prejuízo para os credores. O terceiro requisito deverá ser visto como a circunstância que faz os outros assumirem relevância qualificada. Impõe-se questionar se com o dito processo crime em curso o arguido não poderia encarar seriamente a possibilidade de melhoria da sua situação económica. Todavia o mesmo alega que, esta expectativa era tanto mais legítima atendendo a que, o insolvente nunca poderia equacionar sem mais, que o processo crime em causa se prolongasse no tempo da forma como se veio a prolongar, bem como nunca poderia equacionar o aparecimento posterior do vírus Sars-CoV-2 (Covid 2019), e a sua classificação como pandemia pela OMS. Situação que se prolongou por cerca de 3 anos, com implicações nomeadamente nos processos judiciais em curso. Como resulta da informação dos autos, a referida decisão não transitou em julgado podendo admitir-se os vários cenários possíveis dessa situação processual, ainda assim teve já reflexos na sua situação profissional e conducentes à sua insolvência. Ou seja, naturalmente que não se podendo tirar nenhuma ilação da aludida condenação em primeira instância, já o mesmo não se pode dizer da medida de coação e das efetivas repercussões na sua vida profissional, o que comprometeu as possibilidades de os já reconhecidos credores verem o seu prejuízo minimizado. E aqui de facto o avolumar do passivo impõe reservas na concessão benefício que ora vem requerido. Pelo exposto, devemos relevar o teor dos factos 2 e 3, e neste contexto impõe-se concluir que o insolvente agravou a respetiva situação de insolvência, assumindo compromissos financeiros sem que dispusesse ou perspetivasse dispor de rendimentos suficientes para os honrar, agravando a posição dos credores, pelo que se se apresentasse mais cedo o valor das dívidas não seria tão elevado e não teria contraído parte das dívidas, o que determina o indeferimento do pedido de exoneração, na medida em que “não podem beneficiar do regime de exoneração do passivo restante, de carácter excecional, os que pura e simplesmente contraíram dívidas para as quais sabiam não ter meios de as pagar por estarem acima das suas possibilidades económicas, com prejuízo para os credores” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-11-2010, Processo n.º 570/10.5TBMGR-B.C1, inwww.dgsi.pt). É que mesmo com os atuais rendimentos o ressarcimento daquele passivo não se afiguraria possível. Sendo que, de toda a situação criada ao nível profissional e ao nível das suas dívidas para com terceiros a verdade é que no momento pré-insolvencial não se pode concluir pela irrepreensibilidade das suas condutas as quais levaram de facto a esse desfecho com o prejuízo inexorável dos seus credores. Neste momento aquilo que o insolvente se propõe é a obtenção de um benefício e não da reparação dos credores e daí que embora relevante a melhoria da sua situação profissional e de obtenção de rendimentos não preclude a referida conduta pré-insolvencial”. Nas conclusões de recurso o apelante insurge-se contra tal segmento da decisão alegando essencialmente que: (i) Dos factos julgados provados não resulta a verificação do 1º requisito previsto no artigo 238º, n.º 1, alínea d), do CIRE, o que tanta basta para que não se possa indeferir liminarmente o pedido. (cfr. cls g)); (ii) Ainda que assim não se entendesse, da factualidade julgada provada também não se consegue extrair qualquer prejuízo, concreto, efetivo e real, para os credores, não permitindo concluir que o aqui recorrente, contraiu novas dívidas após o prazo de 6 meses contado a partir do momento em que se encontrou numa situação de insolvência. (cfr. cls h)); (iii) Alias, da matéria de facto julgado provada, conjugada com os apensos C e E, é possível atestar que o recorrente nunca ficou sem auferir rendimento de trabalho e foi pagando parte das suas dívidas. (cfr. cls i)); (iv) Dos factos provados não é possível alcançar um nexo de causalidade entre a não apresentação atempada e um prejuízo para os credores e que o devedor não podia perspetivar qualquer melhoria séria da sua situação económica. ( cfr. cls. k). Em abono da sua tese o apelante alega que resulta da factualidade provada que, apesar do passivo do devedor ter aumentado entre o ano de 2019 e 2022 resulta, igualmente, da factualidade provada que o salário do devedor também aumentou significativamente e novamente em data recente, conforme refere resultar do documento 1 que se juntou com o presente recurso. Termina, a este propósito, concluindo que não está, também, assim, preenchido o 3º e último requisito imposto por lei para efeitos de indeferimento liminar de exoneração. (cfr. cls. m). Não lhe assiste, contudo, razão. De facto, como consta dos pontos nºs 2 e 3 dados como assentes, a data de incumprimento do crédito reclamado pelo credor, EMP02... STC, S. A. ocorreu em 21.07.2019 e em relação ao incumprimento do crédito reclamado pelo credor, EMP03..., S. A. o mesmo verificou-se no dia 05.02.2019, sendo que, desde a data de 2019 até 2022, o passivo do insolvente aumentou em 39.069,49€, encontrando-se, todavia, o crédito de EMP04..., SA, declarado extinto por prescrição. Por sua vez, como resulta do teor do facto nº 4, com a suspensão do exercício de funções o insolvente deixou de beneficiar de vários suplementos remuneratórios, daí que o seu rendimento mensal líquido tenha diminuído cerca de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), sendo à presente data de aproximadamente €780,00 (setecentos e oitenta euros). Acresce que da factualidade dada como provada sob o nº 7, por sentença transitada em julgado foram reconhecidos créditos nos presentes autos que ascendem a um passivo total de € 48 338,42, sendo que do inventário constante do relatório do Sr. A.I., nos termos do art. 155º, consta a impossibilidade de apreensão de quaisquer bens e que na petição inicial o devedor declarou não ser titular de quaisquer bens, nem apresentou relação de bens ( cfr. factos provados nºs 8 e 9). Ora, considerando o montante do rendimento que o recorrente mensalmente auferia (€780,00), que não é detentor de qualquer património e que o seu passivo ascendia ao valor de €39.069,49, afigura-se-nos claro que o mesmo já se encontrava em situação de insolvência - tal como esta é legalmente caracterizada no art. 3º, nº 1 -, dado o estado de (manifesta) impossibilidade de pontual cumprimento das suas obrigações vencidas em face da notória desproporção entre as situações jurídicas ativas e passivas que, então, se registava na sua esfera jurídica patrimonial. É certo que nos pontos dados como assentes sob os nºs 5 e 6, o insolvente voltou ao ativo auferindo um rendimento mensal de €1.200,00 e que a este rendimento mensal do insolvente, somam-se os serviços remunerados que os militares da GNR prestam, e que, no Posto Territorial ..., onde o insolvente presta funções, rondam em média os € 600,00 mensais, valor que acresce ao seu salário base. No entanto, este aumento de rendimento mensalmente percebido pelo recorrente revela-se manifestamente insuficiente para atenuar a aludida diferença entre as situações jurídicas ativas e passivas que se verificavam na sua esfera jurídica patrimonial. Encontra-se, por isso, preenchido o primeiro requisito a que se alude na alínea d) do nº 1 do art. 238º. Como decorre do preceito em análise, apenas se justifica o indeferimento se do atraso na apresentação à insolvência, resultar prejuízo para os credores e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. A respeito da interpretação deste requisito a jurisprudência[22], depois de alguma hesitação, vem defendendo que o conceito de prejuízo pressuposto no normativo em causa consiste num prejuízo diverso do simples vencimento dos juros - que são consequência normal do incumprimento gerador da insolvência -, tratando-se antes dum prejuízo de outra ordem, projetado na esfera jurídica do credor em consequência da inércia do insolvente, consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período que dispunha para se apresentar à insolvência. A este propósito o acórdão do STJ de 3 de novembro de 2011[23](que se debruçou sobre a questão em sede de recurso de revista excecional) aponta um critério de interpretação que não podemos ignorar, pelo facto de ponderar os vários interesses em presença, a especial natureza do processo e o fim que se visa alcançar com o incidente de exoneração do passivo restante. Como se escreve nesse aresto “tal prejuízo deve entender-se como abrangendo qualquer hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada pelo atraso na apresentação à insolvência, desde que concretamente apurada, em cada caso. Em primeiro lugar, porque é o que resulta da letra da lei, que liga causalmente o prejuízo ao atraso na apresentação, por referência ao prazo de seis meses. Restringir a sua aplicação às hipóteses em que o devedor contraiu novas dívidas ou dissipou o património significa encontrar outra causa do prejuízo. Em segundo lugar, porque não resulta da ratio do instituto da exoneração do passivo restante que se deva adoptar a interpretação defendida pelos recorrentes: a consideração equilibrada do interesse dos credores – protegidos pelo processo de insolvência, como se disse – e dos devedores – que o regime da exoneração beneficia – obriga a exigir como condição deste benefício uma actuação que também objectivamente tenha acautelado os interesses daqueles, traduzida numa apresentação à insolvência em tempo oportuno. Não é suficiente que o devedor não tenha dissipado o património, contraído “mais e mais dívidas”, andado a “meter para o bolso”, para usar as expressões constantes das alegações dos recorrentes; basta recordar que o pedido de exoneração pode ser indeferido mesmo que a insolvência seja apenas fortuita, como se disse já (cfr. as causas de insolvência culposa, constantes do nº 1 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), para concluir pela incorreção desta restrição”. Na esteira deste posicionamento jurisprudencial, conclui-se, assim, que o requisito pressupõe a verificação de um prejuízo concreto, relacionado com o atraso na apresentação à insolvência, mas tal prejuízo deve entender-se como abrangendo qualquer hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada pelo atraso na apresentação à insolvência. Nas palavras expressivas do já citado acórdão desta Relação de 9 de maio de 2019, “o prejuízo que a norma tem em vista na