Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | VERA MARIA SOTTOMAYOR | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE VIOLAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA ATUAÇÃO DO SINISTRADO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I – Para que opere a descaraterização do acidente de trabalho nos termos previstos na al. a) 2ª parte do n.º 1 do artigo 14º da NLAT terão de se verificar de forma cumulativa os seguintes requisitos: - a existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; - que sejam voluntariamente violadas pelo trabalhador as condições de segurança (exigindo-se aqui a intencionalidade, na prática, ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco); - que a violação das condições de segurança seja sem causa justificativa do ponto de vista do trabalhador; - que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta. II - Há lugar à descaracterização do acidente de trabalho nos termos prescritos na al. a) do n.º 1 do art.º 14.º da NLAT, quando se demonstre quer a violação de normas de segurança, quer a atuação do sinistrado com um grau de culpa acentuada e sem se tenha apurado a “existência de causa justificativa” da atuação do sinistrado na violação das regras de segurança. III - O incumprimento fortuito das regras de segurança implementadas, desprovido de qualquer justificação, por parte do sinistrado, estando este ciente dos sérios e elevadíssimos riscos que corria, atentas as condições em que trabalhava, para os quais era chamado a atenção diariamente, conduz á conclusão de que o sinistrado atuou de forma temerária, não podendo a sua culpa deixar de ser qualificada como grave e acentuada. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Frustrada a tentativa de conciliação AA, viúva, residente na Rua, intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. com sede no Largo ..., em ...; e “EMP02..., LDA.” com sede na Rua ..., em ..., pedindo a condenação no pagamento: I. Pela 1ª ré, entidade seguradora, de a). Pensão anual e vitalícia no valor de € 3.140,34, sujeita a atualização, com início a 12.09.2020; b). Subsídio por morte, no montante de € 5.792,29; c). Despesas de funeral, no valor de € 3.861,53; d). Despesas de deslocação, no montante de € 20,00; II. Pela 2ª ré, entidade empregadora, de - Pensão anual e vitalícia no valor de € 251,45, sujeita a atualização, com início a 12.09.2020; Ou, vindo a comprovar-se a violação pela mesma de regras de segurança - Pensão anual e vitalícia no montante de € 1.305,97, sujeita a atualização, com início a 12.09.2020. Pediu, ainda, a autora, a acrescer a todas as referidas importâncias, a condenação de ambas as rés no pagamento de juros de mora, contados da data do sinistro e até efetivo e integral pagamento. Alega, em resumo, que o seu marido BB, no dia ../../2020, quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da R. EMP02..., Ldª. auferindo a retribuição mensal de €635,00 x 14 meses, acrescida de €5,90 x 242 dias, a título de subsídio de alimentação e de €988,17/ano, a título de ajudas de custo, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a seguradora, sofreu um acidente que lhe causou lesões corporais que foram a causa, direta e necessária, da sua morte, ocorrida no mesmo dia. Mais alega que suportou o custo associado ao funeral e transladação do corpo do seu cônjuge, no que despendeu a quantia de € 6.920,00, tendo, também, suportado a importância de €20,00 em despesas de transporte. Regularmente citadas, as Rés vieram contestar. A Ré Seguradora contestou, deduzindo a exceção da ilegitimidade da autora, impugnou parte da factualidade alegada pela autora e sustentou em síntese, que o acidente se ficou a dever à violação pelo sinistrado das condições de segurança impostas pelo empregador, acrescentando, caso assim não se entenda e se venha a demonstrar a alegação da autora, relativamente ao incumprimento pela 2ª Ré, entidade empregadora, de regras de segurança e saúde no trabalho, caberá a esta a responsabilidade pela reparação a que haja lugar. Por sua vez, a Ré empregadora contestou sustentando, em síntese, que a quantia paga ao sinistrado, a título de ajudas de custo, se destinava a reembolsá-lo de despesas que pudesse suportar quando deslocado, não integrando a sua retribuição regular, estando assim a sua responsabilidade, integralmente transferida, na data dos factos, para a Ré, entidade seguradora. Mais defende que o acidente se ficou a dever ao facto de o sinistrado não ter acatado as instruções por si emanadas que estava obrigado a observar, no que respeita ao risco de queda em altura. Por fim, alegou, ainda, que ela, ré, suportou a quantia de €2.000,00, a título de despesas de funeral do sinistrado, pedindo a condenação da autora e da primeira ré, entidade seguradora, a reembolsá-la no correspondente montante. Procedeu-se ao saneamento dos autos, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ad causam da autora, e foi julgado verificada a exceção de erro na forma de processo relativamente a pretensão formulada pela ré, entidade empregadora, de condenação da autora e da primeira ré a reembolsá-la pelo valor que, a título de despesas de funeral do sinistrado, alegadamente suportou. Procedeu-se à seleção da matéria de facto assente, bem como à identificação do objecto do litígio e dos temas de prova. Os autos prosseguiram os seus ulteriores termos, tendo por fim sido proferida sentença, dela tendo sido interposto recurso pela Ré Seguradora. Em 22.06.2023 este Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão, que anulou parcialmente a decisão recorrida e determinou a ampliação dos temas de prova, com a produção de prova, a incidir sobre o novo tema, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, a fim de evitar contradições. Dado cumprimento ao determinado por este Tribunal, foi proferida sentença a qual terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se a presente acção, intentada por AA - na qualidade de viúva/beneficiária do sinistrado falecido BB -, parcialmente procedente, termos em que se decide: A). Condenar: I. A ré EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., a pagar-lhe a). O capital de remição da pensão anual e vitalícia por morte, no valor de i. € 3.140,34 [três mil, cento e quarenta euros e trinta e quatro cêntimos], acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 12.09.2020; ii. € 4.187,12 [quatro mil, cento e oitenta e sete euros e doze cêntimos], a partir da idade da reforma por velhice, ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a capacidade da autora para o trabalho; b). Subsídio por morte, no valor de € 5.792,29 [cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos], acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 12.09.2020; c). Subsídio por despesas de funeral, no montante de € 3.861,53 [três mil, oitocentos e sessenta e um euros e cinquenta e três cêntimos], acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 13.05.2021; d). A quantia de € 20,00 [vinte euros], a título de reembolso de despesas com deslocação obrigatória, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 13.05.2021. II. A ré EMP02..., Ldª., a pagar-lhe o capital de remição da pensão anual e vitalícia por morte, no valor de i. € 251,45 [duzentos e cinquenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos], acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 12.09.2020; ii. € 335,27 [trezentos e trinta e cinco euros e vinte e sete cêntimos], a partir da idade da reforma por velhice, ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a capacidade da autora para o trabalho. --- B). Absolver a ré EMP02..., Ldª., do mais peticionado. --- ** Custas da acção a cargo da autora e das rés, na medida de 2/10 e 8/10, respectivamente, sendo a das rés a calcular na proporção da respectiva responsabilidade. Valor da acção – € 42.421,55 [cfr. artº 120º do CPT]. Registe e notifique.” Inconformada de novo com esta decisão, dela veio a Ré Seguradora interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: C) CONCLUSÕES: […] 20ª) A factualidade provada na sentença recorrida, mesmo sem as alterações que acima se reclamam no julgamento da matéria de facto, já compreende a verificação dos quatro requisitos legais para a descaracterização deste acidente de trabalho nos termos da parte final da alínea a) do n.º 1 do art. 14.º da LAT – existência de especificas condições de segurança estabelecidas pelo empregador e pela Lei, violação dessas condições por acção ou omissão do trabalhador, inexistência de causa justificativa e nexo causal entre a violação da regra e o acidente; 21ª) da factualidade provada resultou que estando o sinistrado a efectuar trabalho em altura num telhado com telhas frágeis visíveis, com instruções da entidade patronal claras e repetidas diariamente, para essa perigosidade e a necessidade de utilizarem sempre o arnês com cabo em Y conectado a uma linha de vida instalada ao longo da cobertura, sobe após o almoço para continuar o trabalho, sem o capacete, sem a corda y, subindo ao telhado e passando a fazer o trabalho até pisar uma dessas telhas e cair de uma altura de 14,8m de altura, revela uma temeridade consciente e indesculpável, incompatível com uma mera distracção ou esquecimento; 22ª) A responsável não tem que demonstrar nenhuma atitude de afronta directa ou rebelião manifestada ostensivamente à entidade patronal desafiando-a, com contornos de dolo específico, como se refere na sentença, sendo apenas exigível que se trate de uma omissão grave e de ser objectivamente havida como temerária no contexto circunstancial que resulta da prova; 23ª) Não se afigura inadmissível que o julgador exija o cumprimento do ónus da prova de factos que nem sequer esclarece quais são e que no caso, permitiriam extrair a conclusão dessa “consiência culposa” ou “rebelião” que não obstante, se entende resultar provada no caso em apreço e pelo trabalhador sinistrado; 24ª) Tal entendimento, vertido na sentença para fundamentar a procedência da mesma e o afastamento da descaracterização, nem sequer tem apoio na jurisprudência citada em que estão em causa tarefas que o sinistrado não tinha preparação nem faziam, parte da sua função, e noutra mero esquecimento ou leve imprudência aceitável num quadro de rotina diária. 25ª) Neste caso há uma ponderada, demorada e gravíssima violação das regras de segurança de forma objectivamente insusceptivel de não terem sido percepcionadas pelo sinistrado; 26.ª) Devem por isso, considerar-se preenchidos os pressupostos da descaracterização por violação das regras de segurança do trabalhador/sinistrado, alterando-se a decisão em conformidade. Sem prescindir, 27ª) Inexistindo comprovação da efectivação de despesas pagas pela autora, inexiste subsídio por despesas de funeral a pagar, pelo que deveria a Recorrente, desse pedido, ser sempre absolvida; 28ª) Em razão do valor fixado para a pensão anual vitalícia, que deve ser considerada no valor actual e no vincendo, não pode a remição da mesma ser concedida à Autora, devendo a Recorrente ser absolvida do pagamento do capital de remição resultante da remição daquela; 29ª) Com a decisão proferida, violou o Tribunal a quo o normativo constante das disposições vertidos nos artigos 14.