Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2734/24.5T8VCT-A.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
DIREITO À PROVA
DOCUMENTO EM PODER DE PARTE CONTRÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Nas ações declarativas de valor superior a metade da alçada da relação em que o juiz tenha dispensado a realização da audiência prévia e uma ou ambas as partes requeiram, nos termos do n.º 3 do art. 593º do CPC, a realização de audiência prévia potestativa, os despachos antes proferidos pelo tribunal (dispensando a realização de audiência prévia, proferindo saneador tabular, enunciando o objeto do litígio, fixando os temas da prova, conhecendo dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e, nessa sequência, ordenando a notificação do réu para que juntasse aos autos determinados documentos), consideram-se ope legis (independentemente de despacho judicial que o declare) substituídos pelos despachos que venham a ser proferidos na audiência prévia potestativa ou na sequência dela, desaparecendo da ordem jurídica processual, deixando de ter existência jurídica.
2- Tendo a Ré requerido a realização de audiência prévia potestativa, com fundamento, além do mais, que pretendia reclamar do despacho em que o tribunal, na sequência de ter dispensado a realização de audiência prévia, enunciou o objeto do litígio e fixou os temas da prova, e tendo aquela interposto recurso do despacho em que (na sequência de ter dispensado a realização de audiência prévia, enunciou o objeto do litígio, fixou os temas da prova, conhecendo dos requerimentos de prova), o juiz, deferindo o requerido pela Autora, ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos determinados documentos, é originariamente impossível, por falta de objeto, conhecer do recurso interposto pela Ré, assacando ao despacho recorrido (proferida na sequência da realização da audiência prévia, ordenando a sua notificação para que juntasse aos autos os ditos documentos) o vício de nulidade, com fundamento de que anteriormente o tribunal tinha proferido despacho com igual teor ao do recorrido, que tinha interposto recurso desse anterior despacho e que esse recurso permanecia por decidir: o despacho antes proferido, ordenando a notificação da Ré para que juntasse aos autos os ditos documentos desapareceu ope legis da ordem jurídica com a prolação do novo despacho, na sequência da realização da audiência prévia potestativa.
3- Atento o princípio da aquisição processual é originariamente inútil conhecer da nulidade e dos erros de direito que a recorrente assaca ao despacho recorrido no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos atas de assembleias gerais e as respetivas listas de presença, quando esses documentos foram juntos aos autos pela própria recorrente com a contestação: ainda que aqueles fundamentos de recurso viessem a proceder, essa procedência seria insuscetível de levar ao desentranhamento dos autos dos ditos documentos, juntos com a contestação.
4- E, por via do princípio da limitação dos atos, do art. 130º do CPC, mostra-se igualmente inútil conhecer da nulidade e dos erros de direito que a recorrente assaca ao despacho recorrido no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos determinados contratos, quando aquela, na contestação, alegou que esses contratos eram inexistentes: qualquer que fosse a decisão que o tribunal de recurso viesse a proferir sobre essa nulidade e erros de direito, a mesma seria insuscetível de levar a que a recorrente tivesse de juntar aos autos os ditos contratos, que alegou não possuir.
5- Os artigos 429º e 432º do CPC são uma das concretizações do princípio da cooperação do art. 7º e, por respeitarem à instrução da causa, carecem de ser interpretados conjugadamente com o disposto no art. 417º, pelo que, para que seja deferida a pretensão das partes para que a parte contrária ou terceiro junte aos autos determinado documento é necessário que se encontrem preenchidos os seguintes pressupostos cumulativos: 1º- tratar-se de documento em poder da parte contrária ou de terceiro que o requerente não consiga obter através dos seus próprios meios; 2º - o requerente identifique quanto possível o documento cuja junção requer; 3º- identifique os concretos factos (essenciais, complementares e/ou instrumentais) que pretende provar ou fazer a contraprova mediante a sua junção aos autos desses documentos; e 4º- essa junção se mostrar efetivamente pertinente e necessária, por os documentos cuja junção vem requerida serem aptos a fazer a prova ou a contraprova de factos essenciais que permaneçam controvertidos no processo ou dos respetivos factos complementares ou instrumentais.
Decisão Texto Integral:
I- Relatório

AA, residente na Avenida ..., ... ..., instaurou ação de impugnação de deliberações sociais contra EMP01..., S.A., com sede na Avenida ..., ... ..., pedindo que fossem:
a- declaradas nulas e inexistentes, sem quaisquer efeitos todas as deliberações sociais tomadas nas assembleias gerais realizadas no dia 23 de julho de 2024, por falta de ações emitidas da sociedade Ré e registo das mesmas;

Subsidiariamente,
b- declaradas anuladas todas as deliberações tomadas nas ditas assembleias gerais realizadas no dia 23 de julho de 2024, com fundamento no disposto no art. 58º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e n.º 4 do CSC;
Cumulativamente
c- e, em consequência, se mandasse cancelar o registo efetuado na conservatória do registo comercial da prestação de contas do exercício de 2023;
d- se notificasse a Ré para em prazo certo proceder à entrega das ações nominativas de que a Autora é titular.

Para tanto alegou, em síntese: a Ré foi constituída em 1986 e adquirida pelos atuais acionistas em 2013; tinha como principais acionistas a EMP02..., S.A., BB e CC, os quais eram acionistas maioritários da EMP02..., S.A.; BB exerceu o cargo de presidente do conselho de administração da Ré desde 04/...13 até à data da sua morte, em ../../2021, enquanto CC foi nomeado vice-presidente do conselho de administração da Ré; enquanto BB foi vivo CC apenas foi administrador de direito da Ré, mas não seu administrador de facto, dado que nunca exerceu qualquer papel ativo na administração desta; em ../../2021 faleceu DD, sem descendentes ou ascendentes sobrevivos e, por testamento de 07 de setembro de 2021, legou à Autora, sua companheira, a totalidade das ações que possuía na Ré e na EMP02..., S.A; à data do seu falecimento, BB tinha 6% no capital social da Ré e 42,5% no da EMP02..., S.A.; após o falecimento de BB, CC convocou uma assembleia extraordinário informal da Ré, a ser realizada por videoconferência, na sequência da qual foi deliberado uma nova composição da administração da Ré até ao final do mandato em curso, em que CC foi nomeado presidente do conselho de administração da Ré e EE seu vice-presidente; a Autora esteve presente, por videochamada, nessa assembleia geral, tendo, nessa altura, aceite o deliberado por confiar que CC, enquanto presidente do conselho de administração da Ré, assumiria o legado de BB, respeitando as orientações e vontade deste; passado algum tempo após a nomeação, sem qualquer justificação, a Autora deixou de poder aceder às instalações da Ré e de todas as empresas do grupo EMP03..., S.A., tendo-lhe sido vedado o acesso, passando a Ré a ser controlada, de forma concertada, por CC e por FF, e foi negada à Autora qualquer informação sobre a Ré; a Autora recebeu duas cartas registadas, em que, numa, era convocada para uma assembleia geral, a realizar em 23 de julho de 2024, pelas 14h30m, com a seguinte ordem de  trabalhos: Ponto um – deliberar sobre o relatório de gestão e as contas de exercício de 2023; Ponto dois – deliberar sobre a proposta do conselho de administração de aplicação de resultados; na outra, a Ré era convocada para uma assembleia geral ordinária, a realizar no dia 23 de julho de 2024, pelas 15h30m, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto único – eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio 2024 a 20025, sem que lhe tivessem sido remetidos elementos informativos preparatórios de tais assembleias gerais; dentro do prazo fixado no art. 289º do CSC; a Autora deslocou-se à sede da Ré para consultar os ditos elementos informativos, mas apenas lhe foi facultado o relatório de contas, a certificação legal de contas, o relatório e o parecer do fiscal único; as mencionadas assembleias gerais realizaram-se no dia e nas instalações indicadas nas convocatórias, tendo a Autora nelas estado presente, fazendo-se representar por revisor oficial de contas; acontece que, até ao presente, não foram disponibilizadas à Autora as atas das referidas assembleias gerais, apesar de o ter solicitado, por diversas vezes, por carta registada e por correio eletrónico dirigidos ao presidente da mesa da assembleia geral; na convocação daquelas assembleias gerais foi violado o art. 376º, n.ºs 1 a 3 do CSC, dado que tinham de ter sido convocadas e realizadas até ao dia 31 de março de 2024, sem que tivesse existido qualquer motivo justificativo para terem sido convocadas e realizadas apenas em 23 de julho de 2024; os estatutos da Ré são omissos quanto à forma de convocação das assembleias gerais, pelo que aquelas tinham de ser convocadas por convocatória publicitada nos termos do art. 167º do CSC; acontece que, no sítio da internet referente às publicações societárias não consta que tenha sido feita a publicitação das convocatórias das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024, o que também determina o incumprimento do prazo fixado no n.º 4 do art. 377º do CSC; as razões invocadas nos avisos convocatórios das ditas assembleias gerais para serem realizadas em local distinto da sede da Ré, são falsos, dado que na sede desta existem salas de reuniões e instalações próprias, com todas as condições acústicas, climatéricas, conforto, insonorização e privacidade que permitiam que aí tivessem sido realizadas; ao invés, o local em que as assembleias gerais foram realizadas é uma sala de apoio ao serviço técnico, sem as mínimas condições climatéricas e de conforto (a temperatura atingiu mais de 40 graus centígrados; as cadeiras existentes nessa sala são em plástico, sem meios ou qualquer equipamento onde os participantes pudessem escrever ou colocar um computador portátil), e sem quaisquer meios técnicos que permitissem elaborar e assinar a ata e a lista de presenças no local; a escolha do dito local para realizar as assembleias gerais que tiveram lugar em 23 de julho de 2024, destinou-se apenas a comprometer a participação dos acionistas, sujeitando-os a condições indignas e completamente insatisfatórias, o que viola o disposto no n.º 6 do art. 377º do CSC; nas assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024, a Autora veio a saber que as ações não foram emitidas e não existem livros de registo das mesmas, o que impossibilita determinar, com toda a segurança jurídica necessária, o quórum constitutivo, o cálculo das maiorias para cada deliberação e o apuramento das votações, estando as deliberações que foram tomadas naquelas assembleias gerais, por via disso, feridas de nulidades; acresce que não foi facultada à Autora a informação prevista no n.º 1 do art. 288º do CSC (a qual concretiza), o que determina a anulabilidade das deliberações; acresce que, no anexo ao relatório de gestão da Ré facultado à Autora é identificado como parte relacionada com aquela a “empresa mãe”, EMP02..., S.A., e um valor de transações realizadas entre elas no montante de 671.493,85 euros; trata-se de transações entre duas sociedades em relação de domínio e que partilham os mesmos administradores; não obstante, no relatório anual de contas, não consta, nem se especifica qualquer autorização que tenha sido levada a cabo ao abrigo do n.º 2 do art. 397º do CSC; nas assembleias gerais de 23 de julho de 2024, não foi confirmada autorização de tais negócios, nem sobre os mesmos foi obtido qualquer parecer favorável do conselho fiscal, pelo que não foi observado o dever de lealdade por parte dos administradores consignado no art. 64º, n.º 1, al. b), do CSC, nem foram cumpridos os requisitos do art. 397º, n.º 3 do mesmo Código; finalmente, o conselho de administração da Ré propôs que os resultados líquidos do exercício de 2023, no montante de 13.6482,67 euros, fossem aplicados como “reservas livres”, sem que o relatório de gestão cumpra os requisitos do art. 66º do CSC e sem que a proposta de aplicação dos resultados se encontre fundamentada, nos termos do art. 66º, al. f) do SCS; a Autora votou contra a proposta de aplicação dos resultados líquidos (pelos fundamentos que enuncia no art. 96º da petição inicial), a qual foi aprovada com os restantes votos favoráveis, o que determina a anulabilidade dessa deliberação.
Mais alegou que até à data não foi possível à Autora obter as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024, pelas razões atrás invocadas, as quais não lhe são imputáveis.

