Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | LUÍS MIGUEL MARTINS | ||
| Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA NOTIFICAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA REGULAMENTO (UE) 1215/2012 | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - A decisão proferida sem se mostrar junta aos autos prova documental completa, não está inquinada de nulidade por omissão de pronúncia. II – A falta de notificação pessoal de sentença de Tribunal francês, mas feita na pessoa da sua mandatária, não constitui qualquer violação de ordem pública, nos termos do art. 45.º, n.º 1, al. a) do Regulamento Bruxelas I-bis. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: * I. Relatório (também com base na decisão recorrida).AA e BB instauraram execução para pagamento da quantia de € 121.584,75 contra CC e DD. Alegam, em síntese, que intentaram ação judicial de condenação no Tribunal Judicial de ..., em França contra os aqui executados, no âmbito do qual peticionaram o pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos decorrentes de vícios verificados no prédio urbano que adquiriram. Mais dizem que a ação veio a ser julgada procedente, tendo os executados sido condenados a pagar aos exequentes a quantia de € 121.584,75, sendo que a sentença proferida por autoridade judiciária em país da União Europeia, neste caso, França, constitui título executivo em território nacional português ao abrigo do Regulamento (CE) 1215/2012. Os embargantes, em sede de embargos de executado, invocaram a inexequibilidade do título executivo, alegando, em suma, que não tiveram conhecimento da decisão condenatória, nem da possibilidade de recurso, pugnando pela inexequibilidade do título executivo, a procedência dos embargos e a revogação da sentença, nos termos do art. 45.ºdo regulamento (CE) 125/2012. Recebidos os embargos e notificados os embargados, vieram os mesmos contestar, invocando que a ação intentada no tribunal francês foi objeto de citação, tendo os executados apresentado a sua contestação e sido realizado o competente julgamento, tendo estado presentes em audiência de julgamento e devidamente representados por advogada. E ainda que a sentença proferida foi notificada na pessoa da advogada que representou os aqui executados. A sentença transitou em julgado, na data de 13 de janeiro de 2022, tendo sido certificada a ausência de recurso apresentado pelos executados, pelo que estando os mesmos representados por advogado nos autos, a sua notificação considera-se devidamente efetuada. Terminam dizendo inexistir qualquer causa de recusa da execução, pugnando pelo indeferimento dos embargos. Foi realizada audiência prévia e solicitada certidão integral do processo, em cuja sentença se alicerça a execução. Junta que foi certidão pelo Tribunal francês e após pronúncia pelas partes sobre a documentação junta, foi proferida a seguinte decisão, no que ora importa reter: “Salvaguardando o devido respeito por entendimento diverso, considera este Tribunal que após o exercício do contraditório, por parte dos embargantes/executados, quanto ao sobredito pedido de litigância de má-fé, estarão os autos munidos de todos os elementos necessários para o conhecimento do mérito da causa [nos termos do disposto no art. 595.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil], sem necessidade de produção de provas suplementares, atendendo a que as partes já discutiram de facto e de direito as questões a decidir nos respetivos articulados. Donde, ao abrigo dos arts. 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (que impõe a observância do princípio do contraditório), 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (que inscreve o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu célere andamento), 7.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (onde se mencionada o dever de mandatários e magistrados concorrerem para composição litígio de forma breve) e 547.º do Código de Processo Civil (no qual se menciona a necessidade de adotar uma tramitação processual adequada às especificidades da causa), determina-se a notificação das partes para, no mesmo prazo de 10 dias, aderirem à posição por nós sufragada ou, então, contraporem algum argumento que a tal obste.”. Os embargados vieram dizer nada ter a opor que fosse proferida decisão de imediato. Os embargantes disseram igualmente que, apesar da certidão não estar completa, nada tinham a opor que fosse proferida decisão de imediato desde que se considerasse que não foram notificados nas suas próprias pessoas da sentença estrangeira pelo Tribunal francês (nem por carta rogatória nem por carta registada com a/r). Subsequentemente, foi proferida a seguinte decisão: “a) Julgar totalmente improcedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado deduzida por CC e DD e, em consequência, ordeno o normal prosseguimento da instância executiva. b) Julgar o incidente de litigância de má-fé suscitado pelos embargados improcedente; e c) Condenar os embargantes CC e DD a suportar as custas processuais, sem prejuízo do apoio judiciário.”. * Inconformada com esta decisão, os embargantes interpuseram recurso, formulando, a rematar as alegações, as seguintes conclusões:[…] 30. Destarte, a admissão da execução da sentença estrangeira sem a verificação do cumprimento da notificação prejudica o exercício do direito dos Embargantes, contrariando, inclusive, o que o Tribunal a quo requereu para comprovativo da referida notificação aos Embargantes. 31. tudo, com clara violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, conforme o disposto no artº 3º e 4º do CPC e artº 20 º da CRP; bem como a violação do disposto no artº 45 º do Regulamento nº 1215/2012 (CE), de 12 de Dezembro. 32. O reconhecimento e execução de sentença estrangeira encontra-se estatuída no Regulamento nº 1215/2012 (CE), de 12 de Dezembro e as normas prevista no artº 980º do CPC., ( requisitos necessários para a confirmação) obedecendo, por isso, a critérios para que a uma sentença proferida num Estado Membro possa ser Executada noutro Estado membro - Requerido - neste caso, o nosso ordenamento português. 33. Ora, a execução de uma sentença não deve ser contrária à ordem pública portuguesa, nem ofender princípios fundamentais das partes envolvidas, ou seja, deve sempre ser determinado se a execução de uma sentença no estado Membro Requerido viola os princípios jurídicos fundamentais desse ordenamento. 34. Porém, o Tribunal a quo proferiu sentença sem se munir da prova que ordenou e admitida para, com segurança, proferir uma decisão de mérito com segurança. 35.Existe, assim, uma apreciação errónea da valoração da prova, com clara violação dos artigos 3º , 4º do CPC, e do artº 20º da CPR, e artº 45º do Regulamento (CE) nº 1215/2012 (CE), de 12 de Dezembro. 36.Mais vêm os Rec.tes arguir, igualmente, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC), pois é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 37.De facto, o Tribunal não se pronunciou sobre a não admissão aos autos de documento que ordenou juntar e que não foi junto, documento tido como essencial quanto à solução a proferir. 38.Deve, assim, o Tribunal decidir e analisar as questões que lhe foram submetidas, sob pena de omissão de pronúncia, o que não se verificou. 39. Ora, atendendo a todo o sura exposto, outra solução não teria o Tribunal a quo senão julgar procedentes os Embargos de Executado TERMOS EM QUE pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido deve à Apelação ser concedida provimento, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedente os Embargos de Executado. e/ou em consequência ser declarada nula a douta decisão por omissão de pronúncia porque assim se fará J U S T I Ç A”. Os recorridos contra-alegaram, sendo que a findar as alegações, apresentaram as seguintes conclusões: […] * O recurso foi admitido como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir * II. Questões a decidir.Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar se existe omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo e se a apelada dispõe de título executivo exequível fundado em sentença estrangeira. * III. FundamentaçãoOs factos a considerar são os que resultam do relatório e os seguintes que foram dados por assentes na decisão recorrida: “1. Por sentença de 01 de julho de 2021, no Tribunal Judicial de ..., foi proferido o seguinte, “REQUERENTES: Sr. AA Nascido a ../../1987 em ... (...00) Sra. BB Nascida a ../../1986 em ... (...00) Domiciliados em "..." - ...30 ... Representados e defendidos pela Sra. Dra. EE, Advogada junto à Ordem dos Advogados de ... E RÉUS: Sr. CC Sra. DD nome de casada FF Vivendo juntos na Urbanização ... ... ... - PORTUGAL Representados pela Sra. Dra. GG, Advogada inscrita na Ordem dos Advogados de ... e defendendo a causa em nome da Sra. Dra. HH, Advogada inscrita na Ordem dos Advogados de ... (…) POR ESTES MOTIVOS: Decidindo por meio de julgamento contraditório e em 1ª instância, DIGO que a responsabilidade de CC e de CC deve ser retida no interesse do Sr. AA e da Sra. BB pela garantia legal dos vícios ocultos da coisa vendida CONDENO solidariamente CC e CC a pagar a AA e BB as seguintes somas - 79.607,40€ TTC (setenta e nove mil, seiscentos e sete euros e quarenta cêntimos) correspondentes ao custo das obras de renovação, - 29.977,35€ (vinte e nove mil, novecentos e setenta e sete euros trinta cinco cêntimos) pelo prejuízo económico e financeiro, - 7.000,00€ (sete mil euros) pelo impedimento de utilização. REJEITO o pedido apresentado por CC e CC com fundamento no artigo 700 do CPC; ORDENO a execução provisória do julgamento.” 2. Por certidão de 14/01/2022 fez-se constar que, “Que o julgamento tido como contraditório, passível de recurso Emitido em data de 1.07.2021 pelo Tribunal Judicial de ... ENTRE : Senhor AA, nascido a ../../1987 em ..., domiciliado no n'2 rue ... ... Senhora BB, nascida a ../../1986 em ..., domiciliada no n' ... ...30 II Tendo por Advogada a Sra. Dra. EE E Senhor CC Senhora DD nome de casada FF Domiciliados juntos na Urbanização ... ... ... PORTUGAL Tendo por Advogada a Sra.Dra.GG Foi notificado a: À Sra.Dra.... por ato em data de 15.07.2021”. 3. Por despacho proferido nos autos principais a 01/03/2023 foi determinado que, “De acordo com o disposto no nº 1 do art. 43º do Regulamento (CE) 1215/2012, de 12 de Dez., é declarado que “Se for requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro, a certidão emitida nos termos do artigo 53º é notificada à pessoa contra a qual a execução é requerida antes da primeira medida de execução. A certidão deve ser acompanhada da decisão se esta ainda não tiver sido notificada a essa pessoa”. Assim, em conformidade com o exposto pelos Exequentes, Cite o(s) executado(s) para pagar(em) ou opor(em)-se à execução (cfr. artigo 726º, ex vi do artigo 855º, nº5, ambos do Código de Processo Civil).” 4. Por despacho de 01/02/2024 proferido pelo Tribunal de ... fez-se constar que “Por conclusões notificadas pela RPVA em 06 de março de 2020, o Sr. CC e a Sra. JJ pedem ao tribunal que: Declare o Sr. AA e a Sra. BB inadmissíveis e improcedentes em todos os pedidos formulados contra o Sr. e a Sra. FF. Consequentemente rejeite todos os seus pedidos, propósitos e conclusões. (…) O Sr. CC e a Sra. JJ apresentam os seguintes factos”. 5. Por despacho de 01/02/2024 proferido pelo Tribunal de ... fez-se ainda constar que “Nós, KK, juiz, deliberando por despacho, Tendo em conta a decisão do Tribunal Judiciaire de ... de 1 de julho de 2021 deliberando no processo RG 19/538: Considerando o Regulamento n.º 1215/2012 de 12 de dezembro de 2012, Ordeno a entrega de uma certidão atestando que a decisão do Tribunal Judiciaire de ... de 1 de julho de 2021 é executória em França, Ordena a tradução em língua portuguesa dos seguintes documentos, - cópia executória da decisão de 1 de julho de 2021, acima mencionada 6 páginas - certidão de não-recurso (...), ou seja uma página - certidão atestando que a decisão do Tribunal Judiciaire de ... de 1 de julho de 2021 é executória em França, ou seja, uma página”. 6. Consta ainda do despacho referido em 4. que, “O Sr. CC e a Sra. JJ nome da esposa FF Representados por GG, advogada no ... que intervem na fase processual escrita e LL, advogada no ... que intervém na fase das audiências”. * Delimitadas que estão as questões a decidir, é o momento de as apreciar.As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no art. 615.º do Código de Processo Civil. Dispõe o art. 615º, nº 1 do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Tais vícios, designados como “error in procedendo”, respeitam apenas à estrutura ou aos limites da sentença. Como se explanou nos Acórdãos desta Relação de 04/10/2018 e de 28/11/2024 e do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, disponíveis in www.dgsi.pt, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito. Com exceção da prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 615.º estas nulidades respeitam ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento. O vício decisório derivado da omissão de pronúncia conexiona-se com o art. 608.º do Código de Processo Civil, designadamente, com o seu n.º 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença. Da concatenação destes normativos ressalta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, conferida a outras. Importa, contudo, distinguir questões, de factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está umbilicalmente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, relevando, em geral, as pretensões deduzidas e os elementos consubstanciadores do pedido e da causa de pedir. Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9/02/2012, consultável em www.dgsi.pt, de acordo com o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”. Quanto ao direito, o art 5.º n.º 3 do Código de Processo Civil estabelece que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Doutrina e jurisprudência têm entendido que apenas os assuntos que integram o “thema decidendum”, são verdadeiras questões que o tribunal tem a obrigação de conhecer, não tendo o Tribunal se pronunciar concretamente sobre todos os argumentos invocados pelas partes. O Acórdão, de 16/11/2023, do Supremo Tribunal de Justiça, também consultável em www.dgsi.pt, mais uma vez, asseverou que: “(…) a nulidade por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, sancionando a sua inobservância. O dever consagrado neste preceito diz respeito ao conhecimento, na sentença ou no acórdão, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentados pelo Autor (ou, eventualmente, pelo Réu/Reconvinte) suscitam quanto à (im)procedência do pedido formulado. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão suscitada pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo Tribunal, identificada por estes mesmos elementos. Só isto releva para a resolução do pleito. E é por isso mesmo que já não importam os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos - embora possa ser conveniente que o Tribunal os considere para que a decisão vença e convença as partes - de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do Tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.”. Também, como sucedeu, quando o Tribunal, na fundamentação da sentença utiliza argumentos não aduzidos pelas partes não ocorre excesso de pronúncia desde que naturalmente se não conheçam de pedidos ou questões não levantadas pelas partes e, repete-se, também ao não mencionar expressamente todos os argumentos da ação ou da defesa está o tribunal a omitir qualquer dever. Não têm assim qualquer razão os recorrentes, que, em síntese, se cingem a dizer que não se mostra junta certidão integral do processo do Tribunal de ..., conforme determinado pelo Tribunal a quo. Ora, tal não se mostra demonstrado, pelo cai logo pela base a pretensão dos recorrentes, que pretendem que se junte uma sua inexistente notificação pessoal da sentença do Tribunal de ... por carta registada ou por carta rogatória, que contraditoriamente dizem inexistir. De todo o modo, ainda que não se mostrasse junta certidão integral do processo e a decisão tomada o fosse sem ter sido junto tal certidão na sua integralidade, a verdade é que tal não consubstanciaria qualquer vício da sentença, antes constituiria um vício que se situava a montante na sentença, apenas se projetando na mesma. De facto, a decisão recorrida pronunciou-se sobre todas as questões veiculadas pelas partes nos seus articulados, máxime quanto à esgrimida inexequibilidade do título executivo, por falta de notificação pessoal dos recorrentes pelo Tribunal francês, sendo outra a questão de saber se a decisão foi proferida sem se mostrar junta aos autos prova documental completa. O que poderíamos aqui ter seria uma nulidade inominada do art. 195.º do Código de Processo Civil, naturalmente caso a certidão enviada não fosse a certidão integral, o que não se mostra apurado, como vimos. Porém, ainda que a certidão não se mostrasse completa, a verdade é na sentença recorrida não se deu por provada a notificação da sentença do Tribunal de Poissons por este Tribunal. Tal releva porque os recorrentes, notificados pelo Tribunal para se pronunciarem quanto à possibilidade de conhecimento de mérito, nos termos do art. 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, sem necessidade de produção de provas suplementares a quo disseram expressamente, atendendo a que as partes já tinham discutido de facto e de direito as questões a decidir nos respetivos articulado, pelos mesmos foi dito apesar da certidão não estar completa, nada tinham a opor que fosse proferida decisão de imediato desde que se considerasse que não foram notificados nas suas próprias pessoas da sentença estrangeira pelo Tribunal francês (nem por carta rogatória nem por carta registada com a/r). Ora, conforme emerge da decisão recorrida, a mesma não considerou que os recorrentes foram notificados na sua própria pessoa pelo Tribunal francês, fosse porque meio fosse antes tendo considerado apenas ter sido notificada a sua advogada da decisão em crise, o que para os efeitos em causa é idêntico a considerar-se que não foram notificados, uma vez que essa prova incumbia aos recorridos, de acordo com o art. 342.º, n.º 1 do Código Civil. Assim sendo, não sendo tal esgrimido vício de conhecimento oficioso (cfr. art. 196.º do Código de Processo Civil) mostrava-se vedado aos recorrentes arguir qualquer nulidade derivada da suposta falta de junção aos autos de certidão completa do processo, atento o que dispõe o art. 197.º, n.º 2 do Código de Processo Civil: “Não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição.”. No caso, os recorrentes aceitaram que fosse proferida decisão de imediato, com a certidão que se mostrava junta aos autos, desde que não fosse considerada a sua notificação da sentença do Tribunal francês, o que foi feito, visto que apenas foi considerada a notificação da sua advogada, pelo que existe inequivocamente uma renúncia expressa à arguição desta putativa nulidade. De todo o modo, como inicialmente se disse, não se verifica a existência qualquer nulidade prevista na alínea d), do art. 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, nem se vislumbra qualquer outra. * Passemos agora a analisar a invocada inexequibilidade da sentença dada à execução.De acordo com o plasmado no art. 703.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, um dos títulos que pode servir de base à execução é a sentença condenatória. Em relação à sentença estrangeira, rege o seguinte o art. 706.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente.” Da transcrita norma decorre a seguinte regra: - As sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente. Porém, tal não será assim se existirem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais que afastem a necessidade do recurso ao processo especial de revisão de sentenças estrangeiras com assento nos arts. 978.º a 985.º do Código de Processo Civil. Assim, em perfeita harmonia com o supra transcrito art. 706.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, estabelece o art. 978.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que: “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.” No caso em apreço, sendo Portugal e França membros da União Europeia, temos o Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/2012 (relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conhecido como Bruxelas I-bis) que permite afastar a necessidade de recurso ao processo especial de revisão de sentenças estrangeiras, nomeadamente no caso de execução das mesmas e que desse modo possa constituir título executivo vigorante na nossa ordem jurídica. Precisando. Dispõe o art. 39.º do Regulamento Bruxelas I-bis que: “Uma decisão proferida num Estado-Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado-Membro sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade.”. Por outro lado, estabelece o art. 41.º, n.º 1 do mesmo Regulamento: “1. Sem prejuízo do disposto na presente secção, o processo de execução de decisões proferidas noutro Estado-Membro rege-se pela lei do Estado-Membro requerido. Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro”. Tal princípio da confiança mútua na administração da justiça na União vem expressamente referido no Considerando n.º 26 do Regulamento em apreço, que dispõe que: “A confiança mútua na administração da justiça na União justifica o princípio de que as decisões proferidas num Estado-Membro sejam reconhecidas em todos os outros Estados-Membros sem necessidade de qualquer procedimento específico. Além disso, o objetivo de tornar a litigância transfronteiriça menos morosa e dispendiosa justifica a supressão da declaração de executoriedade antes da execução no Estado-Membro requerida. Assim, as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados-Membros devem ser tratadas como se se tratasse de decisões proferidas no Estado-Membro requerido.”. Conforme refere Rui Torres Vouga no caderno do CEJ (ebook) “Reconhecimento e execução de decisões no âmbito do Regulamento Bruxelas, I-Bis”, pág. 66, consultável em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=AGVisiY_Syo%3d&portalid=30: “O reconhecimento automático, isto é, sem necessidade de instauração de nenhum processo especial, constitui um dos princípios fundamentais que regem a circulação transfronteiriça de decisões na UE. Tal como é afirmado no Considerando (26) do Regulamento Bruxelas I-bis, ele reflecte a confiança mútua na administração da justiça nos diferentes Estados-Membros, que, por sua vez, é uma premissa fundamental de todas as medidas legislativas relacionadas com a implementação da área judicial da UE. Neste sentido, o artigo 36.º-1 do Regulamento n.° 1215/2012 está estreitamente relacionado com outras regras paradigmáticas sobre a livre circulação de decisões, como (por exemplo) a regra segundo a qual o reconhecimento e a execução só podem ser recusados num Estado Membro com base nos fundamentos estritamente enumerados para este efeito (artigo 45.º) e aqueloutra regra segundo a qual as autoridades do Estado-Membro requerido estão impedidas de rever quanto ao mérito da causa uma decisão proferida noutro Estado-Membro (artigo 52.º).”. Defendem os apelantes que a sentença oferecida à execução carece do requisito de exequibilidade, dado que a sentença não lhes foi notificada no âmbito do processo que correu termos em ..., França, sendo que lhe foi coartado o direito de se defenderem e o direito a um processo justo e equitativo, tal como ocorre no sistema português onde inequivocamente as partes têm de ser notificadas das respetivas sentenças, violando o princípio do contraditório e da igualdade das partes, conforme o disposto no art. 3.º e 4.º do Código de Processo Civil e do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e ainda o art. 45.º do Regulamento 1215/2012, por tal falta de notificação ser contrária à ordem pública. Por seu turno, na decisão recorrida, decidiu-se que para ser título executivo exequível bastava que a sentença se mostrasse notificada na pessoa da advogada que representou os recorrentes, como sucedeu, aduzindo-se ainda complementarmente e subsidiariamente que ainda que assim não se entendesse, o vício deveria ser arguido pelos apelantes no Tribunal de origem. Como é evidente, não assiste qualquer razão aos recorrentes, que confundem a notificação da sentença no país de origem com o que rege o Regulamento Bruxelas I-bis. Em primeiro lugar a notificação da sentença na pessoa do mandatário, no âmbito do processo civil, sem necessidade da sua notificação às partes, não é distinto do que sucede em Portugal, conforme decorre cristalinamente do plasmado no art. 247.º, n.º 1 do Código de Processo civil, que estabelece que: “As notificações às partes em processos pendentes são feitas nas pessoas dos seus mandatários judiciais.”. Não existe assim, pois, qualquer violação do princípio do contraditório e muito menos tal afronta qualquer princípio constitucional nacional, designadamente o direito a um processo justo e equitativo, com assento no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, pois que nesse caso teríamos que a transcrita norma ordinária portuguesa seria igualmente inconstitucional, desconhecendo-se, contudo, que alguma vez tenha sido suscitada tal questão no âmbito do processo civil. Os direitos de defesa, de contraditório acham-se plenamente assegurados pela notificação do mandatário que as partes constituíram para os representar em juízo, sendo que os apelantes não esgrimem um único argumento no sentido da violação dos normativos em apreço – o que bem se compreende, já que não se alcança qualquer argumento razoável nesse sentido – cingindo-se a dizer apoditicamente que tais normativos se mostram violados. Ao mesmo nível se situa a argumentação – rectius, a sua falta – quanto à violação do art. 45.º, n.º 1, al. a) do Regulamento Bruxelas I-bis, no sentido que falta de notificação pessoal da sentença aos recorrentes por banda do Tribunal francês consubstanciaria uma violação da ordem pública. Ora, a verdade é que no Estado português a notificação das sentenças às partes que constituíram mandatário se processa igualmente na pessoa deste, ao contrário do que erradamente referem os apelantes, pelo que não só esse reconhecimento não é contrário à ordem pública nacional (e muito menos manifestamente), como é absolutamente consentâneo com o ordenamento jurídico português. A questão que se poderia colocar seria outra, que é a que colocam os recorridos, mas que, como vimos, não é que colocam os recorrentes, não fazendo, por isso parte do objeto do recurso e não tem e não deve ser abordada e que tem a ver com os procedimentos necessários para que uma sentença proferida no espaço da União Europeia (com exceção da Dinamarca) possa valer como título executivo em outro país do mesmo espaço, designadamente quanto à forma do cumprimento do art. 43.º, n.º1 do Regulamento Bruxelas I-bis, que por exemplo o Acórdão desta Relação de 29/10/2020, consultável em www.dgsi.pt, aborda detalhadamente. Em face do exposto, improcede a apelação. As custas ficarão a cargo dos apelantes (art. 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). * IV. Decisão.Perante o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão apelada. Custas pelos apelantes. * Guimarães, 9 de outubro de 2025 Relator: Luís Miguel Martins Primeira Adjunta: Anizabel Sousa Pereira Segunda Adjunta: Fernanda Proença Fernandes |