Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
17/24.0T8CBT.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
FORNECIMENTO DE ELETRICIDADE
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A presunção (judicial) pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado ( facto base/ facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto ( facto presumido), que é o pressuposto fático de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos.
II- O nexo lógico não é um facto, mas um juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima da experiência, tida por aplicável ao caso, segundo a qual, perante a ocorrência de um facto, gera-se uma probabilidade qualificada que se tenha produzido outro, sendo sempre passível de infirmação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I. Relatório ( que se transcreve):

“AA, titular do cartão de cidadão n.º ..., contribuinte fiscal n.º ...86, residente na Rua ..., ..., na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., desta Comarca de Braga (C.P. ...) (adiante designada por Autora ou A.) intentou a presente ação de processo comum contra
EMP01..., S.A., titular do NIPC ...29, com sede na Rua ..., na cidade e Comarca de Lisboa (C.P. ...),
pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €7.815,70 (sete mil oitocentos e quinze euros e setenta cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor, pelos prejuízos por ela sofridos em aparelhos e equipamentos eletrónicos devido a uma descarga de energia elétrica.
Invocou, para tanto e em síntese, que, no dia 09/05/2023, ocorreu um inusitado excesso de carga elétrica na sua residência que lhe causou danos em aparelhos e dispositivos elétricos e eletrónicos que estavam ligados à corrente elétrica e em funcionamento, os quais ficaram nessa sequência irremediavelmente avariados, e cuja reparação recai sobre a ré, independentemente de culpa, por ser a operadora da rede de distribuição de energia elétrica do local em questão.
Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, declinando a sua responsabilidade na ocorrência do sinistro porque o evento danoso ficou a dever-se a um caso de força maior (acidente causado por terceiro), que danificou o apoio e a linha aérea da rede de distribuição que interferiu no normal fornecimento de energia elétrica. Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido formulado pela Autora.
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Procedeu-se à prolação de despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa, aferiu-se pela verificação da totalidade dos pressupostos processuais, fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.”
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 Foi realizada a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal e gravação dos respetivos depoimentos.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a ré EMP01..., S.A. do pedido contra si formulado pela autora AA.
Custas a cargo da Autora.
Registe e notifique.”
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Inconformada com a decisão, veio a A interpor recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“A. O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente o pedido da Recorrente em sede de Petição Inicial, e, consequentemente, absolveu a Ré do ressarcimento dos danos sofridos pela Autora, decorrentes da descarga elétrica ocorrida a 09.05.2023, dando como provado que a causa da dita descarga elétrica teve por causa o embate de um veículo pesado de mercadorias.
B. A Recorrente não se conforma com a decisão, pelo que impugna a decisão da matéria de facto, concretamente, aos pontos 6, 7, 9, 10, 26 e27 dos factos julgados provados.
C. A conclusão e consequente decisão de que, naquele dia, ocorreu um embate de um veículo pesado de mercadorias que embateu no cabo aéreo, causa que desencadeou a referida descarga elétrica e causou os danos nos equipamentos da Recorrente, constitui objeto do presente recurso, porquanto,
D. a Recorrente, pretende que sobre aquela matéria de facto seja proferida a seguinte decisão de NÃO PROVADOS e por conseguinte a inexistência de um caso de força maior excludente da responsabilidade da Recorrida.
E. Ao contrário da decisão proferida pelo tribunal a quo, no dia 09.05.2023, não se verificou a existência e/ou evidência de que um veículo pesado de mercadorias embateu no cabo aéreo de distribuição de energia, e por tal se tenha rompido o referido cabo.
F. Não há qualquer registo fotográfico do cabo aéreo de distribuição de energia rompido; vestígios de qualquer embate de um veículo, nem nenhuma testemunha presenciou ou ouviu o sinistro, ao que acresce,
G. foi referido pela Recorrida, em sede de Contestação que “por causa do embate de viatura contra o dito poste”, o que foi rebatido e contradito pela testemunha BB, que referiu, alegadamente, ter existido um embate no cabo aéreo, que não presenciou, tratando-se apenas de uma suposição.
H. O Tribunal a quo deu ainda como provado, o que corroborou com o documento n.º 3 junto à Contestação (fls 29), que CC deu a conhecer o incidente à Recorrida, sujeito que não é conhecido naquelas imediações, conforme foi referido pela testemunha DD.
I. Ademais, daquele documento consta, no campo das observações, que existia um poste caído no exterior, o que não se compreende, ora a Recorrida alega existir um embate de um veículo no poste e consequentemente um poste caído no chão, ora alega um embate no cabo aéreo de distribuição de energia e um poste parcialmente inclinado para a via pública.
J. Mais evidente de que os factos dados como provados deveriam ter sido dados como não provados, porque a Recorrida não trouxe aos autos evidências de que existiu um embate de um veículo no poste ou no cabo, quando o poderia e deveria ter feito, pois sobre ela recai o ónus probatório,
K. é o demonstrado e explanado pelas testemunhas DD e BB, corroborado com os documentos a fls. 29 e 32:
L. A primeira testemunha referiu que quando se apercebeu dos estrondos que estavam a decorrer nos seus equipamentos eletrónicos ligou de imediato para o eletricista, e que este já sabia que andavam a intervir no poste!
M. Se a causa dada como provada – embate de um veículo no cabo aéreo – fosse verdade, é inexplicável e desprovido de lógica, o facto de, numa questão de minutos, ter ocorrido a descarga elétrica e a equipa de piquete já se encontrava a intervir no poste.
N. Raciocino lógico que vem comprovado pelo depoimento da testemunha BB quando refere que o procedimento normal para intervenção nestas situações é: “recebo a notificação, recebo a avaria no PDA, diz-me o local, ponho a navegação assistida e leva-se até ao local”.
O. Quanto aos factos 26 e 27 dados como provados com base no depoimento da testemunha EE, pela mesma apenas foi dito quais os procedimentos técnicos para que a existam as condições normais de exploração, referindo que a última revisão foi efetuada em 2021, o que não se pode presumir daqui o facto dado como provado em 27, que os cabos de distribuição de energia encontravam-se em normais condições de exploração naquele dia específico – 09.05.2023.
P. Resulta ainda da motivação da decisão de facto que ainda que se entendesse que não se tratou de caso de força maior, se considerar que se tratou de um evento que era evitável se tivesse sido previsto, o evento era imputável a um terceiro – condutor do veículo.
Q. Ora mais uma vez não há evidências quer documental, quer testemunhal do embate do veículo, ademais, ficou expressamente referido pela testemunha BB que foi colocado um poste mais alto no local para evitar futuros sinistros, uma vez que naquele local é recorrente passarem veículos fora das medidas.
R. O que torna evidente que a Recorrida podia e devia ter realizado esta intervenção de antemão evitando este tipo de incidentes, e por tal, o acidente, a ter ocorrido, seria sempre imputável ao próprio lesado.
Nestes termos e nos melhores de direito, concedendo provimento à presente apelação, deverá proferir-se douto acórdão que, revogando a douta sentença, aos factos aqui impugnados, condenando assim a Recorrida no pagamento da indemnização pelos danos causados à Recorrente, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 509.º do Código Civil..”
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Foram apresentadas contra-alegações, sustentando, em síntese, a manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em:

1- Alteração da decisão da matéria de facto ( factos 6,7,9, 10, 26 e 27 dos factos provados e pretende que sejam dados como não provados);
2- A reapreciação de direito.
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III. Fundamentação de facto.

Na sentença considerou-se o seguinte:
a. Factos Provados
1. A R. é concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica e a principal operadora da rede de distribuição de energia elétrica em Portugal Continental das redes de alta, média e baixa tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho ....
2. Nessa sua qualidade explora as correspondentes redes de distribuição de eletricidade, de que fazem parte os apoios destinados ao suporte das linhas aéreas de distribuição de energia elétrica.
3. Da rede concessionada à ré faz parte uma linha aérea de Baixa Tensão sustentada por apoios em betão que abastece a União de Freguesias ... e ..., neste concelho.
4. A A. reside na Rua ..., ..., na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., onde habita numa moradia unifamiliar com dois pisos, sendo titular de dois contratos de fornecimento de energia elétrica, celebrados com a comercializadora EMP02..., S.A., tendo como referência os ... – Código do Ponto de Entrega -- ...64... e ...86...
5. Por força dos contratos de fornecimento celebrados entre a autora e o comercializador em regime livre EMP03..., S.A., a ré abastece de energia elétrica dois locais de consumo da A., sitos na Rua ..., da referida freguesia, ambos em regime de Baixa Tensão, um com a potência contratada de 17,25 kVA trifásica, e o outro com a potência contratada de 3,45 KVA monofásica.
6. No dia 09.05.2023, em hora não concretamente apurada da manhã, um veículo pesado de mercadorias não identificado embateu no cabo aéreo de distribuição de energia apoiado em poste (apoio em betão) sito na Rua ..., da referida freguesia, integrante da rede de distribuição de energia elétrica em BT.
7. Na sequência de tal embate, o cabo aéreo de distribuição rompeu e o poste ficou parcialmente inclinado para a via, tendo-se desligado o neutro e uma das fases, o que afetou o fornecimento de energia elétrica no local de consumo da autora, originando uma quebra desse fornecimento.
8. Na sequência de tal quebra de fornecimento de energia, nesse mesmo dia 9.05.2023, por volta das 8h30min, a A., quando se encontrava no interior da sua residência, ouviu um forte estrondo, deparando-se de seguida com a lâmpada do teto da cozinha a faiscar e a arder, apagando-se de seguida.
9. Ainda no dia 09.05.2023, pelas 10:14 horas, a ré recebeu uma comunicação telefónica de CC, consumidor abastecido pelo mesmo ramal de BT que serve a autora, dando nota que não tinha luz, que tinha chamado um eletricista, o qual verificou que o disjuntor geral não “agarrava” e que havia falta de neutro, mais adiantando que no exterior se encontrava um poste caído.
10. Em face dessa informação foi gerado pela ré o incidente nº...89 e enviada para o local uma equipa de piquete, integrada por BB, a qual, ali chegada, constatou que nas proximidades do Local de Consumo do identificado CC e da aqui autora existia um poste em cimento, integrante da rede de distribuição de energia elétrica em BT, que se encontrava partido em resultado de embate provocado por viatura desconhecida, parcialmente inclinado para a via.
11. Em consequência da acima referida quebra de fornecimento de energia elétrica, um conjunto de aparelhos e dispositivos elétricos e eletrónicos que se encontravam no interior da residência da Autora e que, até àquela data se encontravam em perfeito estado e condições de funcionamento, por estarem ligados à corrente elétrica e em funcionamento deixaram de funcionar derivado a um inusitado excesso de carga elétrica, nomeadamente:
- seis aparelhos de ar-condicionado (2 sala, corredor e 3 quartos), marca ..., com a respetiva placa eletrónica queimada, cujo valor correspondente por unidade se cifra em 737 € (setecentos e trinta e sete euros);
- um forno, marca ..., com a placa de temporizador queimada, de valor não concretamente apurado;
- um exaustor, marca ..., em que o motor deixou de funcionar por avaria, de valor não concretamente apurado;
- uma TV LED, marca ..., deixando a mesma de funcionar irremediavelmente, de valor não concretamente apurado;
- uma controladora DS (aparelho de música), com transformador e saídas queimadas, de valor não concretamente apurado;
- dois estrados de uma cama monitorizada, de valor não concretamente apurado;
12. Os aparelhos e equipamentos referidos, considerando a extensão dos danos não podem ser mais reparados, porquanto ficaram irremediavelmente avariados.
13. Pelos canais de comunicação disponíveis, a A. deu conhecimento aos serviços da R. da ocorrência e, bem assim, dos efeitos danosos que a mesma causou, designadamente quanto aos aparelhos elétricos e eletrónicos afetados.
14. A R. rececionou, em 05/06/2023, as reclamações apresentadas pela A. relacionadas com o evento acima descrito, tendo efetuado o respetivo registo, atribuindo-lhe o n.º de identificação ...90 e ...54, mais informou a A. dos procedimentos subsequentes e modos de atuação no caso de prejuízos.
15. Assim, com data de 5/06/2023 a A. elaborou e subscreveu a participação de prejuízos à R. que apresentou por escrito, contendo os seus dados na qualidade de lesada, a descrição da ocorrência (dia, hora e local), e a relação de todos os aparelhos elétricos e eletrónicos afetados pela descarga elétrica.
16. Uma vez que não obtinha qualquer resolução do problema por banda da R., a A. viu-se obrigada a recorrer aos serviços de advogado, o qual, por carta registada enviada no dia 18.07.2023 para R., reiterou os fundamentos da reclamação, apresentando a final e os termos indemnizatórios na sequência dos prejuízos sofridos.
17. Mais se disponibilizou o referido advogado, em nome da A., à realização de vistoria e inspeção aos equipamentos relacionados e danificados.
18. Por carta, datada de 24.08.2023, a R. dá conhecimento ao mandatário da A. e assume os seguintes factos:
. da ocorrência do incidente na data indicada pela A. na sua reclamação;
. que esse incidente afetou a instalação da A..
. que o incidente foi causado por terceiros, sem indicar a sua identificação;
. que a R. apresentou uma participação junto da Guarda Nacional Republicana de ..., incitando a aqui A. a proceder de igual modo.
19. Finalmente, na referida carta a R. declinou qualquer responsabilidade indemnizatória, invocando que os factos relatados configuravam um caso fortuito ou de força maior, nos termos do artigo 509.º, n.º 2 do C.C. e artigo 14, n.º1 do Regulamento de Qualidade de Serviço.
20. Em rigor, a R., por meio da referida comunicação, declinou qualquer responsabilidade pelo pagamento da indemnização, atribuindo a responsabilidade sobre o incidente ao eventual condutor de veículo que terá provocado o abalroamento do poste que suportava a rede elétrica.
21. A R. apresentou participação crime contra incertos junto do Comandante da Guarda Nacional Republicana de ... e que deu origem ao processo de inquérito n.º 137/23.8GACBT que correu termos pelo DIAP Departamento de Investigação e Ação Penal na Secção de ....
22. Nessa participação de natureza criminal a R. além de reclamar também os prejuízos, relata que, “no dia 09 de Maio de 2023, constatou a denunciante que foi danificado um poste, da rede de distribuição de energia eléctrica(…) que integrava a rede de distribuição de energia eléctrica de baixa tensão sito no Lugar ...--União de Freguesias ... e ... --...., que se encontrava em normal exploração”.
23. Na mencionada participação também é referido que o facto descrito “é susceptivel de pôr em sério risco a segurança de pessoas e bens, podendo desde logo causar prejuízos a clientes potencialmente afectados”.
24. Não obstante as diligências de investigação levadas a cabo pelo DIAP, o certo é que, em virtude de não terem sido recolhidos indícios suficientes de quem foram os agentes do crime de dano, pelo Sr. Procurador Adjunto foi ordenado o arquivamento do inquérito.
25. Certo é que a R. nunca acedeu ao convite da A. e do seu mandatário a uma vistoria e inspeção para verificação constatação dos danos.
26. Antes de 09.05.2023, tal rede encontrava-se em condições normais de exploração, dentro do seu tempo de vida útil, instalada de acordo com as regras técnicas e de segurança e em bom estado de conservação e de verticalidade, não tendo sido detetadas quaisquer anomalias ou desconformidades técnicas nas inspeções a que regularmente são submetidas no âmbito de um plano anual de Manutenção Preventiva Sistemática.