 Em sede de «Requerimento de prova» requereu, além do mais (procede-se à transcrição ipsis verbis):
“III- Prova Documental
1- Documentos em poder da Ré
Requer que se notifique a Ré para juntar aos autos:
a) Livro de registo de ações;
b) Atas da assembleia geral de 2023 e lista de presença;
c- Balanço do exercício de 2023;
d- Balancete analítico reportado ao mês 15º;
e- Contratos celebrados entre a Ré e a sociedade EMP04..., S.A.
2- Os 8 documentos atrás referidos”.

A Ré contestou defendendo-se por impugnação e por exceção.
Impugnou parte dos factos alegados na petição inicial, alegando que a data de 23 de julho de 2024, para a qual foram convocadas e realizadas as assembleias gerais da Ré, foi previamente ajustada/combinada com a Autora, a quem foi disponibilizada toda a documentação exigida atentos os pontos da ordem do dia; a Autora combinou dia e hora em que queria consultar a documentação e foram-lhe entregues todos os documentos que pretendeu; durante a análise de toda a documentação preparatória das mencionadas assembleias gerais a Ré fez-se acompanhar por contabilista certificado e fez todas as perguntas que entendeu, as quais lhe foram respondidas; foram-lhe entregues cópias do relatório e contas do exercício de 2023, o relatório do fiscal único, a certificação legal das contas e ainda os montantes das remunerações e quantias pagas aos membros dos órgãos sociais; nas ditas assembleias gerais a Autora colocou todas as questões que bem entendeu, e todas foram respondidas desde que dentro da ordem do dia; as assembleias gerais foram realizadas após 31/03/2024, a pedido da Autora, que solicitou que estas se realizassem no mesmo dia das demais; a Ré usa o método de equivalência patrimonial,  o que a obriga  a ter as contas das participadas aprovadas e só depois podem ser fechadas as contas da Ré; a Ré não podia ter realizado as assembleias gerais das outras empresas em data anterior, pois estavam dependentes das contas das participadas, mormente da empresa EMP05..., que só, em 15/05/2024, apresentou contas, o que obrigou a que as assembleias gerais da Ré tivessem de ser realizadas após o dia 31/03/2024, e isso mesmo foi explicado à Autora e por ela aceite; as assembleias gerais da Ré realizaram-se em 23/07/2024, nas instalações constantes da convocatória, pelo que, mesmo que colhesse qualquer dos fundamentos falsamente alegados pela Autora, sempre estariam sanados, na medida em que a totalidade do capital social esteve presente e aceitou reunir em assembleia geral, incluindo a Autora, sobre aqueles assuntos da ordem do dia; a Ré não tem instalações próprias, pois desde o tempo do falecido GG as suas instalações estão arrendadas à EMP03...; o local onde se realizaram as assembleias gerais no dia 23/07/2024 ficam a poucos metros de distância da sede da Ré, num edifício que tem todas a condições de luz, arejamento, janelas, wc e espaço, sendo nesse mesmo local que decorrem habitualmente reuniões alargadas e/ou sessões de formação na Ré; foram elaboradas as listas de presença dos participantes naquelas assembleias gerais; é falso que os títulos não  estivessem emitidos, pois que, os título são nominativos e foram emitidos, sendo que o falecido GG tinha, e sempre teve, os seus títulos na sua posse, não podendo, também, por isso, a Ré proceder à entrega de algo que já estava na posse do falecido; não existem transações entre a Ré e a empresa EMP02... e não há qualquer contrato entre estas duas empresas; o valor que a Autora refere (e que consta da pág. 28 do anexo) não é respeitante a quaisquer contratos/transações entre essas duas empresas mas advém da fusão/cisão que anteriormente ocorreu, a qual foi anteriormente autorizada e objeto de parecer favorável do fiscal único, o que é do conhecimento da Autora; é falso que a aplicação de resultados não tivesse sido fundamentada posto que foi esclarecido que a razão de tal montante ser levado a reservas livres decorria da necessidade de reforçar capitais por causa do esforço da Ré na recuperação dos imóveis de que é proprietária.
Concluiu pedindo que se julgasse a ação improcedente, por não provada, e se julgasse o pedido formulado sob a alínea d) como inadmissível e inidóneo ou, caso assim se não entendesse, improcedente.

Em anexo à contestação juntou, além do mais:
- ata n.º ...7, da assembleia geral da Ré realizada em 23/07/2024;
- ata n.º ...8, da assembleia geral da Ré realizada no mesmo dia 23/07/2024;
- proposta do acionista CC, apresentada na assembleia geral da Ré de 23/07/2024, relativa ao “Ponto único – Eleição”;
- declarações prévias de aceitação da eleição dos membros do conselho de administração; e
- listas de presenças dos participantes nas assembleias gerais realizadas em 23/07/2024.
A Autora respondeu à contestação apresentada e pronunciou-se quanto aos documentos juntos pela Ré, impugnando parte da facticidade alegada, reafirmando que as atas das assembleias gerais realizadas no dia 23/07/2024, não lhe foram disponibilizadas; a Ré levou 41 dias a elaborar as minutas dessas atas e a disponibilizá-las ao representante da Autora nessas assembleias para análise e considerações, num atitude concertada de dificultar ao máximo o exercício dos direitos legítimos desta; a Autora apenas teve acesso às atas das assembleias gerais realizadas no dia 23/07, através da notificação da contestação; o teor dessas atas não corresponde ao que se passou nas assembleias gerais (concretizando essas alegadas divergências).
Por despacho de 28/10/2024, ordenou-se a notificação da Autora para exercer, querendo, o direito ao contraditório quanto à invocada inadmissibilidade/inidoneidade do pedido que formulou sob a al. d) do petitório, por alegadamente extravasar o objeto da ação.
Por requerimento entrado em juízo em 07/11/2024, a Ré requereu que se ordenasse o desentranhamento dos autos da resposta à contestação apresentada pela Autora, por não ser processualmente admissível ou, em alternativa, se considerasse como não escrita a matéria que por esta foi alegada nos pontos daquela resposta (que concretiza).
Pronunciando-se quanto ao despacho antes referido, proferido em 11/11/2024, a Autora respondeu pugnando pela admissibilidade legal do pedido que formulou sob a alínea d), por “se mostrar adequado para a justa composição do litígio”.
Por despacho proferido em 12/11/2024, a 1ª Instância determinou o desentranhamento dos autos da resposta à contestação apresentada pela Autora, por legalmente inadmissível; dispensou a realização da audiência prévia; proferiu saneador, em que “relegou para final a apreciação quanto à admissibilidade/idoneidade/ procedência do pedido formulado sob a alínea d)”; enunciou o objeto do litígio; fixou os temas da prova; advertiu as partes para a possibilidade de virem a ser condenadas como litigantes de má-fé; e, finalmente, conheceu dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, tendo ordenado a notificação da Ré para que juntasse aos autos: a) livro de registo de ações;  b) atas da assembleia geral de 2023 e lista de presença; c) balanço do exercício de 2023; d) balancete analítico reportado ao mês 15º: e e) contratos celebrados entre a Ré e a sociedade EMP04..., S.A.
Por requerimento entrado em juízo em 28/11/2024, a Ré requereu a realização de audiência prévia, alegando que tanto o objeto do litígio, como os temas da prova vertidos pelo tribunal a quo se mostram insuficientes, em face da matéria vertida nas peças processuais. Além disso, carece de ser definida a matéria que possa considerar como provada e melhor delimitado o âmbito e alcance do que se pretende e será objeto da produção da prova e os respetivos meios de prova e admissibilidade dos mesmos.
E, em 03/12/2024, a Ré interpôs recurso do despacho em que a 1ª Instância a notificou para que juntasse aos autos os documentos acima identificados, tendo a Ré contra-alegado em 05/01/2025.
Por requerimento entrado em juízo em 08/12/2024, a Autora requereu a retificação do requerimento de prova que apresentou com a petição inicial, de modo que onde, no ponto III, n.º 1, alínea b), está escrito: “Atas da Assembleia Geral de 2023 e lista de presença”, se leia: “Atas da Assembleia Geral de 2024 e lista de presença”. Alegou tratar-se de “um mero lapso de escrita, sendo que, como resulta de todo o articulado, as atas impugnadas em causa neste processo são as atas de 23 de julho de 204, e são essas que nos termos e para os efeitos do artigo 59º, n.º 4 do CSC foram requeridas. Por se tratar de um lapso de escrita, requer, nos termos do artigo 249º do Código Civil a sua correção”.
Notificou o requerimento acabado de referir ao mandatário da Ré em 08/12/2024 – cfr. teor do requerimento apresentado em 08/12/2024.
Por despacho proferido em 16/12/2024, relegou-se o conhecimento do, entretanto requerido pelas partes para audiência prévia, a qual se designou para o dia 27/01/2025, posteriormente alterada para o dia 26/02/2024.
Por requerimento entrado em juízo em 06/01/2025, a Ré veio alegar que: “A Autora tem as atas de 2024. Além de que, já se encontram juntas aos autos, configura, por isso, um ato inútil o que a Autora pretende. Regista-se que a Autora afinal não pretende atas de 2023, o que confirma a tese da Ré de que a junção aos autos de tais documentos era despropositada”.
Em 26/02/2025, realizou-se audiência prévia (potestativa), em que, uma vez frustrada a conciliação das partes, “de forma a garantir o integral exercício do contraditório quanto às diversas questões suscitadas nos articulados, a Meritíssima Juíza concedeu a palavra à ilustre mandatária da Autora, tendo a mesma, em súmula, impugnado o teor dos documentos 1, 2, 3 e 4 da contestação e o conteúdo dos documentos 6 e 7, correspondente a um e-mail de 05-07-2024 e 09-07-2024, por não corresponderem à verdade, referindo, ainda, que o documento n.º 8 foi alterado e não corresponde ao documento que a Autora subscreveu, impugnando, também, a existência e teor de toda essa nota manuscrita”. Concedida a palavra ao mandatário da Ré “a fim de se pronunciar quanto ao exposto pela Autora”, que dela usou.
Após se ter concedido a palavra aos mandatários das partes quanto à discussão de facto e de direito com vista à delimitação dos termos do litígio, proferiu-se: despacho saneador, em que se relegou para final a apreciação quanto à admissibilidade/ idoneidade/procedência do pedido formulado sob a alínea d); fixou-se o valor da causa em 30.000,01 euros; enunciou-se o objeto do litígio (“Apreciar a validade das deliberações sociais tomadas nas assembleias gerais realizadas no dia 23 de julho de 2024”); e fixou-se os temas da prova (“i- Inferir do cumprimento do prazo previsto no art. 376º, n.º 1 do CSC; ii- Indagar da necessidade de publicitação da convocatória nos termos da previsão do art. 377º, n.º 2 do CSC; iii- Apreciar quanto ao cumprimento do prazo previsto no art. 377º, n.º 4 do CSC; iv- Aquilatar do cumprimento do disposto no art. 377º, n.º 6 do CSC; v- Apurar se foi dado cumprimento aos requisitos definidos no art. 382º do CSC; vi- Averiguar se as preditas deliberações sociais foram precedidas do fornecimento à sócia Autora dos necessários elementos de informação; vii- Apreciar o cumprimento do dever de lealdade pelos administradores e o cumprimento dos requisitos previstos no art. 397º, n.º 2 do CSC; viii- Indagar se as deliberações em causa, quanto à aprovação do relatório de gestão e aplicação dos resultados teve como único fim constituir uma vantagem especial a favor de determinados acionistas/administradores/trabalhadores em prejuízo da sociedade e dos sócios”), que não foram alvo de reclamação.
Os mandatários das partes requereram que lhes fosse concedido prazo para ampliarem ou alterarem os seus requerimentos probatórios, o que foi deferido.
Na sequência, a Autora veio reiterar o requerimento de prova apresentado com a petição inicial, “corrigindo-se o lapso de escrita cometido no ponto III n.º 1, alínea b). Assim, onde está escrito “Atas da Assembleia Geral de 2023 e lista de presença”, deverá ler-se “Atas da Assembleia Geral de 2024 e lista de presença”. Alterou a ordem do rol de testemunha antes apresentado.
Por sua vez, em 10/03/2025, a Ré, além do mais, reiterou “tudo o quanto já anteriormente se disse, incluindo quanto à matéria probatória”.
Por despacho de 31/03/2025, a 1ª Instância, no que ao presente recurso interessa, proferiu a seguinte decisão:
“Ao abrigo da previsão do art. 423º, n.º 1 do CPC, atender-se-ão aos documentos juntos com os respetivos articulados.
Entretanto, notifique-se a Ré nos termos requeridos pela Autora em sede de petição inicial (ponto III), com a retificação efetuada no requerimento datado de 05/03/2025 (ponto I) – cf. arts. 417º, n.º 1 e 429º, n.º 1 do CPC”.
 