º, n.º 1 a) e 75.º, n.º 1 da LAT, art.º 72.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTrab, art.º 342.º do CCiv, art.º 5.º, nº.2, 414.º do CPCiv, art.º art.º 17.º n.º 1 alínea a) a c) da Lei n.º 102/2009 de 10/09 e art.º 39.º n.º 2 do DL n.º 50/2005, de 25/02. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE: A) SER ADMITIDA A APELAÇÃO, FIXADO E CONSIDERADA PRESTADA A CAUÇÃO A 4/5/2023 E FIXADO EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO; B) SER CONCEDIDO INTEGRAL PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO, ALTERANDO-SE A DECISÃO PROFERIDA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO NOS PONTOS ACIMA IMPUGNADOS; E C) REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGANDO DESCARACTERIZADO O ACIDENTE DE TRABALHO POR VIOLAÇÃO PELO TRABALHADOR DAS REGRAS DE SEGURANÇA, ABSOLVA A RÉ RECORRENTE DOS PEDIDOS EM QUE FOI CONDENADA, ASSIM SE FAZENDO J U S T I Ç A! * Não foi apresentada contra-alegação.* Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido o douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Notificadas as partes para se pronunciarem, nada vieram dizer. Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. II – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), a única questão que no recurso interposto pelo Réu/Apelante se colocam à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes: - Impugnação da matéria de facto - Descaracterização do acidente nos termos do artigo 14º n.º 1 al. a) da Lei n.º 98/2009 de 4/09. - Do subsídio por despesas de funeral. - Da remição obrigatória da pensão III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS a). BB faleceu aos ../../2020, no estado de casado com a autora AA. b). BB foi admitido ao serviço da segunda ré, EMP02..., Ldª., com a categoria profissional de Técnico de Montagem Solar, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, e mediante retribuição, prestar a força do seu trabalho. c). À data de ../../2020, BB, vinculado à segunda ré nos termos referidos em b), auferia a retribuição de € 635,00 x 14 meses, acrescida de € 5,90 x 242 dias, a título de subsídio de alimentação. d). Aos valores mencionados em c), acresciam ajudas de custo, no valor de € 988,17/ano. e). Na mesma data, a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho relativamente àquele BB encontrava-se transferida para a primeira ré, EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...29, pela retribuição de € 635,00 x 14 meses, acrescida de € 5,90 x 242 dias, a título de subsídio de alimentação, e de € 150,00/ano, a título de ajudas de custo. f). No dia ../../2020, BB estava incumbido pela segunda ré de proceder a trabalhos de instalação de painéis fotovoltaicos na cobertura de um pavilhão localizado em .... g). A cobertura do pavilhão era composta por chapa nervurada simples e por telhas translúcidas, cada uma destas com 60 cm de largura por 140 cm de comprimento. h). As telhas translúcidas, sendo frágeis e de fraca resistência, não permitiam, sem risco de queda, qualquer tipo de carga sobre elas. i). A segunda ré não sinalizou na cobertura a localização dessas placas translúcidas. j). Para auxiliar na colocação dos painéis e, ainda, para cobrir as placas translúcidas, em ordem a evitar o risco de queda dos trabalhadores através delas, foram colocadas pela segunda ré paletes de madeira na cobertura do pavilhão. l). Essas paletes não cobriam a totalidade das placas translúcidas. m). A segunda ré instalou, também, no local uma linha de vida, presa na cumeeira da cobertura do edifício. n). Não chegando essa linha de vida até ao local dos trabalhos, estava previsto que a ancoragem à mesma do arnês de segurança, a utilizar pelos trabalhadores, se faria através de uma corda de posicionamento, com, pelo menos, 10 metros de comprimento e sensor. o). Para a realização dos trabalhos, a segunda ré forneceu a BB EPI, em particular, capacete, arnês, corda Y e corda de posicionamento. p). Ministrou-lhe, também, formação a respeito da utilização desses equipamentos e dos riscos a que, para a sua segurança e saúde, se encontrava sujeito na execução das tarefas a que estava adstrito. q). A segunda ré realizava reuniões diárias com os trabalhadores, antes do início dos trabalhos, nas quais eram revistos os procedimentos relativos à utilização dos EPI e dos EPC, bem como alertados os trabalhadores para os riscos a que estavam expostos. r). Nessas reuniões, os riscos para que os trabalhadores eram alertados incluíam menções à fraca resistência das placas translúcidas da cobertura. s). Pelas 14h00m do referido dia, BB encontrava-se sobre a cobertura do edifício a proceder à passagem de cabos DC de ligação a um dos painéis fotovoltaicos. t). O painel no qual BB estava a trabalhar encontrava-se instalado em posição inclinada, formando com a cobertura do pavilhão um ângulo triangular. u). Esse ângulo tinha a altura máxima de cerca de 80 cm, junto à extremidade superior do painel. v). Os cabos DC situavam-se por debaixo da estrutura do painel, sensivelmente a meio deste, onde a altura disponível era de cerca de 40 cm. x). Devido à exiguidade do referido espaço angular, era necessário, para a execução do trabalho de ligação dos cabos, adoptar a posição de deitado, de ajoelhado ou de cócoras. z). A bordadura superior do painel coincidia, sensivelmente, com a bordadura de uma das placas translúcidas, mediando entre esses dois elementos menos de dois metros. aa). Para realizar o trabalho de ligação dos cabos DC, BB tinha que posicionar-se voltado de frente para o painel e de costas para a referida placa translúcida, sem estar a ver para o que se passava por detrás de si. bb). Devido à exiguidade do espaço existente entre esses dois elementos, em caso de realização de qualquer movimento, corria risco de queda. cc). BB encontrava-se a realizar a tarefa referida em s), trazendo posto um cinturão com arnês de segurança, ao qual não se encontrava acoplada a corda Y nem a corda de posicionamento que lhe haviam sido fornecidas, não estando, em decorrência disso, preso à linha de vida. dd). Não trazia, também, capacete de proteção, tudo isto à revelia das instruções que lhe foram dadas e das formações que lhe foram ministradas. (alterado em conformidade com o decidido em IV-1) ee). Durante a execução de tal tarefa, BB pisou a telha translúcida localizada junto à bordadura do painel fotovoltaico no qual estava a operar, que não se encontrava, pelo menos nessa parte e no momento, protegida por palete de madeira. ff). A referida telha veio a partir, provocando uma abertura na cobertura, por onde BB caiu para o interior do pavilhão, de uma altura de cerca de 14,80m. gg). Em consequência disso, sofreu diversas lesões, designadamente crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais, que foram causa directa e necessária da respectiva morte, ocorrida no mesmo dia. hh). A mera sinalização, mormente através de fitas, da placa translúcida não teria evitado que BB a pisasse e que viesse, como veio, a cair. ii). Se BB, fazendo uso da corda Y e da corda de posicionamento que lhe foram fornecidos, estivesse preso à linha de vida instalada no local, a sua queda não teria ocorrido nem o mesmo teria sofrido as lesões que lhe causaram a morte. jj). Na data da ocorrência que o vitimou, BB tinha em perspectiva terminar mais cedo a sua jornada laboral, para poder tratar de assunto de natureza pessoal, para o que, após a pausa para almoço, retomou os trabalhos antes da hora prevista. ll). A autora suportou as despesas de funeral e de trasladação do corpo de BB para o ..., em valor não inferior a € 6.770,00. mm). Por efeito da pendência dos presentes autos, a autora deslocou-se às instalações deste Juízo do Trabalho para a realização de tentativa de conciliação, no despendeu a quantia de € 20,00. oo) As paletes de madeira colocadas na cobertura do pavilhão, não sendo em número suficiente para cobrir todas as telhas translúcidas, existiam para serem deslocadas pelos trabalhadores para os locais onde estes trabalhavam, de forma a minorar o risco de queda em altura. (aditado) pp) O BB deslocou-se na cobertura sobre uma telha translucida que se veio a partir, sem posicionar previamente a palete de madeira para essa zona. (aditado) B). FACTOS NÃO PROVADOS 1. As paletes de madeira referidas na al. j) da materialidade dada como demonstrada apenas hajam sido colocadas pela segunda ré na cobertura do edifício para o exclusivo efeito de execução da tarefa de fixação dos painéis. 2. A segunda ré haja colocado na cobertura do edifício paletes de madeira em número suficiente para cobrir todas as telhas translúcidas, ou a totalidade da extensão destas. 3. Haja sido BB que, no decurso do dia, retirou a palete de madeira que se encontrava sobre a telha translúcida que pisou e que veio a partir, o que fez em vista da realização dos trabalhos e para conseguir colocar-se por debaixo do painel, onde não cabia. 4. As paletes de madeira colocadas na cobertura do pavilhão, não sendo em número suficiente para cobrir todas as telhas translúcidas, ou a totalidade da extensão destas, se destinassem a ser movimentadas pelos trabalhadores, para suportar o respectivo peso, à medida que se fossem deslocando na execução dos trabalhos. (eliminado em conformidade com o decidido em IV- 1) 5. BB, contrariando esse procedimento, se haja deslocado na cobertura sobre a telha que veio a partir sem posicionar previamente as paletes de madeira para essa zona. (eliminado em conformidade com o decidido em IV- 1) 6. A segunda ré não haja disponibilizado a BB capacete de protecção, corda Y e corda de posicionamento. 7. Por estarem muitas vezes cobertas de pó, fosse difícil identificar a localização das telhas translúcidas e que as reuniões mencionadas na al. q) da materialidade dada como demonstrada incluíssem, também, alertas a respeito desse facto. 8. A segunda ré não efectuasse nenhum tipo de controlo diário por forma a garantir que os trabalhadores se deslocavam para a frente de trabalho com os equipamentos EPI nem, tampouco, quanto à sua efectiva utilização. 9. Durante os trabalhos que executou na manhã do dia ../../2020, BB tivesse feito uso do capacete, da corda Y e da corda de posicionamento que lhe foram fornecidos pela segunda ré. 10. BB, devido à sua estrutura corporal, não coubesse, sequer na posição de deitado, no espaço angular formado pelo painel fotovoltaico e a cobertura do edifício. 11. A protecção, através de palete de madeira, da telha localizada junto ao local onde BB se encontrava a laborar, tivesse evitado, em caso de queda sobre essa estrutura, a respectiva fractura, bem como da telha localizada por debaixo dela, e a queda que veio a ocorrer para o interior do pavilhão. 12. A utilização do capacete de protecção fornecido a BB tivesse, na circunstância, evitado as lesões que o mesmo sofreu e que lhe causaram a morte. 13. BB não haja feito uso do capacete, da corda Y e da corda de posicionamento que lhe haviam sido fornecidos, em resultado de decisão que tomou, de revelia e de contradição relativamente às formações ministradas e às instruções que lhe foram dadas. (eliminado em conformidade com o decidido em IV- 1) 14. As despesas que a autora, nos termos mencionadas na al. ll) da materialidade dada como demonstrada, suportou se hajam cifrado em montante superior ao aí referido, em particular na importância de € 6.920,00. IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO 1. Da Impugnação da matéria de facto A Recorrente nas suas conclusões, mais precisamente nas enumeradas de 1 a 17 defende que a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada, sustentando que a redação do ponto JJ) dos pontos de facto provados deve ser alterada e do ponto LL) dos pontos de facto provados deve ser eliminada, Mais pretende que sejam aditados aos pontos de facto provados os factos alegados nos artigos 10, 11 e 24 da sua contestação e devem ser eliminados os pontos 4 e 5 dos pontos de facto não provados e aditado aos pontos de facto provados o tema 27.º da base instrutória, com a consequente eliminação do ponto 13 dos pontos de facto não provados. Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão os depoimentos das testemunhas, inquiridas em audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos dos colegas de trabalho do sinistrado CC, DD e EE e os documentos juntos aos autos designadamente as fotografias que juntou aos autos, pretendendo, assim, com referência à decisão sobre a matéria de facto, a sua alteração, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados. Vejamos: Os Tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto. Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Por seu turno, resulta do artigo 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Passemos à apreciação da impugnação da matéria de facto, uma vez que se mostram cumpridos os ónus de impugnação previstos no citado art.º 640.º do CPC. Dos factos Provados que devem ser alterados Do ponto jj) pontos de facto provados consta o seguinte: jj) Na data da ocorrência que o vitimou, BB tinha em perspectiva terminar mais cedo a sua jornada laboral, para poder tratar de assunto de natureza pessoal, para o que, após a pausa para almoço, retomou os trabalhos antes da hora prevista.” A Ré/Recorrente pretende que se elimine da redação de referido ponto de facto o seguinte: “…para o que, após a pausa para almoço, retomou os trabalhos antes da hora prevista.”, por considerar não ter sido possível apurar a altura precisa em que o sinistrado, depois do almoço subiu para a cobertura. O Tribunal a quo motivou a prova de tal factualidade da seguinte forma: “Acresce que, na primeira audiência de julgamento que se realizou, foi espontaneamente referido pelas testemunhas FF, DD e CC, que BB tinha programado, para a tarde do dia em causa, compromisso pessoal, relacionado com a mudança de residência. --- Ora, tendo as aludidas testemunhas utilizado expressões como escritura/contrato da casa, assumiu o tribunal que se estaria perante a aquisição de uma nova habitação, sem ter explorado, devidamente, o conhecimento que as reditas testemunhas pudessem, eventualmente, deter sobre a exacta natureza desse negócio e, por conseguinte, sem se acautelar que tais expressões pudessem representar – sobretudo, se constituíram réplica de afirmações produzidas pelo próprio sinistrado, que tinha nacionalidade ... - a formalização de qualquer outro tipo de acordo. Franqueada a possibilidade, por via da repetição parcial do julgamento, de ver esclarecida a matéria sob consideração, cabe assinalar que, a acrescer à afirmação espontaneamente produzida, na anterior audiência, de que BB tinha programada, para a tarde do dia em questão, a celebração de contrato que lhe permitiria mudar de residência – e dizemos espontaneamente por se ter tratado de assunto que, não constando dos temas de prova, emergiu com total naturalidade e com um alcance que só na sentença proferida se manifestou relevante –, veio a resultar dos esclarecimentos tomados a DD, a CC e, também, à autora AA, na repetição a que se procedeu, que o negócio em causa era, na realidade, de arrendamento. --- De resto, a autora, nas declarações que prestou, fez o relato das condições de vida que teve com o seu cônjuge, desde a mudança que realizaram para Portugal, estando o casal a viver em quarto subarrendado de um apartamento, com partilha de espaços comuns com outros inquilinos. --- Referiu, ainda, que a mudança de residência, para um novo espaço de utilização exclusiva do casal, era projecto que acalentavam e que demandou esforço para reunião da quantia necessária para o pagamento da caução exigida para um arrendamento. --- A imagem proporcionada pelas declarações da autora – no que se inclui a partilha de residência, nas condições referidas - está longe de reflectir condição financeira abundante, outrotanto podendo dizer-se quanto à medida da retribuição de BB – que auferia, mensalmente, modesto provento, como contrapartida de actividade particularmente perigosa, em si mesma e pelas suas características pessoais - de tal sorte que, de facto, o negócio em perspectiva pudesse ser o de aquisição, por compra, de uma nova residência, como, inicialmente, e pelas razões aduzidas, o tribunal fez afirmar. E embora AA não se haja mostrado capaz de, com total assertividade, localizar a residência pretendida arrendar – senão por referência à respectiva área, freguesia ..., junto ao estabelecimento comercial EMP03... - e o local onde, no final da tarde do dia em que BB veio a falecer, iria ser formalizado o contrato – num escritório, situado junto ao denominado ... -, explicou a mesma que fora o seu cônjuge que encontrou o correspondente anúncio de disponibilidade na internet e que ajustou os pormenores do negócio. Não é, por isso, de estranhar que desconheça quem se apresentaria a realizar, ou a intermediar, o negócio, assinalando-se que manifestou ter conhecimento de aspectos, esses sim, relevantes na vida do casal, como o facto de se tratar de um T1 e de o valor da renda mensal ser de € 475,00, com inclusão do condomínio. --- De todo o modo, e fosse como fosse, ou seja, quer se tratasse de aquisição, por compra, de uma residência, quer o negócio em perspectiva fosse o arrendamento de espaço para esse fim – com ou sem a participação de qualquer eventual fiador -, ou, no limite até, contrato de empréstimo que iriam realizar, a verdade é que se renovou a prova, mormente pela mão das testemunhas DD e CC, cujos depoimentos foram corroborados por AA, de que BB tinha programada, para o final do dia em que veio a falecer, contrato, visando mudar de residência. --- (…) De salientar que as testemunhas DD e CC, não obstante mantivessem bom relacionamento com BB, não manifestaram estarem a ele unidos por relações de forte amizade, ou, para todos os efeitos, ao respectivo cônjuge. Relembre-se que, apesar de habitualmente transportado, nas viagens entre ... e ... – localidade esta onde decorria a obra -, no veículo de serviço tripulado por BB, não se coibiu DD de, na primeira audiência que se realizou, o descrever como pessoa que apresentava pouca adesão ao emprego de equipamentos de protecção, nos moldes que acima se deixaram expressos e que não deixaram, registe-se, de ser criticamente analisados. --- Não há, por conseguinte, qualquer motivo que, objectivamente, leve a suspeitar, e de forma fundada, sobre a veracidade das afirmações que produziram, de forma espontânea, logo na primeira audiência, e que mantiveram na que se renovou, no sentido de que BB se manifestou, ao longo do dia em causa, entusiasmado, eufórico até, pelo contrato que tinha em perspectiva na tarde desse dia, e cuja concretização seria possível, por lhe ter sido permitido, por GG, que cessasse a sua jornada laboral antes do horário normal. --- Entre algum esboroamento de memória, a que não será alheio o lanço temporal – de mais de quatro anos - entretanto transcorrido, sobre quem teria sido, de entre eles e BB o primeiro a subir ao telhado, o que, globalmente, resultou dos depoimentos que prestaram é que, de facto, este terá encurtado a respectiva hora de almoço, retomando os trabalhos antes do fim do tempo de pausa para esse efeito previsto – aspecto que também contrastou com a narrativa de GG, feita, em larga medida, como se expressou acima, de afirmações seguidas de infirmações e de incoerências procuradas colmatar com versões sucessivas da mesma realidade. --- Pela consideração de tudo quanto exposto ficou, não tivemos dúvida na afirmação do que, na condição de demonstrado, se fez reflectir na al. jj).” Após audição de todos os depoimentos, neles se incluindo o prestado, por duas vezes, pelas testemunhas CC e DD, teremos de dizer que não vislumbramos que tenha sido cometido pela juiz a quo qualquer erro que imponha que se proceda à alteração do ponto de facto jj) nos termos pretendidos pela Recorrente. Com efeito, apesar das imprecisões e incertezas dos depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas, relativamente ao facto de se saber quem subiu em primeiro ou último lugar, à cobertura, onde se encontravam a trabalhar, depois de terem efetuado a pausa para o almoço, o certo é que quer dos depoimentos prestados, pelo CC e pelo DD na 1.ª audiência de julgamento, quer nos prestados na 2.ª audiência de julgamento, com maior ou menor imprecisão resultante do tempo já decorrido (mais de 4 anos), resulta que no fatídico dia, por a jornada laboral terminar mais cedo, pelo menos para o BB e para o DD, estes fizeram a pausa para almoçar, mais cedo que o habitual e consequentemente retomaram os trabalhos antes da hora, normalmente prevista para o término do almoço, que ao que tudo indica seria entre as 12.00 e as 13.00, ou entre as 12.00 e as 13.30, como foi afirmado em audiência de julgamento designadamente pelo DD. Sem que deste facto se possa extrair qualquer outra conclusão, o certo é que no dia do sinistro, a pausa para o almoço do BB teve lugar, mais cedo, que o habitual, tendo por isso aquele retomado o trabalho antes da hora normalmente prevista, sem que se tenha apurado ou possa concluir que o BB fez uma pausa por tempo inferior ao habitual. Ao invés, a factualidade apurada apenas nos permite concluir que a pausa para o almoço teve lugar mais cedo do que o habitual (testemunho de HH), razão pela qual o retorno ao trabalho terá sido efetuado antes da hora, normalmente, prevista para o efeito. Não vislumbramos assim qualquer razão para alterar a factualidade apurada no ponto jj) dos pontos de facto provados, uma vez que esta traduz a globalidade da prova produzida designadamente tem sustento nos depoimentos prestados por CC e HH, não sendo contraditada pelos restantes depoimentos. Improcede nesta parte a impugnação. Pretende a Recorrente que se elimine o ponto ll) dos pontos de facto do qual consta o seguinte: “ll). A autora suportou as despesas de funeral e de trasladação do corpo de BB para o ..., em valor não inferior a € 6.770,00.” Defende a Recorrente que a prova documental junta aos autos é insuficiente para dar tal factualidade como provada, sendo certo que a este propósito não foi produzida qualquer outra prova, designadamente testemunhal. O Tribunal a quo motivou a prova de tal factualidade da seguinte forma: “Aqui chegados, e relativamente ao que se fez constar da al. ll), tomou-se em consideração, não apenas o que consta do documento junto a fls. 135, que constitui o orçamento das despesas de funeral e de trasladação do corpo de BB, que era cidadão de nacionalidade ..., como, também, o documento bancário certificativo de transferência realizada pela autora para a empresa funerária. Não resultou, contudo, demonstrado que o encargo suportado, a esse título, haja correspondido ao valor orçamentado – de € 6.920,00 -, a ditar o que se ordenou sob o ponto 14, mas, outrossim, que se terá quedado pelo montante de € 6.770,00, correspondente ao que se encontra aposto no documento relativo ao pagamento realizado por transferência bancária. “ Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o documento bancário junto aos autos pela autora, do qual resulta que foi dada por esta, pessoalmente (documento está por si assinada), ao banco, uma ordem de transferência bancária para a Funerária que tratou do funeral do sinistrado, conjugado com o teor do orçamento efetuado por aquela agência funerária, afigura-se-nos de suficientes para podermos concluir que a Autora suportou as despesas de funeral e de trasladação do corpo do sinistrado para o ..., no valor um pouco inferior ao que se fez constar do orçamento realizado pela funerária. Em suma, improcede a alteração à matéria de facto requerida pela Recorrente, pois a prova documental produzida afigura-se-nos de suficiente para sustentar tal factualidade. Dos Factos que devem ser aditados aos Factos Provados Pretende a Ré/Recorrente que passem a constar dos pontos de facto provados os factos por si alegados nos artigos 10.º e 11.º da sua contestação, que correspondem de alguma forma aos pontos 4 e 5 dos pontos de facto não provados, que devem, por isso ser eliminados. Sustenta a sua pretensão nos depoimentos de CC, II e EE, conjugados com a reportagem fotográfica junta com a contestação da recorrente, dos quais resulta suficientemente apurado que as paletes de madeira existiam para serem deslocadas para as zonas de trabalho como reforço de proteção contra quedas sobre as telhas translucidas, sendo certo que o sinistrado caiu por quebra de uma dessas telhas sem que tivesse movimentado a palete de madeira para cima da mesma quando ali desempenhava as suas funções. A factualidade que se pretende aditar é a seguinte: “10º. As paletes de madeira existiam, precisamente, para serem deslocadas pelos trabalhadores para o local onde estes trabalhavam, de forma a suportar o seu peso quando se tinha de deslocar, sentar ou deitar a efectuar trabalhos na cobertura. 11º. No caso, o sinistrado deslocou-se no telhado sobre a telha que veio a partir, sendo perceptível que a mesma não se encontrava coberta por palete, e que não deslocou evitando pisá-la e correr o risco que, infelizmente, acabou por se verificar” O Tribunal a quo deu como não provada esta factualidade com a versão que fez constar dos pontos 4 e 5 dos pontos de facto não provados, motivando a sua decisão da seguinte forma: “Relativamente à materialidade que, sendo pertinente às paletes que foram colocadas na cobertura do pavilhão, se deu por demonstrada e por indemonstrada, importa começar por registar que, na fase de saneamento do processo, ficou logo assente que a segunda ré não sinalizou, na cobertura, a localização das telhas translúcidas, mormente através de fitas, e que a colocação daquelas paletes foi norteada pelo propósito de auxiliar na colocação dos painéis – tarefa essa que, contudo, na data dos factos, estava exaurida, encontrando-se a decorrer já os trabalhos de ligação do sistema de alimentação por cabos – e, ainda, com o objectivo de evitar a queda dos trabalhadores. --- Assim, e apesar de, no decurso da audiência de julgamento, ter sido explorada a versão de que as referidas paletes teriam, na realidade, como função demarcar, ou assinalar, na cobertura a presença das telhas translúcidas, as finalidades que estiveram subjacentes ao seu posicionamento na estrutura foram as referidas no antecedente parágrafo, mormente a segunda delas, sem prejuízo, como é evidente, de, por inerência, poderem, acessoriamente, realizar fim de sinalização. --- De todo o modo, do teor dos elementos documentais juntos aos autos, em acompanhamento do relatório elaborado pela ACT, resulta, de acordo com o plano de segurança elaborado, que a sinalização das telhas translúcidas seria realizada através de fitas, servindo as paletes de madeira a finalidade de reforço de protecção contra eventuais quedas, em associação à ancoragem dos trabalhadores a um ponto fixo na estrutura. --- Sendo essa, como era, a principal finalidade das paletes, é certo poder afirmar-se que, na data dos factos, estavam presentes na cobertura do edifício estruturas dessa natureza, o que resulta atestado por via dos elementos documentais juntos aos autos, em particular os registos fotográficos que acompanham o relatório elaborado pela ACT. --- (…) Assim, e não obstante a colocação de paletes sobre as telhas translúcidas haja obedecido ao desiderato de constituir forma de reforço das medidas colectivas de protecção dos trabalhadores, a verdade é que, em face da prova que, em julgamento, se produziu, não temos como certo que as mesmas apresentassem robustez suficiente a permitir que os trabalhadores pudessem livremente circular ou posicionar-se sobre elas. Com efeito, pode observar-se pelos registos fotográficos que acompanham o relatório da ACT que as paletes em causa, apresentando, embora, as suas extremidades pousadas sobre zona nervurada da parte metálica da cobertura – em zona mais resistente, portanto -, apresentavam, sensivelmente a meio, ponto de apoio – seguramente necessário, devido às suas dimensões, para garantir a estabilidade, - inevitavelmente repousado sobre as telhas translúcidas. Não é, por isso, seguro afirmar-se que os trabalhadores pudessem, como se disse, sobre elas caminhar livremente ou posicionar-se, sem risco de ruptura da palete e, por conseguinte, sem risco, também, de quebra das telhas translúcidas que as mesmas se destinavam a proteger. Aliás, do temor que a própria fragilidade das paletes lhe suscitava deu conta, em particular, a testemunha EE. --- É ponto assente, conforme resultou demonstrado, logo na fase de saneamento do processo, o que se fez reflectir na al. ee) e pode observar-se, também, pelos registos fotográficos abundantemente referidos, que a telha que veio a partir, por ter sido pisada por BB, não estava, pelo menos na parte em que sofreu essa pressão e no momento, protegida por palete de madeira. --- (…) Por outro lado, e sendo ponto assente, já o dissemos acima, que as paletes presentes na cobertura do edifício não se apresentavam, em número ou extensão, suficientes para cobrir todas as telhas translúcidas, o que, em teoria, pelo menos, não excluiria a possibilidade de as mesmas poderem ser (re)posicionadas, à medida das necessidades de reforço de protecção, a verdade é que não ficou claro, pela prova que, em julgamento, se produziu, que os trabalhadores estivessem instruídos para proceder pelo indicado modo. --- Com efeito, do relato produzido pela testemunha DD extraiu-se que a colocação das paletes foi orientada por um encarregado de obra, de nome GG, que, conjuntamente com os trabalhadores, participou na correspondente tarefa. --- Ora, tendo-se extraído do depoimento prestado nos anteditos termos que as paletes teriam sido colocadas onde se encontravam à data do sinistro, tanto mais que, para a sua movimentação, seria necessária a colaboração de várias pessoas, a verdade é que a testemunha CC, tendo começado, também, por dizer que, para movimentar as paletes, seriam necessárias, pelo menos, duas pessoas, acabou por afirmar, contradizendo-se, que, a final, uma pessoa sozinha teria capacidade para o fazer e que o redito GG até teria dado indicações para que assim se procedesse, à medida que o trabalho fosse avançando. --- A versão que, porém, CC veiculou, quanto à matéria sob consideração, não se apresentou credível. É que tal como é, desde logo, possível observar a partir dos registos fotográficos juntos aos autos, as paletes tinham dimensões significativas, a tornar pouco curial que um só trabalhador as pudesse movimentar. E se não podia, como cremos que não, a circunstância de, em particular, na data dos factos, os três trabalhadores que estavam sobre a cobertura – o falecido BB, DD e CC – se apresentarem distanciados entre si tornava inviável que qualquer deles arrastasse as paletes à medida que iam progredindo nas suas tarefas e que, por conseguinte, pudessem ter sido instruídos para proceder desse modo. --- Para além disso, a testemunha FF, coordenador de segurança em obra, deu fé dos riscos de movimentação das paletes na cobertura do edifício, actividade que reputou de mais perigosa, até, do que a realização dos próprios trabalhos em curso. Relembre-se, também, que a testemunha EE deu, por seu turno, notícia da sensação de insegurança de qualquer movimentação sobre as paletes, a tornar pouco credível que os trabalhadores estivessem instruídos para movimentar as próprias paletes, que, para mais, se encontravam colocadas em zonas de especial perigo. --- Pelo conjunto das razões expostas, resultou, assim, indemonstrado, para além do que se referiu quanto ao ponto 10, a materialidade que se fez ordenar sob os pontos 3 a 5.” Dos depoimentos das testemunhas CC, DD e JJ resulta suficientemente provado não só que as paletes serviam para cobrir as telhas translúcidas, em ordem não só a sinalizar as telhas translúcidas, mas também a evitar o risco de queda em altura. Não sendo as mesmas em número suficiente os trabalhadores receberam instruções para as movimentarem à medida que se fossem deslocando na execução dos trabalhos e surgissem telhas translúcidas não protegidas. A forma como as paletes eram deslocadas se por um ou se por dois ou mais trabalhadores, afigura-se-nos de pouco relevante, pois sendo necessário deslocar uma palete e um só trabalhador não o conseguisse, parece-nos óbvio que deveria pedir o auxilio dos demais, a fim de reforçar a sua segurança e evitar o perigo de queda em altura. Assim, se por um lado, não resultou provado que as paletes se destinassem a suportar o peso dos trabalhadores quando se tinham de deslocar, sentar e deitar a efetuar trabalhos na cobertura, pois é testemunha EE quem afirma que deveria de usar essas paletas como forma de segurança, para colocar em cima das telhas translúcidas, mas não podia andar sobre as paletes, porque não se sentia seguro. Por outro lado, por as paletes de madeira não serem suficientes para cobrir todas as telhas translucidas deveriam, em conformidade com as instruções recebidas, ser movimentadas pelos trabalhadores de forma a reforçar a sua proteção. Acresce dizer que a prova também é exuberante relativamente ao facto do BB se ter deslocado na cobertura sobre a telha que se veio a partir, sem ter posicionado previamente as paletes de madeira para essa zona, pois tal resulta quer da reportagem fotográfica realizada após o acidente, quer do depoimento das testemunhas CC e DD. Do depoimento prestado quer pelo CC, quer pelo DD, quer pelo EE, ficámos convencidos que não só as paletes de madeira se destinavam a reforçar a proteção contra quedas relativamente aos trabalhos a realizar junto das telhas translúcidas, como também os trabalhadores receberam instruções para movimentar as paletas de madeira, sempre que se revelasse necessário cobrir as telhas translúcidas, sendo certo, que no início do dia era, o ..., quem normalmente dava instruções quanto à movimentação das paletes, para proteger/tapar as telhas translúcidas, mas tendo cada um dos trabalhadores também autonomia para o fazer à medida da necessidade da sua proteção. Em suma, a prova testemunhal produzida conjugada com a reportagem fotográfica permite-nos afirmar que o empregador deu instruções para utilizarem as paletes de madeira, como auxiliar de proteção, para evitar o risco de queda em altura sobre as telhas transparentes, devendo aquelas ser movimentadas à medida que os trabalhos iam progredindo para que tais telhas ficassem tapadas. Acresce dizer que tal como espelham as fotografias, o sinistrado não tapou a telha e caiu. Impõe-se assim proceder à alteração da matéria de facto aditando os seguintes factos: oo) As paletes de madeira colocadas na cobertura do pavilhão, não sendo em número suficiente para cobrir todas as telhas translúcidas, existiam para serem deslocadas pelos trabalhadores para os locais onde estes trabalhavam, de forma a minorar o risco de queda em altura.” pp) O BB deslocou-se na cobertura sobre uma telha translucida que se veio a partir, sem posicionar previamente a palete de madeira para essa zona. Esta factualidade passará a constar do local próprio e consequentemente serão eliminados os pontos 4 e 5 dos pontos de facto não provados. Pretende a Recorrente que se adite aos pontos de facto provados, os factos que constam dos artigos 23 e 24.º da sua contestação, sugerindo que seja aditado o seguinte facto: “A concreta zona onde trabalhava, uma cobertura com 14,8m de altura do solo, em chapas metálicas com telhas acrílicas translucidas para entrada de luz, mais frágeis e sem resistência para suportar com segurança o peso de um adulto, tinha um elevadíssimo potencial de risco de queda, risco esse perfeitamente perceptível para o sinistrado e para os seus demais colegas de trabalho.” Sustenta a sua pretensão nas fotografias juntas com a sua contestação conjugadas, com o depoimento da testemunha CC, bem como com os factos provados em ff) e h). Salvo o devido respeito, por opinião em contrário, a matéria que se pretende que seja aditada aos pontos de facto provados, tem cariz meramente conclusivo e encerra um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, sendo certo que como a própria recorrente reconhece os factos dados como provados em ff) e h) aos quais acrescentamos os factos dados como provados em g), j), q), r), x) a ee) nos permitem de alguma forma extrair o mencionado juízo de valor. Conforme resulta da redação do n.º 4 do art.º 607.º do CPC., na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos provados, o que significa que o juiz pode e deve considerar como provado, em resultado da prova produzida são factos e não as conclusões e os juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta.[1] Em face do exposto teremos de concluir que, bem andou o Tribunal a quo, ao não dar como provada, nem como não provada a factualidade que agora se pretendia aditar aos pontos de facto provados, por se tratar de matéria conclusiva, que encerra juízo de valor a extrair dos factos concretos, que no caso foram objeto de alegação e prova. Improcede, nesta parte a impugnação da matéria de facto. Por fim, pretende a Recorrente que se elimine o ponto 13 dos pontos de facto não provados e se adite aos factos provados o tema 27.º dos temas da prova com a seguinte redação conjugada também com o alegado em 12º, 19º e 20 da sua contestação: “Após o reinício dos trabalhos que se seguiu ao período do almoço, o BB, subiu sem capacete e sem ligar o cabo de ligação à linha de vida, deslocando-se no telhado sem essa protecção de forma contrária às formações ministradas e às instruções que lhe foram dadas, num contexto com antecedentes na mesma obra de desleixo com o uso desses meios de segurança” A Recorrente defende que se apurou que o sinistrado tinha a absoluta perceção de não cumprir as regras de segurança já que o mesmo era temerário e reativo ao seu cumprimento, quer no que respeita ao uso do capacete, quer da corda de ligação à linha de vida e sustenta a sua pretensão no depoimento de DD (colega de trabalho do sinistrado) que é consentâneo com os factos provados em dd) – estava a trabalhar sem o capacete -, e no depoimento da testemunha CC. O Tribunal a quo motivou a sua decisão para dar como não provada a factualidade que consta do ponto 13 dos pontos de facto não provados da seguinte forma: “Isto posto, importa dizer que dos depoimentos prestados na renovação parcial do julgamento a que se procedeu, não resultou que BB, por imposição de GG ou por exigência auto-imposta, se haja visto na contingência de realizar, em menos tempo, face à permissão de saída mais cedo, tarefas que estivessem programadas para ser, obrigatoriamente, concluídas no dia em causa. --- Contudo, é totalmente compatível com a natureza das coisas que o entusiasmo/euforia com que BB encarava a concretização de algo que, no dizer da testemunha DD, representava o “prosperar nos seus objectivos”, e, por conseguinte, a necessidade de finalização, antes da hora normal, da sua jorna laboral, o possa ter condicionado a afrouxar, por descuido, precipitação ou esquecimento, as medidas de segurança a que, incontestavelmente, face à demais prova que se produziu, se sabia obrigado. --- Relembre-se que, aquando da queda que sofreu, e conforme se disse por mais de uma vez, BB fazia uso de cinturão com arnês, com o qual, por conseguinte, subiu, depois da interrupção de almoço, à cobertura do edifício. --- A ponderação, pelo modo que se deixa enunciado, de toda a prova que se produziu, retira sustentação à afirmação de que BB não haja feito uso, na derradeira tarefa que empreendeu, de parte dos equipamentos de segurança/protecção que lhe haviam sido distribuídos, por decisão que tenha tomado de revelia face àquilo a que, no indicado parâmetro, se sabia obrigado. --- Sem se poder dizer, é certo, tal como referimos na anterior motivação, que, antes da data em que se verificou o evento sob consideração, KK tivesse já adoptado conduta idêntica, ou seja, de não ancoragem à linha de vida na execução dos trabalhos, certo é que vinha, desde há cerca de um mês, a exercer funções na cobertura do edifício, sujeito, por conseguinte, a um perigo a que, porventura, se familiarizou. Não é de excluir, também, que pudesse ter visualizado outros a não fazer uso dos equipamentos de segurança, como a testemunha DD admitiu, na primeira audiência, ter chegado a fazer, sem que tivesse ocorrido qualquer sinistro. --- Quedou, assim, por demonstrar o que se alinhou sob o ponto 13, cuja redacção, face à proposta constante do acórdão do TRG, melhor se ajustou à alegação que esteve na base da elaboração do artº 27º dos temas de prova.” Vejamos: Da prova testemunhal, designadamente da produzida em sede de segundo julgamento resulta inequívoco que o sinistrado por vezes não cumpria as regras de proteção individual pré-determinadas pela Ré, designadamente no que dizia respeito às cordas Y e de posicionamento e ao uso de capacete, tal como resulta do depoimento de DD ao relatar que o BB “não gostava de usar o equipamento” … “ele geralmente ia sem capacete”, ou seja apresentava persistente resistência injustificada ao cumprimento das regras, sendo certo que não era o único. Não vislumbramos razão para não valorizar este depoimento do colega de trabalho do sinistrado com quem se dava bem e que de alguma forma é também corroborado pelo depoimento do Eng. LL. Acresce dizer que o depoimento de CC (colega de trabalho), designadamente o prestado no dia 04.07.2024 é também consentâneo com o depoimento prestado a este propósito pelo DD, dando conta que de forma reiterada o sinistrado incumpria com as regras de proteção individual, como resulta de forma clara das seguintes afirmações: “… sendo sincero com o senhor, isso era uma falta que ele cometia muito, era a questão do cuidado com ele mesmo e a segurança dele.” E mais à frente na sequência de lhe ter sido perguntado se o BB por vezes aligeirava esses cuidados com as regras de segurança, respondeu “Sim senhor” e ao ser-lhe perguntado se não foi só naquele dia especial, por alguma razão que aligeirou, respondeu: “Não, já era um problema corriqueiro.” Do depoimento da referida testemunha também resulta inequívoco que não foi esta a primeira vez que o sinistrado se desprende da linha de vida para se movimentar e fazer o seu trabalho sem estar preso. Em suma, os depoimentos dos dois colegas de trabalho do sinistrado, que não tinham, ao que se julga saber, qualquer problema com o sinistrado, depuseram no sentido de que de forma reiterada o sinistrado não cumpria com as regras de proteção individual, sendo certo que atentas as caraterísticas do local onde trabalhava (a uma altura de 14 metros, em local onde existiam muitas telhas translucidas e pouco resistentes), o incumprimento das medidas de proteção individual, só por si potenciava o risco de queda em altura. Assim, em face da prova produzida e porque parte desta factualidade já se fez constar dos pontos de facto provados impõe-se completar tal factualidade, respondendo ao tema 27 dos temas da prova. Importa referir que, quer da reportagem fotográfica junta aos autos, quer dos depoimentos dos colegas de trabalho do sinistrado, resulta inequívoco que o sinistrado naquele dia fatídico, após a pausa para o almoço, ao retomar o seu trabalho, à revelia e em contrário às formações ministradas e às instruções que lhe foram dadas, não utilizou, mais uma vez, os EPI`s, o capacete, a corda Y e a corda de posicionamento, que lhe haviam sido fornecidos. Importa assim proceder, não ao aditamento de um novo facto, mas sim à alteração do facto dado como provado sob o ponto dd) com a consequente eliminação do ponto 13 dos pontos de facto não provados, pois para além dos depoimentos dos dois colegas de trabalho do sinistrado se nos afigurarem de credíveis, da globalidade da prova produzida resulta inequívoco que, diariamente, os trabalhadores eram alertados, designadamente nas reuniões realizadas logo de manhã, para os riscos que corriam e de que deveriam cumprir com as normas de proteção individual implementadas na obra de forma a prevenir o sério risco de queda em altura que existia. Por outro lado, a prova testemunhal produzida não nos permite concluir de forma alguma, a não ser por especulação, que no fatídico dia o sinistrado tivesse aligeirado no cumprimento das medidas de segurança individuais, por sair mais cedo, por ter pressa em terminar o trabalho, ou por estar ansioso para ir embora, resolver os seus problemas pessoais, designadamente o relacionado com o arrendamento de uma casa. Ao invés, tudo aponta para mais um descuido, relacionado com a resistência ao cumprimento das regras de segurança que estava obrigado a observar. Em suma, vai ser alterada a redação do ponto dd) dos pontos de facto provados, em consonância com a factualidade apurada relativamente ao tema da prova 27.