Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
701/22.2T9BGC-A.G1
Relator: ANABELA VARIZO MARTINS
Descritores: PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
TRIBUNAL SINGULAR
SUBSTITUIÇÃO DE JUIZ
JUIZ PRESIDENTE
ACTO ADMINISTRATIVO
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado no artigo 328.º-A do Código de Processo Penal, impõe que o juiz que preside à audiência de julgamento esteja presente durante toda a produção da prova, permitindo-lhe formar, de forma directa e imediata, a sua convicção sobre os factos e, com base nessa percepção, proferir a decisão final.
II - Os desvios a este princípio, previstos no citado artigo, não têm qualquer repercussão nos julgamentos realizados perante tribunal singular.
III - Assim, tornando-se necessário proceder à substituição do juiz que preside à audiência perante tribunal singular, impõe-se a repetição da prova já produzida, por forma a salvaguardar os princípios da imediação, da oralidade e da plenitude da assistência, que são estruturantes do processo penal.
IV - A substituição dos juízes de direito encontra-se regulada na Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), cabendo aos presidentes dos tribunais de comarca o poder-dever de designar os juízes substitutos na respectiva comarca, em conformidade com orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura — cfr. artigo 94.º, n.º 3, alínea d), da LOSJ.
V - O acto decisório do presidente do tribunal de comarca que procede à designação de juiz substituto assume natureza administrativa, não sendo, por esse motivo, susceptível de impugnação através do presente recurso, porquanto este não constitui o meio processual adequado para desencadear qualquer procedimento tendente à sua alteração — cfr. artigos 98.º da LOSJ e 164.º e seguintes da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.I. No processo n.º 701/22.2T9BGC, que corre termos no Juízo Local Criminal de Bragança, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, foi proferido, no dia 4 de Abril de 2025, pelo Exm.º Juiz substituto, despacho que determinou a realização de novo julgamento, com fundamento na impossibilidade de exercício de funções, por tempo indeterminado e imprevisível, da Mm.ª Juíza titular do processo.  

I.2. Inconformado com essa decisão, o arguido recorreu, apresentando a respectiva motivação, que finalizou com as seguintes conclusões:

«1) - O douto despacho recorrido determinou a realização de novo julgamento, por novo Juiz, com fundamento na alegada impossibilidade de exercício de funções, por tempo indeterminado e imprevisível, da Mma Juiz titular do processo.
2) - O referido despacho invoca genericamente os princípios da plenitude de assistência do juiz, da oralidade e da imediação, mas carece de fundamentação concreta.
3) - O Tribunal a quo limita-se a afirmar, de forma meramente apodítica, a impossibilidade de exercício de funções da Mma Juíza titular, por tempo indeterminado e imprevisível, sem, contudo, especificar, numa exposição mínima de factos, as razões concretas da indeterminação e da imprevisibilidade e a sua expectável duração, que, em conclusão, justifiquem o juízo de que “as circunstâncias aconselhem a repetição de algum ou alguns dos atos já praticados”.
4) - A repetição dos atos processuais apenas é admissível em circunstâncias excepcionais, desde que exista despacho fundamentado que demonstre, de forma clara, a indispensabilidade da repetição de determinados atos.
5) - A repetição integral da Audiência de julgamento constitui uma excepção e exige uma justificação rigorosa, com análise do número de sessões já realizadas, do número de testemunhas inquiridas, da possibilidade de reapreciação da prova produzida, da data dos factos e da natureza do crime.
6) - No caso vertente, o despacho recorrido não contém qualquer avaliação concreta sobre o número de sessões de julgamento já realizadas, nem tão pouco faz qualquer ponderação sobre o número de declarantes e testemunhas já ouvidas em Audiência de Julgamento, nem sobre a possibilidade de repetição da prova produzida.
7) - Em concreto, no decorrer de 5 longas sessões, já prestaram declarações o Arguido e a Assistente e foram inquiridas 5 testemunhas da Acusação e do Pedido Cível, faltando apenas ouvir 6 testemunhas arroladas pela Defesa.
8) - Acresce que a Assistente reside em ..., a mais de 500 kms. de ... e em todas as 5 sessões deslocou-se, juntamente com uma das testemunhas da Acusação, a este Tribunal, o que tem implicado acentuadas despesas e grande disponibilidade de tempo.
9) - Além disso, é do conhecimento público e funcional que a Mma Juiz titular do Juízo Local Criminal de Bragança, que presidiu às sessões já realizadas, já retomou o pleno exercício de funções, em 12/04/2025.
10) - Assim, é de concluir que a repetição de todos os actos já realizados em Audiência de Julgamento, constitui no caso dos presentes autos, não apenas uma absoluta desnecessidade, como configura um gravame acentuado, irrazoável e desproporcionalmente oneroso para as partes e para as testemunhas, forçando-as a renovar as suas declarações e depoimentos, para mais num processo de índole intrínseca e intimamente familiar, com contornos vivenciais específicos e delicados, que a nenhuma das partes nem às testemunhas interessa reviver, a que acresce a natural confusão psicológica e emocional que esta situação provoca a todos os intervenientes processuais, o que nada de bom traz ao conhecimento e à descoberta da verdade e à realização da Justiça.
11) - O Tribunal a quo optou por uma solução automática, acrítica e sem sustentação jurídica válida, desconsiderando os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da economia processual.
12) - O douto despacho recorrido não cumpriu o dever de fundamentação das decisões judiciais, carecendo da indicação clara e suficiente dos motivos de facto e de direito que sustentam a decisão impugnada.
13) - Além disso, a decisão nele pugnada é irrazoável, desproporcional e intolerável, e consequentemente, ilegal, devendo, por conseguinte, ser determinada a continuação da Audiência de Julgamento presidida pela srª Juiz afecta ao Tribunal a quo, com a devida valoração da prova já produzida até ao momento, sem necessidade de repetição dos actos já realizados.
14) - Foram violados os artigos 97º, nº 5 e 328º-A, nº 2, nº 3, nº 6 e nº 7, todos do C.P.P.. »

I.3. O Mº Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, e, em consequência, pela manutenção do despacho recorrido, formulando a final as seguintes conclusões:
«1º Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, decisão diversa da proferida pelo Mm.º Juiz a quo, devendo manter-se inalterado o despacho proferido.
2º Não ocorre, quanto a nós, quaisquer violações aos princípios processuais e constitucionais que norteiam a aplicação do Direito à situação dos autos.
Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido nos sobreditos termos. ».

I.4. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

1.5. Cumprido o art.º 417º, nº 2 do C. P. Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.

1.6. Após exame preliminar, foi proferida decisão sumária em que, ao abrigo da al. a) do nº 6 do art.º 417.º e al. b) do nº 1 do art.º 420º, ambos do Código de Processo Penal, se decidiu rejeitar o recurso por manifesta improcedência.

1.7. Inconformado com a rejeição do recurso, nos termos decididos, o recorrente reclamou para a conferência requerendo unicamente que o recurso, por ele apresentado, seja apreciado e julgado procedente em conferência, reiterando o seguinte pedido:
«NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicáveis, deve ser revogada a aliás, douta decisão singular reclamada, de 23/07/2025 e deve ser proferido Acórdão por este Venerando Tribunal que admita o recurso interposto pelo Reclamante do douto despacho de 4/04/2025, e o julgue procedente, revogando este despacho e de- terminando, em consequência, a continuação da Audiência de Julgamento presidida pela Mma Juiz titular do Tribunal a quo, sem repetição dos actos já realizados»
1.8. Colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência. 

II-OBJECTO DA RECLAMAÇÃO

Da reclamação apresentada resulta que o recorrente pretende a reapreciação colegial das seguintes questões: 
a) Nulidade, por falta de fundamentação, do despacho recorrido;
b) Violação do art.º 328º-A, nº 2, 3, 6 e 7 do Código de Processo Penal.