sua previsão é um dano distinto ou acrescido, que resulte precisamente da não apresentação à insolvência e se some aos danos que independentemente desta, sempre ocorreriam. Um dano que sobrevenha de um comportamento censurável do devedor, traduzindo um desprezo pela posição dos credores e que dificulte mais a posição destes no que tange à obtenção do pagamento”. Ponderando os factos apurados, verifica-se que, neste conspecto, a decisão do juiz a quo não merece censura, pois não se limitou a presumir o prejuízo devido, meramente, ao lapso de tempo decorrido entre o momento em que o devedor se tornou insolvente (início de 2019) e a data em que se apresentou à insolvência (02.07.2022). De facto, como emerge da materialidade apurada (cfr. pontos nºs 4, 5, 10, 11 e 12), no período de cerca de dois anos e meio que mediou entre esses dois momentos, o devedor, para além de ver agravada a sua situação económica em resultado de ter deixado de auferir rendimentos provenientes de atividade remunerada, contraiu novas dívidas de montante consideravelmente elevado, reduzindo, assim, a garantia patrimonial de todos os credores. Por conseguinte, mostra-se legítima a conclusão de que com o atraso na apresentação à insolvência causou prejuízo aos credores motivado pela diminuição das posições patrimoniais ativas de que era titular, porquanto o descrito substrato factual aponta, razoável e objetivamente, no sentido de que não podia ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica[24] que, ao invés, sofreu no período intercorrente uma notória variação negativa, sendo que a inexistência de qualquer perspetiva desse tipo deve ter-se por verificada, designadamente, quando exista, como é o caso, insuficiente fonte de rendimento e, para lá disso, existirem consideráveis dívidas acumuladas. O prejuízo causado aos credores com o atraso na apresentação à insolvência é pois efetivo e real, posto que, em resultado dessa inércia, viu reduzidos os bens suscetíveis de entrar na liquidação comum, para garantir o pagamento a todos os credores, ainda que de forma proporcional, sendo certo que, sob um ponto de vista objetivo, nada fazia antever que a situação patrimonial do insolvente se alterasse positivamente. A este propósito o julgador de 1ª instância escreveu: “Pelo exposto, devemos relevar o teor dos factos 2 e 3,e neste contexto impõe-se concluir que o insolvente agravou a respetiva situação de insolvência, assumindo compromissos financeiros sem que dispusesse ou perspetivasse dispor de rendimentos suficientes para os honrar, agravando a posição dos credores, pelo que se se apresentasse mais cedo o valor das dívidas não seria tão elevado e não teria contraído parte das dívidas, o que determina o indeferimento do pedido de exoneração, na medida em que “não podem beneficiar do regime de exoneração do passivo restante, de carácter excecional, os que pura e simplesmente contraíram dívidas para as quais sabiam não ter meios de as pagar por estarem acima das suas possibilidades económicas, com prejuízo para os credores” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-11-2010, Processo n.º 570/10.5TBMGR-B.C1, in www.dgsi.pt). É que mesmo com os atuais rendimentos o ressarcimento daquele passivo não se afiguraria possível. Sendo que, de toda a situação criada ao nível profissional e ao nível das suas dívidas para com terceiros a verdade é que no momento pré-insolvencial não se pode concluir pela irrepreensibilidade das suas condutas as quais levaram de facto a esse desfecho com o prejuízo inexorável dos seus credores. Neste momento aquilo que o insolvente se propõe é a obtenção de um benefício e não da reparação dos credores e daí que embora relevante a melhoria da sua situação profissional e de obtenção de rendimentos não preclude a referida conduta pré-insolvencial.” E não poderíamos estar mais de acordo. Com efeito, era evidente que o insolvente já se encontrava em situação de insolvência desde 2019, posto que desde essa data deixou de cumprir as suas obrigações vencidas e é a partir dessa data que o insolvente reconhece as suas dificuldades em cumprir as obrigações vencidas; O devedor não se apresentou à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência; A não apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à sua verificação causou prejuízos para os credores; O insolvente sabia ou, pelo menos, não podiam ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Efetivamente resulta dos autos que o recorrente entre 2019 e 2022 agravou as possibilidades de solver as suas dívidas e consequentemente o facto de este não se ter apresentado à insolvência nos 6 meses, após a sua verificação, prejudicou os seus credores através de um efetivo e significativo aumento (atenta a sua parca condição económica) do seu passivo patrimonial, logo, nos termos da 2.