Inconformada com o despacho acabado de transcrever, a Ré interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls. (refª538 114 07) na parte em que “…notifique-se a nos termos requeridos pela Autora em sede de petição inicial (ponto III) com a retificação efetuada por requerimento datado de 05.03.2025 (ponto I) cfr. artºs 417º, 1 e 429 1 do CPC”, o qual está ferido de nulidade e de erro de julgamento e violação da lei.
2. O despacho recorrido foi proferido sem que, previamente, tivesse proferido despacho a admitir essa prova requerida pela Recorrida, além de que este despacho de fls. recai sobre a mesmíssima questão que foi objeto de despacho anterior e que está pendente em recurso, e é, assim, nulo à luz do disposto no artigo 195º, 196º e 199º do CPC, o que expressamente se argui.
3.O despacho recorrido está ferido de nulidade nos termos dos artigos 195º e segs. do CPC, além de que, incorre em violação dos artigos 417º, 429º, nºs 1 e 2, 435º do CPC, 289º, 305º do CSC e 42º e 43º do Código Comercial.
4. A Recorrida já tem na sua posse os documentos - atas da AG de 2024 e respetivas listas de presença e o balanço do exercício de 2023, por isso a Autora não precisa que a Ré junte tais documentos, e, aliás, a sua junção é um ato inútil e consequentemente desnecessário.
5. A Recorrida não indicou nem a necessidade de tais documentos, nem os factos a provar com os mesmos, o que, por si só, determinava o indeferimento de tal requerimento.
6. Os demais documentos (Livro de registo de ações; Balancete analítico reportado ao mês 15º; Contratos celebrados entre a Ré e a EMP02...)
- não são referentes a nenhuma matéria daquelas deliberações impugnadas, - nem são referentes aos atos preparatórios daquelas AG’s,
- nem são referentes às matérias que foram objeto de deliberações naquelas AG’s, objeto da presente ação impugnatória,
7. No caso, estamos perante o direito à informação preparatória para uma Assembleia Geral ordinária de aprovação de relatório e contas, definindo a lei (cfr. artigo 289º do CSC) quais os documentos/informação preparatória, ora, nenhum destes documentos faz parte dessa documentação/informação imposta por lei. (cfr. artigo 289º do CSC).
8. A Recorrente não estava obrigada, como não está, a fornecer à Recorrida outros documentos para além dos previstos na lei (cfr. artigo 289º do CSC), além de que, tais documentos não são necessários/imprescindíveis para a Recorrida fazer prova da matéria do objeto do litígio (ação de impugnação de deliberação social), nem, como já se disse, indicou a matéria de facto a provar com tais documentos.
Por outro lado,
9. O livro de registo de ações é documento que não faz prova de qualquer dos temas da prova, além de que, já não há livro de registo de ações, como decorre da revogação do regime do artigo 305º do CSC.
10. A Recorrente forneceu à Recorrida cópia de todos os documentos preparatórios da AG e que são legalmente devidos, designadamente: Relatório de gestão e prestação de contas de 2023, balanço, demonstração de resultados, fluxos de caixa, demonstração de capital próprios e demais demonstrações financeiras incluindo anexos aos mesmos, relatório do fiscal único e a certificação legal de contas, estando a Recorrida na posse de toda aquela documentação.
11. A Recorrente não tem legalmente que entregar mais documentação do que aquela que já entregou (e muito menos tem de juntar documentos que a Recorrida já tem), nem o balancete analítico do mês 15º, nem o livro de registo de ações (que já nem há), nem os putativos contratos com a EMP02... (que não existem) são documentos preparatórios da AG, ou são sequer dessa data.
12. Os balancetes analíticos, não são documentos que as empresas sejam obrigadas a ter e quando existem, são documentos que podem conter informação sensível do negócio da empresa, com preços praticados, margens e outros elementos que integram o segredo do negócio, e que essa informação não pode de forma alguma circular para fora da empresa, pois que põe em risco o negócio da Recorrente e que de forma alguma se pode correr o risco de chegar às mãos da concorrência e, estando, a Recorrida numa clara atitude de “revanche”, dar, neste âmbito, acesso a essa informação é perigoso e violador dos interesses do negócio e da empresa e do direito à proteção do segredo comercial – quando ainda por cima, essa documentação não é sequer necessária para apreciar e votar os pontos da AG.
13. Os putativos contratos com a EMP02... nem existem (logo não se pode juntar o que não existe) nem são matéria objeto das deliberações impugnadas, nem dos temas da prova.
14. Assim, os documentos objeto do despacho de fls., ou não existem, ou já estão na posse da Recorrida ou não têm qualquer utilidade para a questão objeto dos presentes autos, nem para os temas da prova, nem são imprescindíveis para a decisão da causa e, como tal, a decisão recorrida errou e viola o artigo 429º do CPC e 289º do CSC.
15. Os documentos (balancete analítico) que fazem parte da escrituração comercial da Recorrente, estão sujeitos ao regime previsto nos artigos 42º e 43º do Código Comercial e excluída da aplicação do regime 429º nº 1 do CPC.
16. Em face do supra exposto, e, além da nulidade suscitada, afigura-se-nos a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento e viola o disposto nos artigos 417º, nº 1, 429º, nºs 1 e 2, 435º do CPC, 289º, 305º do CSC e o disposto nos artigos 42º e 43º do Código Comercial.
17. E, a interpretação de tais normativos em sentido inverso ao por nós acima preconizado, viola o direito a um processo justo e equitativo e padece de violação dos artigos 3º, 20º, nº 1 e 4 e 204º da CRP.

Termos em que se requer a Vª Exa se digne julgar procedente o presente recurso com as legais consequências, como é de inteira Justiça.

A Autora contra-alegou pugnando no sentido de que o recurso fosse julgado improcedente e, em consequência, confirmado o despacho recorrido.
No âmbito dos autos da ação principal, em 22/05/2025, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue:
“Considerando que nestes autos o despacho saneador (no qual se haviam admitido meios de prova) proferido por escrito aos 12.11.2024 se considera substituído pelo que foi proferido em sede de audiência prévia entretanto convocada (na sequência da qual veio, entretanto, o Tribunal a pronunciar-se sobre os meios de prova indicados e/ou reiterados pelas partes), designadamente por impulso da Ré, convida-se esta a esclarecer, ao abrigo dos princípios da colaboração e da boa fé processuais, qual o interesse que mantém no conhecimento do recurso que havia interposto aos 03.12.2024 e com base no qual pretende agora arguir a nulidade do despacho datado de 31.03.2025, sobre o qual aliás interpôs igualmente recurso”.

Na sequência, a Ré, por requerimento de 05/06/2025, alegou o seguinte:

“1- Quando foi proferido o primeiro despacho, a Ré interpôs o competente recurso.
2- Entretanto, foi proferido um novo despacho e desse despacho a Ré interpôs o competente recurso.
3- Ora, não consta dos autos (pelo menos assim nos parece) que o primeiro despacho tenha sido revogado ou dado sem efeito.
4- Motivo pelo qual, e por dever de patrocínio e pela jurisprudência das cautelas, tivemos que interpor o novo recurso.
5- Pois que, sem termos a certeza/segurança jurídica de que o despacho primeiro foi revogado/dado sem efeito, a Ré corria o risco de desistir do primeiro recurso, e depois, o segundo recurso poderia ter efeito inútil, caso se viesse a entender que o despacho primeiro tinha transitado e não tinha sido revogado ou dado sem efeito”.

Em 06/06/2025, nos autos principais, foi proferido o despacho que se segue:
“Para os devidos efeitos e tal como já adiantado, declara-se que o despacho proferido por escrito aos 12.11.2024 se considera substituído/revogado pelo que foi proferido em sede de audiência prévia.
Notifique, sendo novamente a Ré nos termos e para os efeitos determinados pelo despacho que antecede”.
Notificado às partes, contra ele não reagiram.
E, em 25/06/2025, a 1ª Instância proferiu despacho em que admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, em separado, com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.

Mais decidiu:

Alegações de recurso de 03.12.2024:
Uma vez que o despacho sobre o qual incidia o recurso referente às alegações em epígrafe (despacho proferido aos 12.11.2024) se considerou substituído/revogado pelo que foi proferido em sede de audiência prévia, nos termos da decisão datada de 06.06.2025, julga-se inútil superveniente o conhecimento daquele primeiro recurso.
Sem custas, ordenando-se a devolução das respetivas taxas de justiça.
Notifique”.

