Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2321/24.8T8GMR-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DE CONCLUSÃO
INCUMPRIMENTO DOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO E DE CONCLUSÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
HIPOTECA
CANCELAMENTO DA GARANTIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O ónus de impugnação da matéria de facto julgada exige que, cumulativamente, o recorrente indique os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios e as exactas passagens dos depoimentos que os integrem que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância - para cada um dos factos que pretende impugnar -, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).

II. Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, do CPC (v.g. indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especificação dos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente, exactas passagens dos depoimentos que integrem tais meios probatórios gravados, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»), uma vez que no recurso relativo à matéria de facto não se admite despacho de aperfeiçoamento.

III. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso e balizar o âmbito do conhecimento do Tribunal - e não apenas para sintetizar os fundamentos aduzidos antes para a procedência da impugnação feita -, terão que ser identificados nas mesmas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende (art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e n.º 2, e 640.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).

IV. A falta de indicação, nas conclusões de recurso, dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados implica a rejeição imediata da parte da impugnação de facto afectada, quando outra subsista (art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 3, a contrario, e 640.º, todos do CPC).

V. Sendo suficiente para a formação de título executivo um documento elaborado por oficial público ou equiparado em que se assume ou reconhece uma obrigação, e não também que o cumprimento desta seja garantido (de forma real ou pessoal), não afecta a idoneidade do dito título a posterior extinção de eventual garantia que tenha sido constituída (extinção essa ocorrida antes da sua invocação em juízo).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunta - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ..., propôs embargos de executado (por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que Banco 1..., S.A. lhe move, para haver dele o pagamento coercivo da quantia de € 14.336,91, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde 01 de Fevereiro de 2022 até efetivo e integral pagamento, autos que correm termos sob o n.º 2321/24.8T8GMR-A, pelo Juízo de Execução de Guimarães, Juiz ..., e de que estes são apenso), contra Banco 1..., S.A., com sede na Avenida ..., ...,  em Lisboa, pedindo que:

· se julgasse procedente a oposição deduzida, por provada, e, em consequência, extinta a execução.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo celebrado um contrato de mútuo com a Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.), cumpriu integralmente o plano prestacional de restituição do capital mutuado; e, por isso, a mesma emitiu a final título de distrate da hipoteca que garantia o pagamento (cancelada depois em conformidade).
Mais alegou que, sendo a hipoteca acessória do crédito garantido, careceria de qualquer fundamento a acção executiva depois instaurada, só não juntando ele próprio comprovativo do pagamento integral invocado por ter ardido o arquivo onde se encontrava.

1.1.2. Foi proferido despacho, admitindo liminarmente a oposição por meio de embargos e ordenando a notificação da Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) para, querendo, os contestar.

1.1.3. A Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) contestou, pedindo que os embargos fossem julgados improcedentes, por não provados, prosseguindo a execução dos autos principais a sua normal tramitação.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido incumprido o contrato de mútuo hipotecário celebrado com o Executado/Embargante (AA) - nomeadamente, tendo ficado por pagar as prestações vencidas entre Março e Setembro de 2022 -, sendo devidos todos o valores reclamados no requerimento executivo.
Mais alegou que só por lapso informático foi emitido o documento de distrate da hipoteca que garantia o mútuo, uma vez que se atendeu para o efeito àquele que seria o termo previsto para a duração do contrato celebrado (no pressuposto que teria sido integralmente cumprido), sem considerar o prolongamento de que foi alvo (nomeadamente, mercê da moratória prevista na legislação publicada no âmbito da pandemia de COVID 19).
Por fim, alegou que o cancelamento da hipoteca não faria prova da extinção da obrigação garantida, nem sequer a presumiria, continuando a caber ao Executado/Embargante (AA) o ónus da prova do pagamento por ele alegado.

1.1.4. Foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 14.336,91; dispensando a realização de uma audiência prévia (pela alegada simplicidade da matéria de facto controvertida e da matéria de direito); saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); dispensando o despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enumerar os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios e designando data para realização da audiência final.

1.1.5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando os embargos de executado totalmente improcedentes, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
IV - Dispositivo
Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedentes e, em consequência, determina-se o prosseguimento da ação executiva apensa.
Custas pelo embargante.
Registe e notifique.
 (…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformado com a sentença proferida, o Executado/Embargante (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a mesma e se proferisse acórdão julgando procedentes os embargos de executado e extinta a execução.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1.ª - O exequente, Banco 1..., S.A., intentou execução para pagamento de quantia certa contra o executado, AA, peticionando a quantia de € 14.336,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01.02.2022, data esta que a exequente considera ter havido o último pagamento pelo executado, até efetivo e integral pagamento, apresentando como título executivo escritura de mútuo com hipoteca.

2.ª - O recorrente celebrou um contrato de mútuo com a exequente e, tendo procedido ao pagamento de todas as prestações acordadas, a exequente enviou ao executado um título de distrate da hipoteca relativa ao empréstimo, pelo que tendo a exequente autorizado o cancelamento da hipoteca, considerava-se integralmente paga de todos os valores do mútuo, pelo que o executado nada deve.

3.ª - O recorrido contestou os embargos de executado, impugnando a factualidade alegada pelo executado, mais alegando que o contrato de mútuo em causa nos autos foi suspenso durante o período da moratória Civd-19, pelo que nesse período ficou suspenso o reembolso de capital, prorrogando-se o prazo do empréstimo para 248 meses, não tendo os executados pago as prestações vencidas entre março e setembro de 2022, acrescentando que o termo de cancelamento de hipoteca foi emitido por lapso.

4.ª - Consequentemente, o Tribunal a quo julgou os embargos de executado totalmente improcedentes.

5.ª - A questão primordial deste processo é o pagamento e a extinção da hipoteca associada ao mútuo.

6.ª - É que, decorre da sentença em crise que o título executivo é constituído pelo contrato de mútuo e a hipoteca a ele associada que está extinta, pelo que deixa de existir título executivo.

7.ª - Ora, a hipoteca é um direito acessório, que só existe em função da obrigação cujo cumprimento assegura, sendo que desta relação de acessoriedade decorre que a hipoteca deverá, em princípio, manter-se enquanto durar o crédito garantido.

8.ª - Daí que bem se compreenda que constitua causa de extinção da hipoteca a extinção da obrigação a que serve de garantia, nos termos do artigo 730º, alínea a), do Código Civil.

9.ª - Deste modo, tendo a exequente autorizado, de forma expressa e por documento particular autenticado, o cancelamento de todas as hipotecas constituídas e inscritas a seu favor no imóvel da ora recorrente, não constando desse documento qualquer ressalva em sentido contrário, designadamente, da existência de uma qualquer quantia remanescente em dívida, só pode concluir-se que o Banco assim o fez porque se considerava integralmente pago de todas as quantias mutuadas à recorrente.

10.ª - Relativamente a presunção judicial ou simples, que se inspira nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos dados da experiência humana, diremos que a realidade da vida não transmite com sólida força persuasiva aquela conclusão.

11.ª - Há, na verdade, solidez suficiente para recorrendo a essa presunção judicial - ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - concluir pela extinção da obrigação.

12.ª - No que respeita ao ónus da prova, dado o supra exposto, opondo-se o executado mediante embargos e apresentando aos autos um distrate, temos de concluir pela clara inversão do ónus da prova.

13.ª - É, pois, indiscutível que esse distrate produz efeitos na ordem jurídica, nomeadamente no cancelamento da hipoteca, que a mera invocação de lapso na sua emissão não pode apagar.

14.ª - Assim, a entrada na ordem jurídica desse documento e depois a sua retirada pelo dito lapso,
constitui uma gravíssima violação do Princípio da Segurança Jurídica.

15.ª - É bom de ver que o Princípio da Segurança Jurídica também está violado na medida em que o executado devedor hipotecário deixou de poder ter a prorrogativa do seu património não ser atacado sem primeiro ser excutido o bem hipotecário.

16.ª - Ainda que se entendesse pela falência dos argumentos até agora aduzidos, sempre o pagamento da quantia exequenda se devia dar como provado pelo critério do Standard da Prova.

17.ª - Quando o próprio credor emite uma declaração como o distrate da hipoteca associada ao seu crédito, o Standard da Prova a efetuar pelo devedor torna-se mínimo, ou seja, nada exigente, pelo que o julgador pode contentar-se com a regra da experiência comum de que o devedor que esteja munido desse distrate faz a prova de que cumpriu a obrigação.
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1.2.2. Contra-alegações
A Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se mantivesse a decisão recorrida nos seus exactos termos e com as legais consequências.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I. Não se conformando o Recorrente com a douto Sentença, que julgou totalmente improcedentes os embargos à execução, dela interpôs recurso.

II. Contudo, considerando a factualidade e argumentação supra exposta, resulta inequívoco que bem andou o insigne Tribunal ao decidir como decidiu.

III. Resulta da norma contida no artigo 639.º do CPC que impende sobre o Apelante o ónus de dar cumprimento às diversas injunções, o que o Recorrente não fez.

IV. O requerimento de interposição do recurso deve conter «os concretos pontos de facto que se considera erradamente julgados, os concretos meios probatórios» para nova decisão, e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida (alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC).

V. Sendo certo que a sanção para o não cumprimento é rejeição do recurso.

VI. Além de o Recorrente não ter indicado o fundamento específico de recorribilidade, destaca-se que não resulta, das doutas Alegações de Recurso, o cumprimento de nenhum dos três ónus acima referenciados.

VII. O Recorrente vem impugnar a matéria de facto, fazendo alusão ao artigo 638.º, n.º 7, do CPC, mas apenas transcreve a motivação da decisão de facto da douta Sentença a quo - tudo isso sem transcrever, e nem mesmo incidir, minimamente, sobre a matéria de facto.

VIII. Nas doutas Alegações de Recurso, o Apelante alega que a hipoteca associada ao contrato de mútuo está extinta, pelo que deixa de existir título executivo, mas sem qualquer respaldo nos institutos jurídicos do direito civil português.

IX. O cancelamento da hipoteca é uma faculdade do credor, prevista no artigo 56.º do Código do Registo Predial.

X. Quando se transfere, modifica ou extingue um direito sobre o bem principal, o mesmo ocorre com seus acessórios, salvo disposição legal em contrário, porquanto, com a extinção das obrigações principais emergentes de um contrato, extinguem-se as respetivas garantias das obrigações.

XI. Mas o contrário não sucede: o principal (obrigação) não segue o acessório (hipoteca), sob pena de total desvirtuamento do instituto das garantias às obrigações.

XII. A emissão do referido Termo de Cancelamento de Hipoteca não tem o condão de isentar o devedor das parcelas vencidas e vincendas no âmbito do contrato de mútuo celebrado.

XIII. Ad argumentum tantum, a renúncia do credor hipotecário figura como causa de extinção prevista na alínea d) do artigo 730.º do Código Civil, e não corresponde a uma renúncia ao crédito garantido.

XIV. Com efeito, a renúncia do crédito por parte do respetivo credor é denominada como remissão da dívida.

XV. O Recorrido não prescindiu do crédito garantido, nem fez qualquer referência à liquidação do mesmo, antes prescindindo, única e exclusivamente, da hipoteca.

XVI. Em harmonia com o artigo 863.º do Código Civil (sob a epígrafe “Natureza contratual da remissão”), o devedor só pode beneficiar da remissão da dívida mediante a celebração de um contrato com credor.

XVII. O termo de cancelamento da hipoteca remetido pelo Recorrido (Doc. n.º 1 dos Embargos do Executado) não reveste, salvo melhor juízo, natureza contratual (mas apenas de consentimento, nos termos e para os efeitos do artigo 56.º do Código do Registo Predial).

XVIII. O contrato de remissão só poderia ser validamente celebrado por escrito, mediante a assinatura de ambas as partes, ex vi artigos 232.º e 406.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

XIX. Ainda que tivesse o termo de cancelamento da hipoteca o sentido alegado pelo Apelante, o efeito liberatório da obrigação emergente do contrato de mútuo não se verifica pela mera declaração unilateral do mutuante-credor.

XX. O sobredito efeito liberatório da obrigação do mutuário-devedor opera apenas com a restituição da quantia mutuada e da taxa de juros estipulada.

XXI. O cancelamento da hipoteca não produz, ipso facto, o efeito liberatório das obrigações principais emergentes do contrato de empréstimo, nem tampouco demonstra o pagamento da obrigação garantida.

XXII. Portanto o Recorrente não beneficia, claro está, de qualquer presunção, de natureza legal ou judicial, no sentido do pagamento da dívida exequenda.

XXIII. A função principal dos standards de prova é indicar a partir de que grau de corroboração (“evidence threshold”) uma hipótese fáctica pode aceitar-se como verdadeira, ou seja, é indicar qual é o grau mínimo de confirmação probatória para considerar que uma hipótese fáctica é verdadeira, mas

XXIV. Porém, no juízo de verossimilhança, um único standard de prova - isolado e não corroborado com outros meios probatórios - não é suficiente para dar um facto como provado.

XXV. O Recorrente não logrou demonstrar o cumprimento total ou parcial das prestações vencidas, nem juntou quaisquer comprovativos de pagamento.

XXVI. Por isso, os “standards de prova” não se sobrepõem às regras de direito probatório material e não possuem a virtualidade de provar, por si só, quaisquer dos factos ora controvertidos.

XXVII. Diante do exposto, considerando a factualidade e argumentação supra exposta, resulta inequívoco que bem andou o insigne Tribunal ao decidir como decidiu.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso do Executado/Embargante (AA) - como «de apelação [art. 644º, nº1, al. a), do CPC, “ex vi” do disposto no artigo 853º, nº1, do CPC], com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo [art. 645º, nº1, al. a), 647º, nº 1, do CPC, “ex vi” do disposto no artigo 853º, nº1, do CPC]» -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Executado/Embargante (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única - Inexiste título executivo nos autos, nomeadamente mercê do distrate da hipoteca antes associada ao contrato de mutuo bancário invocado para o efeito ?
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2.2.2. Questões excluídas do objecto do recurso (impugnação da decisão de facto)
Precisa-se, a propósito da limitação do número das questões enunciadas como constituindo o objecto útil deste recurso de apelação, que do mesmo ficou excluída uma outra, pertinente a eventual pretensão de impugnação da matéria de facto, por incumprimento dos ónus previstos na lei para o efeito.
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2.2.2.1. Ónus de impugnação
Lê-se, a propósito do ónus de impugnação da matéria de facto, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição» os «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a) do n.º 2 do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, indicar os concretos meios probatórios em que se estriba, precisando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso; e deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
Estas exigências vêm «na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [2] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
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2.2.2.2. Ónus de conclusão
Somando-se, porém, a este ónus de impugnação, encontra-se um outro, o ónus de conclusão, previsto no art.º 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que o «recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».
«Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1).

«Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais», não só fazia sentido que o recorrente «expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o» mesmo «aprecie se tais razões procedem ou não», como, podendo «dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa», deveria no fim, «a título de conclusões», indicar «resumidamente os fundamentos da impugnação», fazendo-o pela «enunciação abreviada dos fundamentos do recurso» (Professor Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 359, com bold apócrifo) [3].

Contudo, acresce ainda a este objectivo (de síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso) um outro, não menos importante, de definição do seu objecto. Lê-se, a propósito, no art.º 635.º, n.º 4, do CPC, que nas «conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso»; e, por isso, se defende que as «conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.118) [4].
Logo, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.06.2013, Garcia Calejo, Processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1). Compreende-se, por isso, que se afirme que, para «o bom julgamento do recurso não é suficiente que a alegação tenha conclusões. Estas deverão ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, pág. 179, com bold apócrifo) [5].
Está-se aqui perante uma das concretizações do princípio da auto-responsabilidade das partes.
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2.2.2.3. Incumprimento - Consequências
2.2.2.3.1. Incumprimento do ónus de impugnação
Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente - incluindo as exactas passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba - , e da decisão alternativa que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), e tal como aí expressamente afirmando, terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»).
Com efeito, e ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art.º 639.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC), no recurso relativo à matéria de facto (previsto no art.º 640.º, do CPC) não se admite despacho de aperfeiçoamento.
«Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 128) [6].
Aliás, o entendimento da não admissibilidade de despacho de aperfeiçoamento face ao incumprimento, ou ao cumprimento deficiente, do ónus de impugnação da matéria de facto, já era generalizadamente aceite no âmbito do similar art.º 690.º-A do anterior CPC, de 1961 (conforme Carlos Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, pág. 203).
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2.2.2.3.2. Incumprimento do ónus de conclusão
Do mesmo modo se deverá proceder quando, pese embora indicada a matéria de facto impugnada no corpo das alegações de recurso, essa indicação não seja depois reiterada nas respectivas conclusões [7], tendo o recorrente limitado  desse modo o seu objecto.

Com efeito, importa distinguir a natureza, e as consequências, das diversas actuações possíveis do recorrente: uma primeira (relativa a um ónus primário), que contende com a delimitação do objecto do seu recurso, e que deixa absolutamente omissa, nas respectivas conclusões, a indicação da matéria de facto impugnada (limitando desse modo o recurso, e inexoravelmente, à sindicância da matéria de direito); e uma segunda (relativa aos ónus secundários), que contende com a análise jurídica do cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, do CPC, e que deixa absolutamente omissa, nas mesmas conclusões de recurso - e ao contrário do que previamente fizera no corpo das respectivas alegações -, a indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, da decisão alternativa pretendida, e das exactas passagens da gravação que o fundariam.
Compreende-se que assim seja, já que, nesta segunda situação, a impugnação da matéria de facto - bem ou mal feita - faz parte do objecto do recurso [8]; e «o prazo de interposição do recurso é pela lei fixado em função do modo como o recorrente concebe o respectivo objecto» (Ac. da RG, de 07.04.2016, José Amaral, Processo n.º 4247/10.3TJVNF.G1).
Tendo a jurisprudência sufragado maioritariamente este entendimento [9], viu o mesmo ser consagrado no acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de Outubro de 2023, onde se lê que: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações» [10].
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2.2.2.4. Entendimentos dominantes (e perfilhados)
Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2.ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1) -, vêm sendo firmados os seguintes entendimentos:

. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria Graça Trigo, Processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo n.º 3396/14, ainda inédito, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. dever-se-á usar de maior rigor na apreciação cumprimento do ónus previsto no n.º 1, do art.º 640.º, do CPC (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus  previsto no seu n.º 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1);

. a exigência de especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, só se satisfaz se essa concretização for feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1);

. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC  (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1); igualmente não cumpre a exigência legal a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento (neste sentido, Ac. do STJ, de 05.09.2018, Gonçalves Rocha, Processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2, Ac. do STJ, de 18.09.2018, José Rainho, Processo n.º 108/13.2TBPNH.C1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2); e não a cumpre ainda o recorrente que pretenda que valha como transcrição uma resenha ou súmula do que terão referido as pessoas de cujos depoimentos se quer fazer valer (na parte relevante), já que transcrever os depoimentos é reproduzi-los objetivamente (aquilo que as pessoas ouvidas verbalizaram), sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo (Ac. do STJ, de 18.06.2019, José Raínho, Processo n.º 152/18.3T8GRD.C1.S1);

. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º  2180/09.0TTLSB.L1.S2, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1, Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art.º 640º, n.º 1, do CPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre  a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639.º, n.º 3, do CPC (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo n.º 1458/10.5TBEPS.G1,  Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Ac. da RG, de 18.12.2017, Pedro Damião e Cunha, Processo n.º 292/08.7TBVLP.G1, Ac. do STJ, 27.09.2018, Sousa Lameira, Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2) [11].

Logo, a «rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 128 e 129, com bold apócrifo).
*
2.2.2.5. Caso concreto
Concretizando, considera-se que o Executado/Embargante (AA), aqui recorrente, nem cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, nem cumpriu o ónus de conclusão que lhe estava cometido pelo art.º 639.º, n.º 1, do mesmo diploma (conforme, aliás, a Exequente/Embargada desde logo denunciou nas suas contra-alegações de recurso).
*
2.2.2.5.1. Incumprimento do ónus de impugnação
2.2.2.5.1.1. «Concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados»
Com efeito, verifica-se que o Executado/Embargante (AA) recorrente nunca chegou a afirmar, clara e assertivamente, nas suas alegações de recurso (nomeadamente, no respectivo corpo), que concretos pontos de facto consideraria incorrectamente provados, pela necessária remissão para os únicos factos obrigatoriamente a considerar para este efeito: os contidos na sentença recorrida no elenco dos factos provados (identificados por numeração árabe), e/ou o aí contido no elenco dos factos não provados (identificado por letra do alfabeto).
Com efeito, quando na lei se afirma que, «sob pena de rejeição», «deve o recorrente obrigatoriamente especificar (…) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados», reporta-se àqueles factos que, tendo sido fixados ou ignorados pelo Tribunal a quo, ficarão desse modo sob sindicância do Tribunal ad quem. Logo, e no que ora nos interessa, serão aqueles factos que tenham sido exarados na fundamentação de facto da sentença recorrida (e isto independentemente de não se terem logrado provar, por deverem então integrar o respectivo elenco de factos não demonstrados).
Não autoriza, assim, a lei que, em substituição deste concreto e claro ónus, a parte recorrente se limite a afirmar que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada determinada realidade global, sem o imediato reporte da mesma à prévia alegação das partes nos respectivos articulados (quando omitida na sentença recorrida), ou à concreta enunciação da matéria de facto fixada (quando precisamente contida na sentença recorrida).
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, foi isto mesmo que o Executado/Embargante (AA) recorrente fez, isto é, em vez de reportar a sua eventual sindicância aos factos enunciados na sentença recorrida, limitou-se a afirmar o seu próprio entendimento sobre a valoração de toda a prova produzida (nomeadamente pessoal) - face a presunções judiciais, às regras da experiência e ao exigível standard de prova -, e  a defender a suficiência da mesma para o sucesso da sua pretensão reivindicatória, sem nunca identificar (referindo-os e individualizando-os) os concretos factos objecto de julgamento pelo Tribunal a quo que, por isso, impugnava.

Considera-se, assim, que o Executado/Embargante (AA) recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC (conclusão distinta de saber se, a tê-lo feito, existiria fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo), desde logo porque não indicou nas suas alegações de recurso (corpo) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados.
*
2.2.2.5.1.2. «Concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida» - «Indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes»
Concretizando novamente, verifica-se que o Executado/Embargante (AA) também não indicou quais os concretos meios probatórios que infirmariam o juízo de prova do Tribunal a quo, para além de tecer considerações sobre a forma como o documento de distrate de hipoteca deveria ser considerado para efeito de demonstração do pagamento da obrigação antes garantida por ela.
Precisa-se, a propósito, e ao contrário do por ele defendido, que o distrate de hipoteca não consubstancia presunção legal de pagamento da dívida garantida [12]; e só com esta natureza (de presunção legal), e conforme art.º 344.º, n.º 1, do CC, estaria autorizada a inversão do ónus da prova do pagamento. Não sendo essa a realidade, o dito ónus de prova continua a onerá-lo, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do CC (como, correcta e conformemente, ajuizou o Tribunal a quo).
Prosseguindo, e de forma conforme com a falta de indicação de quaisquer concretos meios probatórios que fundassem a sua sindicância de facto, tendo a prova pessoal sido gravada, o Executado/Embargante (AA) também não indicou quaisquer passagens da gravação das declarações que ele próprio prestou e dos depoimentos das testemunhas inquiridas [13].

Precisa-se, ainda, que a indicação de concretos meios probatórios selecionados para fundamentarem uma sindicância de facto, bem como a indicação das exactas passagens da gravação da prova pessoal eleita para o mesmo efeito, nunca poderá ser feita de forma global face a um igualmente global juízo probatório. Exige-se, pelo contrário, que essa indicação seja feita de forma individualizada, relativa a cada facto (ou núcleo de factos pertinentes à mesma realidade) julgado pelo Tribunal a quo.
Dito de outra forma, o Executado/Embargante (AA) recorrente, pretendendo valer-se da prova pessoal ou documental produzida, teria que ter reportado as suas declarações, cada um dos depoimentos das testemunhas inquiridas, ou cada um dos documentos juntos aos autos, a cada facto que tivesse impugnado, ou demonstrar/justificar que cada um deles suportaria a impugnação de todos e qualquer um daqueles factos, o que sempre exigiria a concreta dilucidação do seu teor face a cada facto impugnado.
Recorda-se, a propósito, que «a impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão». Compreende-se, por isso, que se defenda que se «a recorrente identificou os pontos de facto que considera mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, mas limitou-se a indicar os depoimentos prestados e os documentos que listou, sem fazer a referência indispensável àqueles pontos de facto, especificando que concretos meios de prova impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado», incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC (Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, com bold apócrifo).
Aceita-se que assim seja, já que a «delimitação [do objecto do recurso] tem de ser concreta e específica e o recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco». Por isso, e de novo, se a «recorrente (…) não especifica os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar» incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC (Ac. da RG, de 24.01.2019, Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha, Processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1).
Ora, não foi isto que o Executado/Embargante (AA) recorrente fez, isto é, deixou absolutamente omisso no seu recurso (nomeadamente, no corpo respectivo) a indicação dos concretos meios de prova que suportariam a sua sindicância; e, em consequência, igualmente omissa ficou qualquer indicação das concretas passagens da gravação da prova pessoal produzida por reporte a cada um dos factos (ou núcleo de factos reportados à mesma realidade) julgado pelo Tribunal a quo.

Considera-se, assim, que o Executado/Embargante (AA) recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, desde logo porque não indicou nas suas alegações de recurso (corpo) os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
*
2.2.2.5.1.3. «Decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas»
Concretizando uma vez mais, verifica-se que o Executado/Embargante (AA) recorrente também não indicou nas suas alegações de recurso a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, isto é, a concreta redacção da nova factualidade que pretenderia ver fixada, quer no elenco dos factos provados, quer simultaneamente no elenco dos factos não provados.
Por outras palavras, quando na lei se afirma que, «sob pena de rejeição», «deve o recorrente obrigatoriamente especificar (…) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», exige-lhe que enuncie os factos que, no seu entender, terão resultado da produção de prova, com a concreta redacção/formulação que deverão ter.
Não autoriza, assim, a lei que, em substituição deste concreto e claro ónus, a parte recorrente se limite, genérica e abstractamente, a afirmar que o Tribunal ad quem deverá dar como provada determinada realidade, já que este só se poderá servir para esse efeito do que previamente haja sido alegado pelas partes nos respectivos articulados, ou haja resultado da instrução da causa, nos termos autorizados pelo art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC; e esse controlo pressupõe a prévia indicação dos preciso termos da alteração alternativa pretendida.
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, foi isto mesmo que o Executado/Embargante (AA) recorrente fez, isto é, em vez de especificar a redacção dos (novos) factos que, em seu entender, resultariam do seu recurso sobre a matéria de facto, limitou-se a agir conforme descrito antes.

Considera-se, assim, que o Executado/Embargante (AA) recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, desde logo porque não indicou nas suas alegações de recurso (nomeadamente, corpo) a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto que pretenderia impugnar.
*
2.2.2.5.2. Incumprimento do ónus de conclusão
. «Conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão»
Concretizando derradeiramente, e mesmo que o Executado/Embargante (AA) recorrente, no corpo das suas alegações, tivesse indicado, por reporte ao elenco de factos fixados na sentença recorrida, os concretos factos que considerava incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, quanto a cada um deles, imporia uma decisão diferente, e a decisão que, em seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, certo é que, e ainda assim, não teria cumprido o ónus de conclusão que igualmente lhe estava cometido.
Com efeito, omitiu por completo a indicação dos concretos pontos de facto que considerava incorrectamente provados nas conclusões finais do seu recurso.
Ora, e conforme se referiu supra (face nomeadamente ao disposto no art.º 635.º, n.º 4, e no art.º 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do CPC, mas na esteira do já anteriormente defendido a propósito do CPC de 1961), entende-se que as «conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem» (Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, com bold apócrifo).
Logo, e independentemente do que o recorrente tenha antes expendido (em sede de corpo de alegações de recurso), terão as mesmas que conter a indicação precisa de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, já que só assim «verdadeiramente [se] permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto» (Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1) [14].

Considera-se, assim, que o Executado/Embargante (AA) recorrente não cumpriu o ónus de conclusão que lhe estava cometido, porque não indicou nas conclusões das suas alegações de recurso os concretos factos que pretenderia impugnar.
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2.2.2.5.3. Consequência (do incumprimento dos ónus de impugnação e de conclusão)
Ora, não tendo o Recorrente (Executado/Embargante) cumprido o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, e não cabendo aqui proferir qualquer despacho de aperfeiçoamento com vista a suprir a sua omissão, sempre teria o respectivo e eventual recurso sobre a matéria de facto que ser rejeitado.
Contudo, não tendo igualmente cumprido o respectivo ónus de conclusão, nem mesmo se pode afirmar que haja recorrido quanto à decisão de facto.

Mostra-se, por isso, definitivamente assente a matéria de facto que foi apurada pelo Tribunal a quo.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, e «com interesse para a decisão da causa», resultaram provados os seguintes factos:

1 - Banco 1..., S.A. (aqui Exequente/Embargada) intentou a execução com o n.º 2321/24.8T8GMR, a que o presente processo está apenso, contra AA (aqui Executado/Embargante) e Outra, para cobrança da quantia de € 14.336,91 (catorze mil trezentos e trinta e seis euros e noventa e um cêntimo).

2 - A Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) deu à execução a certidão a que respeita a cópia de fls. e seguintes dos autos principais, respeitante à escritura pública de mútuo com hipoteca, lavrada no dia 01 de Outubro 2001, no ... Cartório Notarial ..., onde figura, como primeiro outorgante AA e Outra, e como segundo outorgante BB, na qualidade de procurador do Banco 2... (documento cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

3 - Consta do documento mencionado e reproduzido no facto provado enunciado sob o número 2 que pelos primeiros outorgantes foi declarado que se confessam devedores da importância de setenta e cinco milhões e quinhentos mil escudos, que irão receber do Banco, o empréstimo tem o prazo de vinte anos, que inclui o período de utilização e reembolso; e que o reembolso será feito em prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros.

4 - Consta do documento mencionado e reproduzido no facto provado enunciado sob o número 2 que o total de prestações é de duzentas e quarenta.

5 - Consta do documento mencionado e reproduzido no facto provado enunciado sob o número 2 que para garantia do bom pagamento da quantia mutuada, e bem assim dos respetivos juros e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais, que para efeitos de registo são computadas em três milhões setecentos e setenta e cinco mil escudos, os primeiros outorgantes constituem hipotecas a favor do Banco 2... sobre o imóvel prédio urbano composto de casa de ... e andar, com logradouro, situado no lugar da ..., freguesia ..., ..., descrito na CRP ... sob o nº ...81, ainda omisso na matriz, que por expressa vontade dos primeiros outorgantes, abrangerá igualmente as beneficiações de que o prédio vai ser alvo.

6 - Consta do documento mencionado e reproduzido no facto provado enunciado sob o número 2 que o empréstimo e a hipoteca se regulam pelos termos constantes da escritura e documento complementar.

7 - A 13 de Abril de 2020, existindo já atraso no pagamento de prestações do acordo mencionado e reproduzido no facto provado enunciado sob o número 2, o Executado/Embargante (AA) e a demais Executada nos autos principais pediram a adesão à moratória bancária, formalizando o pedido através da «Declaração de Adesão Moratória Banco 1... – Crédito Habitação ou Outro Crédito Hipotecário».

8 - Foi solicitada pelo Executado/Embargante (AA) e a demais Executada nos autos principais «a suspensão de reembolsos de capital, até 30 de setembro de 2020, com consequente prorrogação do prazo do empréstimo pelo mesmo período».

9 - O pedido de «suspensão de reembolsos de capital, até 30 de setembro de 2020, com consequente prorrogação do prazo do empréstimo pelo mesmo período» referido no facto provado enunciado sob o número 9 foi aceite pela Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.), tendo sido suspenso o reembolso do capital do contrato, durante o prazo dessa moratória (que decorreu de 13 de Abril de 2020 a 31 de Março de 2021).

10 - Durante o período da moratória, o Executado/Embargante (AA) e a demais Executada nos autos principais não efetuaram o pagamento da totalidade do valor (de capital e de juros) das prestações n.ºs 220 a 230 do empréstimo, tendo realizado somente o pagamento de juros.

11 - A adesão à moratória bancária referida nos factos provados anteriores implicou a extensão / alargamento do prazo do empréstimo, por um período igual ao da duração da dita moratória, ou seja, vencendo-se a última prestação (248), em Setembro de 2022.

12 - Após o termo da moratória, o Executado/Embargante (AA) e a demais Executada nos autos principais realizaram, embora com atraso, o pagamento das prestações n.ºs 231 a 241, vencidas entre Abril de 2021 e Fevereiro de 2022.

13 - Por missiva de 08 de Março de 2023, o Executado/Embargante (AA) e a demais Executada nos autos principais foram informados que se encontrava «em atraso o pagamento de 7 prestações sucessivas do seu crédito (…), nomeadamente as prestações da nº 242 à nº 248 (inclusive)»; e que a «falta de pagamento após o prazo acima indicado [30 dias] implicará a cessação imediata do seu contrato de crédito e a execução das garantias existentes».

14 - A 20 de Setembro de 2022, por lapso, foi emitido pela Exequente/ Embargada (Banco 1..., S.A.) o termo de cancelamento da hipoteca.
*
3.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou ainda que, não «se provaram, com relevância para a decisão da causa, os restantes factos alegados, nomeadamente»: 

a) O Executado/Embargante (AA) nada deve à Exequente/Embargada, uma vez que todas as prestações foram pagas.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Título executivo - Documentos autênticos ou autenticados que constituam ou reconheçam obrigações
4.1.1. Título executivo
Lê-se no art.º 817.º do CC que, não «sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis do processo»; e, de forma conforme, lê-se no art.º 735.º, n.º 1, do CPC, que estão «sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda».
Mais se lê, no art.º 10.º, n.º 5, do CPC (como antes se lia no art.º 45.º, n.º 1, do CPC de 1961), que toda «a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva».

A acção executiva pressupõe, assim, um direito de execução do património do devedor, ou seja, «um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lex, pág. 626).
O título executivo cumpre, por isso e «antes de mais, uma função de certificação da aquisição do direito ou poder à prestação pelo exequente», cumpre uma «função de representação dos factos principais da causa de pedir» (Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, Lisboa, Junho de 2018, pág. 137).
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Lê-se ainda, no art.º 703.º, n.º 1, do CPC (como antes se lia no art.º 46.º, n.º 1, do CPC de 1961), de forma taxativa, que à «execução apenas podem servir de base» os títulos que a seguir enuncia.
O título executivo é, assim, típico, isto é, não podem as partes conferir essa natureza a qualquer um não previsto na lei para o efeito; e traduz precisamente a exequibilidade extrínseca da pretensão (preenchimento dos pressupostos e requisitos para que um documento possa valer como título executivo, condição de certeza para acesso directo à realização coactiva de uma obrigação que é devida).
Logo, faltando o preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar a função de título executivo, constitui fundamento de indeferimento liminar e de rejeição oficiosa da execução, bem como de oposição à mesma (art.ºs 726.º, n.º 2, al. a), 729.º, al., a) e 734.º, todos do CPC).
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4.1.2. Documentos autênticos ou autenticados que constituam ou reconheçam obrigações
Lê-se no art.º 703.º, n.º 1, al. b), do CPC (como antes se lia no art.º 46.º, n.º 1, al. b), do CPC de 1961) que os «documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação» constituem títulos executivos.
Precisa-se, porém, que se pressupõe aqui que a obrigação constituída ou reconhecida no documento exarado ou autenticado por pessoa competente para o efeito seja existente (já existente) em face do título, embora vencida ou a vencer-se.
Assim, uma «escritura de mútuo em que está previsto o prazo de restituição e as condições do empréstimo, e na qual os mutuários tenham declarado no final que “aceitam o contrato na forma exarada” implica o reconhecimento da obrigação de restituir, pelo que pode ser utilizada como título executivo» (Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Junho de 2018, pág. 182).

Mais se lê, no art.º 707.º do CPC (como antes se lia no art.º 50.º do CPC de 1961) que os «documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes».
Logo, e quando a obrigações futuras (como a efectiva concessão de crédito apenas prometido conceder no documento exarada ou autenticado por notário) o «legislador admite que alguns elementos da obrigação exequenda possam não constar do documento que serve de título executivo, mas de outro documento ou com força executiva própria ou emitido em conformidade com o documento autêntico ou autenticado apresentado como título executivo, considerando que tal constitui garantia suficiente da existência da dívida» (Ac. da RP, de 08.11.2018, Inês Moura, Processo n.º 2896/17.8T8LOU-A.P1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, «se é certo que o mútuo em si mesmo poderá ser título executivo da obrigação de restituição da quantia mutuada, desde que celebrado na devida forma escrita legalmente exigida, todavia no mútuo prometido em concessão de crédito, ele não apesenta autonomia formal: o único documento que o credor tem toda abertura de crédito, tudo o mais são atos materiais de entrega e de restituição de quantias. Daí que se compreenda que, para fins executivos, essa falta de documento de mútuo autónomo seja colmata por meio do artigo 707.º, desde que o exequente prove que entregou efectivamente o montante a recuperar».
Ora, esta «prova complementar do título deve ser feita por documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do documento exequendo ou, sendo estas omissas, por documento revestido de força executiva própria.
Exemplos dos primeiros são os extratos de conta-corrente ou outros documentos contratuais» (Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Junho de 2018, págs. 189 e 192, com bold apócrifo).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que a Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) intentou a acção executiva que constitui os autos principais invocando como título executivo uma escritura pública (isto é, lavrada em Cartório Notarial), datada de 01 de Outubro de 2001, epigrafada «MÚTUO COM HIPOTECA»; e onde o Executado/Embargante (AA) e Outra, perante ela, «se confessam devedores da importância de setenta e cinco milhões e quinhentos mil escudos», comprometendo-se a reembolsar «o empréstimo», que «tem o prazo de vinte anos», em «duzentas e quarenta prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros».
Logo, e como bem ajuizou o Tribunal a quo, as partes celebraram por escrito um contrato de mútuo bancário, por meio do qual a Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) se obrigou a entregar aos Executado/Embargante (AA) e Outra a importância, à data, de Esc. 175.500.000$0, o que efectivamente depois fez (conforme requerimento executivo inicial); e os Executado/Embargante (AA) e Outra se obrigaram a reembolsar a dita quantia em duzentas e quarenta prestações mensais, iguais e sucessivas, confessando-se desde logo devedores da mesma (confissão que o Executado/Embargante reiterou nestes autos, alegando apenas em sua defesa já ter procedido à sua amortização integral, o que, porém, não logrou provar).
Está-se, assim, perante um documento exarado por notário, que importa a constituição de uma obrigação de pagamento do Executado/Embargante (AA) para com a Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.), face à prova complementar que esta igualmente produziu, de cumprimento da sua prévia obrigação de mútuo; e, desse modo, constitui idóneo título executivo para a reclamação do seu cumprimento coercivo.

Mais se verifica que consta igualmente da dita escritura pública de «MÚTUO COM HIPOTECA» que, «para garantia do bom pagamento da quantia mutuada, e bem assim dos respectivos juros e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais, que para efeitos de registo são computadas em três milhões setecentos e setenta e cinco mil escudos, os primeiros outorgantes constituem hipotecas a favor» da Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) «sobre o imóvel prédio urbano», ali melhor identificado; e que «o empréstimo e a hipoteca se regulam pelos termos constantes da escritura e documento complementar» anexo à mesma.
Logo, e como bem ajuizou o Tribunal a quo, o cumprimento da obrigação de pagamento do capital mutuado ao Executado/Embargante (AA) e Outra, assumida por eles, foi garantido por meio de uma hipoteca sobre imóvel propriedade de ambos.

Por fim, verifica-se que, em 20 de Setembro de 2022, quando ainda se encontravam por pagar as sete últimas prestações mensais de amortização do empréstimo (cujo prazo inicial de vencimento fora dilatado mercê da moratória editada ao abrigo da legislação COVID 19), e por lapso da Exequente/Embargada (Banco 1..., S.A.) - que apenas atendeu ao prazo inicial de vigência do contrato de mútuo bancário, sem a aplicação da dita moratória - foi emitido termo de cancelamento da hipoteca.
Logo, e como bem ajuizou o Tribunal a quo, por o Executado/Embargante (AA) ter efectivamente promovido depois o cancelamento da hipoteca, esta garantia de cumprimento do contrato de mútuo bancário celebrado extinguiu-se no decurso do mesmo.
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Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, afirmá-lo não é o mesmo que dizer (como defende o Executado/Embargante no seu recurso) que «a hipoteca associada ao contrato de mútuo está extinta, pelo que deixa de existir o título executivo».
Com efeito, e conforme referido supra, o que a lei constitui como título executivo não é um documento exarado por notário que importe a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação e ainda, cumulativamente, a constituição de uma qualquer garantia (pessoal ou real), por forma a que, ocorrendo a extinção desta, o dito título ficasse incompleto; e, por isso, inidóneo como tal.
Reitera-se, a lei apenas exige, para a constituição do título executivo, que, em documento elaborado por oficial público ou equiparado, aquele que mais tarde vem a figurar em juízo como executado assuma ou reconheça a obrigação cujo cumprimento coercivo precisamente se reclama então judicialmente, e não também que persistam no mesmo momento as eventuais garantias (ainda que reais) que, cumulativamente com a constituição ou o reconhecimento da obrigação exequenda, tinham sido acordadas.
Assim, e sem necessidade de ulteriores considerações (dispensadas pela singeleza da argumentação do Executado/Embargante), mostra-se sem fundamento o recurso em apreciação.
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Deverá, por isso, decidir-se em conformidade, pela improcedência total do recurso interposto pelo Executado/Embargante (AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Executado/Embargante (AA) e, em consequência, em

· Confirmar a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelo Recorrente (conforme art.º 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 09 de Outubro de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.


[1] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[2] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso». 
[3] Reafirmando hoje este entendimento, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, págs. 172 e 173, onde se lê que, «expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão».
[4] No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, págs. 762, nota 3, quando afirmam que «objeto do recurso é integrado pelas respectivas conclusões», sem prejuízo das «questões de conhecimento oficioso relativamente às quais existam elementos que possam ser apreciados» (o que reafirmam a pág. 767, nota 4, e a pág. 770, nota 3, da mesma obra).
[5]  Não podem, por isso, valer como conclusões «arrazoados longos e confusos, em que se não discriminem com facilidade as questões postas e os fundamentos invocados» (Professor Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 361.
No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 06.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 373/06.1TBARC-A.P1.S1, que inclusivamente apelida o ónus em causa como «ónus de concisão».
[6] No mesmo sentido, Rui Pinto, Notas Ao Código De Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 142, nota 4. [7] Aparentemente no mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, quando a pág. 768, nota 6, reservam o despacho de aperfeiçoamento ao recurso «em matéria de direito»; e quando a pág. 720, nota 2, referem - sem qualquer crítica, ou afastamento - que, segundo «a jurisprudência largamente maioritária, não existe relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento». Fazem, porém, notar que esta solução, «em vez de autorizar uma aplicação excessivamente rigorista da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada».
Na jurisprudência mais recente, veja-se o Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2, onde se lê que, relativamente «ao recurso da decisão da matéria de facto, está vedada ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento, na medida em que, em matéria de recursos, o artigo 652º, nº1, al. a), do Código de Processo Civil, limita essa possibilidade às “conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º”».
[8] Serão, por exemplo, os casos em que o recorrente, enunciando os pontos de facto que pretende impugnar, é porém omisso quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida (Ac. da RP, de 10.07.2013, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 391/11.8TBCHV.P1), ou não cumpre os ónus secundários do n.º 2 do art.º 640.º do CPC, designadamente, de exacta indicação das passagens da gravação (Ac. do STJ, de 22.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 26.11.2015, António Leones Dantas, Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1).
[9] Neste sentido: Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1; Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º  2180/09.0TTLSB.L1.S2; Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1; Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1; Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1; Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1; Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14; ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2.
[10] O AUJ nº 12/2023 (de 17.10.2023, Ana Resende, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1), foi publicado no DR-220/2023, SÉRIE I, de 14 de Novembro de 2023.
[11] Contudo, em sentido contrário, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo n.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1, onde se lê que a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação.
[12] Neste sentido, Ac. da RC, 08.03.2022, João Moreira do Carmo, Processo n.º 19/21.8T8AGN-B (com bold apócrifo), onde se lê - «Dir-se-á já de entrada e sumariamente que ao contrário do que defende não existe qualquer presunção legal no sentido em que uma declaração de autorização para cancelamento de hipoteca faz presumir quer a extinção da dívida quer da hipoteca.
Relativamente a presunção judicial ou simples, que se inspira nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos dados da experiência humana (vide A. Varela, em CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 2. ao apontado artigo 349º, pág. 310) diremos que a realidade da vida não transmite com sólida força persuasiva aquela conclusão. O apelante exemplifica com as declarações passadas pelos bancos, pois diz ser publicamente consabido que, no caso das hipotecas constituídas perante as entidades bancárias, para garantia dos respectivos mútuos, quando se encontre efectuado o reembolso desse mesmo mútuo, as entidades bancárias emitem unicamente o correspondente documento de cancelamento de hipoteca (distrate de hipoteca), sem que procedam à emissão de qualquer quitação, uma vez que tal documento é o suficiente para remover o ónus de garantia em causa, atestando o integral cumprimento da obrigação.
Mas o recorrido retorque e avisadamente que nem sempre assim é com as entidades bancárias. Na verdade, no caso das hipotecas bancárias, para garantia dos respetivos mútuos, assim que se encontre reembolsada a totalidade das quantias em dívida, as entidades bancárias estão legalmente obrigadas a emitir o correspondente distrate de hipoteca. Todavia, existem situações em que, não estando o empréstimo totalmente liquidado, as entidades bancárias optam por abdicar da garantia hipotecária por motivos comerciais ou de outra ordem. Por exemplo, por o montante em dívida já ser pequeno e/ou por concluírem que, face à avaliação de solvabilidade efetuada aos mutuários, o seu património geral é considerado suficiente para fazer face às suas actuais responsabilidades.
Pelo que não é publicamente consabido que duma autorização de cancelamento de hipoteca se possa inferir logicamente ou como uma máxima da experiência que a obrigação garantida pela hipoteca se encontra extinta».
[13] Precisa-se que, sem o cumprimento deste particular ónus de impugnação, não poderá a prova pessoal (na sua globalidade) ser reponderada em sede de recurso.
De outro modo, estar-se-ia a obrigar o Tribunal de recurso a proceder a uma nova e global avalização da prova pessoal produzida, já que só pela audição integral dos depoimentos seleccionados (alguns, ou mesmo todos) poderia confirmar ou infirmar a sua idoneidade para alterar a decisão de facto do Tribunal a quo, bem como a exactidão ou falta dela das parcelares transcrições que tivessem merecido.
Acresce que esta exigência, expressa e inequivocamente imposta por lei, também não redunda num ónus excessivo para o recorrente, que precisamente para o efeito dispõe de uma majoração de dez dias para interposição do seu recurso, face àquele outro em que não impugne a matéria de facto (art.º 638.º, n.º 1 e n.º 7, do CPC).
[14] Neste sentido se vem, reiterada e coerentemente, pronunciando a jurisprudência (à luz do anterior, e do actual, CPC), conforme (e para além dos citados antes):
. Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leonel Dantas, Processo nº 2180/09.0TTLSB.L1.S2 - «I - As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código. II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações. III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados».
. Ac. do STJ, de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1 - «II - Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada»;
. Ac. do STJ, de 26.11.2015, Leonel Dantas, Processo nº 291/12.4TTLRA.C1.S - «III - Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados»;
. Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1.S1 - «II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.. IV - Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados»;
. Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12.8TUGMR.G1.S1 - «Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna»;
. Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1 - «I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso».