Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO BARROSO CABANELAS | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA JUROS DOS CRÉDITOS JUROS VENCIDOS APÓS DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Contrariamente ao CPEREF, que previa no seu artº 151º, nº2, que na data da declaração de falência cessava a contagem dos juros, atualmente, os juros que se vençam após a declaração de insolvência podem ser reclamados no processo, ainda que, sendo considerados como créditos subordinados, o seu pagamento só possa ocorrer depois de satisfeitos os credores comuns (artº 177º). 2. A despeito do disposto no artº 48º, alínea b), do CIRE, o pagamento dos juros vencidos após a declaração da falência pressupõe que os mesmos hajam sido reclamados, não sendo devido o seu pagamento automático como consequência necessária, ex lege, do crédito já reconhecido, sem que tal configure violação do princípio par conditio creditorum no confronto com credores que fizeram tal pedido. 3. A reclamação de créditos, regulada no artº 128 e ss do CIRE, consubstancia um ónus para os credores, pois a satisfação dos seus créditos no processo de insolvência pressupõe aquela, sem prejuízo de poderem ser reconhecidos créditos que constem dos elementos da contabilidade do devedor ou que sejam, por outra forma, do conhecimento do administrador da insolvência – artº 129º, nº1, parte final, do CIRE, - | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: Em 2 de maio de 2023, a Banco 1..., S.A., apresentou requerimento nos autos de insolvência, nos seguintes termos: A Banco 1..., S.A, pessoa coletiva n.º ...46, com sede na Avenida ..., da cidade ..., vem aos autos de insolvência identificados em epígrafe, em que é credora, e no mesmo sentido de vários requerimentos já apresentados, requerer seja ordenado que, em rateio final, sejam pagos os juros dos créditos (note-se, de todos os créditos reconhecidos nos autos) vencidos desde a data da declaração de insolvência e até à data em que vier a ser feito o pagamento nos termos do rateio parcial, calculados às taxas contratuais, se aplicável, ou à taxa legal, no caso contrário. Em 31 de julho de 2023 foi prolatado despacho onde, além do mais, se decidiu o seguinte: A Banco 1..., S.A. (refª ...84, de 02-05-2023) veio requerer seja ordenado que, em rateio final, sejam pagos os juros dos créditos (note-se, de todos os créditos reconhecidos nos autos) vencidos desde a data da declaração de insolvência e até à data em que vier a ser feito o pagamento nos termos do rateio parcial, calculados às taxas contratuais, se aplicável, ou à taxa legal, no caso contrário. Vista a reclamação de créditos apresentada pela Banco 1... verifica-se que é pedido que seja reconhecido o crédito no valor de € 1.149.516,23, nada sendo requerido ou pedido quanto aos juros vincendos. O Sr. AI reconheceu o crédito reclamado no valor de € 1.149.516,23, não fazendo qualquer menção a juros vincendos. Assim, indefiro a reclamação apresentada por falta de fundamento legal. Inconformada com a decisão, a Banco 1... apelou, formulando as seguintes conclusões: 1. Realizadas diligências de liquidação e elaborado mapa de rateio parcial, constatou-se que o produto até ao momento obtido pela massa insolvente excede o montante total inscrito na lista de créditos reconhecidos. 2. Em face de tal facto, diversos credores vieram requerer o pagamento dos juros vencidos após a declaração de insolvência. 3. O Tribunal a quo, decidindo sobre a matéria, entendeu discriminar positivamente os credores que, em reação ao mapa de rateio parcial e, cumulativamente, no seu articulado de reclamação de créditos pediram juros vincendos. 4. Não se pode, contudo, concordar com a decisão proferida, e por distintas ordens de razão. 5. Desde logo, porquanto o vencimento de juros de mora não está dependente de alegação, antes decorrendo da lei. 6. De facto, a declaração de insolvência implica o vencimento de todas as dívidas do insolvente e não importa a cessação da contagem de juros. 7. Ademais, na esmagadora maioria das situações, o incumprimento é anterior à data da declaração de insolvência – de contrário, esta, em princípio, não ocorreria -, 8. Como é o que, no caso concreto, sucede com os créditos reclamados pela Banco 1..., o que, aliás, motivou a reclamação de juros vencidos até àquela mesma data. 9. E havendo mora no cumprimento de obrigação pecuniária, o devedor fica obrigado ao pagamento de juros, à taxa legal se outra não houver sido estipulada entre as partes. 10. Cremos, portanto, que os juros vencidos após a declaração de insolvência não carecem de ser alegados, relevando uma tal alegação somente para apuramento da taxa aplicável, em cuja ausência dever-se-á considerar a taxa legal. 11. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 48.º, al. b) do CIRE, pois que, na prática, nega os juros constituídos após a data da declaração de insolvência. 12. A acrescer, a decisão proferida traduz-se numa flagrante violação do princípio da igualdade de credores, na medida em que trata de forma diferente aquilo que no essencial é igual: apesar da existência do direito aos juros – vencidos após a declaração de insolvência – dos vários credores, somente alguns serão contemplados com o seu pagamento. 13. Note-se que, na sua decisão, o Tribunal a quo não determinou a inexistência do direito aos juros, antes se limitou a aferir se os mesmos haviam, ou não, sido pedidos na reclamação de créditos. 14. E assim, desconsiderou todos os juros – subordinados – aos credores que 1) não o pediram no seu articulado de reclamação de créditos e que 2) não o requereram em reação ao mapa de rateio elaborado. 15. A falta de pedido dos juros vincendos no momento da reclamação dos créditos não pode, contudo, ser fundamento bastante – e único - para a sua negação. 16. Principalmente quando considerando a imprevisibilidade – e improbabilidade – da sua cobrança e a impossibilidade, naquele momento, da sua quantificação. 17. Repare-se que outras situações há em que, não obstante a ausência da alegação, o direito é reconhecido – é o caso típico de um trabalhador que não alega o local de trabalho, nem por isso deixando de ver ser-lhe reconhecido um crédito privilegiado, se existente (o privilégio). Sem prescindir, 18. Cumpre salientar que a Banco 1... alegou os juros vincendos, por referência à data da declaração de insolvência, dos seus créditos, mais havendo quantificado o montante do respetivo agravamento diário global, correspondente aos juros calculados às várias taxas aplicáveis (consoante dos créditos em causa). 19. Também por este motivo não se compreende a decisão em crise, que, assim, desconsiderou em absoluto a alegação nesse sentido produzida. 20. Por tudo o supra exposto, a decisão ora recorrida padece de ilegalidade, por violação do disposto no mencionado artigo 48º/al. b) do CIRE, bem como do princípio da igualdade de credores, 21. Devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine o pagamento, ao menos, à Banco 1... dos juros vencidos após a declaração de insolvência, calculados à razão diária invocada e demonstrada aquando da reclamação dos créditos. TERMOS EM QUE, deve o presente recurso proceder, com as legais consequências e com vista à realização da JUSTIÇA! Não houve contra-alegações. Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos. ********** II – Questões a decidir:Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso. As questões a decidir são, assim, apurar: - se o pagamento dos juros vencidos após a declaração da insolvência decorre automaticamente do disposto no artº 48º, alínea b), do CIRE; - se, ao invés, tal pagamento pressupõe a montante que hajam sido pedidos os juros vincendos na reclamação de créditos; - se configura violação do princípio da igualdade de credores reconhecer o direito a tal pagamento somente a quem haja formulado tal pedido; - se se deve considerar que decorre da alegação formulada aquando da reclamação de créditos que se pediu o pagamento dos juros vincendos. ********* III – Fundamentação:A. Fundamentos de facto: Os factos provados com relevância para a decisão do presente recurso são os que constam do relatório antecedente. ********** B. Fundamentos de direito. Importa começar por assinalar a excecionalidade da questão decidenda, em que o produto até ao momento obtido pela massa insolvente excede o montante total inscrito na lista de créditos reconhecidos. O tribunal recorrido negou à ora recorrente o pagamento de juros vencidos após a declaração de insolvência com o fundamento de esta não os ter pedido em sede de reclamação de créditos. Dispõe o artº 48º, do CIRE: Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, os créditos que preencham os seguintes requisitos: a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) Os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração da insolvência, com excepção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respectivos; c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes; d) Os créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito; e) Os créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má fé; f) Os juros de créditos subordinados constituídos após a declaração da insolvência; g) Os créditos por suprimentos. Conforme resulta da alínea b) do preceito antecedente, constituem créditos subordinados os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração de insolvência. A este propósito, refere Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 8ª edição, página 110: “A possibilidade de reclamação dos juros posteriores à declaração de insolvência, ainda que como créditos subordinados, constitui uma inovação que não é favorável ao regime da estabilização do passivo, que deve resultar da declaração de insolvência. Precisamente, por esse motivo, o CPEREF previa no seu artº 151º, nº2, que na data da declaração de falência cessava a contagem dos juros. Atualmente, os juros que se vençam após a declaração de insolvência podem ser reclamados no processo, ainda que, sendo considerados como créditos subordinados, o seu pagamento só possa ocorrer depois de satisfeitos os credores comuns (artº 177º). A lei prevê, porém, uma exceção à qualificação dos juros como créditos subordinados, em relação àqueles abrangidos por garantia real ou por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respetivos (artº 48, b), parte final). Efetivamente, nessa situação os juros constituem antes, respetivamente, créditos garantidos e créditos privilegiados, sendo pagos de acordo com o regime destes créditos (artºs 174º e 175º). Por maioria de razão, parece que não constituirão igualmente créditos subordinados os juros relativos às dívidas da massa insolvente (artº 51º), os quais são sujeitos ao regime destas, já que o seu pagamento deve obrigatoriamente ocorrer na data do respetivo vencimento (artº 172º, nº 3).” Maria do Rosário Epifânio in Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, página 206, refere que “Inovadoramente e contrariamente ao regime anterior, depois da declaração de insolvência, as obrigações do insolvente continuam a vencer juros (artº 48º, als. b) e f)). Se qualquer categoria de crédito continua a vencer juros, já o regime desses juros dependerá da categoria do crédito a que respeitam. Assim, os juros de créditos subordinados constituídos após a declaração de insolvência constituem créditos subordinados (artº 48º, alínea f)); os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração de insolvência também são créditos subordinados, exceto os juros abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, que terão a natureza dos créditos respetivos, até ao valor dos respetivos bens (artº 48º, alínea b)).” Tem razão a recorrente quando alega que o vencimento de juros de mora decorre da lei e que a declaração de insolvência não implica a cessação da contagem de juros de mora. Como supra se referiu, e ao invés do que acontecia no CPEREF, os juros continuam a vencer-se após a declaração de insolvência. Mas a questão coloca-se num plano diferente, não de alegação, como refere a recorrente, mas antes em sede de necessidade ou desnecessidade do pedido. Ou seja, a despeito de se continuarem a vencer juros após a declaração de insolvência, o reclamante ora recorrente tinha a montante de ter formulado o respetivo pedido quanto aos juros vincendos, ou estava dispensado de o fazer, por força do reconhecimento judicial do seu crédito derivado da sentença de verificação de créditos, sendo os juros vincendos consequência necessária, ex lege, do crédito já reconhecido? É consabido que a reclamação de créditos, regulada no artº 128 e ss do CIRE, consubstancia um ónus para os credores, pois a satisfação dos seus créditos no processo de insolvência pressupõe aquela, sem prejuízo dos casos de poderem ser reconhecidos créditos que constem dos elementos da contabilidade do devedor ou que sejam, por outra forma, do conhecimento do administrador da insolvência – artº 129º, nº1, parte final, do CIRE, - aquilo a que Catarina Serra in Lições de Direito da Insolvência, 2018, pág. 268, qualifica de execução oficiosa ou execução sem exercício do poder de execução. Mas mesmo que se configure a reclamação de créditos como exercício do poder de ação de executiva (op. cit., pág. 269), sempre nos parece inaplicável o regime do artº 703º, nº2, do CPC, de forma a considerar abrangidos os juros de mora, pois sendo embora a insolvência um processo de execução universal, manifestamente a reclamação de créditos não configura título executivo. Assim, e porque a circunstância de a lei prever o vencimento de juros de mora após a declaração de insolvência não equivale ao pagamento necessário dos mesmos, somos reconduzidos ao regime geral do processo civil, conforme dispõe o artº 17º, nº 1, do CIRE. Um princípio basilar do processo civil é o da autorresponsabilização das partes. Como referiu Manuel de Andrade[1], as partes é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam, suportando uma decisão adversa, caso omitam alguma. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e atividade do juiz. Há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso, os atos que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos. Igual opinião tem Lebre de Freitas[2] quando diz que a auto-responsabilidade das partes exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato. O art. 173 do CIRE, refere que "o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado", o que não sucede com o crédito (subordinado) de juros em discussão, o qual é autónomo em relação ao crédito (este reconhecido) de capital (art. 561 do CC). Assim, não tendo o ora recorrente, aquando da sua reclamação, pedido o pagamento dos juros vincendos, como resulta da reclamação junta no apenso respetivo em 19 de março de 2021, não pôde o tribunal condenar nos mesmos (artº 609º, nº 1, do CPC) na sentença de verificação de créditos, e muito menos o pode fazer agora na sequência do requerimento que motivou o despacho recorrido, sob pena de violação do caso julgado (sobre a questão do trânsito em julgado nesta sede, vide o acórdão desta Relação de 12 de outubro de 2023, processo nº 992/12.4TBEPS-T.G1, relato pela aqui 1ª adjunta, e em que o relator interveio como adjunto, disponível em www.dgsi.pt). Alegou ainda a recorrente que a decisão do tribunal recorrido violou o princípio da igualdade dos credores, na medida em que apenas alguns dos credores, os que reclamaram também o pagamento dos juros vincendos, obterão o respetivo pagamento. Valem aqui as considerações já efetuadas neste acórdão, não se tratando de situação inédita, acrescentando-se somente que, por força do artº 128º do CIRE, a reclamação de créditos constitui um ónus para os credores, mesmo que disponham de sentença a reconhecê-lo (nº 5 do artº 128, do CIRE), sob pena de o seu crédito não ser reconhecido e graduado. Não há, assim, qualquer tratamento desigual, antes a extração da consequência processual decorrente da omissão processual do ora recorrente, traduzida na não formulação do pedido relativo a juros vincendos, no momento processualmente azado, a reclamação de créditos. Por último, como resulta da reclamação junta no apenso respetivo em 19 de março de 2021, a ora recorrente não peticionou o pagamento de juros vincendos após a declaração de insolvência, sendo processualmente irrelevante a alegação recursória de que “a Banco 1... alegou os juros vincendos, por referência à data da declaração de insolvência, dos seus créditos, mais havendo quantificado o montante do respetivo agravamento diário global”. Nos termos supra expostos, a recorrente não formulou o pedido correspondente, tornando-se desnecessárias considerações adicionais às que já produzimos. Nada, há, assim, a censurar à decisão recorrida, que se mantém, improcedendo totalmente o recurso. ********** V – Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando o despacho recorrido. Custas pela recorrente – artº 527º, nº1, e 2, do CPC. Notifique. Guimarães, 7 de dezembro de 2023. Relator: Fernando Barroso Cabanelas. 1ª Adjunta: Lígia Paula Venade. 2º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães. [1] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 378 e 382. [2] Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 1996, pág. 146-147. |