O despacho que se acaba de transcrever foi notificado aos mandatários das partes, via Citius, em 25/06/2025, que contra ele não reagiram.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se o despacho recorrido (em que a 1ª instância ordenou a notificação da recorrente para que juntasse aos autos: o livro de registo de ações; as atas relativas às assembleias gerais realizadas em 2024; as listas de presença nessas assembleias gerais; o balanço do exercício da recorrente do ano de 2024; o balanço analítico reportado ao mês 15º; os contratos celebrados entre a recorrente e a sociedade EMP02...; e “os 8 documentos atrás referidos”) é nulo por:
- ter sido proferido sem que previamente a 1ª instância tivesse proferido despacho a admitir esses meios de prova;
- ter sido previamente interposto recurso sobre despacho antes proferido, com o mesmo objeto ao do recorrido, recurso esse que se encontra pendente;
b) Se o despacho recorrido padece de erro de direito por:
- a recorrida já ter na sua posse as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024, as respetivas listas de presença e, bem assim, o balanço do exercício de 2023;
- o livro de registo de ações, o balancete analítico reportado ao mês 15º e os contratos celebrados entre a recorrente e a EMP02... não serem referentes a nenhuma matéria objeto das deliberações impugnadas, nem relativos a atos preparatórios das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024, não fazendo parte dos documentos/informações previstos no art. 289º do CSC a serem fornecidos aos sócios em sede preparatória de assembleias gerais, nem a recorrente indicou a matéria de facto que pretende provar com tais documentos; o livro de registo de registo de ações é documento que não faz prova de qualquer dos temas da prova que tenham sido fixados nos autos; já não existe  livro de registo de ações face à revogação do art. 305º do CSC; e os balancetes analíticos não são documentos que as empresas sejam obrigadas a ter e, quando existem podem conter informação sensível do negócio da empresa, encontrando-se, por isso, abrangidos pelo direito à proteção do segredo comercial.    
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar as questões submetidas pela recorrente ao tribunal ad quem são os que constam do «I-Relatório» acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Nulidade do despacho recorrido decorrente de anteriormente o tribunal a quo ter proferido despacho com o mesmo teor daquele e da ora recorrente ter interposto recurso desse anterior despacho, o qual se encontra pendente – impossibilidade originária da presente instância recursiva quanto ao identificado fundamento de recurso
Imputa a recorrente ao despacho recorrido o vício da nulidade decorrente de anteriormente a 1ª Instância ter proferido despacho com igual teor àquele, do qual interpôs recurso, o qual se encontra ainda pendente.
Está em causa o princípio da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão judicial, consagrado no art. 613º, n.º 1 do CPC (onde constam todas as disposições legais a que se venha a fazer referência, sem menção em contrário), nos termos do qual: “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
O princípio em referência é aplicável aos acórdãos, por via do disposto no n.º 1 do art. 666º, e aos despachos, por força do n.º 3 daquele art. 613º, e dele decorre que mal profira sentença, acórdão ou despacho esgota-se o poder jurisdicional do juiz que os proferiu quanto às questões que neles decidiu ou que se impunha que tivesse decidido (por terem sido submetidas pelas partes à sua decisão e não terem ficado prejudicadas pela solução dada a outras questões de que conheceu, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia - arts. 608º, n.º 2 e 615º, n.º 1, al. d) -, ou por serem de conhecimento oficioso), uma vez que as decisões judiciais, em princípio, apenas podem ser anuladas, revogadas ou modificadas em sede de recurso, quando o processo em que foram proferidas comporte recurso ordinário ou, não o comportando, mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade (arts. 615º, n.º 4 e 616º, n.ºs 2 e 3).
Do referido princípio decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu na sentença, acórdão ou despacho; e outro negativo, que consiste na impossibilidade de fora dos casos em que a lei processual civil expressamente o permita (caso de omissão do nome das partes, de omissão da condenação quanto a custas, de algum dos elementos previstos no n.º 6 do art. 607º, ou no caso da sentença, acórdão ou despacho contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, os quais são retificáveis, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, a todo o tempo, no caso de não ter sido interposto recurso, ou, sendo-o, até este subir ao tribunal superior – art. 614º, n.ºs 2 e 3 -; ou de nulidade de sentença, acórdão ou despacho, prevista na al. a) do n.º 1 do art. 615º, decorrente do juiz não os ter assinado, em que essa nulidade pode ser suprida, a todo o tempo, a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz, enquanto for possível colher a assinatura deste – n.º 2 do art. 615º), o tribunal não poder anular, revogar ou modificar a sentença, acórdão ou despacho que proferiu ainda que venha a constatar que padecem de uma das causa determinativas de nulidade taxativamente enunciadas nas als. b) a e) do n.º 1 do art. 615º, ou padecem de erro de julgamento da matéria de facto e/ou de direito[2].
Com efeito, razões de prestígio dos tribunais judiciais, mas principalmente de certeza e segurança jurídicas justificam o mencionado princípio e os dois efeitos acabados de enunciar que lhe estão associados, pelo que, reafirma-se, por princípio, a sentença, acórdão ou despacho apenas podem ser anulados, revogados ou alterados/modificados em sede de recurso, nos casos em que o processo em que foram proferido comporte recurso ordinário; ou, no caso de o não comportar, mediante incidente de reforma ou de arguição de nulidade, a ser apresentado pelo reclamante, no prazo geral de dez dias, a contar da notificação da sentença, acórdão ou despacho, junto do próprio tribunal que os proferiu, o qual fica habilitado a suprir as ditas nulidades quando naturalmente se verifiquem, ou a proceder à sua reforma no caso de padecerem de um dos vícios taxativamente consignados no art. 616º.
O vício de nulidade que a recorrente assaca ao despacho recorrido decorre de antes da prolação deste, a 1ª Instância ter proferido um anterior despacho com o mesmo conteúdo, recurso esse que permanece por decidir, pelo que, na sua perspetiva, ao proferir o despacho sob sindicância em 31/03/2025, o julgador a quo teria violado a regra sobre o esgotamento do poder jurisdicional, o qual determinaria a sua nulidade.
O despacho a que se reporta a recorrente foi proferido em 12/11/2024, e nele a 1ª Instância determinou o desentranhamento dos autos da resposta à contestação apresentada pela recorrida, dispensou a realização da audiência prévia, proferiu despacho saneador, enunciou o objeto do litígio, fixou os temas da prova, advertiu as partes para a possibilidade de poderem a vir a ser condenadas como litigantes de má-fé; e, finalmente, conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, na sequência do que, deferindo o requerido pela recorrida no ponto III.1 da petição inicial, ordenou a notificação da recorrente (Ré) para que juntasse aos autos: o livro de registo de ações, as atas da assembleia geral de 2023 e respetivas listas de presença, o balanço do exercício do ano de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º e os contratos celebrados entre a recorrente e a sociedade EMP02..., S.A..
A ora recorrente interpôs recurso deste segmento decisório que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos os documentos acabados de identificar, vindo a ora recorrida a contra-alegar nesse recurso em 05/01/2025, sem que sobre ele tivesse recaído qualquer despacho de admissão ou indeferimento à data em que a recorrente interpôs o presente recurso do despacho sob sindicância, proferido em 31/03/2025.
Acontece que a questão da nulidade do despacho recorrido, por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento, em 12/11/2024, daquele anterior despacho (que é tudo igual ao teor do despacho agora sob recurso, com exceção das atas das assembleias gerais realizadas, uma vez que nele se ordenou à ora recorrente a junção aos autos das atas relativas às assembleias gerais de 2023, enquanto no despacho recorrido, na sequência da retificação solicitada pela recorrida, se ordenou a junção das atas referentes às assembleias gerais do ano de 2024), que vem suscitada pela recorrente encontra-se presentemente ultrapassada, por via do trânsito em julgado da decisão proferida pela 1ª Instância, em 06/06/2025, nos autos principais, em que decidiu:
“Para os devidos efeitos e tal como já adiantado, declara-se que o despacho proferido por escrito em 12.11.2024 se considera substituído/revogado pelo que foi proferido em sede de audiência prévia”.
E, bem assim, com o trânsito em julgado do proferido em 25/06/2025, que é mera decorrência daquele primeiro, em que se decidiu:
“Uma vez que o despacho sobre o qual incidia o recurso referente às alegações em epígrafe (despacho proferido aos 12.11.2024) se considerou substituído/revogado pelo que foi proferido em sede de audiência prévia, nos termos da decisão datada de 06/06/2025, julga-se inútil superveniente o conhecimento daquele primeiro recurso”.
Com efeito, tendo, por decisões proferidas, em 06/06/2025 e 25/06/2025, transitadas em julgado, sido julgado, respetivamente, considerar-se o despacho proferido em 12/11/2024 substituído pelo despacho agora sob recurso e supervenientemente inútil  o recurso interposto pela ora recorrente daquele anterior despacho, o fundamento de recurso com base em que a recorrente alicerça a nulidade que assaca ao despacho sob sindicância – a prolação do despacho de 12/11/2024, com o consequente esgotamento do poder jurisdicional do tribunal a quo e, bem assim, a circunstância de ter interposto recurso daquele e desse recurso permanecer por decidir – desapareceram da ordem jurídica, pelo que, quanto a esses fundamentos recursórios o presente recurso deixou de ter objeto.
Não obstante, porque uma coisa é declarar-se, por decisão transitada em julgado que “o despacho proferido por escrito aos 12/11/2024, se considera substituído/revogada pelo que foi proferido em sede de audiência prévia”, e julgar-se que o recurso anteriormente interposto pela recorrente daquele anterior despacho se tornou supervenientemente inútil e, coisa distinta, é saber-se se a substituição do despacho de 12/11/2024 pelo ora recorrido estava dependente de decisão judicial que a declarasse, como aconteceu no caso em análise, em que a 1ª Instância, por despacho de 06/06/2025 declarou precisamente essa substituição, ou se esta decorria ope legis, não carecendo, por isso, de despacho judicial a declará-la e, por conseguinte, não era processualmente consentido à recorrente, face à conduta processual que assumiu, ter interposto recurso daquele 1º despacho, ou tendo-o indevidamente feito, não lhe era processualmente consentido, no âmbito do presente recurso (que interpôs do despacho proferido, após a realização de audiência prévia potestativa, em 31/03/2025), invocar como fundamento de recurso a prolação daquele anterior despacho (de 12/12/2024) e, bem assim, que dele tinha interposto recurso e que este permanecia por decidir,  o que releva para efeitos de custas no âmbito do presente recurso.
Nas ações declarativas de valor superior a metade da alçada da Relação, em que, nos termos do n.º 1 do art. 593º, seja consentida ao juiz dispensar  a realização da audiência prévia, nos casos em que a dispense e as partes pretendam reclamar dos despachos que, na sequência, da dispensa daquela diligência foram proferidos pelo juiz, determinando a adequação formal, a simplificação ou agilização processual, enunciando o objeto do litígio, fixando os temas da prova ou programando os atos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e as sua provável duração e designando as respetivas datas, nos termos do n.º 3 do art. 593º, assiste-lhes o direito a requerer a realização de audiência prévia – a designada audiência prévia potestativa.
Quando as partes requeiram a realização de audiência prévia potestativa, os despachos em que o julgador dispensara a realização de audiência prévia e que, na sequência dessa dispensa, proferiu despacho saneador tabular, enunciou o objeto do litígio, fixou os temas da prova e conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e, na sequência desse conhecimento, admitiu (ou indeferiu) os róis de testemunhas, deferindo (ou inferindo) perícias, notificando a parte para juntar aos autos documentos cuja junção foi requerida pela sua contraparte, etc., são retirados ope legis da ordem jurídica, sendo substituídos pelos que venham a ser proferidos na audiência prévia que vai ser realizada a requerimento de uma ou de ambas as partes (audiência prévia potestativa).
O que se acaba de dizer decorre da circunstância de uma vez requerida a audiência prévia potestativa por uma ou ambas as partes, com fundamento no n.º 3 do art. 593º, dentro do prazo de dez dias, o juiz ter, por imposição legal de a convocar.
A audiência prévia potestativa, nos termos da parte final do n.º 3 do art. 593º, destina-se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 591º, ou seja, a discutir a posição das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patente na sequência do debate.
Dito por outras palavras, tendo a ora recorrente (Ré) requerido a realização de audiência prévia potestativa, com fundamento, além do mais, na circunstância de pretender reclamar contra a enunciação do objeto do litígio e os temas da prova fixados pelo tribunal no despacho escrito de 12/11/2024 (em que dispensara a realização da audiência prévia), dentro do prazo de dez dias fixado no art. 593º, n.º 3, não restava ao tribunal ad quo outra solução processual que não fosse designar a realização dessa diligência. E nessa audiência prévia potestativa teria não só de ser concedida aos mandatários a palavra para que discutissem as posições assumidas no processo, com vista à delimitação dos termos do litígio e para que o mandatário da recorrente apresentasse as razões da sua discordância quanto ao objeto do litígio e aos temas da prova antes fixados pelo tribunal, como teria, após, de proferir novos despachos (ou, pelo menos, dar por reproduzido os anteriores) enunciando o objeto do litígio e os temas da prova, o que naturalmente ope legis opera a substituição dos antes proferidos, em que o juiz dispensara a realização da audiência prévia.
A substituição ope legis dos despachos antes proferidos em que se dispensara a realização da audiência prévia, se enunciou o objeto do litígio e se fixaram os temas da prova pelos que vieram a ser proferidos na audiência previa prévia potestativa estende-se naturalmente aos despachos proferidos pelo julgador conhecendo dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e, nessa sequência, como aconteceu no caso em análise, ordenou a notificação da ora recorrente para que juntasse aos autos os documentos supra identificados requeridos pela Autora (recorrida), posto que, o deferimento (ou indeferimento) dos meios de prova apresentados pelas partes não só está dependente dos temas de prova que acabaram por ser fixados na audiência prévia potestativa, como nela, nos termos do n.º 1 do art. 598º, às partes assistia o direito de alterar os requerimentos de prova antes apresentados.
Decorre do exposto que, dispensada a audiência prévia e sendo requerida a realização desta ao tribunal por uma ou ambas as partes, nos termos do n.º 3 do art. 593º, o tribunal tem de realizar essa diligência e que todos os despachos que proferiu na sequência da dispensa daquela diligência são ope legis (independentemente de despacho judicial que o declare) substituídos pelos que venham a ser proferidos na audiência prévia potestativa, desaparecendo da ordem jurídica processual.
No caso em análise, perante os despachos prolatados em 12/11/2024, em que a 1ª Instância dispensou a realização de audiência prévia e, nessa sequência, proferiu saneador, em que “relegou para final a apreciação quanto à admissibilidade/idoneidade/procedência do pedido formulado sob a alínea d)”, enunciou o objeto do litígio, fixou os temas da prova, advertiu as partes para a possibilidade de poderem vir a ser condenadas como litigantes de má-fé, e, finalmente, conheceu dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, tendo, nessa sequência, ordenado a notificação da Ré para que juntasse aos autos: a) livro de registo de ações;  b) atas da assembleia geral de 2023 e lista de presença; c) balanço do exercício de 2023; d) balancete analítico reportado ao mês 15º: e e) contratos celebrados entre a Ré e a sociedade EMP04..., S.A., a ora recorrente requereu, em 28/11/2024, a realização de audiência prévia (potestativa) com fundamento, além do mais, de que tanto o objeto do litígio, como os temas da prova vertidos pelo tribunal a quo se mostravam insuficientes, em face da matéria vertida nas peças processuais, ou seja, com fundamento de que pretendia deles reclamar. E, em 03/12/2024, a ora recorrente interpôs recurso do despacho proferido também em 12/11/2024, em que foi ordenada a sua notificação para que juntasse aos autos os documentos acima referidos.
Destarte, tendo previamente ao recurso que interpôs deste último despacho, a recorrente requerido que fosse realizada a audiência prévia potestativa e tendo o tribunal a quo de designar essa diligência, por se encontrarem preenchidos os pressupostos legais do n.º 3 do art. 593º, e verificando-se que nela, após discussão pelas partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, aquele teria de proferir novos despachos em que, além do mais, enunciasse novamente o objeto do litígio e fixasse os temas da prova e, em função deles e das eventuais alterações que as partes fizessem aos requerimentos de prova que tinham anteriormente apresentado, teria novamente de apreciá-los e que estes últimos despachos substituiriam ope legis os anteriormente proferidos em 12/12/2024, salvo o devido respeito por entendimento contrário, nem essa substituição carecia de ter sido declarada pelo julgador (conforme foi feito no despacho proferido em 06/06/2025), por ser mera consequência das normas acima já enunciadas previstas no CPC, nem ocorre qualquer inutilidade superveniente da instância do recurso que foi interposto pela recorrente em 03/12/2024 (tal como foi decidido por decisão transitada em julgado, proferida em 25/06/2026), mas antes uma impossibilidade originária daquela instância recursiva, por falta de objeto de recurso (desaparecimento ope legis do despacho então recorrido, proferido em 12/12/2024).
Todavia, tendo o despacho de 25/06/2025, em que o tribunal a quo julgou supervenientemente inútil o conhecimento daquele recurso e, em consequência, ordenou a restituição a recorrente e recorrida das taxas de justiça que liquidaram, transitado em julgado, o assim decidido tornou-se vinculativo e obrigatório dentro do presente processo, pelo que, neste conspecto, impõe-se acatar o assim decidido.
Porém, salvo o devido respeito por opinião contrária, o que determinou que o presente recurso deixasse de ter objeto quanto à nulidade que a recorrente assacou ao despacho ora recorrido, proferido em 31/03/2025, não foi este último despacho que julgou o conhecimento daquele anterior recurso supervenientemente inútil, mas sim a circunstância de, previamente à interposição daquele recurso do despacho proferido em 12/12/2024, a recorrente ter requerido à 1ª Instância que realizasse audiência previa potestativa, nos termos do n.º 3 do art. 593º, levando a que esta tivesse de ser convocada e nela tivessem de ser novamente proferidos despachos em que, nomeadamente, enunciasse o objeto do litígio, fixasse os temas da prova e conhecesse os requerimentos de prova apresentados (e, eventualmente, alterados) pelas partes na audiência prévia potestativa, os quais substituíram ope legis os proferidos em 12/12/2024 (na sequência da dispensa da realização da audiência prévia).
Daí que, ao suscitar no âmbito do presente recurso a questão da nulidade do despacho recorrido (proferido em 31/03/2025), no segmento em que a 1ª Instância ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos os documentos acima identificados, com fundamento de que, anteriormente, em 12/12/2024, a 1ª Instância tinha proferido despacho com o mesmo objeto deste e que tinha interposto recurso desse anterior despacho, o qual permanecia por decidir, ou seja, em suma, por violação pelo tribunal a quo do princípio do esgotamento do poder jurisdicional subsequente ao despacho proferido em 12/12/2024, quando esse anterior despacho, com o requerimento que apresentou solicitando a realização de audiência prévia potestativa, ante o preenchimento dos pressupostos do n.º 3 do art. 593º, iria (e foi) substituído ope legis  pelo despacho recorrido, deixando, portanto, de ter existência na ordem jurídica processual, não só a recorrente invocou um fundamento de recurso contra o despacho recorrido que era originariamente impossível – a nulidade decorrente daquele anterior despacho, que apenas podia ser modificado no recurso que dele interpôs, quando esse despacho iria (e foi) retirado ope legis da ordem jurídica, com a prolação do recorrido, proferida na sequência da realização da audiência prévia potestativa -, como as custas do presente recurso quanto a esse fundamento de recurso – originariamente impossível  - têm de ficar a seu cargo.
Decorre do exposto, impor-se julgar extinta a presente instância recursiva, por falta originária  de objeto do recurso (substituição do despacho proferido em 12/12/2024, pelo despacho recorrido, proferido em 31/03/2025, após realização de audiência prévia potestativa a requerimento da ora recorrente) quanto à nulidade do despacho recorrido que a recorrente assaca ao mesmo decorrente de, anteriormente, em 12/12/2024, o tribunal a quo ter proferido despacho com o mesmo teor e de ter interposto recurso deste último e desse recurso se encontrar alegadamente pendente, devendo as custas do presente recurso, quanto a esta parte, ficarem a cargo da recorrente.

