Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6577/21.0T8BRG.G2
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO
AUJ 1/2022
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Conforme o decidido no acórdão do STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022, após o trânsito em julgado da decisão fica precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
AA e BB instauraram a presente ação declarativa, que corre termos no Juízo Central Cível de Braga, contra a Companhia de Seguros EMP01... SA, cuja firma foi alterada, primeiro para EMP02... SA e depois para a EMP03... SA, e à qual foi atribuída o valor de 3.769.590,00 €,
A 3 de abril de 2025 o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão em que, quanto à responsabilidade por custas, decidiu:
"Do recurso:
Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o autor, recorrente e a ré, recorrida, terem ficado vencidos no recurso, caberia aos mesmo suportar as custas do recurso, na proporção de, respetivamente, 68% e 32%. Apenas a ré suportará as custas, considerando que o autor, recorrente, beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Da ação:
Considerando a disposição legal acima citada e a circunstância de ambas as partes terem ficado vencidas, em parte, na ação, caberia ao autor e à ré a pagar as custas na proporção do seu decaimento, respetivamente 52,5% e 47,5%. Dado que o autor goza do benefício do apoio judiciário, condena-se apenas a ré a pagar as custas da ação na proporção atrás indicada."

A 12-5-2025 o Meritíssimo Juiz prolatou um despacho dizendo:
"Tomei conhecimento dos doutos acórdãos da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça que foram proferidos nos presentes autos.
Oportunamente, arquivem-se os autos."
A 3-6-2025 foi elaborada conta, apurando-se como "Total a Pagar" pela ré a quantia de 68.485,09 €.
A 25-6-2025 a ré apresentou um requerimento onde solicitou que:
- "(…) declarada a nulidade supra invocada, bem como a nulidade de todos os atos posteriores do processo, seja ordenada a notificação à Ré do douto despacho proferido a 12.05.2025";
- "(…) julgar procedente a reclamação ora apresentada e, em conformidade, se digne ordenar a Secretaria a retificar a conta de custas posta em crise, substituindo-a por outra, da qual apenas conste o pagamento de 47,5% do valor total que é devido pela Ré, ou seja, o montante de 32.340,38 €";
- "(…) a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça".
Por despacho de 2-7-2025 o Meritíssimo Juiz indeferiu o solicitado pela ré.

Inconformada com esta decisão, dela a ré interpôs recurso, findando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:
1. O objeto primordial do presente recurso é impugnação da decisão proferida no douto despacho com a referência ...89, proferido no dia 02.07.2025, que indeferiu o requerimento apresentado pela Ré no dia 25.06.2025
2. Assim, pretende a Apelante que seja revista de decisão i) quanto à dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça; ii) subsidiariamente, pretende a Apelante que o remanescente seja reduzido a uma percentagem meramente residual, no limite máximo de 20%; iii) sem prescindir, sempre deverá a conta ser alterada, porquanto a mesma não respeita a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto a custas e, nesse sentido, a aqui Apelante apenas deveria ser condenada, já descontando as taxas suportadas, ao valor global de € 28.871,10; iv) finalmente, a conta deverá ser revista, porquanto a Taxa de Justiça Cível que se encontra a ser reclamada pelo IGFEJ não encontra suporte no n.º 7 do artigo 26.º do RCP, nada sendo devido a este propósito.
Vejamos,
3. O valor de € 3.769.590,00 (três milhões, setecentos e sessenta e nove mil, quinhentos e noventa euros) atribuído aos presentes Autos não tem qualquer correspondência com a complexidade do processo ou com as questões jurídicas discutidas.
4. Tratou-se de uma ação em que se discutiu a responsabilidade civil da Apelante em consequência de acidente de viação e em que o valor do pedido teve em consideração as graves consequências/danos sofridos, associados à idade do sinistrado.
5. Os articulados não foram extensos e realizaram-se (apenas) duas sessões de julgamento (ainda que a segunda tenha sido agendada em virtude de uma testemunha estar a faltar).