ª parte da al. d) do nº 1 do artigo 238º do CIRE, não lhe poderia ter sido deferido a exoneração do passivo restante. É inequívoco que o recorrente já desde 2019 se encontrava impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, situação esta que, aliás, é reconhecida pelo próprio recorrente quando, na sua petição inicial refere que “em finais do ano de 2018, o aqui requerente foi constituído arguido em processo-crime, que ainda corre termos sob o nº 1170/18.7JABRG. Situação que marcou o início de uma total reviravolta na sua vida, quer a nível financeiro, quer a nível profissional, quer mesmo a nível familiar. Com efeito, sendo o requerente militar da GNR, atenta a pendência do processo-crime supra identificado, viu as suas funções serem temporariamente suspensas, com um drástico impacto na sua remuneração mensal. Afetando desde logo o rendimento disponível do seu agregado familiar.” Verifica-se, assim, tal como assinalado pelo Juiz a quo, que foi no decurso do ano de 2019 que o recorrente incumpriu a generalidade das suas obrigações e entrou em estado de insolvência, designadamente porque foi nesse ano que os seus rendimentos foram drasticamente reduzidos como o próprio reconheceu, sendo que tinha conhecimento da sua impossibilidade em solver as suas dívidas, sem que sobre essa efetiva situação de insolvência tomasse qualquer posição. Veja-se o relatório elaborado pelo Sr. AI, nos termos do artigo 155º, do qual consta que: “Em dezembro de 2018, o insolvente foi constituído arguido no referido processo-crime, por vários crimes, nomeadamente de burla qualificada, no qual cumpriu pena de prisão preventiva de aproximadamente cinco meses (de 25/novembro/2019 a 23/abril/2020). O insolvente desde 29 de maio 2020 está suspenso do exercício de funções na Guarda Nacional Republicana, por ter sido constituído arguido no processo- crime n.º 1170/18.7JABRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães, Juiz ... e Com a suspensão do exercício de funções o insolvente deixa de beneficiar de vários suplementos remuneratórios, daí que o seu rendimento mensal líquido tenha diminuído cerca de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros), sendo à presente data de aproximadamente 780,00€ (setecentos e oitenta euros)”. Deste modo, é patente que o recorrente se absteve de apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, sabendo, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Na verdade, do relatório elaborado nos atermo do art. 155º extrai-se que o passivo vencido do apelante em 2019, ascendia ao valor de 15.000,00€, e os rendimentos líquidos por si declarados eram inferiores a tal montante, pelo que era previsível não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Aliás, é o próprio insolvente quem reconhece que, naquela data, “viu as suas funções serem temporariamente suspensas, com um drástico impacto na sua remuneração mensal”, referindo igualmente, nas suas alegações de recurso, que “a constituição do insolvente como arguido no processo crime 1170/18.7JABRG marcou de facto o início de uma reviravolta na sua vida, tendo sido suspenso do exercício de funções com diminuição do seu rendimento mensal líquido.” Deste modo, sabendo o insolvente que o seu rendimento anual ilíquido à data de 2019 já era manifestamente insuficiente para fazer face ao passivo que detinha, impõe-se a conclusão de que este não podia ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Torna-se assim percetível que, pelo menos desde 2019, com a suspensão das suas funções e a redução do seu rendimento, que o insolvente tinha consciência da insuficiência do seu património pessoal para fazer face a dívidas de qualquer valor. Este bem sabia que não auferia proventos que permitissem, sem a ajuda de terceiros, uma subsistência condigna. Assim, por muito que o apelante advogue que tinha intenção de satisfazer todos os créditos, a sua realidade económica e financeira em 2019 já era débil e insuficiente, como este expressamente reconheceu, e ainda assim o insolvente continuou sem qualquer melhoria até à atualidade. Destarte, mostram-se, assim, preenchidos os pressupostos normativos da citada alínea d), estando, nessa medida, justificado o despacho sob censura que, também com esse fundamento, indeferiu liminarmente o requerimento de exoneração do passivo restante. Improcedem, por conseguinte, as conclusões d) a t). * Tanto bastaria para justificar o indeferimento “liminar” do pedido de exoneração do passivo restante.Como quer que seja, iremos, ainda assim, apreciar o segundo fundamento de indeferimento que se fundou na al. g) do nº 1 do art. 238º, que se prende com a apontada falta de colaboração do devedor. Dispõe o aludido normativo que “[o] pedido de exoneração do passivo restante é liminarmente indeferido se o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência”. Resulta do transcrito inciso que o devedor que requer a exoneração não pode, no decurso do processo insolvencial, ter violado, de forma dolosa ou com culpa grave, os deveres de informação, apresentação e colaboração. Na densificação desses deveres haverá que ter em consideração o disposto no art. 83º, que no seu nº 1 impõe ao devedor um conjunto relevante de obrigações que, sob a designação genérica «deveres de apresentação e de colaboração», têm como denominador comum facultar aos órgãos da insolvência (maxime ao administrador da insolvência) e ao tribunal elementos de vária ordem para o exercício adequado das suas funções e o desenvolvimento do processo. Assim, por força da sua al. a), o devedor insolvente está vinculado a fornecer todas as informações relevantes de que disponha e que sejam relevantes para o processo, a pedido, quer dos órgãos da insolvência, quer do tribunal; o devedor está igualmente obrigado a prestar, ao administrador da insolvência, a colaboração por este requerida para o desempenho das suas funções (al. c)), estabelecendo-se ainda, na al. b), como dever meramente instrumental dos demais, a obrigação de apresentação pessoal do devedor, no tribunal, sempre que o juiz ou o administrador da insolvência o determinem. Para além disso, a citada al. g) do nº 1 do art. 238º exige igualmente que a violação dos enunciados deveres seja dolosa ou, pelo menos, que o devedor tenha agido com grave negligência. Como se sabe o dolo comporta um elemento cognitivo e um elemento volitivo. O insolvente atua com dolo quando representa um facto que preenche a tipicidade dos deveres a que está adstrito, mesmo que não tenha consciência da ilicitude: o insolvente atua dolosamente desde que tenha a intenção de realizar, ainda que não diretamente, a violação de um daqueles deveres e, por isso, mesmo que não possua a consciência de que a sua conduta é contrária ao direito. O dolo é intenção – mas não é necessariamente intenção com conhecimento da antijuridicidade da conduta. No que respeita à negligência, exige-se a grave negligência e não a negligência lato sensu. Esta existirá sempre que o devedor atue ou omita os deveres que lhe são impostos e equacionando sempre as suas capacidades individuais, a sua inteligência e a sua formação, a sua experiência de vida. Para a verificação da grave negligência não basta a verificação de um qualquer comportamento negligente, descuidado e imprevidente, exigindo-se um elevado grau de imprudência, intolerável e anormal, merecendo elevado grau de reprovação. Percebe-se a razão de ser destas exigências no âmbito do instituto da exoneração do passivo. É que, apresentando-se a exoneração do passivo como um instituto penalizador para os credores, exige-se ao insolvente que dele pretende beneficiar um comportamento conforme à boa-fé. A conduta do devedor insolvente é indiciadora da sua retidão e é pressuposto da possibilidade de beneficiar da exoneração do passivo e das vantagens que tal instituto proporciona. No caso vertente o decisor de 1ª instância considerou verificado este fundamento de indeferimento liminar em análise com a seguinte argumentação: “o devedor no seu requerimento inicial de apresentação à insolvência nada ter dito quanto ao crédito que lhe foi reconhecido no processo referido sob 11 dos factos provados. Impõe-se analisar a alínea g) do n.º 1 do art.º 238º. Esta alínea refere-se a deveres de informação, apresentação e colaboração que o CIRE impõe ao devedor no decurso do processo de insolvência e está directamente conexionada (até pela ordem a que se referem dos deveres) com o disposto no art.º 83.º do CIRE, em cujo n.º 1 se dispõe: “O devedor insolvente fica obrigado a: a) Fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal; b) Apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazer representar por mandatário; c) Prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções”. Esta norma integra o título que regula os efeitos da declaração de insolvência e, por isso, refere-se, na sua letra, ao devedor que já foi declarado insolvente. Não está, portanto, abrangido pela norma, o devedor que se apresenta à insolvência e o momento inicial da apresentação à insolvência. A “apresentação” a que se refere a alínea g) do n.º 1 do art.º 238º, é a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art.º 83º - a apresentação (…) determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência – e que, portanto, tem lugar, já no decurso do processo de insolvência. Por outro lado – e comprovando também que não está em causa o momento inicial de apresentação à insolvência - os deveres em causa têm como pressuposto uma solicitação do administrador da insolvência, da assembleia de credores ou da comissão de credores ou uma determinação do tribunal. No entanto, alguma jurisprudência tem considerado que a alínea g) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE, na parte em que se refere ao dever de informar, é amplo, abrangendo todo o processo de insolvência, desde a apresentação. Neste sentido: - o Ac. da RC de 19/10/2020, processo 6505/19.2T8CBR-E.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, constando do respectivo sumário que: A violação dos deveres de informação e colaboração que é susceptível de determinar – ao abrigo da alínea g) do nº 1 do art. 238.º do CIRE – o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo não ocorre apenas quando o devedor viola a obrigação expressamente prevista no art. 83º do citado diploma (não prestando a informação ou colaboração que lhe seja solicitada pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal); a violação daqueles deveres também ocorre quando o devedor, sem justificação, não junte algum dos elementos (de carácter informativo) que são exigidos pelo art. 24.º ou quando alegue factos referentes a essas matérias que não sejam verdadeiros, podendo ainda concluir-se pela violação desses deveres quando, de um modo geral, o devedor omita a alegação ou altere a verdade de factos relevantes com desrespeito pelos deveres de cooperação e boa-fé processual previstos nos arts. 7.