B- Nulidade do despacho recorrido no segmento em que ordenou a notificação da recorrente para que juntasse aos autos as atas das assembleias gerais, e respetivas listas de presença, que tiveram lugar em 23 de julho de 2024 e, bem assim, para que juntasse os contratos celebrados entre aquela e a EMP02..., sem que previamente tivesse sido proferido despacho a admitir esses meios de prova e dos erros de direito que o recorrente assaca a esse despacho quanto a esse segmento decisório – inutilidade originária da instância recursiva quanto a eles
No despacho sob sindicância, a 1ª Instância ordenou a notificação da recorrente para que juntasse aos autos os documentos discriminados pela Autora “em sede de petição inicial (ponto III), com a retificação efetuada (pela recorrida – Ré) no requerimento datado de 05/03/2025 (ponto I)”.
No referido ponto III da petição inicial, em sede de requerimento de prova, a recorrida requereu a notificação da recorrente para que juntasse aos autos: o livro de registo de ações, as atas da assembleia geral de 2023 e as respetivas listas de presença, o balanço do exercício da recorrente de 2023, o balanço analítico reportado ao mês 15º, os contratos celebrados entre a recorrente e a sociedade EMP04..., S.A. e “os 8 documentos atrás referidos”.
Por sua vez, no requerimento de 05/03/2025, a recorrente requereu a retificação do requerimento de prova que apresentou na petição inicial, de modo a que, onde se lê: “Atas da assembleia geral de 2023 e lista de presença”, deverá ler-se: “Atas da assembleia geral de 2024 e lista de presença”.
Destarte, as atas de assembleia geral de 2024 e as respetivas listas de presença que a recorrida pretendia que fossem juntas aos presentes autos pela recorrente e que, nessa sequência, o tribunal a quo, no despacho sob sindicância, ordenou fossem a eles juntas pela última referem-se ao ano de 2024.
Acresce que, apesar dos requerimentos assim apresentados pela recorrida e o despacho sob sindicância poderem incutir a interpretação de que se pretendia a junção das atas das assembleias gerais e respetivas listas de presença realizadas ao longo do ano de 2024, conforme decorre dos articulados apresentados pelas partes, mormente da petição inicial, em que apenas se alude às assembleias gerais realizadas no dia 23 de julho de 2024 e se pede, além do mais, que seja declarada a nulidade ou a anulabilidade das deliberações nelas tomadas, é apodítico que as atas das assembleias gerais e as respetivas listas de presença que a recorrida pretende fossem juntas aos autos pela recorrente (e que, nessa sequência, no despacho sob sindicância, se ordenou a sua notificação para que as juntasse) são exclusivamente as relativas às assembleias gerais realizadas no dia 23 de julho de 2024.
 Acontece que as atas das assembleias gerais que tiveram lugar no dia 23 de julho de 2024 e respetivas listas de presença foram juntas aos presentes autos pela própria recorrente em anexo à contestação, como docs. n.ºs 1 e 2 (atas n.ºs 57 e 58) e 3 (listas de presença).
Destarte, independentemente da posição assumida pela recorrida de que as atas e as listas de presença juntas pela ora recorrente com a contestação não retratam o que se passou efetivamente nas assembleias gerais que tiveram lugar no dia 23 de julho de 2024 (o que contende já com a força probatória de tais documentos enquanto meios de prova face ao disposto nos arts. 373º, 374º e 376º do CC), não faz qualquer sentido os sucessivos requerimentos que apresentou, solicitando ao tribunal que notificasse a ora recorrente para que juntasse aos autos as ditas atas e respetivas listas de presença, nem o despacho recorrido, no segmento em que ordenou a notificação desta para que juntasse esses documentos ao presente processo, quando os mesmos já a ele tinham sido juntos com a contestação.
Todavia, muito menos faz sentido o recurso interposto pela recorrente do despacho em que se determinou a sua notificação para que juntasse ao processo aquelas atas e listas de presença, invocando como fundamento do recurso, designadamente, que: a recorrida participou nas assembleias gerais do dia 23 de julho de 2024, e então teve acesso aos identificados documentos e às cópias dos mesmos (ponto I das alegações de recurso); a recorrida não indicou qualquer matéria de facto para justificar e se apreciar a necessidade e oportunidade daquela pretensão, o que, por si só, na sua perspetiva, impunha que a 1ª Instância a tivesse indeferido, pelo que, ao não fazê-lo, incorreu em erro de direito (ponto II das alegações de recurso); e, assacando a esse segmento decisório que ordenou a sua notificação para que juntasse aos presentes autos aquelas atas e respetivas listas de presença o vício de nulidade por ter sido proferido sem que a 1ª Instância tivesse previamente proferido despacho admitido tais meios de prova (conclusão 2ª das alegações de recurso).
A propósito dos contratos pretensamente celebrados entre a recorrente e a EMP02..., a recorrente alegou, nos pontos 115º e 116º da contestação, que aqueles contratos não existiam e que não foram celebrados entre ela e a EMP02... quaisquer transações, concretizando, nos pontos 118º e 119º do mesmo articulado que: “O valor que a Autora refere (e que consta da pág. 28 do anexo) não é respeitante a quaisquer contratos/transações entre essas duas empresas. Esse valor advém da fusão/cisão que ocorreu anteriormente, como a Autora bem sabe, a qual ocorreu anteriormente, foi autorizada e objeto de parecer favorável do fiscal único”.
Dir-se-á que, perante a alegação da recorrente acabada de referir, em que expressamente alega que aqueles contratos que a recorrida pretendia fossem juntos aos autos são inexistentes, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não faz qualquer sentido os sucessivos requerimentos que foram apresentados pela recorrida, solicitando que o tribunal notificasse a recorrente para que juntasse aos autos os identificados contratos pretensamente celebrados entre ela e a EMP02..., nem o segmento do despacho recorrido que ordenou a notificação da ora recorrente para que o fizesse, quando esta, logo em sede de contestação, alegara que os identificados contratos eram inexistentes.
Todavia, muito menos faz sentido o recurso interposto pela recorrente daquele despacho no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse ao presente processo os ditos contratos, alegando, como fundamento do recurso, nomeadamente, que: a recorrida não indicou qualquer matéria de facto para justificar e se apreciar da necessidade e oportunidade da sua pretensão, o que, por si só, na sua perspetiva, determinava que a 1ª Instância a devesse indeferir, pelo que, ao não fazê-lo, ordenando a sua notificação para que juntasse os ditos contratos aos presentes autos padece de erro de direito; os ditos contratos não são referentes a nenhuma matéria das deliberações impugnadas, nem relativos a atos preparatórios das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024, nem às matérias que foram objeto das deliberações nelas tomadas, não fazendo parte da informação que tivesse de fornecer à recorrida, além de não serem necessários/imprescindíveis para que a última faça prova da matéria objeto do litígio (cfr. ponto II das alegações de recurso); e, finalmente, que o despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos aqueles contratos é nulo por ter sido proferido sem que previamente tivesse sido proferido despacho a admitir os mesmos enquanto meios de prova (cfr. conclusão 2ª das alegações de recurso).
Com efeito, perante o facto de já terem sido juntas pela recorrente, com a contestação, as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024 e respetivas listas de presença e a posição por si assumida naquele articulado de que não existiam contratos que tivessem sido celebrados entre si e a EMP02..., a única posição processual que podia ter sido por si assumida e que lhe era imposta pelo princípio da cooperação, perante o despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos aqueles documentos era o de alertar o tribunal a quo que aquelas atas e listas de presença já tinham sido por si juntas com a contestação e, bem assim, que os ditos contratos eram inexistentes, tal como já tinha por si sido alegado nesse articulado, e não interpor recurso, assacando ao despacho recorrido o vício da nulidade e os erros de direito a que acima fizemos referência, cuja apreciação, por inútil, está subtraída ao tribunal ad quem.
Vejamos…
O processo judicial destina-se a resolver conflitos de direitos ou de interesses legítimos das partes, e não a dirimir questões jurídicas académicas, insuscetíveis de ter (ou já não poder ter) quaisquer reflexos jurídicos na esfera jurídica dos litigantes. O referido entendimento filia-se em duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque a instauração de uma ação inútil acarreta sempre prejuízos e incómodos para o réu, pelo que seria injustificado causar-lhe tais efeitos nefastos quando entre ele e o autor não existe (ou já não existe) um efetivo conflito de direitos ou de interesses legítimos, que os mesmos não conseguem ultrapassar por via extrajudicial, demandando, por isso, a intervenção do tribunal com remédio para solucionar o dito litígio; em segundo lugar, porque sendo a justiça um serviço estadual, pago com o erário público e com recursos finitos e sempre insuficientes face aos múltiplos conflitos (efetivos) que aquela é chamada a dirimir, esta só deve funcionar quando houver motivo para tal, ou seja, quando o autor demonstre uma efetiva necessidade de a ela recorrer para solucionar o conflito de direitos ou de interesses que o contrapõe ao réu e para que lhe seja reconhecida a pretensão (pedido) que deduz contra o último, quer porque esses meios alternativos (extrajudiciais) não existem, ou porque foram utilizados sem sucesso. Daí que o autor apenas disponha de interesse processual  (o que configura pressuposto processual inominado, ou seja, uma exceção dilatória inominada) quando se confronte com uma situação de indispensabilidade de recorrer a juízo para a satisfação da sua pretensão, ou seja, quando ocorra um efetivo e real conflito de direitos ou de interesses legítimos entre aquele e o réu e não disponha de outros meios para ver reconhecida a sua pretensão[3].
Transpondo o que se acaba de dizer para o recurso, as partes apenas dispõem de interesse em interpor recurso – legitimidade para recorrer – e apenas podem imputar à decisão recorrida nulidades ou erros de direito quando aquela decisão seja suscetível de afetar negativamente a sua esfera jurídico-patrimonial, causando-lhes prejuízo.
Ora, vigorando no ordenamento processual civil como princípios do julgamento, o da aquisição processual, segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova (art. 413º), e decorrendo desse princípio a impossibilidade de ser retirada do processo uma prova que nele tenha sido apresentada[4], é apodítico que tendo a recorrente, na sequência do requerimento probatório apresentado pela recorrida na petição inicial, junto em anexo à contestação as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024, e as respetivas atas de presença, as quais não podem dele ser mais retiradas, não só não lhe assiste o direito a recorrer do despacho que ordenou àquele a junção aos autos dos ditos documentos (já a eles juntos pela própria recorrente), assacando ao despacho recorrido que ordenou aquela notificação (indevida) a nulidade e os erros de direito acima referidas, nem o tribunal ad quem pode conhecer desses fundamentos de recurso (dirigidos ao próprio despacho recorrido), posto que, face ao enunciado principio da aquisição processual, independentemente de assistir (ou não) razão ao recorrente, a decisão (dando-lhe razão) que viesse a proferir quanto aos ditos fundamentos de recurso que invocou seria insuscetível de levar ao desentranhamento dos autos das atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024 e respetivas listas de presença, juntas pela própria recorrente com a contestação.
Daí que, se imponha declarar originariamente inútil o conhecimento da nulidade e dos erros de direito que a recorrente assaca ao despacho sob sindicância, no segmento em que ordenou a notificação daquela para que juntasse aos autos as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024 e respetivas listas de presença.
O mesmo raciocínio carece de ser feito em relação aos pretensos contratos celebrados entre a recorrente e a EMP02..., atento o princípio da limitação dos atos, do art. 130º. É que alegando a recorrente, na contestação, que os identificados contratos são inexistentes e porque naturalmente aquela não pode juntar aos autos aquilo que não possui (por alegadamente ser inexistente), prefigura-se-nos ser originariamente inútil apreciar a nulidade e os erros de direito que a mesma assaca ao despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que junte aos autos os identificados contratos. É que, independentemente da procedência (ou não) da nulidade ou dos erros de direito que a recorrente assaca àquele segmento decisório, essa decisão, no caso de improcedência dos referidos fundamentos de recurso, seria insuscetível de levar à junção aos autos pela recorrente dos identificados contratos pela recorrente, que alega não os deter na sua posse.
Decorre do que se acaba de expor que o conhecimento, no âmbito do presente recurso, da nulidade e dos erros de direito que a recorrente assaca ao despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024 e respetivas listas de presença (já a eles juntas pela própria recorrente em anexo à contestação) e, bem assim, os contratos alegadamente celebrados entre ela com a EMP02... (que alega, na contestação, serem inexistentes), são originariamente inúteis, por a decisão de procedência desses fundamentos de recurso serem insuscetíveis de levar ao desentranhamento dos autos das ditas atas e listas de presença juntas com a contestação e de levar a que a recorrente juntasse aos autos os identificados contratos, que alega não possuir, pelo que deles não se conhecerá, devendo as custas do recurso, na parte em que assim se decide, recair sobre a recorrente.