6. Não foi, assim, um processo complexo, nem mesmo as questões jurídicas discutidas o foram.
7. Ademais, nenhuma censura processual há a fazer às partes, que se limitaram a lançar mão do direito de ação, de defesa e de contraditório, sem a violação dos deveres da boa-fé, cooperação e prudência.
8. Por tudo isto, se justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
9. Em causa está a conta elaborada pelo Tribunal a quo que implica o pagamento € 71.749,09 que, deduzidas as taxas liquidadas no processo e recursos, se situa no valor global e final de € 68.485,09.
10. O valor vindo de referir não se mostra razoável e proporcional à luz da complexidade que o processo representou, em face do comportamento das partes ou por qualquer outro motivo, violando o mesmo os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.
11. Com efeito, os dois princípios vindos de referir são transversais ao sistema fiscal e têm previsão, entre outros, nos artigos 103.º e 266.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
12. Do princípio da proporcionalidade decorre que as taxas não podem exceder o custo da atividade pública ou o benefício do particular.
13. In casu, a atividade pública do Estado com este processo não teve um custo que ascende a € 71.749,09.
14. Donde, à luz do princípio da proporcionalidade, não se justifica manter o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
15. À luz do princípio da igualdade – tratar o que é igual de forma igual e desigual de forma desigual -, este processo judicial não teve uma tramitação e complexidade diferente a tantos outros que têm valores mais modestos, aos quais não é aplicado o remanescente da taxa de justiça.
16. Donde, taxa de justiça deste processo não deve ser de montante tão desproporcional e desigual quando comparado com todos os outros processos judiciais de responsabilidade civil automóvel, cujos pedidos não ascendem ao limite de € 275.000,00.
17. Deste modo, interpretando os pressupostos previstos no número 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) à luz dos princípios constitucionais vindos de expor deveria o Tribunal a quo ter considerado a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Sem prescindir,
18. Incumbe ao Tribunal oficiosamente o poder/dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, sob pena de, na elaboração da conta, equitaa, assim como dos artigos 2.º e 20.º da CRP.
19. Ademais, a aplicação conjugada dos artigos 6.º, n.º 1 e n.º 7, todos do RCP, tal consta do despacho ora em crise, dita uma solução jurídica desproporcional e violadora dos direitos fundamentais previstos no artigo 20.º da Constituição, violando o princípio constitucional da proporcionalidade (art. 18.º n.º 2 e 266.º da C.R.P.) e do acesso ao direito (art. 2.º, 20.º n.º 1 da C.R.P.).
20. Deste modo, por força do disposto no artigo 204.º da CRP, não podem tais preceitos legais ser aplicados, o que se invoca para todos os efeitos legais.
Ainda sem prescindir,
21. A aqui Apelante, enquanto pessoa coletiva de direito português, beneficia do âmbito de proteção da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
22. É jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que a matéria de custas cabe na definição de litígio em que se determina direitos e obrigações de carácter civil, pelo que o artigo 6.º da CEDH é aplicável ao caso vertente os presentes autos.
23. A notificação efetuada à aqui Apelante viola frontalmente o direito a um processo equitativo, não só porque constitui a negação da força jurídica da decisão final proferida no processo quanto a custas, mas porque as que as custas processuais não podem resultar, na prática, num efetivo obstáculo no acesso aos Tribunais e no acesso à tutela jurisdicional.
24. A conjugação dos artigos 6.º, n.º 1 e n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP resulta numa clara e frontal violação da CEDH.
25. A conta e a notificação realizada à Apelante são nulas e de nenhum efeito jurídico, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais, designadamente quanto ao disposto no artigo 195.º do CPC, pelo que deve o douto despacho proferido ser substituído por outro que determine a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Subsidiariamente,
26. Mantendo todos os argumentos supra expostos, por se mostrar, ainda assim, exagerado e desproporcional, deverá considerar-se a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não superior a 20% do montante devido.
Sempre sem prescindir,
27. O pedido de dispensa foi apresentado em tempo, porquanto pode ser apresentado após a elaboração da conta, por ser nesse momento que ficam as partes a saber o exato montante a pagar a título de taxa de justiça.