º e 8.º do CPC. - o Ac. da RC de 30/03/2020, processo 2846/18.4T8VIS-D.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, em que o devedor, na petição inicial, declarou que estava dispensado de apresentar a relação de bens de que era proprietário, por não existirem e anexou à petição, declaração de que não possuía quaisquer bens móveis ou imóveis, quando se apura que tinha bens; - o Ac. da RG de 11/06/2015, processo 3546/11.1TBGMR-H.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que a devedora omitiu na petição a doação de um imóvel a um familiar, negócio que estava a ser impugnado; - o Ac. da RL de 20/02/2014, processo 757/13.9TJLSB.L1-8, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, em que o devedor, sem justificação, omite créditos na apresentação à insolvência; - o Ac da RL de 25/6/2013, processo 3365/12.8TJLSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl em cujo sumário consta: I – A falsa indicação, na relação a que alude o art. 24º, nº 1, a) do CIRE, da data de vencimento da quase totalidade dos créditos aí indicados, seguida da falta de esclarecimento, por duas vezes solicitado pelo tribunal, representa violação gravemente culposa dos deveres de informação e colaboração a que os devedores estão sujeitos; II – Tal violação constitui, nos termos da alínea g) do nº 1 do 238º do CIRE, fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante”. - o Ac. da RG de 18/01/2011, processo 5984/09.0TBBRG-E.G1, em cujo sumário consta: “ 3. A declaração, no requerimento dos devedores, de que não têm acções pendentes contra si, apesar de existir uma execução a correr termos contra os requerentes, em que estes deduziram oposição, constitui uma violação dos deveres de informação e colaboração a que se refere a alínea g) do nº1 do artigo 238º do CIRE, que é motivo de indeferimento do pedido de exoneração do passivo. - o Ac. da RP de 28/09/2010, processo 995/09.9TJPRT-F.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, em cujo sumário consta: “II - Preenche a previsão da alínea g) do n° 1 do art. 238° do C.I.R.E. a circunstância do devedor alegar, na petição inicial com que se apresenta à insolvente, a inexistência de bens susceptíveis de integrar a massa insolvente, o que não corresponde à verdade e bem assim a circunstância de, no decurso do processo, sem disso dar notícia nos autos, negociar com um seu credor novos contratos de mútuo para regularizar débitos anteriores (débitos que não foram por si relacionados), escamoteando a tal credor o facto de se ter já apresentado à insolvência”. Esta jurisprudência suscita algumas dificuldades (sobretudo aquela que considera que a alínea g) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE abrange o puro e simples não cumprimento do disposto no art.º 24º do CIRE, independentemente de haver prestação de falsas declarações, e que não acompanhamos) na medida em que: - a alínea g) do n.º 1 do art.º 238º está directamente conexionada com o disposto no art.º 83º, uma vez que o mesmo refere expressamente “no decurso do processo de insolvência”, o que tem o sentido de “após a decretação da insolvência” (o que agora parece sair reforçado pela alteração da alínea i) do n.º 2 do art.º 186º, ao referir-se expressamente ao art.º 83º, alteração essa da Lei n.º 9/2022, de 11/01); - a exoneração do passivo restante tanto se aplica ao devedor que se apresenta á insolvência como ao devedor contra quem é intentado processo de insolvência e que deduza oposição; só o primeiro tem de juntar os documentos do art.º 24º; o segundo só tem de juntar a lista dos cinco maiores credores; considerar que a alínea g) do n.º 1 do art.º 238º abrange o puro e simples não cumprimento do disposto no art.º 24º do CIRE gera uma situação de desigualdade entre os referidos devedores, sem que se vislumbrem razões que a justifiquem. Ora cremos que a omissão da indicação da existência daquele crédito configura uma violação da referida al. do art. 238º do CIRE, quer se entenda que a mesma deveria ter ocorrido logo aquando da petição inicial – como ativo da massa insolvente – quer ainda no decurso da mesma e em cumprimento do dever de colaboração ali imposto como Sr. A.I. mormente na elaboração do relatório previsto no art. 155º do CIRE. Assim sendo, e tudo visto e ponderado, decide-se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante – art. 238º, nº1, als. d) e g) do CIRE. Notifique.”. O apelante rebela-se contra esse segmento decisório sustentando que “os factos julgados provados em que o Tribunal recorrido assentou a verificação do artigo 238º, nº 1, alínea g), do CIRE, não foram alegados por qualquer credor, nem sequer pela credora oponente, nem pelo Sr. A.I.” e que “Não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 238º, n.º 1, alínea g), por referência ao artigo 24º, n.º 1, alínea e), ambos do CIRE, uma vez que aquando da apresentação à insolvência, o alegado crédito do aqui recorrente se encontrava extinto, por efeito da decisão que havia determinado a exoneração do passivo restante naqueles outros autos” (cfr. cls. o) e p)). Mais refere que “Ainda que assim não fosse, os recursos interpostos em momento posterior à apresentação de insolvência do recorrente não podem ser tidos em consideração para efeitos de imposição de indicação daquele crédito na sua petição inicial” (cfr. cls. q)). Por último, ainda a este propósito, conclui que “da factualidade constante dos autos também não se retira a violação de qualquer dever de informação e/ou colaboração, não se encontrando demonstrada a previsão ínsita na alínea g) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE”. Sucede, porém, que do elenco dos factos que o juiz a quo considerou provados para efeito de prolação do despacho objeto de impugnação, verifica-se que, efetivamente, dele consta materialidade atinente à alegada violação dos deveres informacionais. Com efeito, a violação dos deveres de informação e colaboração que é suscetível de determinar – ao abrigo da alínea g) do nº 1 do art. 238.º– o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo não ocorre apenas quando o devedor viola a obrigação expressamente prevista no art. 83º do citado diploma (não prestando a informação ou colaboração que lhe seja solicitada pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal), mas também ocorre quando o devedor, sem justificação, não junta algum dos elementos (de carácter informativo) que são exigidos pelo art. 24º ou quando alegue factos referentes a essas matérias que não sejam verdadeiros, podendo ainda concluir-se pela violação desses deveres quando, de um modo geral, o devedor omita a alegação ou altere a verdade de factos relevantes com desrespeito pelos deveres de cooperação e boa-fé processual previstos nos arts. 7º e 8º. Dispõe o art. 24º, nº 1, al. e) que a relação de bens que o devedor detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação se for o caso, valor de aquisição e estimativa do seu valor atual. Portanto, era assim dever do insolvente ter juntado, com a petição inicial que originou o presente processo, uma relação de bens, indicando a existência do crédito reclamado nos autos nº 2381/14.0 T8GMR, nos termos do citado art. 24º nº 1 al. e), razão pela qual ao omitir essa informação o recorrente sonegou a existência de património apreensível para a massa e insolvente. Logo, no caso sub judice, a omissão pelo recorrente da existência de um crédito é enquadrável na omissão de informação sobre a existência de património apreensível e consequentemente o seu comportamento omissivo preenche os requisitos da al. g), do nº1, do art. 238º, impondo-se, também com esse fundamento, o indeferimento liminar do pedido de exoneração restante. Destarte, entendemos, pois, que o despacho aqui em crise, não nos merece qualquer censura, pelo que deverá manter-se. Impõe-se, por isso, a total improcedência do recurso.” Atentas as razões alinhadas na decisão singular e ora transcritas, não se vislumbra razão válida para divergir do sentido decisório nela acolhido relativamente à concreta questão que nela foi objeto de apreciação. *** IV- DISPOSITIVO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo, pois, a decisão singular. Custas a cargo do reclamante, fixando-se a respetiva taxa de justiça em duas UCS. Notifique. Guimarães, 25.09.2025 Relatora: Maria Gorete Morais 1º Adjunto: Des. Gonçalo Oliveira Magalhães 2ª Adjunta: Desª. Maria João Marques Pinto Matos [1] Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in CIRE Anotado, 2013, pág. 39. [2] Cfr., por todos, Acs. do TRP, de 19.12.2012 (processo nº 3087/11.7TBVCD.P1), do TRG de 31.5.2012 (processo nº 1926/11.1TBBRG-G.G1) e do TRC de 20.06.2012 (processo nº 1933/11.4 TBACB-D.G1), neste último decidiu-se claramente: “O artigo 11º do CIRE é aplicável ao pedido de exoneração do passivo restante”, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [3] Cfr. Acórdãos do STJ de21/10/2010 e 19/04/2012, in www.dgsi.pt. [4] Neste sentido, Ac. da RP de 19.12.2012, Ac. do STJ de 14.3.2012, e Ac. RG de 06.03.2014, acessíveis em www.dgsi.pt. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in CIRE Anotado, 2013, pág. 39. [5]Cfr. ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pág. 6. [6] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 11. [7]ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, págs.184-185. ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, 2ª edição, Revista e Actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pág. 532. [8] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil , 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215. [9] Cfr., neste sentido, REMÉDIO MARQUES, Ação declarativa, à luz do Código Revisto, 3ª edição, págs. 638 e seguinte, criticando a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto. [10] Diploma a, doravante, atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [11] A doutrina tem, precisamente, ressaltado essa necessidade de equilíbrio entre a recuperação do devedor e a recuperação de créditos por parte dos credores como um dos pontos axiais do instituto – cfr., sobre a questão, LUÍS MARTINS, in Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, 2ª edição, Almedina, págs. 83 e seguintes, CATARINA SERRA, in Lições de Direito da Insolvência, 2019 (reimpressão), Almedina, págs. 559 e seguintes e ANA FILIPA CONCEIÇÃO, in A jurisprudência portuguesa dos tribunais superiores sobre exoneração do passivo restante – breves notas sobre a admissão da exoneração e a cessão de rendimentos em particular”, artigo disponível em www.julgar.pt. [12] Embora, como a este propósito tem sido sublinhado pela doutrina (cfr., sobre a questão, ASSUNÇÃO CRISTAS, Exoneração do passivo restante, in Themis, Edição Especial – Novo Direito da Insolvência, 2005, pág. 169 e MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 9ª edição, Almedina, pág. 288), as causas previstas na norma impossibilitam que se fale com propriedade em indeferimento liminar, uma vez que quase todas implicam a produção de prova e obrigam a uma apreciação de mérito. [13] In A exoneração do passivo restante na insolvência das pessoas singulares - Coletânea de Estudos sobre a Insolvência, Quid Juris, 2009, pág. 276. [14] Ob. citada, pág. 308. [15] Seguimos, neste ponto, a destrinça proposta por CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABARDEDA, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, págs. 854 e seguinte. [16] Cfr., por todos, ASSUNÇÃO CRISTAS, ob. citada, págs. 169 e seguinte e MENEZES LEITÃO, in Direito da Insolvência, 4ª edição, Almedina, pág. 318. [17] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 21.10.2010 (processo nº 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1), de 6.07.2011 (processo nº 7295/08.0TBBRG.G1.S1), de 21.01.2014 (processo nº 497/13.9TBSTR-E.E1.S1) e de 27.03.2014 (processo nº 331/13.0T2STC.E1.S1), acórdãos da Relação do Porto de 3.06.2014 (processo nº 212/14.0TJVNF.P1) e de 7.12.2017 (processo nº 195/12.0TBSJM.P1) e acórdão da Relação de Coimbra de 7.03.2017 (processo nº 2891/16.4T8VIS.C1), acessíveis em www.dgsi.pt. [18] Cfr., inter alia, na doutrina, CATARINA SERRA, ob. citada, págs. 561 e seguintes e LUÍS MARTINS, ob. citada, págs. 109 e seguintes; na jurisprudência, acórdãos da Relação do Porto de 18.11.2010 (processo nº 1826/09.5TJPRT-E.P1) de 19.05.2010 (processo nº 1634/09.3TBGDM-B.P1) e de 21.10.2010 (processo nº 3916/10.2TBMAI-A.P1), acórdão da Relação de Lisboa de 25.11.2011 (processo nº 1512/10.3TJLSB-A.L1), acórdão da Relação de Coimbra de 7.03.2017 (processo nº 2891/16.4T8VIS.C1) e acórdão da Relação de Évora de 28.05.2015 (processo nº 528/10.4TBMMN-B.E1), acessíveis em www.dgsi.pt. 20 De que constituem exemplo, entre outros, os acórdãos desta Relação de Guimarães de 13.10.2011 (processo nº 2810/10.1TBGMR-F.G1), da Relação de Lisboa de 7.12.2010 (processo nº 10439/10.8T2SNT) e da Relação de Coimbra de 14.12.2010 (processo nº 326/10.5T2AVR) e de 7.09.2010 (processo nº 72/10.0TBSEI), acessíveis em www.dgsi.pt, onde se decidiu pela consagração, nesta hipótese normativa, de uma presunção da existência de prejuízo - o id quoad plerumque accidit - cabendo ao requerente alegar factos que contrariem essa presunção. [19] De que constituem exemplo, entre outros, os acórdãos desta Relação de Guimarães de 13.10.2011 (processo nº 2810/10.1TBGMR-F.G1), da Relação de Lisboa de 7.12.2010 (processo nº 10439/10.8T2SNT) e da Relação de Coimbra de 14.12.2010 (processo nº 326/10.5T2AVR) e de 7.09.2010 (processo nº 72/10.0TBSEI), acessíveis em www.dgsi.pt, onde se decidiu pela consagração, nesta hipótese normativa, de uma presunção da existência de prejuízo - o id quoad plerumque accidit - cabendo ao requerente alegar factos que contrariem essa presunção. [20] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 21.10.2010 (processo nº 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1), de 6.07.2011 (processo nº 7295/08.0TBBRG.G1.S1) e de 27.03.2014 (processo nº 331/13.0T2STC.E1.S1), e acórdãos desta Relação de Guimarães de 3.06.2014 (processo nº 212/14.0TJVNF.P1) e de 7.12.2017 (processo nº 195/12.0TBSJM.P1), acessíveis em www.dgsi.pt. [21] Nas palavas de ANA PRATA et alii (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, Almedina, pág. 658), trata-se, nesta segunda hipótese, “não de um dever de apresentação à insolvência por parte do devedor, mas de um ónus, com a consequência negativa de a não apresentação poder ser a impossibilidade de pedir a exoneração do passivo restante”. [22] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação do Porto de 21.10.2010 (processo nº 3916/10.2TBMAI-A.P1), de 19.05.2010 (processo nº 1634/09.3TBGDM-B.P1), de 7.04.2011 (processo nº 3271-10.0TBMAI-G.P1), de 3.06.2014 (processo nº 212/14.0TJVNF.P1), de 7.12.2017 (processo nº 195/12.0TBSJM.P1) e de 9.05.2019 (processo nº 2873/15.3T8VNG.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. [23] Prolatado no processo nº 85/10.1TBVCD-F.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt. [24] Como a este propósito vem sendo sublinhado na casuística (cfr., inter alia, acórdão do STJ de 10.02.2013 [processo nº 3327/10.0TBSTS-D.P1.S1] e acórdão da Relação de Coimbra de 7.03.2017 [processo nº 2891/16.4T8VIS.C1], acessíveis em www.dgsi.pt), ao utilizar o conceito de “perspectiva séria” o legislador aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica da situação do devedor, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo. |