2-A decisão sumária ora posta em crise tem o seguinte teor na parte que releva (transcrição):
«Por despacho do Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança de 26.03.2025, com concordância do Conselho Superior da Magistratura de 27.03.202 (Proc n.º 2025/DSQMJ/0965), foi determinada a redistribuição dos processos urgentes iniciados, mas não terminados, pela Meritíssima Juíza afecta a este juízo, quer por que esta se encontra impossibilitada de exercer as suas funções, por tempo indeterminado e imprevisível, quer pela natureza urgente destes autos.
Em consequência, estes autos foram redistribuídos ao signatário, com o qual concorda com tal redistribuição e necessidade de os mesmos, face ao predito, conhecer termo.
Mais se tem que face aos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da oralidade e da imediação a realização de novo julgamento - artigo 328.º-A, n.º 5,Código do Processo Penal.
Nestes termos e tendo em conta a prova a produzir, para a realização da audiência de discussão e julgamento e para os efeitos do 312.º, n.º 2, do Código do Processo Penal, neste Tribunal, designam-se os dias seguintes:
- 08.05.2025, pelas 09h30, a continuar pelas 14h00; e
- 12.05.2025, pelas 09h30, a continuar pelas 14h00
Para os efeitos do 312.º, n.º 2, do Código do Processo Penal, designa-se o dia
- 22.05.2025, pelas 09h30, a continuar pelas 14h00.
Notifique-se, cumprindo o artigo 312.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
Oportunamente:
- junte-se certificado de registo criminal (actualizado)do arguido;
- assentos de nascimento e casamento do arguido e da assistente.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Importa agora conhecer as questões objecto de recurso, que iremos analisar em conformidade com a sua precedência lógica.

3.a. Nulidade, por falta de fundamentação, do despacho recorrido
O recorrente inicia a sua motivação invocando a nulidade do despacho recorrido, por alegada violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, sustentando que o mesmo carece de indicação clara e suficiente dos motivos de facto e de direito que o sustentam.
Vejamos, antes de mais, se ocorre essa falta de fundamentação.
A fundamentação dos actos decisórios é uma exigência constitucional prevista no art.º 205º da CRP, que prevê: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art.º 97º nº 5 do C.P. Penal, que prevê que: «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»
Como escreve Germano Marques da Silva2[1]A fundamentação do despacho permite o controlo da actividade jurisdicional, por uma parte, e serve para convencer da sua correcção e justiça, por outra parte.”
Todavia, como bem se salienta no acórdão deste Tribunal da Relação Guimarães de 21-01-2013[2],“As exigências do cumprimento do dever de fundamentação e as consequências da falta ou insuficiência da fundamentação não são as mesmas para todos os actos decisórios: existe um regime geral (definido nos artigos 97.º e 118.º a 123.º do Código de Processo Penal) e regimes específicos para a sentença (artigos 374.º e 379.º), para os despachos que aplicam medidas de coação e de garantia patrimonial (artigo 194.º), para a acusação pelo Ministério Público, pelo assistente e acusação particular (artigos 283.º, n.º3, 284, n.º2 e 285.º, n.º3, respetivamente), para o despacho de pronúncia ou de não pronúncia e decisão instrutória (artigos 308.º, n.º2 e 309.º).»
Por outro lado, como é consabido vigora em processo penal em matéria de nulidades, o princípio da tipicidade ou da legalidade, desde logo afirmado no artigo 118º nº 1 do C. P. Penal, do qual resulta que a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
No caso vertente, está em causa um despacho judicial que determinou a realização de novo julgamento, com fundamento nos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da oralidade e da imediação, nos termos do artigo 328.º-A, n.º 5, do Código de Processo Penal.
Ora, não resulta do respectivo regime que a alegada falta ou deficiência de fundamentação constitua vício gerador de nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, do Código de Processo Penal ou de nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120.º do mesmo diploma. Assim, a sua eventual ocorrência deve ser enquadrada como mera irregularidade, nos termos dos artigos 118.º, n.º 2, e 123.º do Código de Processo Penal.
Neste sentido também Vinício Ribeiro [3]defende que a falta de fundamentação de despachos tem como efeito a irregularidade, se a lei não a cominar de forma diferente.
No caso em apreço, da análise do despacho recorrido resulta evidente que, ao contrário do alegado pelo recorrente, foram devidamente indicados os fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão impugnada.
Com efeito, o despacho explicita os motivos que determinaram a redistribuição dos processos urgentes iniciados, mas não concluídos pela Mm. ª Juíza titular, por esta se encontrar impossibilitada de exercer funções por período indeterminado e imprevisível, justificando, assim, a necessidade dessa redistribuição.
Por outro lado, o despacho fundamenta igualmente a marcação de novo julgamento, em estrita obediência aos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da oralidade e da imediação, nos termos do artigo 328.º-A, n.º 5, do Código de Processo Penal.
Deste modo, não se verifica a invocada falta de fundamentação do despacho recorrido, sendo este suficientemente claro quanto aos pressupostos fácticos e jurídicos que o sustentam.
Improcede, assim, este segmento do recurso.

