Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA LUÍSA RAMOS | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO DECISÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO FALTA DE RECLAMAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I. “São de mero expediente os despachos mediante os quais o juiz provê o andamento regular do processo de harmonia com a lei, e não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”; pela sua própria natureza, não têm cariz decisório e nem são susceptíveis de ofender direitos das partes, só havendo lugar a recurso deste tipo de despacho em caso da sua desadequação com a lei. II. Os actos e as decisões do agente de execução tornam-se definitivos sempre que, depois de notificados às partes, estas não reclamarem do ato ou da decisão perante o juiz, nos termos do art. 723º, n.º 1, als. c) ou d); “pode falar-se a este propósito num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial”. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães AA e outros, co-executados nos autos de processo de execução, em curso, em que é exequente “Massa Insolvente EMP01..., Lda”, vieram interpor recurso de apelação do despacho do Tribunal “a quo” proferido nos autos, em 11/3/2025, Refª Citius 195382793, e nos termos do qual se decidiu: “(…) julgar nulos o despacho de 28/5/2024 e a decisão de extinção da execução da AE, bem como os actos de notificação a esses actos respeitantes. (…) indeferir o requerido em 13/4/2023 e em 17/4/2024, determinando-se o prosseguimento da execução a impulso da exequente Massa Insolvente EMP01... Lda”. O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo. Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes Conclusões: 1) Em 25.08.2024 foi proferido despacho judicial, devidamente fundamentado, determinando ao agente de execução que procedesse à extinção da execução pelo pagamento. 2) Tal despacho transitou em julgado, pois foi devidamente notificado às partes e não foi objecto de qualquer tipo de reação, constituindo caso julgado formal, pelo que se tornou indiscutível e imutável intra processo, mesmo tendo resultado, não de uma nulidade, como se pretende, mas de um verdadeiro erro de julgamento, erro esse agora intransponível. 3) O executado não pode ser responsabilizado por erro de julgamento, tanto mais que efectivamente pagou o crédito exequendo. 4) Ainda que se entendesse ser uma nulidade, contra as nulidades reclama-se (não se recorre) e não tendo sido arguida a nulidade do despacho do juiz a decretar a extinção da execução a nulidade sana-se. 5) O próprio despacho reconhece que “a arguição de nulidade em 22.11.2024 excede em muito os prazos para reação ao despacho de 28.05 e à notificação de 24.10, pelo que expressamente afirmou o caso julgado formal. 6) Uma vez transitado o despacho que ordenou a extinção, ninguém o pode reverter, nem o próprio juiz que o proferiu em erro retirar da sua esfera de responsabilidade o acto praticado, pois, quanto a essa matéria esgotou-se o seu poder jurisdicional. 7) Não pode, consequentemente, o juiz, por sua iniciativa, alterar a decisão, ainda que adquira a convicção de que errou ou se torne para ele evidente que a decisão desrespeitou o quadro legal vigente; 8) Se o autor de uma decisão no mesmo processo proferir outra decisão que incida sobre a mesma matéria que já foi anteriormente apreciada, a nova decisão é juridicamente inexistente e não vale como decisão jurisdicional. 9) O trânsito em julgado, proíbe o juiz de a sindicar, quer oficiosamente, quer a requerimento a sua própria decisão. Além disso 10) No caso vertente, a agente de execução proferiu decisão de extinção pelo pagamento e notificou-a às partes, não tendo nenhuma delas deduzido qualquer reclamação ou arguido qualquer nulidade a ser apreciada pelo Juiz de Execução; 11) Os actos do agente de execução não impugnados tempestivamente por qualquer forma, tornam-se definitivos, por já não serem suscetíveis de serem impugnados pelos interessados, tornando-se, por regra, incontestáveis e inalteráveis. 12) As decisões tomadas dentro da esfera de competência do agente de execução, tornando-se definitivas quando não reclamadas atempadamente, correspondem a caso estabilizado, ao caso resolvido ou decidido do direito administrativo, tendo as mesmas características do caso julgado e a ele devendo ser equiparado por aplicação analógica do regime previsto para a eficácia vinculativa da sentença e despachos. 13) A decisão proferida violou, destarte, o disposto nos arts. 613.º, 614.º, 619.º, 620.º, 621.º, 625.º, 628.º,719.º, 723.º, 846.º, 849.