27. Do mesmo modo, o poste de cimento ou apoio encontrava-se anteriormente em normais condições de exploração e funcionamento, implantado fora da faixa de rodagem, aprumado e em ótimo estado de conservação, o mesmo sucedendo com os cabos de distribuição de energia nele apoiados.
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b. Factos Não Provados

i) - forno, marca ..., com a placa de temporizador queimada, cujo valor de aquisição foi 420,90 € (quatrocentos e vinte euros e noventa cêntimos);
- exaustor, marca ..., em que o motor deixou de funcionar por avaria, cujo valor de aquisição foi 329,90 € (trezentos e vinte e nove euros e noventa cêntimos);
- uma TV LED, marca ..., deixando a mesma de funcionar irremediavelmente, cujo valor de aquisição foi 1.200 € (mil e duzentos euros);
- uma controladora DS (aparelho de música), com transformador e saídas queimadas, cujo valor de aquisição foi 842,93 € (oitocentos e quarenta e dois euros e noventa e três cêntimos);
- dois estrados de uma cama monitorizada, cujo valor de aquisição foi de 600 € (seiscentos euros).
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Consigna-se que, além da factualidade absolutamente inútil para a decisão a proferir, não foi levada em consideração a matéria conclusiva e, ou de direito alegada pelas partes.
Mais se consigna que, em obediência ao disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e sem prejuízo do n.º 2 do mesmo normativo, apenas foram considerados pelo Tribunal os factos essenciais que constituem a causa de pedir, expressamente articulados pelas partes.”
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IV. Do objeto do recurso.

 1– Alteração da matéria de facto
Como resulta da identificação das questões que acaba de se efetuar, no essencial, no recurso vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto.
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Vejamos o que dizer dos concretos pontos impugnados nas conclusões.
Antes porém, relembre-se que a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada pela recorrente importa, por um lado, a análise dos fundamentos da motivação que conduziu o Tribunal de 1ª instância a julgar o facto como provado ou não provado e, por outro, na averiguação, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na construção dessa motivação evidenciada pelo Tribunal de 1ª instância se surpreende uma violação das regras da experiência, da lógica ou da ciência aplicáveis ao caso.
Contudo, igualmente é entendimento pacífico e importa não esquecer que se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, e guiando-se o julgamento por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, a alteração da matéria de facto deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de analisar a prova, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam, com segurança, em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, não esquecendo, outrossim, que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas.
Deste modo, impõe-se à recorrente, da mesma forma que se impôs ao tribunal recorrido, quando pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo, que apresente razões objetivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados ou interpretação do que estes foi dito feita pelo recorrente, depoimentos estes já antes ouvidos pelo julgador e sindicados e ponderados na decisão recorrida.
Feitos estes breves considerandos prévios, que se impõe para melhor aferição da apreciação exigida quanto à impugnação feita pela recorrente, passemos à sua análise.
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Como se vê das conclusões e alegações de recurso, desde logo, e além do mais, a recorrente questiona basicamente a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no que respeita aos factos dados como provados nos pontos 6, 7, 9, 10, 26 e27 devendo ser dados como não provados.
Antes de avançarmos, desde logo, deverá ter-se presente que a autora instaurou a presente ação na base da alegação da ocorrência de uma falha de energia e que teve como consequência danos em vários equipamentos elétricos no interior da sua casa.
A ré, por sua vez, atribui a causa de tal falha de energia a ato de terceiro, à ocorrência de acidente causado por terceiro, que danificou o apoio e a linha aérea da rede de distribuição ( cfr. art. 22º da contestação).
Ora, a autora insurge-se, desde logo, contra a factualidade contida no ponto 6 e 7º dos factos provados, e que contém tal matéria de facto, argumentando que não se retira da prova produzida (a evidência de que um veículo pesado embateu no cabo aéreo de distribuição de energia e por tal se tenha rompido o cabo), quer da prova documental, quer testemunhal:
.do depoimento da testemunha BB nada se retira, pois nada presenciou e disse tratar-se de uma suposição o embate no cabo aéreo, revelando-se na sua ótica um depoimento tendencioso e parcial dada a relação profissional estabelecida entre EMP01... e a empresa para a qual trabalhava na data dos factos e que prestava serviços à R, lembrando-se de umas coisas e já não de outras ( como o dia, ano, e hora dos factos), sendo um depoimento contraditório com a alegação aduzida na contestação ( onde se alega um embate da viatura contra o dito poste, quando a testemunha fala de embate no cabo aéreo);
. do depoimento da testemunha DD, vizinha, nada se retira naquele sentido, pois quando se apercebeu dos danos nos seus equipamentos elétricos ligou ao seu eletricista que já sabia que a EMP02... andava a intervir no poste, minutos após, e por outro lado, desconhece a pessoa que deu a conhecer incidente à R, um tal de CC, e aludido nos documentos juntos aos autos, pelo que também não se prova os factos 9 e 10º;
. do depoimento da testemunha EE, engenheiro eletrotécnico, também não se retiram os factos 26 e 27º, porquanto o mesmo apenas participou numa revisão daquelas instalações elétricas em 2021 e o incidente deu-se no dia 09-05-2023.

O tribunal fundamentou, de modo exaustivo e bem explícito, as respostas positivas àqueles pontos e nos seguintes termos:
Relativamente aos factos provados n.º 6 e 7 dos factos provados (causa da quebra no fornecimento de energia elétrica em casa da A.), se é verdade que não houve nenhuma testemunha que tivesse observado diretamente o modo como o cabo aéreo de distribuição rompeu e o poste que o segurava ficou parcialmente inclinado para a via, a realidade é que a testemunha BB, eletricista da equipa de piquete que se deslocou ao local para reparar o cabo e poste caído, num depoimento extremamente preciso, seguro, circunstanciado, sereno e, por conseguinte, credível, disse que constatou um poste de eletricidade partido “no pé”, tombado na estrada, e uma rutura no cabo principal “neutro” da rede; de imediato interrompeu o fornecimento de energia e arranjou o cabo, restabelecendo a energia e no mesmo dia (ao fim da tarde) colocou um novo poste; referiu que a origem da interrupção da energia naquele dia foi precisamente a rutura do cabo aéreo principal; sobre a origem do evento disse que como o cabo neutro tinha uma rutura só podia ter sido um veículo pesado de mercadorias (camião) com atrelado alto a embater no cabo, rompendo-o, o que, por sua vez, forçou o poste e partiu-o em baixo; mais explicitou que verificou que o cabo tinha uma cor amarela na zona que quebrou, o que só podia significar que alguma coisa lhe tinha embatido, dizendo que estes cabos têm proteção, mas que é absolutamente ineficaz contra camiões altos que o podem romper, afirmando que teria sido isso o que havia ocorrido no caso.
Ora, não tendo sido verificada a existência de qualquer outra causa possível para a quebra de fornecimento de energia elétrica, é de presumir, com o grau de probabilidade suficiente, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do C. Civil, que foi um embate de uma viatura no cabo aéreo de distribuição de energia apoiado em poste de cimento sito na Rua ... que originou a descarga elétrica que, por sua vez, danificou os aparelhos elétricos em casa da A..
Assim, em primeiro lugar, a credibilidade de tal presunção é reforçada pelo depoimento autorizado da testemunha BB, eletricista da equipa de piquete que se deslocou ao local e elaborou a ficha de ocorrência de fls 31, tendo apontado o circunstancialismo referido (“poste partido por viatura, necessário substituir o mesmo”) como causa provável da quebra de energia.
Em segundo lugar, tal convicção assentou no depoimento da testemunha EE, engenheiro eletrotécnico que exerce funções de gestor operacional na Ré, que através de um depoimento, igualmente sereno, circunstanciado, fundamentado e sincero, referiu que à data do evento era o responsável pela exploração de média e baixa tensão no concelho ..., tendo explicado, com razão de ciência indiscutível, que a rede de baixa tensão do local em causa havia sido inspecionada em 2021 e não tinha sido detetada qualquer anomalia, afirmando que a estrutura, designadamente o cabo principal, estava em boas condições, à data do evento; a EMP01... tomou conhecimento do problema por um cliente ter comunicado uma interrupção de energia na localidade onde reside a A., registaram a ocorrência e comunicaram ao piquete (empresa EMP04...), confirmando esse registo nos print screens da plataforma da EMP01... de fls 29 e 30; mais referiu que a equipa piquete que se deslocou ao local reportou à EMP01... que a descarga elétrica se ficou a dever a um embate de um veículo no cabo condutor, explicando que tal causa se lhe afigura provável, uma vez que não foi detetada outra anomalia na rede nem tiveram registo de outras anomalias naquele local, o apoio do cabo não parte do nada, alguma coisa tem que lhe ter batido, o mau tempo não provoca a destruição do cabo que está a 6 metros do solo e o poste de suporte do cabo tem uma dimensão muito forte, licenciada pela Direção de geologia, que não quebra se não for por intervenção exterior à rede; conclui, com toda a certeza, que o problema foi causado por um evento estranho ao funcionamento da rede elétrica.
Em terceiro lugar, a suspeita de que teria sido um veículo pesado a danificar o posto e o cabo elétrico foi afirmada, sem exceção, por todas as testemunhas residentes no local em questão e, inclusive, pela Autora.
A autora AA, em declarações de parte, limitou-se a reproduzir aquilo que já vinha dito na petição inicial, mais detalhando que na sequência do forte barulho que ouviu ligou à sua vizinha DD a falar no sucedido, ligou também ao seu eletricista e de seguida foi ao exterior da casa e deparou-se com um poste de eletricidade tombado no chão e um outro poste onde estavam duas pessoas a trabalhar na sua reparação, pensa ela, pela vestimenta de trabalho que exibiam; mais especificou quais os eletrodomésticos que deixaram de funcionar, por último, sobre aquela que terá sido a causa da descarga elétrica, referiu que “terá sido um acidente de viação, um carro terá ido contra o poste”.
Por outro lado, a testemunha DD, há muitos anos vizinha do lado da autora, há muitos anos vizinha do lado da autora, disse recordar-se do evento em causa, pois estava em casa e ouviu um estrondo, uma coisa a rebentar na caixa do seu alarme, o que a levou a ligar ao seu eletricista FF que lhe disse que já sabia do problema e que a EMP02... estava a arranjar um poste na rua a 500 metros da sua casa; continuou dizendo que ela própria sofreu estragos no alarma, na TV e no exaustor e também reclamou à EMP01... que lhe terá respondido estar à espera de saber quem tinha batido no poste; sobre a causa que teria motivado a falha elétrica referiu que não viu nada, não sabe o que aconteceu, mas o eletricista disse-lhe que tinha sido um carro a embater no poste que estava caído.
Ademais, a testemunha GG, genro da autora que vive no ... da casa da A., fez um relato detalhado e credível dos aparelhos elétricos da A. que deixaram de funcionar no dia em causa, tanto no ... andar da habitação, onde reside a A., como no ..., onde reside a testemunha, tendo sido esta testemunha que redigiu a reclamação de fls 12 que a A. assinou e entregou na EMP01..., acrescentando que a descarga elétrica terá ocorrido na sequência de um embate automóvel que danificou o poste, embora não o tenha visto.
Em quarto lugar, conjugada a prova testemunhal vinda de referir com a análise dos registos de ocorrência de fls 29 e 30, da ficha de ocorrência de fls 31,as fotos de fls 32 e 33, a participação apresentada pela A. de fls 12, onde aquela refere “Após um acidente de automóvel que danificou um poste elétrico da EMP01... foi provocada uma descarga elétrica que danificou uma série de aparelhos”, e, bem assim, a carta enviada pelo Mandatário da A. à ré de fls 13, em que refere “Este acidente terá ocorrido por efeito do embate de uma viatura num poste elétrico e de seguida causado descargas elétricas na rede.”, documentos devidamente analisados em sede de audiência de julgamento, à luz das mais elementares leis da lógica e da física, resulta indubitável aos olhos deste Tribunal que foi um embate de um veículo pesado de mercadorias no cabo aéreo de distribuição de energia apoiado em poste de cimento sito na Rua ... que originou a descarga elétrica, nos termos descritos nos factos provados n.º6 e 7.
Assim, conjugada toda a prova produzida à luz das regras da experiência comum e da lógica, resultou suficientemente segura no Tribunal a convicção acerca da demonstração da versão apresentada pela ré.
(...)
Para dar como provados os n.ºs 9 e 10 dos factos provados, o Tribunal baseou-se no teor objetivo do registo de comunicação de avaria de fls 29, registo de incidente de fls 30, ficha de ocorrência de fls 31 e foto de fls 32.
(…)
Para dar como provados os n.ºs 26 e 27 dos factos provados, o Tribunal baseou-se no depoimento extremamente preciso, sereno, circunstanciado, fundamentado e sincero da testemunha EE, que os afirmou.”.

Vejamos.
Prima facie, importa ter presente nesta fase processual, não se discute que houve uma falha ou interrupção de fornecimento de energia e que causou danos nos equipamentos elétricos da autora.
Agora, o que discute e a matéria impugnada em apreço diz diretamente respeito ao apuramento da causa de tal falha, ou seja, se foi ou não causada por ato de terceiro, nomeadamente por um veículo pesado que danificou o cabo neutro ( linha aérea de distribuição de energia) e poste.
Diga-se, desde já, que nenhuma das testemunhas viu ou assistiu a qualquer acidente envolvendo um veículo, o poste e o cabo.
Na perspetiva da apelante, ninguém viu, nem assistiu ao acidente ocorrido, não se pode dar como certo ou como provado o que consta dos pontos 6º e 7º apenas com base no depoimento das testemunhas BB e EE, porquanto são testemunhas tendenciosas dada a relação profissional que ambas têm com a Ré e por isso prestaram um depoimento parcial e não isento quando afirmaram que apenas poderia haver uma causa para aquela falha de energia e que foi a rutura do cabo, a qual apenas poderia ter ocorrido, atentos os restantes elementos visualizados no local, como seja o poste inclinado, e local onde rompeu o cabo ( a meio e por cima da estrada), por ter ali passado um veículo pesado e alto e que embateu no cabo e puxou o dito, quebrando-o e arrastando o poste, partiu o mesmo na base.
Ora, na verdade mais não é do que uma inferência, do mesmo modo que as respostas positivas a tais pontos de facto nº6 e 7º decorrem de inferências lógico dedutivas a que o tribunal chegou a partir de outros factos provados, nomeadamente os factos provados nos pontos 9 e 10.
E estes por sua vez basearam-se no teor dos documentos juntos aos autos ( doc.s 3 a 7 juntos com a contestação) e conjugados com depoimento da testemunha BB, eletricista que na data se deslocou ao local da ocorrência por estar de piquete e em virtude da ocorrência registada nos serviços da EMP01... e, afirmou ter visto o cabo neutro com “ rutura no meio”, “ por cima da estrada” e “poste partido pelo pé”, concluindo pelo que visualizava “ certamente foi um camião com grua e pegou ao cabo”, “ mais nada pegava a não ser viatura muito alta”, “ ainda tinha tinta amarela”.
Ouvido o depoimento desta testemunha, resultou o mesmo credível e isento, coerente na sua descrição e sem qualquer hesitação. Não vislumbramos que lhe retire a credibilidade a circunstância de ser funcionário de uma empresa que na altura prestava serviços para a Ré ou que o mesmo fosse parcial por se lembrar de umas coisas e não da hora e ano da ocorrência, quando já lá vão mais de 2 anos e a testemunha, dadas as suas funções, por dia, acode dezenas de ocorrências do género.
Por outro lado, em nada retira a credibilidade do seu depoimento a relação profissional que tem com a ré, quando no depoimento da testemunha HH, eletricista da confiança da autora e chamado a sua casa para verificar a falha de energia e danos nos eletrodomésticos, é afirmado que viu naquele dia um poste no chão, “ parece que alguém bateu” e admite que possa ter sido causa da falha de energia na casa da autora tal ocorrência no exterior.
Ou seja, pelo menos foi corroborado por esta testemunha a visualização de um poste no chão, e dada a hora que se deslocou à autora ( entre as 18h e 19h), e conforme afirmado pela testemunha BB, teria sido aquando da troca de postes (foi ao fim daquele dia).
Assim sendo, o depoimento da testemunha BB, na parte respeitante ao poste ter sido danificado e à necessidade da sua substituição tem suporte nas testemunhas arroladas pela autora e da sua confiança.
Por outro lado, repare-se que a testemunha BB foi chamada ao local por estar de piquete e conforme registo da ocorrência, tratava-se de um caso de um “poste abalroado por viatura” e chegado ao local viu que o cabo por cima da estrada estava com uma rutura, e logo repôs a linha e sinalizou até a equipa trocar o poste, conforme fotos que tirou e que se encontram enumeradas como docs.6 e 7, tendo afirmado que a substituição do poste ocorreu no mesmo dia ao fim da tarde.
Também não lhe retira credibilidade a circunstância de a testemunha DD não conhecer o vizinho CC, individuo que teria avisado às 10h15m a Ré da avaria e que deu inicio à abertura do incidente ( cfr.doc. 3), porquanto não é inverosímil não se conhecer um vizinho mesmo numa aldeia, nomeadamente numa sociedade com mobilidade social como é a nossa.
Por tudo, afigura-se-nos que o seu depoimento foi credível e verosímil quando afirmou que quando chegou ao local o cabo tinha rutura no meio, e poste estava partido no pé, sendo certo que para além de ter sido corroborado pelo teor dos documentos juntos aos autos, no que se refere ao poste, ainda não foi infirmado por nenhum meio de prova. Bem pelo contrário, a testemunha HH, eletricista da autora, atestou ter visto um poste no chão, quiçá o poste já substituído.
Por tudo a matéria dos pontos 9º e 10º apenas poderia ter resposta positiva.
Já no que se refere aos ponto 6º e 7º da factualidade dada como provada, como acima adiantámos, o que está subjacente à sua prova é a inferência, ou ilação, que o tribunal a quo retirou, com o auxílio das regras da experiência a partir de determinados factos base provados, como sejam, a rutura do cabo a meio da estrada e inclinação do poste, tendo concluído que “ …não tendo sido verificada a existência de qualquer outra causa possível para a quebra de fornecimento de energia elétrica, é de presumir, com o grau de probabilidade suficiente, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do C. Civil, que foi um embate de uma viatura no cabo aéreo de distribuição de energia apoiado em poste de cimento sito na Rua ... que originou a descarga elétrica que, por sua vez, danificou os aparelhos elétricos em casa da A..”.
A apelante percebendo o raciocínio lógico dedutivo que conduziu o tribunal a quo na prova do facto em questão, vem agora e também, arguir a sua ilogicidade e ausência de probabilidade e arbitrariedade na sua formulação, insistindo no depoimento da testemunha DD quando afirmou que quando se apercebeu do estrondo nos seus equipamentos eletrónicos ligou de imediato para o seu eletricista e este afirmou que já estava a ocorrer intervenção no poste, sendo inexplicável e desprovido de lógica o facto de ter ocorrido descarga e a equipa de piquete já encontrar-se a intervir, numa questão de minutos, quando é certo que conforme depoimento de BB existem trâmites para que a equipa se desloque ao local.
Mais uma vez sem sucesso, em nosso entender, senão vejamos:
Como refere Luís Filipe Pires de Sousa ( in Prova Por Presunção no Direito Civil, ed. 2017, p. 32) o art. 349º do CC dá uma definição unitária das presunções legais e das judiciais, “ assentando num esquema inferencial segundo o qual a presunção constitui o resultado de um raciocínio lógico-cognoscitivo feito a partir de um facto conhecido ( facto probans que constitui a fonte de presunção) para um facto desconhecido ( factum probandum que deve ser provado em juízo).
A presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado ( facto base/ facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto ( facto presumido), que é o pressuposto fático de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos. Na proposta exaustiva de Ronaldo Souza Borges, presunção define-se como “ raciocínio conclusivo que resulta na prova, sempre passível de infirmação, de um facto desconhecido, tomando como base o liame, estabelecido em lei ou aferido caso a caso pelo juiz com base na ordem natural das coisas, que existe entre ele e um ou mais factos conhecidos ( devidamente provados no processo), voltada à formação do convencimento do juiz sobre as alegações das partes”.
Com inegável pertinência, afirma o mesmo autor -Luís Filipe Pires de Sousa-, ao discorrer sobre as presunções judiciais, que “o nexo lógico não é um facto, mas um juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima da experiência, tida por aplicável ao caso, segundo a qual, perante a ocorrência de um facto, gera-se uma probabilidade qualificada que se tenha produzido outro” (Direito Probatório Material, 2020, pág. 69).
Reportando à situação dos autos, considerando as circunstâncias concretas apuradas quanto ao rompimento do cabo neutro e inclinação do poste, e sem grande apelo às regras da experiência comum e normalidade de comportamentos apenas uma hipótese se perfila: um veículo alto, e apenas poderia ser um veículo pesado, teria rompido o cabo e danificado o poste a que estava ligado o cabo, pelo que resulta para nós evidenciado que o juízo inferencial presuntivo feito pelo tribunal a quo não se mostra manifestamente ilógico ou inverosímil ou sequer arbitrário, muito pelo contrário.
Por outro lado, não infirma este raciocínio o depoimento da testemunha DD, quando faz crer que foram minutos que se passaram desde que ficou sem luz até o piquete lá se deslocar, o que para si é ilógico e inexplicável, quando para além de não ter quantificado os minutos que decorreram entre a ligação telefónica que fez ao seu eletricista ( que não foi ouvido) e a falha de energia, na verdade a testemunha BB, eletricista que repôs o cabo, afirmou que, estando de piquete, recebe notificação pelo PDA e desloca-se ao local de imediato, e atentas as fotos juntas aos autos e por si tiradas consta a hora “ 10h57m” e no registo da chamada telefónica que deu azo ao registo da ocorrência consta 10h14m, pelo que não é inverosímil que tudo se tenha passado dentro daquele lapso temporal e que ainda se poderá traduzir em minutos, pelo menos desde as 10h14m até às 10h57, sendo certo que nesta última hora já estava o cabo reposto, o que inculca a conclusão de que já estava no local muito antes daquela hora.
Diga-se também que não infirma a convicção do tribunal e redação dos pontos 6 e 7º dos factos provados a circunstância de a ré ter alegado “ embate no poste” na sua contestação, quando ainda alegou no art. 22º da contestação “ ato de terceiro, que danificou o apoio e a linha aérea da rede de distribuição”, ou seja, a redação daquela factualidade dada como provada ainda assenta na alegação aduzida na contestação, a qual por sua vez, foi reproduzida conforme depoimento testemunhal.
O raciocínio exposto na decisão recorrida é claro e elucidativo a tal propósito, conforme supra transcrevemos, e merece a nossa inteira concordância.
Mutatis mutandis, dir-se-á a respeito dos pontos 26º e 27, sendo certo que a respeito o Tribunal baseou-se “no depoimento extremamente preciso, sereno, circunstanciado, fundamentado e sincero da testemunha EE, que os afirmou”. E assim foi.
A apelante insurge-se contra esta convicção apenas argumentando que não se pode presumir que naquele dia-09-05-2023- os cabos estavam em normais condições de exploração, quando a testemunha EE apenas referiu que a última revisão ocorreu em 2021.
Ora, olvida a apelante o restante depoimento da testemunha quando também refere que, segundo os regulamentos em vigor, a revisão desses cabos em concreto deverão ter lugar de 7 em 7 anos, mas que até costumam fazer-se de 3 em 3 anos, o que é suficiente para em condições normais, serem vistoriados, tendo essa durabilidade, e no caso concreto tendo sofrido revisão em 2021 e nada tendo ocorrido de anormal, presume-se com grande probabilidade que estava em condições normais de exploração, o que é verosímil nomeadamente se atendermos a que, no caso concreto, apenas rompeu o cabo por virtude de ato de terceiro.
Em conclusão, improcede a impugnação deduzida quanto aos factos 26º e 27º, que se mantêm nos seus precisos termos, como todos os restantes factos impugnados.
*
IV
Considerando que nenhuma alteração foi feita na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir, é a que consta já do ponto III.
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V. Reapreciação de direito.

Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação da A/apelante - decidindo-se pela total improcedência da ação.
Como resulta das conclusões do recurso da A/apelante, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia integralmente da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Com efeito, não suscitou a A/apelante quaisquer outras questões relacionadas com uma eventual e pretensa interpretação e aplicação erradas das regras de direito pertinentes à matéria de facto tal como a mesma foi fixada pelo tribunal a quo.
Diga-se ainda que a questão por si suscitada nas conclusões P) a R)- a evitabilidade da ocorrência caso tivesse de antemão colocado um poste mais alto-  é questão nova e que nem sequer foi alegada e discutida pelas partes, e não sendo de conhecimento oficioso, não nos cabe apreciar.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
Ora, como já se viu, considerou este tribunal da Relação ser de improceder o recurso na parte referente à decisão da matéria de facto, razão pela qual não se introduziram modificações nas respostas que foram dadas pela primeira instância aos concretos pontos de facto impugnados pela A/apelante.
Assim, considerando o disposto pelo artº 608º nº2 aplicável ex vi do nº2, do artº 663º, ambos do Código de Processo Civil, e não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de inevitavelmente improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida.
Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso da A.
*
VI. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela A/recorrente.
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Guimarães, 9 de outubro de 2025

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Paula Ribas e
Fernanda Proença Fernandes