28. De todo o modo, sempre poderia o Tribunal a quo, oficiosamente, ter dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, podendo-o fazer até ao final do prazo para o pagamento voluntário da taxa de justiça que é definida na conta.
29. É neste contexto que se mostra relevante a nulidade invocada perante o Tribunal a quo relativa à falta de notificação do douto despacho proferido a 12 de maio de 2025, com referência ...39, pelo Tribunal a quo.
30. Tivesse o mesmo sido notificado e estava a aqui Apelante em condições de requerer a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça, pois que tomava conhecimento, por via daquele, que o processo já se encontrava, de novo, na Primeira Instância.
31. A omissão teve influência na tramitação do processo – o que deverá ser relevado e, em consequência, ser anulado todo o processado.
32. Uma vez assim decidindo, deverá entender-se que, não só o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça se mostrava em tempo, como em tempo estava o Tribunal a quo de decidir, oficiosamente, a dispensa do pagamento.
Finalmente,
33. A conta elaborada violou o decidido no douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto a custas que determinou que apenas a Ré suportará as custas.
34. A interpretação que o Tribunal a quo fez a este propósito não tem respaldo na decisão proferida: a decisão começa por referir-se que “caberia” às partes o pagamento na respetiva proporção, mas só a Ré será condenada no pagamento das custas, na sua proporção do decaimento.
35. A decisão proferida pelo Tribunal a quo está a violar o aresto proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, motivo pelo qual a conta deveria ter sido reformulada em linha com a decisão proferida quanto a custas – a aqui Apelante só deveria proceder ao pagamento de 32% e 47,5% do valor devido, em recurso e no processo respetivamente, leia-se, € 28.871,10 ao invés dos € 68.485,09 reclamados.
36. Sem prescindir, o Tribunal a quo não se pronunciou – nulidade que expressamente se invoca nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC – sobre a interpretação invocada pela Apelante quanto ao n.º 7 do artigo 26.º do RCP, em especial, quando entende que tal norma não prevê que a secretaria apresente à parte vencida custas de parte e que impute à parte vencida taxas supostamente suportadas pelo IGFEJ.
37. Estando este Tribunal em condições de decidir sobre a interpretação que deve recair sobre tal norma, entende a Apelante o que resulta de tal norma é apenas que as custas suportadas pela parte vencida – e que a parte vencida suportou - revertem a favor do IGFEJ (e sempre de acordo com o decidido quanto a custas).
38. A conta elaborada pelo Tribunal está a conceber que o IGFEJ suportou o pagamento do remanescente da taxa de justiça e está a imputar à aqui Apelante o respetivo pagamento de custas de parte – o que, mais uma vez, não encontra respaldo na letra do n.º 7 do artigo 26.º do RCP.
39. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 103.º, 204.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 6.º da CEDH e os artigos 6.º, número 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais.
O Ministério Público contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 4, 637.º n.º 2 e 639.º n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil São deste código todos os artigos mencionados adiante sem qualquer outra referência., delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) ocorre "a nulidade invocada perante o Tribunal a quo relativa à falta de notificação do douto despacho proferido a 12 de maio de 2025";
b) "o Tribunal a quo não se pronunciou - nulidade que expressamente se invoca nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC - sobre a interpretação invocada pela Apelante quanto ao n.º 7 do artigo 26.º do RCP";
c) incumbindo "ao Tribunal oficiosamente o poder/dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça", "se justifica a dispensa" desse pagamento.
d) "deverá considerar-se a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não superior a 20% do montante devido";
e) "a conta elaborada violou o decidido no douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto a custas".

II
1.º
Para a decisão do recurso importa ter presente o acima descrito.
*
Na perspetiva da ré há "a nulidade invocada perante o Tribunal a quo relativa à falta de notificação do douto despacho proferido a 12 de maio de 2025", dado que caso "tivesse (…) sido notificado e estava (…) em condições de requerer a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça, pois que tomava conhecimento, por via daquele, que o processo já se encontrava, de novo, na Primeira Instância".
O Ministério Público, na linha do decidido no despacho recorrido, respondeu dizendo que "o douto despacho de 12/05/25, sendo de mero expediente, não foi – nem tinha – que ser notificado".
Vejamos.
"As nulidades processuais podem ser principais (ou nominadas) (art. 186.º a 194.º) ou secundárias (ou inominadas) (art. 195.º). As nulidades principais são, em regra, de conhecimento oficioso (art. 196.º 1.ª parte); as nulidades secundárias não são, em regra, de conhecimento oficioso (art. 196.º 2.ª parte)." Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil Online em anotação ao artigo 195.º, pág. 65, versão de setembro de 2025, blogippc.blogspot.pt. O n.º 1 do artigo 195.º "estabelece os elementos da nulidade inominada: o elemento normativo e o elemento consequencial. O disposto no n.º 1 demonstra que o elemento normativo abrange duas situações distintas: (i) a prática ou a omissão indevida de um ato; (ii) a omissão indevida de uma formalidade imposta por lei." Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil Online em anotação ao artigo 195.º, pág. 80, versão de setembro de 2025, blogippc.blogspot.pt. Isto é, trata-se de "irregularidades ou desvios ao formalismo Processual, quando relevantes" Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 180. nos temos desse n.º 1. Por conseguinte, "do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um ato não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um ato que é imposto por essa tramitação. Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao ato como trâmite, e não ao ato como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte." Teixeira de Sousa, Comentário de 18-4-2018 em blogippc.blogspot.pt
Voltando ao nosso caso vemos que a ré faz vários considerandos sobre esta nulidade, mas nunca chega a identificar a norma que o Meritíssimo Juiz não terá observado; não especifica qual o preceito que impunha que fosse notificada de "que o processo já se encontrava, de novo, na Primeira Instância". Com efeito, a ré limita-se a expressar uma utilidade ou conveniência sua em receber essa informação, pois, "tivesse o mesmo sido notificado e estava a aqui Apelante em condições de requerer a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça, pois que tomava conhecimento, por via daquele, que o processo já se encontrava, de novo, na Primeira Instância."
Ora, como se viu, para estarmos na presença de uma nulidade teria de haver um comando legal que impusesse que o tribunal notificasse a ré de que o processo, onde o Supremo Tribunal de Justiça havia julgado um recurso, já tinha regressado à 1.ª instância. Sucede que não existe norma alguma que estabeleça a obrigatoriedade de se realizar tal notificação, o mesmo é dizer que não foi omitido um ato imposto pela tramitação processual.
A ré quer fazer crer que, sem a notificação que diz estar em falta, não podia saber que se encontrava "em condições de requerer a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça". É, por isso, oportuno dar nota de que, pelo menos, desde que o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seu acórdão de 3-4-2025 a ré, como adiante se explicará, tinha conhecimento de que podia suscitar essa questão.
Acresce que a ré parte do falso pressuposto de que, caso o tribunal recorrido a tivesse notificado da baixa do processo, ainda era tempestiva a apresentação de um pedido de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça. Isso não é verdade. O prazo para o fazer, como à frente se verá, findou antes de o processo sair do Supremo Tribunal de Justiça, pois é isso que nos diz o acórdão do STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022. Por conseguinte, mesmo que existisse uma norma que obrigasse o tribunal de 1.ª instância a notificar as partes do recebimento do processo quando ele vem do STJ, o certo é que nesse cenário a omissão de tal ato não tinha tido influência na tramitação do processado no que toca à (eventual) dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, visto que, como se assinalou, nessa altura já estava esgotado o prazo para o tribunal, oficiosamente ou por iniciativa da ré, decidir essa matéria.
Portanto, não existe a apontada nulidade.
2.º
Segundo a ré "o Tribunal a quo não se pronunciou – nulidade que expressamente se invoca nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC – sobre a interpretação invocada (…) quanto ao n.º 7 do artigo 26.º do RCP".
A nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre "quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento", o mesmo é dizer que lhe cabe "conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções que oficiosamente lhe cabe conhecer" Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª Edição, pág. 704. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 1-3-2018 no Proc. 4290/09.5TBCSC.L1.S1, www.gde.mj.pt. e também dos "pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos (controvertidos ou questionados) entre as partes" Antunes Varela, RLJ, Ano 122, pág. 112..
Como a jurisprudência vem repetida e uniformemente dizendo, "a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista, quanto à apreciação e decisão dessas questões." Ac. STJ de 9-4-2025 no Proc. 726/06.5TYLSB-AL.L1.S1. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 16-2-2023 no Proc. 457/18.3T8ABF.E1.S1, Ac. STJ de 20-5-2021 no Proc. 1544/16.8T8ALM.L1.S1, Ac. STJ de 14-1-2021 no Proc. 4285/18.8T8MTS.P1.S1, Ac. STJ de 22-2-2018 no Proc. 2317/15.0T8VNG.P1.S2, Ac. STJ de 9-11-2017 no Proc. 9526/10.7TBVNG.P1.S1 e Ac. STJ de 15-12-2011 no Proc. 2/08.9TTLMG.P1S1, todos em www.gde.mj.pt. Importa não confundir o que é uma questão a decidir com os argumentos que se apresentam em defesa da solução que se quer que seja dada. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão". Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 143, referindo-se ao então artigo 668.º n.º 4 CPC, que corresponde ao atual artigo 615.º n.º 1 d) CPC.
Na situação em apreço a ré argui a nulidade de omissão de pronúncia em virtude de o tribunal de 1.ª instância não ter tomado posição "sobre a interpretação invocada pela Apelante quanto ao n.º 7 do artigo 26.º do RCP".
Ora, a interpretação que a ré faz dessa norma é, justamente, um dos argumentos em que alicerça a pretensão que coloca, não é, ela mesma, uma questão.
Deste modo não se verifica esta nulidade.
3.º
A ré defende que, incumbindo "ao Tribunal oficiosamente o poder/dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça", e como no "presente caso justifica-se a dispensa desse" pagamento, o tribunal recorrido devia ter decidido nesse sentido.
O n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais dispõe que "nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento".
É pacífico que o tribunal pode oficiosamente dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça. Contudo, "é na sentença ou no acórdão final que o juiz ou o coletivo dos juízes, conforme os casos, verificados os mencionados pressupostos, deve declarar a mencionada dispensa (art. 607.º, n.º 6, do CPC). Verificados aqueles pressupostos, a não dispensa de pagamento daquele remanescente justifica o pedido das partes de reforma da sentença ou do acórdão, nos termos do artigo 616.º, n.ºs 1 e 3, extensivamente interpretado." Salvador da Costa, As Custas Processuais, 6.ª Edição, pág. 134 e 135. E não esqueçamos que, se o juiz estava em condições de saber "qual era o montante da taxa remanescente, e se nada decidiu em contrário então só podemos concluir que foi porque entendeu que não se justificava a dispensa ou redução do pagamento" Ac. STJ de 3-10-2017 no Proc. 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, citado no Ac. STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022..
Por outro lado, conforme o decidido no acórdão do STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022, "a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo." "Nunca depois" Ac. STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022.. E se na sua decisão o juiz nada disser quanto a esta questão, "às partes não resta senão reagir por via da reforma da decisão quanto a custas ou, sendo possível, do recurso. Pedido esse de reforma que deve ser feito no prazo de 10 dias contado da notificação da sentença ou acórdão" Ac. STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022.. Aliás, "o requerimento por qualquer das partes da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser apresentado em juízo antes da conclusão do processo ao juiz da 1.ª instância para prolação da sentença, ou do início do prazo para o relator, nos tribunais superiores, elaborar o projeto do acórdão. Não requerida pelas partes a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, mas verificados os seus pressupostos, elas ainda podem obtê-la por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas lato sensu que não tenham conhecido da questão" Salvador da Costa, citado no Ac. STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022..
Deste modo é evidente que quando o processo baixou do STJ o tribunal de 1.ª instância já nada podia decidir, designadamente de modo oficioso, quanto à pretendida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Como bem salienta o Ministério Público, "a douta sentença já transitou em julgado, donde (…) os requerimentos em causa são intempestivos, estando vedado ao Tribunal o seu conhecimento neste momento.
Na verdade, a parte, notificada da decisão que põe termo ao processo, está em condições, por dispor de todos os elementos necessários - complexidade da causa, quantidade dos atos e diligências praticadas pelo tribunal - para solicitar o não pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que sabe, de antemão, qual a taxa de justiça que será devida e incluída na conta de custas, uma vez que tal taxa de justiça tem necessariamente por referência o valor da ação e a tabela I-A anexa ao RCP – cfr. arts. 6/1 e 7, 14/9, 30 RCP.
Por conseguinte, o interessado conhecia, perfeitamente, o valor da ação.
Estavam, por conseguinte, na posse de toda a informação para acionarem o artigo 6.º/7 do Regulamento das Custas Processuais tempestivamente.
Assim, o douto requerimento solicitando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tem de se considerar extemporâneo".
E convém sublinhar que a jurisprudência uniformizada tem uma força acrescida em relação a qualquer outra decisão judicial. Por isso, quem quiser defender uma interpretação da lei que esteja em oposição com a jurisprudência uniformizada tem o ónus de a fundar num novo facto, num novo argumento ou numa nova realidade que seja suscetível de abalar os alicerces em que assentou o acórdão de uniformização de jurisprudência Neste sentido veja-se Ac. Rel. Coimbra de 11-5-2010 no Proc. 194/09.0TBSCD.C1 (em que foi relator o aqui relator), www.dgsi.pt.. "Pretende-se potenciar, de forma indireta, a obediência aos acórdãos de uniformização de jurisprudência. (…) [e] constitui um fator fortemente inibidor da adoção de entendimentos desrespeitadores de jurisprudência uniformizada." Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, 3.ª Edição, pág. 47. Nessa medida, "a discordância deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior" Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, 3.ª Edição, pág. 423. Neste sentido Ac. STJ de 14-11-2024 no Proc. 275/23.7T80ER-8.L1.S1, www.gde.mj.pt..
Face ao acórdão do STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022 não se consegue compreender como pode a ré, com a simplicidade que o faz, advogar que "o pedido fundado no artigo 6.º, n.º 7 do RCP pode ser apresentado após a elaboração da conta, por ser nesse que ficam as partes a saber o exato montante a pagar a título de taxa de justiça". Lembra-se que já antes da prolação desse aresto a jurisprudência entendia maioritariamente que não era "inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (…) na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas" Ac. Tribunal Constitucional 527/2016, www.tribunalconstitucional.pt. Neste sentido veja-se Decisão Sumária do Tribunal Constitucional 432/21 em www.tribunal constitucional.pt e Ac. STJ de 11-12-2018 no Proc. 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2, Ac. STJ de 13-7-2017 no Proc. 669/10.8TBGRD-B.C1.S1 e Ac. STJ de 3-10-2017 no Proc. 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, estes em www.dgsi.pt.. Ou seja, que havia um momento a partir do qual essa discussão já não podia ter lugar e que esse momento era anterior à elaboração da conta. E o acórdão do STJ de Uniformização Jurisprudência 1/2022 clarificou que esse limite temporal se situa no trânsito em julgado da decisão.
Portanto, como se afirma na decisão recorrida, "tendo sido fixada esta jurisprudência, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser requerida pelas partes antes do trânsito em julgado da sentença, sob pena de preclusão deste direito".
Diz a ré que "incumbe ao Tribunal oficiosamente o poder/dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, sob pena de, na elaboração da conta, ocorrer inconstitucionalidade material decorrente da violação das supra citadas normas constitucionais, assim como dos artigos 2.º e 20.º da CRP." Na sua ótica o tribunal, ao não ter oficiosamente dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, violou os princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade e do acesso ao direito, bem como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A ré, de uma forma mais explícita ou mais implícita, quer apresentar-se como se estivesse de "mãos atadas" à mercê de um poder discricionário do tribunal. As coisas não se passam assim. Como já se disse, a ré, não só podia colocar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça previamente ao Supremo Tribunal de Justiça proferir a sua decisão, como também tinha a faculdade de, até ao trânsito em julgado, reagir contra o acórdão que não conheceu oficiosamente de tal matéria. Significa isso que, antes e depois da decisão do Supremo Tribunal de Justiça ser prolatada, a ré teve a oportunidade de sustentar que, dado os concretos contornos desta ação, se impunha dispensá-la do pagamento do remanescente da taxa de justiça, sob pena de violação dos princípios constitucionais e da CEDH de que agora fala.
Sabemos que o processo equitativo implica "a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas." Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 439. Na verdade, "a exigên­cia de um processo equitativo, constante do (…) artigo 20.º, n.º 4 [CRP], impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, nomeadamente prazos razoáveis de recurso nos casos em que esse direito esteja previsto, tudo sem comprometer a descoberta da verdade material e a decisão ponderada da causa num prazo razoável." Ac. Tribunal Constitucional 272/09, www.tribunalconstitucional.pt.
E também sabemos que "a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso à tutela juris­dicional efetiva implica a ga­rantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sen­tido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao pro­cesso, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão funda­mentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a deci­são haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumarie­dade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas." Ac. Tribunal Constitucional 141/2019, www.tribunalconstitucional.pt.
Se a ré tinha a faculdade de, em devido tempo, submeter à apreciação do tribunal a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, então quando não exerce esse seu direito não ocorre a apontada violação de princípios constitucionais e da CEDH, designadamente os relativos ao direito a um processo equitativo e ao direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. A ré só não suscitou tempestivamente essa pretensão porque não quis ou porque se esqueceu de o fazer.
E se porventura se verificasse a violação dos princípios constitucionais e da CEDH que a ré invoca, então a inobservância dos mesmos encontrava-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e não na decisão recorrida, pois era naquele aresto e não neste despacho que o tribunal podia oficiosamente ter tomado posição relativamente à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Aqui chegados, tendo transitado em julgado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de abril de 2025, nem o tribunal de 1.ª instância nem este tribunal da Relação podem agora conhecer desta questão.
Sendo assim, é óbvio que não é igualmente possível autorizar "a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não superior a 20% do montante devido".
4.º
A ré considera que "a conta elaborada violou o decidido no douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto a custas". Afirma que, "fosse o sentido da decisão do Supremo Tribunal de Justiça no sentido pugnado pela Primeira Instância e, naturalmente, a decisão seria: custas na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o Autor beneficia. Ora, a decisão proferida não foi nesse sentido." Acrescenta que «a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto a custas é clara quanto à circunstância de que apenas a Ré está condenada nas custas, na proporção da sua condenação. Isso mesmo resulta do douto aresto quando refere "Dado que o autor goza do benefício do apoio judiciário, condena-se apenas a ré a pagar as custas da ação na proporção atrás indicada". Todavia, na conta elaborada no Tribunal a quo e ora em causa, estão a ser reclamadas à Ré quantias, como se o Autor tivesse sido condenado em custas – taxa de justiça cível de 71.749,09 €. Assim, com o devido respeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo está a violar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça».
Quanto à responsabilidade por custas, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu:
"Do recurso:
Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o autor, recorrente e a ré, recorrida, terem ficado vencidos no recurso, caberia aos mesmo suportar as custas do recurso, na proporção de, respetivamente, 68% e 32%. Apenas a ré suportará as custas, considerando que o autor, recorrente, beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Da ação:
Considerando a disposição legal acima citada e a circunstância de ambas as partes terem ficado vencidas, em parte, na ação, caberia ao autor e à ré a pagar as custas na proporção do seu decaimento, respetivamente 52,5% e 47,5%. Dado que o autor goza do benefício do apoio judiciário, condena-se apenas a ré a pagar as custas da ação na proporção atrás indicada."
Assim, em virtude de se ter entendido, tanto relativamente às custas do recurso, como às da ação, que as partes ficaram parcialmente vencidas, decidiu-se que ambas têm de "suportar as custas do recurso, na proporção de, respetivamente, 68% e 32%" e as da ação "na proporção do seu decaimento, respetivamente 52,5% e 47,5%."
Portanto, ao contrário do que afirma a ré, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça foi, efetivamente, de "custas na proporção do respetivo decaimento", uma vez que não se vê diferença entre esta expressão e custas "na proporção do seu decaimento, respetivamente". Decaimento esse que o Supremo considerou oportuno quantificar, possivelmente pela complexidade da causa e em virtude de no recurso e na ação os vencimentos serem diferentes.
Quando uma parte litiga com apoio judiciário e tem responsabilidade, total ou parcial, pelo pagamento das custas, os tribunais ou não a condenam em custas Cfr. Ac. STJ de 12-3-2024 no Proc. 14398/21.3T8PRT-C.P1.S1, www.dgsi.pt. E foi esta a solução adotada nos autos no acórdão do STJ de 3-4-2025. ou condenam-na fazendo a ressalva de "sem prejuízo do apoio judiciário" Cfr. Ac. STJ de 28-10-2021 no Proc. 15359/17.2T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt. ou na condenação não há alusão alguma ao apoio judiciário Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 10-4-2025 no Proc. 19743/23.4T8LSB-A.L1-8, www.dgsi.pt, no qual se afirma que, "como tem vindo a ser decidido pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 78/2015, 737/2021, 634/2022, 401/2022, 634/2022, 86/2023, 530/2023, 739/2023 e 64/2024), não é obrigatória a menção ao benefício do apoio judiciário na decisão que condene em custas"..
"A regra geral de responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respetiva proporção (…). Um nexo objetivo de causalidade liga a conduta de quem aciona ou é acionado e a lide respetiva, e esta é legalmente imputada a um deles ou a ambos se, por ação ou omissão própria a poderiam ter evitado, não devendo a parte que agiu em conformidade com o direito ser responsabilizado pelo custo do litígio." Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, 6.ª Edição, pág. 35. Cfr. artigo 527.º.
Deste modo facilmente se percebe que o benefício do apoio judiciário não tem influência alguma na responsabilidade das partes quanto a custas; somente se reflete na sua cobrança Cfr. artigo 16.º n.º a) da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.. E a ausência dessa influência não se repercute unicamente na esfera do beneficiário do apoio judiciário, também atinge a parte que não tem esse benefício. Isto é, a parte que não tem apoio judiciário não é condenada nem em mais nem em menos do que seria se a contraparte não tivesse tal benefício.
Ora, a conta dos autos foi elaborada considerando unicamente a responsabilidade da ré. Vemos aí os valores que são devidos a título de taxa de justiça, em conformidade com a "base tributável" e os preceitos e tabela do Regulamento das Custas Processuais citados. E em sede de "Reembolsos ao IGFEJ por adiantamentos - art. 19/20 R.C.P. 400,09 €" colocou-se "obs: 47,5% de 842.30 €: (conforme acórdão do STJ de 03/04/2025)" (sublinhado nosso). Os montantes que aqui figuram são os figurariam se, por hipótese, os autores não litigassem com apoio judiciário.
Logo, ao querer aplicar aos valores correspondentes à sua responsabilidade a proporção estabelecida pelo Supremo, a ré está a partir de um falso pressuposto, pelo que não é válido o resultado a que por essa via chega "Se se considerar o montante de taxa devida no processo: 42.840,00 € + 22.236,00 € = 65.076,00 x 47,5% = 30.911,10 €. E no recurso, o valor de 3.825,00 € x 32% = 1.224,00. Tudo num total global de €32.135,10. Valor este que deveria ser deduzido das taxas já suportadas de € 3.264,00. Donde, o montante da conta deveria ter sido de € 28.871,10 (ao invés dos € 68.485,09 reclamados"..

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela ré.
Notifique.

António Beça Pereira
António Figueiredo de Almeida
Paulo Reis