3.b. Da violação do art.º 328º-A, nºs 2, 3, 6 e 7 do C. P. Penal.
O artigo 328.º-A do Código Processo Penal, sob a epígrafe, princípio da plenitude da assistência dos juízes, prescreve o seguinte:
«1 - Só podem intervir na sentença os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento, salvo o dispo to nos números seguintes.
2 - Se durante a discussão e julgamento por tribunal coletivo falecer ou ficar impossibilitado permanentemente um dos juízes adjuntos, não se repetem os atos já praticados, a menos que as circunstâncias aconselhem a repetição de algum ou alguns dos atos já praticados, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência, ouvido o juiz substituto.  - Sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a substituição do juiz impossibilitado, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência.
4 - O juiz substituto continua a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efetivo.
5 - O juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, exceto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo, ou se em qualquer dos casos as circunstâncias aconselharem a substituição do juiz transferido, promovido ou aposentado, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência.
6 - O disposto no n.º 2 é correspondentemente aplicável às situações previstas nos nºs 3 e 5.
7 - Para o efeito de ser proferida a decisão prevista no n.º 2 devem ser ponderados, nomeadamente, o número de sessões já realizadas, o número de testemunhas já inquiridas, a possibilidade de repetição da prova já produzida, a data da prática dos factos e a natureza dos crimes em causa.» [sublinhado nosso].
Da análise do referido preceito resulta que o seu n.º 1 consagra, como princípio geral, que apenas podem intervir na sentença os juízes que tenham assistido à totalidade dos actos de instrução e discussão realizados em audiência de julgamento. O princípio da plenitude da assistência impõe que o juiz que preside à audiência de julgamento deve estar presente durante toda a produção de prova para que possa formar, de forma directa e imediata, a sua convicção sobre os factos controvertidos e, com base nisso, proferir a decisão final.
O princípio da plenitude da assistência do juiz (ou do tribunal) é um princípio fundamental do processo penal e também do processo civil, especialmente nas fases de julgamento. Está intimamente ligado ao princípio da imediação.
Como refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], «O princípio da plenitude de assistência do juiz é um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da causa (…): para a formação da livre convicção do julgador, este terá que ser o mesmo ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa realizada na audiência
O princípio da imediação pressupõe um contacto directo e pessoal entre o julgador e os sujeitos que perante ele depõem, bem como com os restantes meios de prova produzidos em audiência, cujos depoimentos e suportes probatórios serão objecto de valoração e servirão de base à decisão sobre a matéria de facto.
É essa relação de proximidade entre o Tribunal do julgamento em 1ª Instância e os meios de prova que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes e a força probatória de outros meios de prova, a qual dá densidade prática ao princípio do livre convencimento fundamentado.
De salientar que os nºs 2. e 3 do citado art.º 328.º-A do Código Processo Penal, reportam-se aos julgamentos perante o tribunal colectivo, como ressalta, de forma irrefutável, da própria interpretação literal [veja-se, a título de exemplo, as expressões “por tribunal colectivo”, “um dos juízes adjuntos”, “… a não ser que as circunstâncias aconselhem a substituição do juiz impossibilitado, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência.”]. [5]
Ou seja, os apontados desvios ao princípio da plenitude da assistência dos juízes contemplados no próprio artigo 328.º-A do Código de Processo Penal não têm qualquer repercussão quanto aos julgamentos perante tribunal singular, como ocorre no caso concreto.
Ademais, a intervenção do Exmº Juiz substituto mostra-se legitimada pela redistribuição de processos urgentes iniciados, mas não terminados, pela Exmª Juiz afecta ao juízo, por esta se encontrar impossibilitada de exercer as suas funções, por tempo indeterminado e imprevisível, mediante despacho do Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança de 26.03.2025, com concordância do Conselho Superior da Magistratura de 27.03.2025 (Proc n.º 2025/DSQMJ/0965), proferidos no âmbito da respectiva competência de gestão previstas nos artºs 86º, 94º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e do artigo 149.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS).
O despacho e a deliberação em causa não são susceptíveis de impugnação através do presente recurso, porquanto este não constitui o meio processual adequado para desencadear qualquer procedimento tendente à sua alteração (cfr. art.º 164º e ss. da citada Lei n.º 21/85, de 30 de Julho).
Por outro lado, o Mm.º Juiz a quo (substituto) não assistiu a nenhuma produção de prova durante as sessões de audiência de julgamento já realizadas- não ouviu o arguido, a assistente e as testemunhas.
Como já salientamos, tendo por referência os já referidos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da imediação e da oralidade, a convicção de um juiz não pode advir da simples audição do registo da prova gravada, pois, como é sabido, a convicção do tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.[6]
De facto, a avaliação da validade da decisão sobre matéria de facto com base na transcrição dos depoimentos ou mesmo na gravação áudio não se equipara a ouvi-los directamente, com a presença física da fonte (testemunha ou declarante). A oralidade e a imediação conferem uma amplitude diferente à apreciação da credibilidade dos depoimentos, permitindo ao julgador observar o comportamento, as reacções da testemunha ou do declarante durante o interrogatório, assim como as tensões que o envolvem.
Como escreve Castro Mendes[7] «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores».
Assim sendo, admitir a validade da prolação de uma sentença pelo Juiz substituto, assente na mera audição do registo da prova, seria uma afronta ao princípio da oralidade e da imediação que sustentam o julgamento, fase crucial do processo penal; seria permitir a prolação de uma decisão final a quem não presenciou os actos de produção de prova, quando é incontroverso que no processo penal há sempre identidade entre o julgamento da matéria de facto e da matéria de direito e, naturalmente, o princípio da plenitude da assistência dos juízes abrange ambas as decisões.
A propósito do registo fonográfico lê-se no recente Acórdão da Relação do Porto de 22/11/2022[8] «(…) esse registo, por si só, não garante nem preenche o princípio da plena assistência do juiz em primeira instância, já que, no domínio da livre apreciação da prova, quando a ela haja lugar, a convicção do julgador deve ser formada a partir da análise de todos os elementos probatórios recolhidos ao longo do processo e, portanto, também durante a audiência final; a partir, seguramente, das declarações aí prestadas pelas próprias partes, testemunhas ou outros depoentes, mas igualmente com base em toda a linguagem não verbal pelos mesmos exteriorizada, o que só é captável na imediação com esses meios de prova
Desta forma, sob pena de violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes e da imediação e da oralidade[9], só pode decidir o juiz perante quem a prova foi produzida na totalidade, ou seja, a sentença tem de ser proferida pelo juiz que realizar o julgamento integralmente.
Não foi, pois, violado o artigo 328º-A, nº 2, 3, 6 e 7 do Código de Processo Penal e, em consequência, o despacho recorrido não merece qualquer censura.
O recurso revela-se, por conseguinte, manifestamente improcedente.

III. DECISÃO:

Pelo exposto, nos termos do disposto no art.º 417º, nº 6, al. b) e 420º nº1 al. a), ambos do Código de Processo Penal, rejeita-se o recurso por manifesta improcedência. »
*
3. APRECIAÇÃO DA RECLAMAÇÃO

No caso, o recurso foi rejeitado, por manifesta improcedência, nos termos do disposto nos art.sº 417º, nº 6, al. b) e 420º nº 1 al. a), ambos do Código de Processo Penal.
 Prescreve o art.º 417º, nº 6, al. b), do mesmo diploma legal, que:
«6. Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:
(…)
b) O recurso dever ser rejeitado;»
Por sua vez, prevê o art.º 420º, nº 1 al. a), do mesmo diploma legal, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência.
Por último, o art.º 417º, nº 8 dispõe que «Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.os 6 e 7
Como acima se assinalou, o recorrente pretende, nesta sede, apenas a reapreciação colegial das questões por si suscitadas no recurso interposto.
Na reclamação apresentada, o recorrente/reclamante não invocou qualquer elemento novo ou juridicamente relevante que acrescente à fundamentação anteriormente exposta na motivação do recurso, limitando-se a reiterar os argumentos anteriormente formulados.
Submetidas as referidas questões à conferência, procedeu-se à respetiva reponderação colegial, não se vislumbrando razões que justifiquem a alteração do sentido da decisão objecto de reclamação, a qual se dá por integralmente reproduzida, mantendo-se válidos os seus fundamentos.
Efectivamente, tendo por referência o enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial consagrado na decisão sumária objecto de reclamação, que aqui se dá por integralmente reproduzido, importa sublinhar que, sob pena de violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da imediação e da oralidade, apenas pode decidir o juiz perante quem a prova foi produzida na sua totalidade 10 ou seja, a sentença tem de ser proferida pelo juiz que realizar o julgamento integralmente.
Como de forma elucidativa escreve Germano Marques da Silva[10] «O princípio da imediação significa essencialmente que a decisão jurisdicional só pode ser proferida por quem tenha assistido à produção das provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa».
E acrescenta o mesmo professor[11] «Dos princípios da imediação e da oralidade resulta a necessidade de os juízes que participam na audiência serem os mesmos do principio ao fim e também serem eles próprios que decidem dos factos considerados provados e não provados».
Por outro lado, a intervenção do Exmº Juiz substituto mostra-se legitimada pela redistribuição de processos urgentes iniciados, mas não terminados, pela Exmª Juiz afecta ao juízo, por esta se encontrar impossibilitada de exercer as suas funções, por tempo indeterminado e imprevisível, mediante despacho do Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança de 26.03.2025, com concordância do Conselho Superior da Magistratura de 27.03.2025 (Proc. n.º 2025/DSQMJ/0965), proferidos no âmbito da respectiva competência de gestão previstas nos artºs 86º, 94º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e do artigo 149.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS).
A substituição dos juízes de direito, nas suas faltas e impedimentos, encontra-se regulada no artigo 86º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, ao estabelecer sob a epígrafe “Substituição dos juízes de direito e dos magistrados do Ministério Público”:
«1-Os juízes de direito são substituídos, nas suas faltas e impedimentos, por juiz ou juízes de direito da mesma comarca, ainda que a respetiva área de competência territorial a exceda, por determinação do respetivo juiz presidente, de acordo com as orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura.
2- Nos tribunais ou juízos com mais de um juiz as substituições ocorrem preferencialmente entre si.»
Em matéria de substituição de juízes de direito estabelece, ainda, a Lei de Organização do Sistema Judiciário ao indicar as competências do presidente do tribunal de comarca na alínea d) do n.º 3 do artigo 94º:
«3. O presidente do tribunal possui as seguintes competências funcionais:
(…)
d)Nomear um juiz substituto, em caso de impedimento do titular ou do substituto designado, de acordo com orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura
Dos preceitos legais transcritos resulta que a substituição dos juízes de direito está regulada na Lei de Organização do Sistema Judiciário, diploma que estabelece a forma e o modo de substituição dos juízes, atribuindo aos presidentes dos tribunais de comarca a competência para esse efeito, de acordo com as orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura. Assim, não restam dúvidas de que o acto decisório do presidente do tribunal de comarca que designa os juízes substitutos assume a natureza de acto administrativo.
Por esse motivo, o despacho e a deliberação em causa não são susceptíveis de impugnação através do presente recurso, porquanto este não constitui o meio processual adequado para desencadear qualquer procedimento tendente à sua alteração cfr. art.ºs 98º da LOSJ e164º e ss. da citada Lei n.º 21/85, de 30 de Julho).
Como se escreveu no Ac. do STJ de 26-10-2016[12]:
«I (..)a substituição dos juízes de direito é regulada, de forma geral e abstracta, na Lei de Organização do Sistema Judiciário, atribuindo-se aos presidentes dos tribunais de comarca o poder-dever de, na respectiva comarca e em função de orientações genéricas do CSM, designarem os juízes substitutos – art. 94º, nº 3, al. d).
II - O acto decisório do presidente do tribunal de comarca que designa os juízes substitutos assume, assim, a natureza de acto administrativo, por se tratar de decisão que decorre de imposição legal, tomada em função de comandos estabelecidos na lei e de critérios previamente estabelecidos concretamente pelo CSM, e que se dirige a um grupo de pessoas identificadas ou identificáveis, tendo em vista a definição de uma determinada e concreta situação.
III - Constituindo tal acto decisório um acto administrativo e não um regulamento, dele cabe recurso para o CSM, nos termos do art. 98º da LOSJ
Não foram, pois, violados os artigos 97º, nº 5 e 328º-A, nº 2, nº 3, nº 6 e nº 7, todos do C.P.P. e/ou quaisquer os normativos legais e princípios constitucionais invocados ou outros.
Por conseguinte, conclui-se, sem necessidade de outras considerações, pela manutenção da decisão reclamada e, consequentemente, pela improcedência do recurso.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a reclamação apresentada pelo recorrente e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.

Custa pelo recorrente/reclamante, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida.

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos desembargadores adjuntos - art.º. 94º, n.º 2, do CPP)
 
Guimarães, 30 de Setembro de 2025

Anabela Varizo Martins (relatora)
Júlio Pinto (1º adjunto)
Carlos Cunha Coutinho (2º adjunto)


[1] 2 Curso de Processo Penal, II Vol., 1993, pág.224.
[2] processo 146/11.0JABRG, relator saudoso Desembargador Cruz Bucho.
[3] In Código de Processo Penal-Notas e Comentários, 2ªed., Coimbra, 2011, pág.277 e jurisprudência ali mencionada.
[4] in Código de Processo Civil Anotado, 2ª vol., 3ª ed., Almedina, p. 694.
[5] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 31-10-2023, Processo nº 730/18.0T9GMR.G1.
[6] Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16-09.2015, in www.dgsi.pt.
[7] Direito Processual Civil – Vol. III, pág.211 (1980).
[8] Processo 81852/19.2YIPRT.P1.
[9] Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 14-10-2015, Processo n.º 697/06.8TAVRL.G1.P1, in www.dgsi.pt .
[10] Direito Processual Penal Português, pag. 104.
[11] in Curso de Processo Penal, III, pag. 232.
[12] Processo 1/15.2YFLSB, disponível em ww.dgsi.pt.