º todos do CPC. Foram proferidas contra – alegações. O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais do artº 635º-nº4 do CPC, atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar: - transitou em julgado o despacho judicial proferido nos autos em 25.08.2024 ? - os actos do agente de execução não impugnados tempestivamente por qualquer forma, tornam-se definitivos? FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito ) I. a) AA e outros, co-executados nos autos de processo de execução, em curso, em que é exequente “Massa Insolvente EMP01..., Lda”, vieram interpor recurso de apelação do despacho do Tribunal “a quo” proferido nos autos em 11/3/2025, Refª Citius 195382793, e nos termos do qual se decidiu: “(…) julgar nulos o despacho de 28/5/2024 e a decisão de extinção da execução da AE, bem como os actos de notificação a esses actos respeitantes. (…) indeferir o requerido em 13/4/2023 e em 17/4/2024, determinando-se o prosseguimento da execução a impulso da exequente Massa Insolvente EMP01... Lda”. b) No despacho recorrido fixou-se a seguinte fundamentação de facto: “ (…) 1 – A execução foi intentada em 18/4/2019;-- 2 – Os executados foram citados em 12/5/2019 e não ofereceram oposição à execução no prazo legalmente previsto;-- 3 – Os executados foram notificados pela SE do andamento da execução, do valor em causa na mesma e para se pronunciarem, pelo menos nas seguintes datas:-- - 11/9/2019 (na execução, do andamento da mesma);-- - 26/11/2019 (na execução, da penhora realizada de imóvel);--- 30/1/2020 (no apenso de reclamação de créditos);-- - 6/3/2020 (na execução, do auto de penhora com indicação do valor exequendo);-- - 6/7/2020 (na execução, para se pronunciarem sobre a fixação do valor base e modalidade da venda do imóvel penhorado) - 13/1/2021 (do prosseguimento pela massa insolvente, face à declaração de insolvência da exequente);-- - 8/3/2021 (na execução para esclarecerem quem habitava o imóvel em venda).— 4 – Em 13/4/2023 os executados apresentaram requerimento alegando terem já pago o valor exequendo;-- 5 – Em 23/5/2023 a exequente respondeu, impugnando tais pagamentos e alegando não ser o requerimento o meio processual idóneo para os alegar e requerendo o prosseguimento da execução;-- 6 – Os autos foram conclusos em 31/10/2023, não tendo sido apreciado o requerimento de 13/4/2023;-- 7 – Em 6/3/2024 o Il. Advogado subscritor do requerimento de 13/4/2023 renunciou ao mandato;— 8 – Em 17/4/2024 vieram novamente os executados requerer a extinção da execução, alegando ter efectuado pagamentos em:-- - 3/12/2018; - 4/12/2018; - 22/5/2019; - 31/7/2020, - 16/3/2020. 9 – O requerimento de 17/4/2024 foi notificado à Il. Patrona da Exequente por via electrónica de notificação entre mandatários, nada tendo sido oferecido;-- 10 – Em 28/5/2024 foi proferido despacho no qual, julgando-se verificada a falta de oposição da exequente, se determinou que devia a AE agir em conformidade;-- 11 – O despacho de 28/5/2024 foi notificado à Il. Patrona da exequente em 3/6/2024, nada tendo sido requerido;-- 12 – Em 24/10/2024 a AE proferiu decisão de extinção da execução, tendo notificado a mesma, na própria data, a todos os intervenientes.— C) Fundamentando-se na decisão: (…) é certo que a arguição da nulidade em 22/11/2024 excede em muito os prazos para a reacção ao despacho de 28/5 e à notificação de 24/10.— Contudo, não podemos ignorar que foi o tribunal que primeiramente cometeu uma nulidade, por omitir a pronúncia sobre o requerimento de 13/4/2023, não sendo exigível à exequente que, sem essa decisão, continuasse uma e outra vez a reproduzir a sua pretensão.— Assim, consideramos que a partir da resposta apresentada ao requerimento de 13/4/2023 não podia a exequente ser sancionada pela não pronuncia sobre matéria da mesma natureza.— Destarte, e porquanto são dependência lógica da omissão do tribunal, julga-se nulos o despacho de 28/5/2024 e a decisão de extinção da execução da AE, bem como os actos de notificação a esses actos respeitantes.— (…) Face à decisão supra, cumpre neste momento apreciar dos requerimentos dos executados de 13/4/2023 e 17/4/2024.— * Vieram os executados AA e BB requerer a extinção da execução por terem, antes de declarada a insolvência da exequente, procedido ao pagamento da quantia exequenda.—A exequente pugnou pelo indeferimento do requerido, alegando que a exequente respondeu, impugnando tais pagamentos e alegando não ser o requerimento o meio processual idóneo para os alegar e requerendo o prosseguimento da execução.— (…) indefere-se ao requerido em 13/4/2023 e em 17/4/2024, determinando-se o prosseguimento da execução a impulso da exequente Massa Insolvente EMP01... Lda.— II) O DIREITO APLICÁVEL A) Discute-se nos autos se transitou em julgado o despacho judicial proferido em 25.08.2024, e/ou, se, a consequente, decisão da agente de execução, de 24/10/2024, a determinar a extinção da execução, tendo sido notificada na própria data a todos os intervenientes, sem que tenha sido deduzida qualquer impugnação, se tornou definitiva, e, se se impõe a anulação da decisão recorrida que conheceu os requerimentos de 13/4/2023 e 17/4/2024 e determinou o prosseguimento da execução a impulso da exequente Massa Insolvente EMP01... Lda, como defendem os apelantes. a. Invocam os apelantes o “caso julgado formal” decorrente do despacho judicial proferido nos autos em 25.08.2024, ao invés, defendendo a apelada tratar-se de despacho de mero expediente, sem qualquer valor decisório e sem efeitos definitivos ou vinculativos, não havendo que falar em caso julgado formal. Nos termos do artº 628º do Código de Processo Civil “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”. Dispõe o n° 1, do artigo 630°, do Código de Processo Civil que "Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário". “São de mero expediente os despachos mediante os quais o juiz provê o andamento regular do processo de harmonia com a lei, e não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros” – A.Reis, in CPC, anotado, vol. V, pg. 250.. Pela sua própria natureza, não têm cariz decisório e nem são susceptíveis de ofender direitos das partes, só havendo lugar a recurso deste tipo de despacho em caso da sua desadequação com a lei- (v. Castro Mendes, in “Recursos”, 1980, pg. 40 ). Relativamente ao despacho judicial proferido nos autos em 25.08.2024, tem o mesmo o seguinte teor: “Atenta a falta de impugnação da exequente ao alegado por via do requerimento de 17/4/24, deve a AE agir em conformidade”, e, por via deste despacho veio a AE a, em 24/10/2024, proferir decisão de extinção da execução. Afigura-se, assim, que o despacho judicial em referência, de 25.08.2024, não obstante regulador da marcha do processo, apresenta teor decisivo e vinculativo, tomando o Tribunal posição que contende com os direitos das partes, do mesmo despacho resultando o reconhecimento de direitos processuais, nomeadamente, o direito dos executados a verem declarada a extinção da execução. Nestes termos, se considerando ser o indicado despacho suscetível de recurso, e, não tendo o mesmo sido interposto, por via da indicada decisão formou-se no processo caso julgado formal nos termos do 620º do Código de Processo Civil. Nos termos do artº 853º-nº2-al.b) do CPC, sendo sempre recorrível a decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução – Rui Pinto, CPC, anotado, Vol II, pg.493. Nos termos expostos, procedendo os fundamentos da apelação. b) Igualmente, também no que se refere à decisão da agente de execução, de 24/10/2024 a determinar a extinção da execução, tendo sido notificada na própria data, a todos os intervenientes, sem que tenha sido deduzida qualquer impugnação, se tornou definitiva. “A extinção é notificada ao executado, ao exequente e aos credores reclamantes. Estes poderão, então, reclamar para o Juiz ao abrigo do artº 723º-nº1, al.c) do nCPC” – Rui Pinto, Manual da Execução e despejo, pg.1019. Como vem sendo considerado na Jurisprudência e Doutrina as “As decisões do agente de execução tornam-se definitivas sempre que, depois de notificadas às partes, estas não reclamarem do acto ou da decisão perante o juiz nos termos do artº723.º nº1, als. c) ou d), do CPC” (v.jurisprudência e Doutrina já citadas nos autos, nas alegações de recurso- Ac. Ac. R.P. de 09.01.2025, proc. nº 26299/19.0T8PRT-F.P1; Ac. R. G. de 15.02.2024, proc. nº 6874/16.6T8VNF-F.G1; Acs. R.E., de 23/05/2022, Proc. 870/14.5TBCTX-A.E1; R.C., de 27/06/2017, Proc. 522/05.7TBAGN.C1.7, todos in www.dgsi.pt; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC, anotado). Concluindo-se, no seguimento do mesmo entendimento, que são vonculativos os actos e as decisões do agente de execução que depois de notificados às partes estas não reclamam perante o juiz, nos termos do art. 723º, n.º 1, als. c) ou d); “pode falar-se a este propósito num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja esse ato ou decisão torna-se, em princípio, imodificável” - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC, anotado, notas 10 e 11 ao art 723º-. Concluindo-se, nos termos expostos, pela procedência do recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida que conheceu e indeferiu os requerimentos de 13/4/2023 e 17/4/2024, e, determinou o prosseguimento da execução a impulso da exequente Massa Insolvente EMP01... Lda. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal, em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida. Custas pela apelada. Guimarães, 2 de Outubro de 2025 (Luísa D. Ramos) ( José Cravo ) ( António Figueiredo de Almeida ) |