Resta apreciar a nulidade e os erros de direito que a recorrente assaca ao despacho sob sindicância no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao 15º mês e “os 8 documentos atrás referidos”.

C- Nulidade do despacho recorrido, no segmento em que ordenou a notificação da recorrente para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º e “os 8 documentos atrás referidos”
Advoga a recorrente que o despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º e “os 8 documentos atrás referidos” (único segmento decisório cujos fundamentos de recurso invocados pela recorrente permanecem por apreciar) é nulo, por ter sido proferido sem que previamente o tribunal a quo tivesse admitido aqueles meios de prova.
Sem razão.
Na verdade, ao ter notificado a recorrente para que juntasse ao processo aqueles documentos, não só a 1ª Instância deferiu expressamente a pretensão deduzida pela recorrida na petição inicial para que se notificasse o ora recorrente para que juntasse ao presente processo os identificados documentos, como essa decisão expressa tem implícito a admissão pelo tribunal daqueles enquanto meios de prova, já que, do ponto de vista lógico e jurídico, não faz qualquer sentido que o tribunal tivesse deferido a pretensão da recorrida para que ordenasse a notificação da recorrente para que juntasse ao presente processo o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º e “os 8 documentos atrás referidos” caso não os tivesse admitido como meios de prova.
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede a nulidade que o recorrente assaca ao despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao 15º mês e “os 8 documentos atrás referidos”, por pretensamente não ter previamente proferido despacho admitindo os mesmos como meios de prova.

C- Dos erros de direito assacados pelo recorrente ao segmento do despacho recorrido em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao 15º mês e “os 8 documentos atrás referidos”.
A propósito do segmento do despacho recorrido que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos o balanço do exercício de 2023 (tal como foi requerido pela recorrida na petição inicial) advoga o recorrente, além do mais, que a “recorrida participou nessas AG´s de 2024 e então teve acesso a estes documentos e a cópia dos mesmos. Por isso, a Autora não precisa que a Ré junte tais documentos e, aliás, a sua junção é um ato inútil e consequentemente desnecessário”.    
Acontece que lida a petição e os sucessivos requerimentos apresentados pela recorrida esta alega que os únicos documentos que lhe foram facultados foi o relatório de contas da relativo ao exercício do ano de 2023, a certificação legal dessas contas e o parecer do fiscal único (cfr. ponto 30º da petição inicial), documentos esses que, aliás, juntou em anexo ao articulado inicial.
Daí que a recorrida não aceita que lhe tivesse sido entregue o balanço de exercício do ano de 2023, assim se compreendendo, aliás, que tivesse requerido a notificação da ora recorrente para que o juntasse aos autos.
Acontece que, tal como acusa a recorrente acontecer, o “balanço de exercício” não integra a denominada informação preparatória de assembleias gerais enunciada no art. 289º do Cód. das Sociedade Comerciais (CSC) que a administração da sociedade é obrigada a facultar aos sócios/acionistas ou, pelo menos, essa expressão não corresponde à designação que consta daquele preceito. E também não integra a designação jurídica dos documentos enunciados nos arts. 65º e segs. e 263º e segs. do CSC, que os membros da administração têm de elaborar anualmente e submeter à assembleia geral em sede de apreciação e aprovação anual das contas da sociedade.
Dir-se-á que a expressão “balanço de exercício” utilizada pela recorrida no requerimento de prova apresentado na petição inicial (e nos sucessivos requerimentos) não é um termo técnico, mas tanto pode referir-se à demonstração de resultados do exercício ou ao balanço patrimonial. A demonstração dos resultados do exercício detalha o desempenho financeiro de uma empresa num determinado período, enunciando as receitas e as despesas para calcular o lucro ou prejuízo nesse período. O balanço patrimonial evidencia os ativos, passivos e o capital próprio da empresa, formando o património líquido.
Ora, dado que, na petição inicial e nos sucessivos requerimentos a recorrida solicitou a notificação da ora recorrente (Ré) para que juntasse aos autos o “balanço do exercício de 2023” e, nessa sequência, no despacho sob sindicância a 1ª Instância ordenou a notificação desta para que juntasse aos autos o “balanço do exercício de 2023”, estando-se perante um termo não técnico que comporta uma polissemia de sentidos, que a recorrida não cuidou em concretizar, naturalmente que, contrariamente ao pretendido pela recorrente, esta não pode pretender ter facultado já o documento em causa à recorrida.
Todavia, face à não concretização pela recorrida da expressão que utilizou no requerimento de prova que formulou na petição inicial e nos sucessivos requerimentos apresentados - “balanço do exercício e 2023” -, teremos de infra retornar a essa questão para indagar das consequências jurídicas decorrentes dessa inconcretização da expressão que utilizou.
Avançando…
A propósito da notificação que lhe foi dirigida para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, advoga a recorrente que, face à revogação do art. 305º do CSC, não existe atualmente qualquer obrigação legal que impenda sobre si (e as sociedades em geral) de terem livro de registo de ações, afirmando, inclusivamente, no presente recurso que “já não existe livro de registo de ações, como decorre da revogação do regime do art. 305º do CSC” (cfr. ponto III das alegações de recurso).
Sem razão. O art. 305º do CSC foi revogado em 1999, pelo art. 15º, n.º 1, al. d), do Dec. - Lei n.º 486/99, de 13/11, que aprovou o Código dos Valores Mobiliários (CVM), o qual passou a reger o tema do registo da emissão de valores mobiliários (art. 43º e seg.), assim como, o registo das transmissões que, nos termos do CVM, devem ser registadas (art. 80º e 102º, n.º 1).
Nos termos do art. 1º, al. a) do CVM, as ações são valores imobiliários. Independentemente da forma de representação, a emissão de valores mobiliários deve ser objeto de registo junto do emitente, em suporte de papel ou em suporte informático, incumbindo esse registo à sociedade (arts. 43º, n.º 1, 59º, n.º 1 do CVM e Portaria n.º 290/2000, de 25/5)[5].  
A transmissão de ações tituladas nominativas, por ato inter vivos, fora do mercado bolsista, depende de título válido de transmissão celebrado entre transmitente e transmissário e do “modo”, isto é, de declaração escrita, no título, a favor do transmissário e do registo da transmissão junto do emitente ou do intermediário financeiro (arts. 102º a 104º do CVM)[6].
Destarte, a alegação da recorrente de que, face à revogação do art. 305º do CSC, deixou de impender sobre si (e as sociedades em geral) o ónus de ter livro de registo de ações (com o que deixou intuído não ter esse livro) não tem fundamento legal, impondo-se concluir pela improcedência deste fundamento de recurso.
Mais sustenta a recorrente que o despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º e “os 8 documentos atrás referidos”, padece de erro de direito dado que a recorrida não indicou, no requerimento de prova, a matéria de facto que pretende provar com os mesmos, nem aqueles integram a facticidade a que respeitam os temas da prova que foram fixados nos presentes autos e, por isso, independentemente dos restantes erros que assaca ao dito segmento decisório, impõe-se a sua revogação por erro de direito.
Vejamos se lhe assiste razão.
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 3º, n.º 1, 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d), 572º, al. c), 587º, n.º 2 e 3º, n.º 4 do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06 (o que é corolário do princípios do dispositivo) que sobre o  autor e o réu-reconvinte impende o ónus de alegar, na petição ou na reconvenção, respetivamente, os factos essenciais constitutivos da causa de pedir que elegeram para ancorarem o pedido, impendendo, por sua vez, sobre o réu o ónus de alegar, na contestação, os factos essenciais em que se baseiam as exceções que invocou tendo em vista obstar o tribunal de entrar na apreciação do mérito da causa (exceções dilatórias) ou impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pelo autor na petição inicial ou pelo réu-reconvinte na reconvenção (exceções perentórias), e ao autor, na réplica, não sendo esta admissível, no início da audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, o ónus de alegar os factos essenciais em que se baseiam as contra exceções que oponha às exceções que foram invocadas pelo réu na contestação.
No entanto, para além de ter de julgar como provados ou não provados na sentença os factos essenciais que foram alegados pelas partes, o juiz tem de  nela julgar como provados os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que resultem da instrução da causa, desde que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar quanto a eles, bem como (em sede de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto), os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e, bem assim, os factos notórios e os de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (arts. 5º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e c) e 607º, n.º 4 do CPC).
A instrução do processo tem por objeto os factos relevantes para o exame e a decisão da causa que permaneçam controvertidos e que, por isso, constam dos temas da prova ou, quando não tenha de haver lugar a essa enunciação, por referência a factos carecidos de prova (art. 410º do CPC), abrangendo essa instrução, conforme acabado de referir, os factos essenciais, os complementares e os instrumentais.
Por sua vez, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do CC), consubstanciando a produção da prova precisamente a atividade desenvolvida em juízo no sentido do obter o convencimento do julgador acerca da realidade dos factos essenciais (oportunamente alegados pelas partes e que permanecem controvertidos), bem como dos complementares ou concretizadores e, bem assim, dos instrumentais que resultem daquela atividade instrutória, ainda que não alegados.
A referida atividade instrutória passa pela utilização dos meios de prova legal ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes (art. 345º do CC).
Noutra perspetiva, nos termos do art. 342º do CC, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), incumbindo, por sua vez, o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2).
Deste modo, decorre do que se vem dizendo que sobre o autor impende o ónus alegatório dos factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu na petição inicial e de onde faz derivar o pedido que formula contra o réu, bem como dos factos essenciais constitutivos das contra exceções que opôs (nos termos acima referidos) às exceções invocadas pelo réu, mas também o ónus da prova desses factos essenciais (necessariamente alegados), bem como dos factos complementares e instrumentais (independentemente da respetiva alegação).
Já sobre o réu impende o ónus alegatório dos factos essenciais integrativos das exceções que invocou na contestação. E cabe-lhe o ónus da prova desses factos essenciais integrativos das exceções que invocou na contestação (necessariamente alegados), mas ainda dos complementares e dos instrumentais daqueles (independentemente da sua alegação).
Por isso, o cumprimento dos ónus da prova pela parte que com ele se mostra onerada assume importância decisiva para que possa obter uma decisão judicial que lhe seja favorável. O autor apenas logrará obter o reconhecimento do direito a que se arroga titular perante o réu no caso de lhe ser reconhecido o direito a carrear para o processo as provas pré-constituídas e a requerer as provas constituendas que tenha por convenientes com vista à demonstração dos factos essenciais (que alegou na petição inicial de que faz derivar o direito a que se arroga titular perante o réu e de onde emerge o pedido que formula, e os integrativos das contra exceções que opôs às exceções invocadas pelo réu na contestação), bem como dos factos complementares e os instrumentais. O réu apenas poderá demonstrar a falta de razão do autor caso lhe seja assegurado o direito a produzir a prova que tenha por pertinente com vista a lançar a dúvida sobre os factos alegados pelo autor ou com vista a fazer prova dos factos essenciais integrativos das exceções que opôs ao direito de que aquele se arroga titular na contestação e, bem assim, dos factos complementares e instrumentais dos essenciais integrativos daquelas exceções que invocou.
Dada a importância do cumprimento do ónus da prova e acentuando os deveres correlativos que dele decorrem para as partes e terceiros, conforme refere Teixeira de Sousa, costuma falar-se de um direito à prova, o qual é deduzido habitualmente para a generalidade dos processos jurisdicionais, do disposto no art. 6º, n.º 3, al. d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[7], mas que, na nossa perspetiva, é também uma concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20º, n.º 1 da CRP.
Posto isto, na sequência da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, os meios de prova passaram a ser indicados nos articulados em que se aleguem os factos que visam provar (art. 552º, n.º 6 do CPC quanto à petição e art. 572º, al. d) do mesmo Código quanto à contestação), sem prejuízo do autor, no caso do réu contestar, poder alterar os requerimentos de prova que apresentou na petição na réplica ou, caso não haja lugar a ela, no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (n.º 6 do art. 552º), e do réu ser admitido a alterar o requerimento probatório que inicialmente apresentou na contestação, no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica (al. d) do art. 572º). Os requerimentos probatórios podem ainda ser alterados pelas partes em sede de audiência prévia (art. 598º, n.ºs 1 e 3).
Debruçando-nos especificamente sobre a prova documental, dado que é sobre ela que versa o presente recurso, dir-se-á que, visando contrariar a tendência que se tinha instalado, erigida em verdadeira estratégia processual, traduzida em protelar a junção de documentos para o decurso da audiência final, em que estes iam sendo libertados à medida que a prova pessoal, nomeadamente, testemunhal ia sendo produzida, numa manifesta violação ao princípio da boa-fé processual e com os efeitos negativos que daí decorriam, com o arrastamento da audiência final e a perturbação do decurso dos depoimentos que nela estavam a ser produzidos, a reforma ao CPC, introduzida pela Lei n.º 41/2013, impôs o ónus de apresentação da prova documental com o articulado em que são alegados os factos correspondentes e impôs como termo final para a sua apresentação o vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final ou, no caso de comportar várias sessões, em que tenha início efetivo a primeira sessão, ficando, contudo, a parte sujeita ao pagamento de multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (art. 423º, n.ºs 1 e 2 do CPC)[8], tudo sem prejuízo dos casos excecionais em que as partes podem ainda juntar aos autos documentos após esse prazo limite, que aqui nos abstemos de tratar dada a sua irrelevância para o objeto do presente recurso.
Atenta a possibilidade de existirem documentos em poder da parte contrária ou de terceiro, que sendo pertinentes para prova ou contraprova de factos essenciais integrativos da causa de pedir alegada pelo autor na petição inicial, das contra exceções que opôs às exceções invocadas pelo réu na contestação, ou de factos essenciais integrativos das exceções invocadas pelo último (factos essenciais esses que, relembra-se, têm de ser necessariamente alegados), de factos complementares ou de factos instrumentais (os quais não carecem de ser alegados), concretizando o princípio da cooperação intersubjetiva no âmbito do instrução do processo (art. 7º), preveem os arts. 429º e 439º, que quando uma das partes pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária ou de terceiro, assiste-lhe o direito a requerer que este seja notificado para o apresentar dentro do prazo que lhe for designado, devendo, porém, no requerimento em que requeira a dita notificação: a) identificar quanto possível o documento cuja junção requerer; e b) especificar os factos que com ele pretende provar.
Relembra-se que a faculdade que assiste ao recorrente de requerer ao tribunal a notificação da parte contrária ou do terceiro possuidor do documento para que o junte ao processo é uma das concretizações do princípio da cooperação consagrado no arts. 7º e de que o 417º é desenvolvimento. Por isso, a faculdade concedida pelos arts. 429º e 432º tem como pressuposto que o requerente não possa obter o documento em causa através dos seus próprios meios, pelo que o regime jurídico destas normas dos arts. 429º e 432º dificilmente se aplica a certidões de documentos autênticos, na medida em que o requerente poderá normalmente obter essas certidões junto das entidades competentes, sem necessidade de recorrer ao auxílio do tribunal.
Portanto e em suma, o campo de aplicação dos arts. 429º e 432º  refere-se fundamentalmente a documentos particulares[9].
Sucede que quer se trate de documento em poder de parte contrária, quer de documento em poder de terceiro, resulta da conjugação dos arts. 429º e 432º que, para que seja legalmente consentido notificar aqueles para que juntem aos autos documento é necessário que se encontrem preenchidos os seguintes pressupostos cumulativos: a) se trate de documento em poder da parte contrária ou de terceiro que o requerente não consiga obter através dos seus próprios meios; b) o requerente identifique quanto possível o documento cuja junção requer; e c) identifique os concretos factos (essenciais, complementares e/ou instrumentais) que pretende provar ou fazer a contraprova mediante a junção ao processo do dito documento.
Enuncie-se que a necessidade de o requerente dar cumprimento ao requisito acabado de enunciar sob a alínea b) tem por finalidade dar a conhecer ao notificado qual o concreto documento que dele é requisitado. É que para que a parte contrária ou o terceiro possam “tomar conscientemente qualquer atitude perante o despacho que requisitar a apresentação, é indispensável que ele saiba, ao certo, qual a espécie de documento que se lhe exige – se uma carta, se uma letra, se um relatório, se um balanço, se um título de arrendamento, etc. Não basta que se indique a espécie em abstrato, é necessário que se caracterize a espécie, que se individualize o documento, dizendo-se, por exemplo, de que data é a carta e quem a expediu, a que prédio se refere o arrendamento e em que data se celebrou, etc.”. E a necessidade do cumprimento do requisito supra identificado em c) “destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e, em segundo lugar, a fazer funcionar a sanção”[10], uma vez que, nos termos do n.º 2 do art. 429º, apenas é consentido ao julgador ordenar a notificação da parte contrária ou do terceiro para que juntem aos autos o documento pretendido pelo requerente quando os factos que este “pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa”, de onde deriva impender sobre o julgador a obrigação legal de controlar a pretensa idoneidade ou necessidade do dito documento para prova de factos (essenciais, complementares ou instrumentais) com cujo ónus probatório o requerente se encontra onerado ou para colocar em dúvida/infirmar aqueles factos.
O julgador terá assim de indeferir a pretensão do requerente para que se notifique a parte contrária ou o terceiro para que juntem aos autos documento quando: 1º- o requerimento apresentado pelo requerente tiver sido apresentado extemporaneamente; 2º- este não identifique no requerimento o concreto documento cuja junção requer ou proceda a essa identificação em termos abstratos, de modo a desconhecer-se a que concreto e específico documento se reporta; 3º- ou não indique os factos (essenciais, complementares ou instrumentais) que com ele pretende fazer prova ou contraprova; ou 4º- quando a junção desse documentos se mostre impertinente ou desnecessária.  
Especifica-se que a junção do documento mostrar-se-á «impertinente» quando diga “respeito a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da ação. De um modo abrangente, pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraiam factos essenciais ou ainda por se tratar de facto importante para apreciar a fiabilidade de outro meio de prova”. E mostra-se «desnecessários» quando, “atento o estado da causa, sejam insuscetíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, ou por respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa, ou ainda por já constar do processo documento de igual ou superior relevo”[11].
Revertendo ao caso dos autos, na petição inicial, em sede de requerimento de prova, a propósito da prova documental que afirma estar em poder da ora recorrente (Ré), a recorrida requereu que o tribunal notificasse a última para que juntasse aos autos “o balanço do exercício de 2023” e “os 8 documentos atrás referidos”.
Acontece que, conforme antedito, a expressão “balanço do exercício” utilizada pela recorrida não consubstancia um termo técnico e comporta dois sentidos interpretativos possíveis.
Daí que a recorrida não cuidou em cumprir com o ónus de concretização do documento cuja junção aos autos requereu, que lhe é imposta pelo n.º 1 do art. 429º, que a obrigava a identificar quanto possível o concreto e específico documento cuja junção aos autos requereu.
A propósito dos “8 documentos atrás referidos”, a recorrida também não cuidou, no requerimento de prova que apresentou na petição inicial (e nos sucessivos requerimentos que veio a apresentar) em dar cumprimento ao enunciado ónus de concretização desses concretos oito documentos, dado não cumprir ao tribunal ler a extensíssima petição inicial com vista a determinar a concretos documentos se reporta.
Destarte, salvo melhor opinião, dada a inconcretização do requerimento de prova apresentado pelo recorrida no que tange à junção aos autos do “balanço do exercício de 2023” e dos “8 documentos atrás referidos”, impunha-se que o tribunal a quo tivesse indeferido essa pretensão, por incumprimento pela recorrida do disposto no n.º 1 do art. 429º, pelo que, ao ordenar a notificação da recorrente para juntar aos autos os ditos documentos (não especificados nem concretizados), o segmento decisório da decisão recorrida em que ordenou aquela notificação padece de erro de direito, impondo-se a respetiva revogação.
Acresce dizer que, ainda que assim não fosse, sempre se impunha que a 1ª Instância tivesse indeferido a pretensão da recorrida para que se notificasse a recorrente para que juntasse aos autos o balanço do exercício de 2023, os “8 documentos atrás referidos”, o livro de registo de ações analítico reportado ao mês 15º, por incumprimento do ónus que impendia sobre a recorrida de ter de indicar/especificar no requerimento em que formulou a dita pretensão os concretos factos (essenciais, complementares ou instrumentais) que permaneciam controvertidos nos presentes autos e com que pretendia fazer a prova ou a contraprova desses factos  mediante a junção aos autos dos documentos em referência, conforme lhe é imposto que fizesse pela parte final do n.º 1 do art. 429º.
Aliás, atenta o objeto da presente ação e a facticidade que nela permanece controvertida não se vislumbra que a junção aos autos do livro de registo de ações ou do balancete analítico reportado ao mês 15º tivesse qualquer pertinência para prova ou contraprovada da facticidade que nela permanece controvertida.
A recorrida instaurou a presente ação de anulação das deliberações sociais pedindo, além dos mais, que se declarassem nulas ou anuláveis as deliberações sociais tomadas nas assembleias gerais da recorrente que tiveram lugar no dia 23 de julho de 2024, arrogando ser acionista desta, e essa qualidade de acionista da recorrente não foi colocada em crise pela recorrente, que não invocou, na contestação, a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, pelo que, salvo melhor opinião, a junção aos autos do livro de registo de ações mostra-se totalmente impertinente para fazer prova ou contraprova da matéria de facto que permanece controvertida nos presentes autos.
Quanto ao balancete analítico reportado ao mês 15º, atenta a facticidade que permanece controvertida, o que releva é: primo, saber se a recorrente estava obrigada legalmente a facultar aquele balancete analítico à recorrida; secundo, no caso positivo, se o não forneceu; tertio, determinar quais as consequências jurídicas que decorrem desse não fornecimento para as deliberações aprovadas nas assembleias gerais que tiveram lugar em 23 de julho de 2024, a propósito do que, a junção aos autos do identificado documento na presente fase processual é totalmente inapto a fazer prova do fornecimento (ou não) do dito balancete em sede de documentação preparatória dessas assembleias gerais ou nas próprias assembleias.
Decorre do antecedente que, o segmento do despacho recorrido em que se determinou a notificação da recorrente para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º, e os “8 documentos atrás referidos” padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e absolver a Ré do pedido de junção de tais documentos.

D- Das custas
Nos termos do art. 527º, n.ºs 1 e 2, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver causa ou, não havendo vencimento, quem dele tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do recurso a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso dos autos, julgou-se extinta a presente instância por: falta originária de objeto do recurso quanto à nulidade que a recorrente assacou ao despacho recorrido decorrente de, em 12/12/2024, o tribunal a quo ter proferido despacho com o mesmo teor ao do recorrido e dele ter interposto recurso e desse recurso estar ainda alegadamente pendente; por inutilidade originária da instância recursiva quanto à apreciação da nulidade e dos erros de direito que a recorrente assaca ao despacho recorrido, no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024 e respetivas listas de presença e os contratos alegadamente celebrados entre recorrente e EMP02....
Conforme já supra enunciado, as custas do recurso, na parte em que assim se decidiu devem ficar a cargo da recorrente.
Quanto à parte em que se julgou o recurso procedente e, em consequência, se revogou o despacho recorrido no segmento em que ordenou a notificação da recorrente para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º e “os 8 documentos atrás referidos”, as custas do recurso terão de ficar a cargo da recorrida, por ter ficado vencida.
Tudo ponderado e sopesado, as custas do recurso ficam a cargo da recorrente na proporção de 30% e a cargo da recorrida na proporção de 70%.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em:

I- declarar extinta a presente instância recursiva por falta originária de objeto do recurso quanto à nulidade que a recorrente assaca ao despacho recorrido decorrente de, em 12/12/2024, o tribunal a quo ter proferido despacho com o mesmo teor do recorrido, daquela ter interposto recurso desse anterior despacho e desse recurso estar alegadamente ainda pendente;
II- declarar extinta a presente instância recursiva por inutilidade originária quanto à apreciação da nulidade e dos erros de direito que a recorrente assaca ao despacho recorrido no segmento em que ordenou a sua notificação para que juntasse aos autos as atas das assembleias gerais realizadas em 23 de julho de 2024 e respetivas listas de presença e os contratos alegadamente celebrados entre aquela e a EMP02...;
III- julgar, na parte restante o recurso procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido no segmento em que ordenou a notificação da recorrente para que juntasse aos autos o livro de registo de ações, o balanço do exercício de 2023, o balancete analítico reportado ao mês 15º e “os oito documentos atrás referidos” e absolvem aquela do pedido formulado pela recorrida para que juntasse aos autos os documentos acabados de identificar.
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As custas do recurso ficam a cargo da recorrente na proporção de 30% e a cargo da recorrida na proporção de 70%.
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Notifique.
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Guimarães, 25 de setembro de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Gonçalo Oliveira Magalhães – 1º Adjunto
João Peres Coelho – 2º Adjunto


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 760.
[3] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 81.
[4] Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 346.
[5] Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 4ª ed., Almedina, pág. 1076.
[6] Ac. do STJ, de 15/02/2023, Proc. 721/17.9T8GMR.G2.G1. S1, in base de dados da DGSI, que confirmou o Ac. R.G., de 20/10/2022, publicado na mesma base de dados da GSI, de que fomos relator, em que expendemos: “A transmissão de ações tituladas nominativas, por ato inter vivos, fora do mercado bolsista, depende de título válido de transmissão celebrado entre transmitente e transmissário (compra e venda, doação, permuta, etc.), e do “modo”, isto é, da declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, mas também do registo da transmissão junto do emitente ou do intermediário financeiro que o represente. O “modo” não é requisito de validade do título, o qual, sem o “modo” é válido, mas opera efeitos meramente obrigacionais, não operando a transferência da propriedade das ações dele objeto para o transmissário. Por conseguinte, estando apurado que, por acordo escrito celebrado em ../../2013, o recorrente declarou vender determinado número de ações tituladas nominativas à recorrida, que lhas declarou comprar e cujo preço pagou, que se encontravam empenhadas a favor da uma instituição bancária junto de quem se encontravam depositadas, tendo, entretanto, o recorrente (transmitente das ações) sido declarado insolvente sem que à data da declaração da insolvência, a entidade bancária (depositante das ações) tivesse lavrado a declaração de transmissão escrita nas ações a favor da recorrida (transmissária e compradora das ações) e sem que se tivesse provado o registo dessa transmissão das ações junto da entidade emitente, a propriedade de tais ações permaneceu na titularidade do transmitente (recorrente), pelo que integra a massa insolvente desta”. 
[7] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 56.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., págs. 519 e 520; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, vol. I, Almedina, pág. 340, em que ponderam que o legislador do CPC de 2013 manteve o regime anteriormente previsto no n.º 1 do art. 523º do CPC 95/96, de que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, mas alterou “o regime previsto no n.º 2 do art. 523º do CPC 95/96. Perseguindo um modelo mais leal, o legislador estabelece como termo final para a apresentação de documentos o vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final, numa manifestação de efetividade do princípio da boa-fé processual (art. 8º). Surpreende-se aqui um paralelismo com o limite temporal previsto para a alteração do rol de testemunhas (art. 598º, n.º 2), assim se densificando uma estabilização dos meios de instrução a partir do vigésimo dia que antecede a audiência final. Este prazo, que se destina a permitir a preparação da audiência final, está sujeita às regras gerais do cômputo (arts. 138º e 139º). Todavia, as suas características particulares levam a que os períodos legais de suspensão da sua contagem antecipem – e não adiem – o termo final para a parte praticar o ato” (destacado nosso).
[9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 247; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra – 1987, pág. 40: “Seria inadmissível que uma das partes requeresse por exemplo, a notificação da parte contrária para juntar ao processo certidão de documento autêntico oficial ou extraoficial; desde que o requerente tem a possibilidade de, por si, conseguir cópia do documento, não faz sentido que pretenda servir-se da cópia existente em poder da parte contrária. Portanto as palavras «Quando a parte pretenda fazer uso de documento que esteja em poder da parte contrária», hão-de interpretar-se neste sentido: Quando a parte pretenda utilizar documento de que só a parte disponha. Quer dizer, o texto refere-se a documentos particulares; só excecionalmente poderá aplicar-se a documentos autênticos”.
[10] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, ob. cit., pág. 39; Acs. RP., de 13/02/2022, Proc. 26576/21.0YIPRT-A.P1; de 09/09/2019, Proc. 10830/17.9T8PRT-A.P2; de 05/10/2015, Proc. 12128/14.5T8PRT-A.P1; Ac. RG. e 20/02/2020, Proc. 6583/18.1T8BRG-A.G1, em que se pondera que: “Da conjugação dos arts. 432º, 429º e 436º do CPC, interpretados, como devem sê-lo, à luz do disposto nos arts. 6º, 411 e 7º, n.º 4 do CPC, resulta que em matéria de prova documental em poder de terceiro se mostra consagrado um verdadeiro poder-dever do juiz, uma incumbência do tribunal. Por sua vez, compete à parte interessada na obtenção do documento o ónus de identificação do concreto documento cuja junção pretende, a indicação de quais os factos que com o identificado documento se pretende provar e de que se tratem de documentos que se encontrem em poder de terceiro e que a própria parte não consiga obter”.
[11] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 532; Ac. R.P., de 04/04/2024, Proc. 17171/21.5T8PRT-A.P1, em que se postula que: “O direito à prova desenvolve-se assim dentro dos limites da necessidade e pertinência: só são admitidos os documentos pertinente para a prova ou contraprova de factos relevantes para a decisão a proferir, sendo que, no âmbito do art. 432º do CPC, a apresentação de documentos em poder de terceiro pressupõe ainda o preenchimentos das acimas referidas exigências previstas no art. 429º, ex vi art. 432º, ambos do CPC. Ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para prova do documento para prova dos factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova dos factos de que o detentor do documento tem o ónus (…), razão por que o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que cm ele quer provar”.