º, da qual passará a constar o seguinte: dd) Não trazia, também, capacete de proteção, tudo isto à revelia das instruções que lhe foram dadas e das formações que lhe foram ministradas.” Consequentemente procede-se à eliminação do ponto 13 dos pontos de facto não provados, sendo tal assinalado no local próprio. Procede parcialmente a impugnação da matéria de facto. 2. Descaracterização do acidente nos termos do artigo 14º n.º 1 al. a) da Lei n.º 98/2009 de 4/09 Sustenta a Recorrente que o acidente a que os autos se reportam se encontra descaraterizado uma vez que este só ocorre devido à violação única e exclusiva das condições de segurança por parte do sinistrado - al. a) do nº 1 do art. 14º da Lei 98/2009, (doravante NLAT) Por sua vez o tribunal a quo entendeu que os factos se revelam de insuficientes para descaraterizar o acidente, apesar de considerar que houve violação de regras de segurança, esta não se afigurou de suficiente para descaraterizar o acidente, uma vez que se exige que a violação da norma de segurança seja “culposa, no sentido de suposto consciente” acrescentando que é ainda necessário demonstrar uma verdadeira “rebelião do trabalhador à normatividade imposta pelo empregador ou decorrente da Lei, o desrespeito gratuito, portanto a ordens e/ou regras”, o que não se verifica no caso em apreço. Atenta a factualidade apurada com as alterações decorrentes da procedência parcial da impugnação da matéria de facto, podemos desde já adiantar que não partilhamos da posição assumida pelo Tribunal a quo relativamente à descaraterização do acidente de trabalho, razão pela qual passamos à analise da descaracterização do acidente por violação das condições de segurança por parte do sinistrado - al. a) do nº 1 do art.º 14.º da NLAT, à luz da factualidade apurada, tendo presente que ao apurar-se a descaraterização a beneficiária do sinistrado não terá qualquer direito à reparação do dano sofrido. Vejamos: Prescreve o artigo 14.º da NLAT, o seguinte: “1 – O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei; (…) 2 – Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.” Resulta do normativo, aliás, como tem sido também entendido pela jurisprudência e pela doutrina, que para que opere a descaraterização do acidente de trabalho nos termos previstos na al. a) 2ª parte do n.º 1 do artigo 14º da NLAT terão de se verificar de forma cumulativa os seguintes requisitos: - a existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; - que sejam voluntariamente violadas pelo trabalhador as condições de segurança (exigindo-se aqui a intencionalidade ou consciência, na prática, ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento, ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco.) - que a violação das condições de segurança seja sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do ato ou omissão, a causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à atividade laboral; pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência, ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta. - que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta. Importa referir que o ónus da prova dos factos que referentes à descaracterização incumbe à entidade responsável pela reparação, designadamente a prova da “falta de causa justificativa” enquanto facto impeditivo do direito do autor – cfr. art. 342.º n.º 2 do Código Civil Acresce dizer que a violação de regras de segurança estabelecidas por lei, contemplada no n.º 1 al. a) do artigo 14.º da NLAT, deve ser entendida como abarcando as normas ou instruções que visam acautelar e prevenir a segurança dos trabalhadores, tendo em vista a eliminação ou diminuição dos perigos/riscos para a saúde vida ou integridade física do trabalhador, razão pela qual não podemos concluir que a violação pelo trabalhador de qualquer norma prevista na lei ou de uma qualquer regra imposta pelo empregador, dá lugar à descaracterização do acidente. A violação terá de ser de norma legal ou regra imposta pelo empregador que vise acautelar ou prevenir a segurança dos trabalhadores abrangendo apenas as que se conexionam com o risco da atividade profissional exercida, as que estão de alguma forma ligadas à própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua atividade. Em suma, a descaracterização do acidente de trabalho por violação das condições de segurança pelo trabalhador implica a apreciação rigorosa dos seus requisitos exigindo por um lado, a verificação da existência de culpa grave por parte do sinistrado, assente no estado de consciência acerca da violação cometida e dos riscos associados e por outro lado, a demonstração de que no caso concreto o comportamento do sinistrado foi a causa do acidente, ficando assim salvaguardada a situação do trabalhador do ponto de vista da sua segurança infortunística. Como se refere no Ac. do STJ de 14.07.2025[2] “…a incerteza sobre o que em concreto ocorreu não deve privar o trabalhador da proteção contra acidentes de trabalho, constitucionalmente consagrada.” Por fim prescreve o art.º 17.º n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10.09 (regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho) no que aqui nos interessa que: “1 - Constituem obrigações do trabalhador: a) Cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador; b) Zelar pela sua segurança e pela sua saúde, bem como pela segurança e pela saúde das outras pessoas que possam ser afetadas pelas suas ações ou omissões no trabalho, sobretudo quando exerça funções de chefia ou coordenação, em relação aos serviços sob o seu enquadramento hierárquico e técnico; c)Utilizar corretamente e de acordo com as instruções transmitidas pelo empregador, máquinas, aparelhos, instrumentos, substâncias perigosas e outros equipamentos e meios postos à sua disposição, designadamente os equipamentos de proteção coletiva e individual, bem como cumprir os procedimentos de trabalho estabelecidos;” E resulta do art.º 39.º n.º 2 al. b) do DL n.º 50/2005, de 25.02, obrigatoriedade do uso do arnês preso à linha de vida, ao prescrever o seguinte: b) O trabalhador deve utilizar arneses adequados através dos quais esteja ligado à corda de segurança”; Por fim prescreve, o art.º 11.º da Portaria n.º 101/96 – que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis –, sob a epígrafe “Quedas em altura” o seguinte: “1. Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectivas adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. 2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável.” Com relevo para apreciação da questão apuraram-se os seguintes factos: - No dia ../../2020, BB estava incumbido pela segunda ré de proceder a trabalhos de instalação de painéis fotovoltaicos na cobertura de um pavilhão localizado em .... - A cobertura do pavilhão era composta por chapa nervurada simples e por telhas translúcidas, cada uma destas com 60 cm de largura por 140 cm de comprimento. - As telhas translúcidas, sendo frágeis e de fraca resistência, não permitiam, sem risco de queda, qualquer tipo de carga sobre elas. - A segunda ré não sinalizou na cobertura a localização dessas placas translúcidas. - Para auxiliar na colocação dos painéis e, ainda, para cobrir as placas translúcidas, em ordem a evitar o risco de queda dos trabalhadores através delas, foram colocadas pela segunda ré paletes de madeira na cobertura do pavilhão. - Essas paletes não cobriam a totalidade das placas translúcidas. - A segunda ré instalou, também, no local uma linha de vida, presa na cumeeira da cobertura do edifício. - Não chegando essa linha de vida até ao local dos trabalhos, estava previsto que a ancoragem à mesma do arnês de segurança, a utilizar pelos trabalhadores, se faria através de uma corda de posicionamento, com, pelo menos, 10 metros de comprimento e sensor. - Para a realização dos trabalhos, a segunda ré forneceu a BB EPI, em particular, capacete, arnês, corda Y e corda de posicionamento. - Ministrou-lhe, também, formação a respeito da utilização desses equipamentos e dos riscos a que, para a sua segurança e saúde, se encontrava sujeito na execução das tarefas a que estava adstrito. - A segunda ré realizava reuniões diárias com os trabalhadores, antes do início dos trabalhos, nas quais eram revistos os procedimentos relativos à utilização dos EPI e dos EPC, bem como alertados os trabalhadores para os riscos a que estavam expostos. - Nessas reuniões, os riscos para que os trabalhadores eram alertados incluíam menções à fraca resistência das placas translúcidas da cobertura. - Pelas 14h00m do referido dia, BB encontrava-se sobre a cobertura do edifício a proceder à passagem de cabos DC de ligação a um dos painéis fotovoltaicos. - O painel no qual BB estava a trabalhar encontrava-se instalado em posição inclinada, formando com a cobertura do pavilhão um ângulo triangular. - Esse ângulo tinha a altura máxima de cerca de 80 cm, junto à extremidade superior do painel. - Os cabos DC situavam-se por debaixo da estrutura do painel, sensivelmente a meio deste, onde a altura disponível era de cerca de 40 cm. - Devido à exiguidade do referido espaço angular, era necessário, para a execução do trabalho de ligação dos cabos, adoptar a posição de deitado, de ajoelhado ou de cócoras. - A bordadura superior do painel coincidia, sensivelmente, com a bordadura de uma das placas translúcidas, mediando entre esses dois elementos menos de dois metros. - Para realizar o trabalho de ligação dos cabos DC, BB tinha que posicionar-se voltado de frente para o painel e de costas para a referida placa translúcida, sem estar a ver para o que se passava por detrás de si. - Devido à exiguidade do espaço existente entre esses dois elementos, em caso de realização de qualquer movimento, corria risco de queda. - BB encontrava-se a realizar a tarefa referida em s), trazendo posto um cinturão com arnês de segurança, ao qual não se encontrava acoplada a corda Y nem a corda de posicionamento que lhe haviam sido fornecidas, não estando, em decorrência disso, preso à linha de vida. - Não trazia, também, capacete de proteção, tudo isto à revelia das instruções que lhe foram dadas e das formações que lhe foram ministradas. - Durante a execução de tal tarefa, BB pisou a telha translúcida localizada junto à bordadura do painel fotovoltaico no qual estava a operar, que não se encontrava, pelo menos nessa parte e no momento, protegida por palete de madeira. - A referida telha veio a partir, provocando uma abertura na cobertura, por onde BB caiu para o interior do pavilhão, de uma altura de cerca de 14,80m. - Em consequência disso, sofreu diversas lesões, designadamente crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais, que foram causa directa e necessária da respectiva morte, ocorrida no mesmo dia. - A mera sinalização, mormente através de fitas, da placa translúcida não teria evitado que BB a pisasse e que viesse, como veio, a cair. - Se BB, fazendo uso da corda Y e da corda de posicionamento que lhe foram fornecidos, estivesse preso à linha de vida instalada no local, a sua queda não teria ocorrido nem o mesmo teria sofrido as lesões que lhe causaram a morte. - Na data da ocorrência que o vitimou, BB tinha em perspectiva terminar mais cedo a sua jornada laboral, para poder tratar de assunto de natureza pessoal, para o que, após a pausa para almoço, retomou os trabalhos antes da hora prevista. - As paletes de madeira colocadas na cobertura do pavilhão, não sendo em número suficiente para cobrir todas as telhas translúcidas, existiam para serem deslocadas pelos trabalhadores para os locais onde estes trabalhavam, de forma a minorar o risco de queda em altura. (aditado) - O BB deslocou-se na cobertura sobre uma telha translucida que se veio a partir, sem posicionar previamente a palete de madeira para essa zona. (aditado). Atenta a factualidade apurada, conjugada com as normas acima transcritas, é manifesto que o sinistrado violou as regras de segurança determinadas pelo empregador e pela lei, uma vez que, estando em causa a realização de trabalhos com sério risco de queda em altura tendo o empregador optado implementado em primeira linha pela proteção individual (arnês, cordas Y e de posicionamento e capacete) e em segunda linha, de forma a complementar àquela, pela proteção coletiva (paletes de madeira a proteger as telhas translúcidas) e tendo ainda o empregador dado instruções para que os seus trabalhadores subissem à cobertura munidos de EPI´s composto por capacete, arnês e cordas Y e de posicionamentos, estando patente o risco de queda em altura, uma vez que os trabalhadores tinha de se deslocar numa cobertura pejada de telhas translúcidas, o sinistrado ao reiniciar os trabalhos na cobertura desprovido do equipamento de proteção individual violou as normas de segurança impostas pelo empregador, para diminuir o risco de queda em altura. Ora, tendo-se apurado que após a pausa para o almoço, o BB retomou o seu trabalho, na cobertura do edifício, munido do cinturão com o arnês de segurança, que não se encontrava ancorado à linha de vida, através das cordas Y e de posicionamento que lhe haviam sido fornecidas, desprovido de capacete e sem que tivesse posicionado previamente a palete de madeira para cobrir as telhas translúcidas, existentes na zona onde executava o seu trabalho, de forma a minorar o risco de queda em altura. A dado momento pisou uma das telhas translucidas da cobertura, que veio a quebrar, tendo o seu corpo caído para o interior do pavilhão, sofrendo lesões das quais resultou o seu falecimento. Daqui podemos afirmar seguramente que o sinistro se ficou a dever ao incumprimento por parte do BB das regras impostas pelo empregador e também estabelecidas por lei. Questão diversa consiste em saber se atento o facto de o sinistrado ter atuado em violação das regras de segurança impostas pelo empregador e pela lei, o que deu causa ao evento, é motivo suficiente para descaracterizar o acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado. A este propósito, concordamos de alguma forma com o tribunal a quo, ao entender, que a descaracterização do acidente por violação das regras de segurança não prescinde de uma culpa que atinja certa gravidade, contudo não podemos concordar com o facto de ter entendido que não se comprovaram factos que atinjam esse grau de culpa. Vejamos: Como se refere a este propósito no Ac. deste Tribunal de 14.03.2024 (relatora LEONOR BARROSO), do qual fui 2.ª Adjunta “(…)é certo que a lei distingue a descaracterização do acidente de trabalho com base em duas causas diferentes, por um lado, a decorrente de violação das regras de segurança fixadas por empregador ou lei (14º, 1, a) e, por outro lado, a decorrente de atitude de negligência grosseira. O que poderia levar à conclusão de que uma prescinde da outra e que são questões apartadas. A questão não tem merecido uma resposta unívoca, quer por parte da jurisprudência, quer por parte da doutrina. Ao nível da jurisprudência superior do STJ identificamos duas tendências. Uma, mais recuada no tempo, que entende que a violação das regras de segurança enquanto causa de descaracterização do acidente de trabalho carece apenas de inexistência de “causa justificativa”, prescindindo-se da verificação de negligência grosseira na actuação do sinistrado. A argumentação principal é a de que esta última é gizada na lei como uma causa autónoma de descaracterização do acidente de trabalho prevista na alínea b) do preceito em causa e que, ademais, a violação voluntária e consciente de regras de segurança acarreta, por si, a existência de culpa - ac. STJ 14/03/2007, p. 06S4907 e ac. 23/09/2009, p. 323/04.0TTVCT.S1, www.dgsi.pt. Na doutrina um dos autores defensores deste entendimento encontra-se em Pedro Romano Martinez, que refere que, em caso da exclusão de responsabilidade com base na violação por parte do trabalhador das condições de segurança “está fora de questão o requisito de negligência grosseira da vítima”, exigência esta que apenas se reporta à alínea b), do artigo 14º, 1, NLAT. Ainda assim, este autor não deixa de frisar que a negligência deve assumir uma certa gravidade e que a violação dessas regras tem de ser consciente. Só nestes casos se justifica afastar a responsabilidade em empresarial assente no risco. Segundo o autor “Não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou redução da responsabilidade, torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade”- Direito do Trabalho, 9º ed., p. 902, 903 e 904. Uma outra tendência do STJ, que podemos apelidar de mais recente, entende que a descaracterização do acidente de trabalho por violação das regras de segurança pelo sinistrado, a par dos demais requisitos, exige ainda um grau acentuado de culpa Neste sentido do STJ ac.s de: 13-10-2021, p. 3574/17.3T8LRA.C1.S1 em cujo sumário consta:” I- Ocorre descaracterização do acidente de trabalho com o fundamento estabelecido na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do art.º 14.º, da LAT, se o acidente provier de ato ou omissão da vítima, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal. II- Assim, não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado. É necessário que essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação.”); ac. 10/02/2021, p. 2267/18.9T8LRA.C1.S1, colhendo-se da fundamentação que a violação de regras terá de ser subjectivamente grave e que, ademais, a ré que excepciona a descaracterização tem de provar que “inexiste causa justificativa” e no caso não se apuraram factos sobre o motivo pelo qual o sinistrado não usava arnês quando caiu); ac. 11-05-2017, p. 1205/10.1TTLSB.L1.S1 de cuja fundamentação se colhe que adere ao entendimento de Júlio Gomes referindo-se “....parece-nos bem conforme com os objetivos de uma lei que se pretende que seja o mais amplamente reparadora dos acidentes de trabalho, daí que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas para além das referidas no n.º 2, do art.º 14, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais”. A RG tem alinhado no entendimento de que, para a descaracterização do acidente de trabalho em caso de violação de regras de segurança por parte do trabalhador, é necessária a verificação de uma culpa grave - RG ac.s de 19-03-2020, p. 334/16.2T8VCT.G1; de 21-01-2021, p. 1081/17.3T8VRL.G1 ; de 6/05/2021, p 2170/19.5T8VCT.G1 (de que fomos relatora); de 13-07-2022, p. 122/19.4T8BGC.G1. Alguma jurisprudência (por ex. ac. STJ de 10/02/2021 acima referido) encontra arrimo para a exigência de culpa mais acentuada na expressão “violação voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa” mencionada no preceito. A expressão é “aberta” e muito abrangente. A lei (nº 2, do art. 14º, NLAT), tenta clarificar o conceito, associando-o ao desconhecimento ou dificuldade de o trabalhador entender a norma ou a instrução violada, em face do seu grau de instrução ou do acesso à informação. Contudo, como já se entreviu a jurisprudência tem vindo a acolher que a não descaracterização do acidente por violação da lei ou de instruções do empregador relativas à segurança/saúde no trabalho pode radicar noutras causas para além das dificuldades em conhecer ou entender a norma ou a instrução. Salientando-se que se deve atender ás circunstâncias concretas do caso, à gravidade da infracção, à forte consciência do perigo que a sua conduta necessariamente acarretaria (negligência consciente) e até mesmo à exclusividade da culpa na produção do acidente. Não se trata de aferir uma pura negligência grosseira, temos consciência que esse é outro fundamento distinto de descaracterização do acidente de trabalho previsto noutra alínea legal (b), 1, 14º, NLAT). Trata-se, antes, de afastar culpas mais ligeiras, omissões menos conscientes do perigo e cujo resultado acaba por ser influenciado por outros factores que não só a infracção cometida. A jurisprudência, na verdade, pelo menos nos tempos mais recentes, têm coincidido em que não é qualquer imprudência que descaracteriza o acidente e que tal só se justifica em situações de culpa severa - ac. do STJ de 11-05-2017, proc. 1205/10.1TTLSB.L1.S1 acima citado, e, além dos já citados, ac. da RP de 23-11-2020 (sinistrado atingido no olho por uma limalha ao cortar cm rebarbadora uma calha, sem usar óculos de protecção), em cujo sumário consta: “IIII - Sendo um dos requisitos exigidos a voluntariedade na violação das regras de segurança, quer legais quer estabelecidas pela entidade patronal, ficam excluídos da descaracterização os actos ou omissões que resultem as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco. IV - A violação das regras de segurança, só por si, não é bastante que operar a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave do sinistrado. V. - A violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, pode ter outras causas justificativas para além das dificuldades daquele em conhecer ou entender a norma legal ou estabelecida pelo empregador.” Na doutrina, Júlio Manuel Vieira Gomes é frequentemente citado como um dos autores que mais fortemente frisa que a exclusão da reparação por acidente de trabalho é uma consequência desproporcionada, que só se justifica: “….para comportamentos dolosos ou com um grau de negligência muito elevado que sejam, eles próprios, a causa do acidente, de tal modo que verdadeiramente se quebre o nexo etiológico entre o trabalho e o acidente”. Mais referindo “… não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras “justificações” poderão ser relevantes. Terá, por conseguinte, que verificar-se, também aqui, uma culpa grave do trabalhador, tão grave que justifique a sua exclusão, mesmo que ele esteja a trabalhar, a executar a sua prestação, do âmbito de tutela dos acidentes de trabalho. Essa culpa deve ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão, a passividade do empregador perante condutas similares no passado […] e, simplesmente, fatores fisiológicos e ambientais como o cansaço, o calor ou o ruído existente no local de trabalho, Destarte, deve considerar-se […] que a violação das regras de segurança pode ter outras causas justificativas para além da dificuldade em conhecer ou entender a norma legal ou estabelecida pelo empregador” – sublinhado nosso- O acidente in itinere, Coimbra Editora, 2013, p.s 232/234 e 240/246. O autor chama a atenção para a história do preceito e a técnica legislativa empregue “elemento histórico da norma sublinhado que :“(…) desde logo, que “a prática de atos e omissões que importem a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei” não representa uma alínea autónoma, mas a parte final da alínea a) onde estão igualmente previstos os acidentes dolosamente provocados pelo sinistrado. Este elemento sistemático é importante, porque ilustra bem que estas situações de violação das condições de segurança contempladas pela lei são aquelas suficientemente graves para terem sido quase “equiparadas” ao dolo”, dado que, “(…) historicamente, a violação das regras de segurança foi tratada, entre nós, como um caso de desobediência, de rebelião contra a autoridade – que só depois se estendeu á violação de regras legais – próximo do dolo e por isso tratada na mesma alínea que os comportamentos dolosos.” - negrito nosso. Também Carlos Alegre exige uma espécie de “culpa qualificada”, não bastando a culpa leve. Afirma o autor que só se exclui a reparação caso de verifiquem cumulativamente as seguintes condições:” «1ª. Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se, aqui, a intencionalidade ou dolo, na prática ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários resultantes ou não da habituação ao risco; 2ª. Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do ato ou omissão: a causa justificativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à atividade laboral, pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta. 3ª. Que as condições de segurança sejam, apenas, estabelecidas pela entidade patronal (em regulamento de empresa, ordem de serviço ou outra forma de transmissão.» 4º ….que o acidente seja consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado” - Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado – 2ª edição, Almedina, página 61. Sabe-se que a negligencia (mera culpa) consiste na omissão de um dever objectivo de cuidado ou de diligência aferido pelo padrão de um homem médio, que, segundo as características do caso, seria adequado a evitar a produção de um evento, que o agente seria capaz de adoptar e lhe seria exigível (487º CC). Com recurso aos conceitos penais (15º CP) e tendo presente que a culpa comporta sempre um aspecto volitivo (o querer) e um intelectual (saber ou ter consciência), importa distinguir a negligência consciente em que o sinistrado prevê como possível a produção do resultado lesivo mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação, e a negligência inconsciente em que o sinistrado, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, não chega a equacionar a possibilidade da sua verificação. Sob outra perspectiva, a negligência pode apresentar diferentes graus, em função da ilicitude e da culpa:” será levíssima quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado; será leve quando o parâmetro atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente e será grave quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta teria também incorrido” – ac. STJ de 9-06-2010, proc. 579/09.1yFLSB” Em suma, tendo presente que a lei da reparação dos acidentes de trabalho pretende que a reparação dos acidentes seja o mais amplo que for possível, para que se considere o acidente de descaracterizado, não basta provar que o sinistrado violou regras de segurança e saúde no trabalho impostas pelo empregador, pois importa provar o grau de culpa do sinistrado, que terá de ser considerado de grave ou severo, bem com provar da “inexistência de causa justificativa”. É assim de considerar que, há lugar à descaracterização do acidente de trabalho nos termos prescritos na al. a) do n.º 1 do art.º 14.º da NLAT, quando se demonstre quer a violação de normas de segurança, quer a atuação do sinistrado com um grau de culpa acentuada e sem se tenha apurado a “existência de causa justificativa” da atuação do sinistrado na violação das regras de segurança. De retorno ao caso dos autos cabe proceder à análise do grau de culpa da atuação do sinistrado. Da factualidade apurada resulta não só que o sinistrado bem sabia que não podia subir à cobertura sem capacete e sem arnês com as cordas de ligação à linha de vida, como bem sabia que não podia estar a trabalhar na cobertura deslocando-se desprendido da linha de vida, como sucedeu no momento em que caiu, ciente e consciente de que com a sua conduta atuava em violação às instruções emanadas do empregador. Importa reter que havia sido ministrada ao sinistrado formação a respeito da utilização dos equipamentos de proteção individual e dos riscos e, se encontrava sujeito na execução das tarefas que tinha de desempenhar e que o seu empregador diariamente, realizava reuniões com os trabalhadores, neles se incluindo o sinistrado, antes do início dos trabalhos, nas quais eram revistos os procedimentos relativos à utilização dos EPI e dos EPC, alertando os trabalhadores para os riscos a que estavam expostos, neles se incluindo as menções à fraca resistência das placas translúcidas da cobertura. Por outro lado, também resultou provado que o sinistrado estando a trabalhar junto de telhas translucidas não protegidas, deveria ter feito deslocar as paletes de madeira que se encontravam no local e que eram utilizadas em complemento de proteção, para cobrir as telhas translucidas, de forma a diminuir o risco de queda em altura, dada a fragilidade daquelas, o que não fez, em clara violação ao que havia sido determinado pelo empregador. Está assim sobejamente comprovado não só que o sinistrado violou de forma gratuita as condições de segurança estabelecidas na lei e pelo empregador, condições estas que o sinistrado bem conhecia e de que estava ciente, quer pelo facto de lhe ter sido ministrada formação, quer pelo facto de participar diariamente em reuniões onde eram feitas chamadas de atenção para cumprirem com as condições de segurança implementadas, quer para os perigos que corriam nos trabalhos que tinham de desenvolver na cobertura. Na verdade, o sinistrado estava perfeitamente consciente do elevadíssimo risco de queda que corria na concreta zona onde trabalhava, ou seja, numa cobertura com 14,8m de altura do solo, em chapas metálicas com telhas acrílicas translucidas, mais frágeis e sem resistência para suportar com segurança o peso de um adulto e mesmo assim decidiu, não se munir nem do equipamento individual, nem do coletivo que tinha à sua disposição, em flagrante desobediência, às instruções recebidas, não evitando assim a sua queda em altura ao pisar uma das telhas translúcidas. Da factualidade provada não resulta qualquer facto que justifique o desrespeito pelo sinistrado das regras implementadas, pois o facto deste, por motivos pessoais terminar mais cedo o trabalho no fatídico dia, não justifica qualquer aligeiramento no cumprimento das regras que estava obrigado a observar quando estivesse a trabalhar na cobertura. Com efeito, não se provou qualquer factualidade que interferisse com a capacidade de o sinistrado avaliar os riscos e as regras que estava obrigado a observar, que o conduzisse a um descuido, designadamente não se provou que o sinistrado estava a trabalhar sob pressão, por ter de terminar uma qualquer tarefa, ou estava eufórico e preocupado com a sua vida, aligeirando por isso na sua segurança, etc. No caso, não estamos perante um mero e desculpável esquecimento, ou distração momentânea, pois o sinistrado ao subir para a cobertura situada a 14,80 metros de altura, pejada de telhas translúcidas, conhecendo a perigosidade do local, desprovido do equipamento necessário a prevenir os riscos a que estava sujeito (cordas e capacete), depois de todas as chamadas de atenção prestadas pelo empregador, diariamente, bem sabia que não o iria utilizar naquela fatídica tarde, estando consciente dos riscos que corria. Acresce dizer que o sinistrado nem sequer se deu ao trabalho de utilizar a proteção coletiva fazendo deslocar as paletes de madeira para cima da telha translucida não coberta para a zona onde estava a trabalhar sem ligação à linha de vida. Não temos dúvidas em afirmar que estando em causa a realização de trabalhos numa cobertura situada a 14,80 metros de altura, onde existiam diversas telhas translúcidas, com pouca resistência era premente o risco de queda em altura, impunha-se que o sinistrado subisse ao telhado munido dos equipamentos de proteção previstos e disponibilizados pelo empregador, quer porque aquele assim o tinha determinado, quer porque o sinistrado bem conhecia o elevado risco que corria, designadamente o de pisar uma telha translucida. Em suma, o incumprimento fortuito das regras de segurança implementadas, desprovido de qualquer justificação, por parte do sinistrado, estando este ciente dos sérios e elevadíssimos riscos que corria, atentas as condições em que trabalhava, para os quais era chamado a atenção diariamente, conduz à conclusão de que o sinistrado atuou de forma temerária, não podendo a sua culpa deixar de ser qualificada como grave e acentuada. Está assim verificada a descaraterização do acidente como de trabalho, razão pela qual não há direito a reparação do acidente com a absolvição das rés do pedido, e, por essa razão, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e consequentemente é de revogar a decisão recorrida e absolver as Rés de todos os pedidos formulados. Custas a cargo da Recorrida. Notifique. Guimarães, 25 de setembro de 2025 Vera Maria Sottomayor (relatora) Francisco Sousa Pereira Maria Leonor Barroso [1] Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ de 29.04.2015, proc. n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, (disponível em www.dgsi.p) [2] Proc. n.º 1994/20.5T8GMR.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt |