Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JÚLIO PINTO | ||
| Descritores: | MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAMENTO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
| Sumário: | 1. Por referência ao crime de violência doméstica agravado, p. e p. no artigo 152.º, n.º 1 a) e n.º 2 a), do CP, com uma pena de 2 a 5 anos de prisão, o internamento não tem a duração mínima de três anos prevista no artigo 91º, nº 2, a contrario sensu, do Código Penal. 2. Nestes casos, o limite mínimo do internamento é o limite mínimo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável, isto é, o limite mínimo da moldura penal; mas isso não significa que o fim do internamento não possa ocorrer antes desse prazo, caso o tribunal (de execução de penas) verifique que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, conforme resulta do disposto no artigo 92º, nº 1, parte final, do Código Penal. 3. Sendo o internado submetido a um tratamento, o internamento só deveria terminar, em princípio, quando a perigosidade criminal em causa tiver cessado. 4. Porém, o legislador fixou, como regra, um prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade - tenha ou não cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem -, em obediência ao princípio constitucional consignado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. 5. A duração máxima do internamento encontra-se assim prevista no número 2 do artigo 92º do Código Penal, correspondendo ao limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável, ou seja, é de cinco anos no caso em apreço. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No processo comum singular com o NUIPC 65/24.0GEBRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., em que é arguida AA, foi decidido: « VIII - DECISÃO Tendo em conta o exposto, o Tribunal decide: a) Julgar a acusação do Ministério Público provada e, em consequência julgar provada a prática pela arguida AA a materialidade de factos integradores do ilícito típico de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 al. a) do Código Penal; b) Declarar a mesma arguida inimputável perigoso em razão de anomalia psíquica, a abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal; c) Determinar a aplicação a este da medida de internamento em estabelecimento de psiquiátrico de segurança, que perdurará enquanto persistir o estado de perigosidade criminal ou até que se completem cinco anos desde o seu início; d) Condenar a arguida no pagamento das custas penais, fixam-se em 3 (três) UC’s a taxa de justiça; e) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, parcialmente procedente e, em consequência condenar a arguida AA a pagar a BB de a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por este sofrido, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da presente sentença até efectivo e integral pagamento.» * 2. Inconformada com essa decisão, a arguida interpôs recurso cujo objeto delimitou com as seguintes conclusões: (Transcrição)“(…) « CONCLUSÕES: 1. Quanto a fixação do limite máximo do internamento em 5 anos, correspondente ao tipo de crime cometido pela arguida inimputável, antes deveria o tribunal a quo ter aplicado a disposição legal constante no artigo 91.º n.º 2 do CP, in fine que prevê que o internamento tem a duração mínima de 3 anos; 2. Atendendo ao princípio da proporcionalidade e ao facto de não ter antecedentes criminais, na aplicação da medida da pena dentro do Direito, deveriam ter sido aplicados os limites mínimos e não máximos da pena, o que é manifestamente excessivo, sendo inclusive a arguida primária; 3. Nos termos do artigo 92.º n.º 2 do CP, a medida de internamento em estabelecimento psiquiátrico de segurança, deveria ser então enquanto perdure o estado de perigosidade criminal ou até que se completem 3 anos; 4. Não tendo a arguida qualquer antecedente criminal, julga-se que esta pena em 3 anos, por si só, seria suficiente para a realização plena da prevenção geral e especial, possibilitando de igual forma, uma justa e adequada aplicação do castigo, que se impõe fosse sentido pela arguida, assim como a defesa da sociedade em geral; 5. Requer seja considerada a medida aplicada como excessiva, dado a tão longa extensão da pena de internamento, uma vez que esta irá acarretar consequências e prejuízos graves á arguida, que se traduziram na incapacidade desta poder levar a cabo o exercício da sua liberdade e convívio familiar; 6. Quanto á condenação em indemnizar no montante de 500,00€, ao assistente, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, não teve aquele tribunal a quo, observância ao estipulado no 483.º do CC assim como, sendo inimputável, não pode em princípio a arguida, responder pelos danos que causou com a sua atuação, conforme decorre do art. 488.º do CC; 7. Com a condenação em indemnização, ficou preterido o art. 489.º nº 2 do CP, que refere que “A indemnização será, todavia calculada de forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos”. 8. A pensão de invalidez da arguida é de 328,00€ e somadas as despesas mensais, estas elevam a 440,00€, o que ultrapassa o valor da sua pensão, o que não foi considerado pelo Tribunal a quo; 9. Por todo o exposto, requer que seja revogado o dever por parte da arguida de efetuar pagamento do montante de € 500,00, ao assistente, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, face à sua carência económica e por forma a não privar dos alimentos necessários à sua subsistência. TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DISSO, REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, E ACORDAR-SE: - NA CONDENAÇÃO DA ARGUIDA EM MEDIDA DE INTERNAMENTO EM ESTABELECIMENTO PSIQUIÁTRICO DE SEGURANÇA, QUE PERDURARÁ ENQUANTO SUBSISTIR O ESTADO DE PERIGOSIDADE CRIMINAL OU ATÉ QUE SE COMPLETEM 3 ANOS DESDE O SEU INÍCIO; - E AINDA REVOGAR-SE O PAGAMENTO DO MONTANTE DE € 500,00, AO ASSISTENTE, A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS. ENCONTRANDO-SE ASSIM PREENCHIDOS DE FORMA SUFICIENTE, ADEQUADA E PROPORCIONAL OS REQUISITOS DA APLICAÇÃO DE UMA PENA, COM TODAS AS NECESSÁRIAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, TERMOS EM QUE ASSIM SE DECIDINDO, FARÃO V. EXAS., VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, A COSTUMADA E SÃ JUSTIÇA!» * 3. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, que rematou com as seguintes conclusões (transcrição):“(…) « III – Da resposta: Não assiste razão à recorrente. Senão vejamos. In casu, o Tribunal a quo declarou a recorrente inimputável perigosa em razão de anomalia psíquica, a abrigo do disposto no artigo 20°, n.º 1 do Código Penal, e determinou a aplicação da medida de internamento em estabelecimento psiquiátrico de segurança, a perdurar enquanto persistir o estado de perigosidade criminal ou até que se completem cinco anos desde o seu início. Com efeito, conforme fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo e que acompanhamos: “No caso presente atentos os factos provados, que resultaram também da prova pericial efectuada, conclui-se estarem preenchidos os requisitos para aplicação da medida de segurança de internamento: a arguida praticou factos ilícitos típicos graves, sendo que, face à estádio da sua doença e características desta o juízo de prognose a fazer leva-nos a concluir pela existência de um fundado receio da prática de futuros ilícitos típicos, sendo que, além do mais o internamento é a que se afigura proporcional face à situação em apreço. No caso presente uma vez que não estamos perante uma situação integrável no nº 2 do artigo 91.º do Código Penal não haverá que determinar a fixação de qualquer limite mínimo ao internamento, sendo todavia necessário, face ao princípio da proporcionalidade acima explanado e ainda ao preceituado no artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa a fixação de um limite máximo, já que, não são admissíveis penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpetuo ou de duração ilimitada ou indefinida. Este limite máximo não pode exceder, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 2 do Código Penal o limite máximo correspondente ao tipo de crime cometido pela inimputável, no caso, um crime de violência doméstica, ou seja, cinco anos. (…)” Assim, no que respeita ao alegado pela recorrente quanto refere que “deveria o tribunal a quo ter aplicada a disposição legal constante no artigo 91.º, n.º 2, do CP, in fine, que prevê que o internamento tem a duração mínima de 3 anos”, entendemos que não lhe assiste razão, uma vez que não estamos perante uma situação integrável no nº 2 do artigo 91.º do Código Penal, uma vez que o crime em apreço não é punível com pena de prisão superior a 5 anos. Mais, tendo em conta que a recorrente praticou factos ilícitos típicos graves e atendendo ao estádio da sua doença e características desta e à necessidade de uma protecção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade da recorrente, entendemos que o limite máximo de 5 anos é adequado à situação em apreço, respeitando, ainda, o limite máximo previsto no artigo 92.º, n.º 2, do Código Penal. Acresce que a medida de internamento em estabelecimento apenas perdurará, nesse período de 5 anos, enquanto persistir o estado de perigosidade criminal, pelo que, ao contrário do alegado pela recorrente, o limite máximo aplicado não acarreta “consequências e prejuízos graves à arguida”. Face ao exposto, não assiste razão à recorrente. Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos. Assim, fazendo V.Excias inteira JUSTIÇA. 4. Neste Tribunal a Digniss.ª Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, no qual acompanha o recurso interposto pelo Ministério Público, e culmina pugnando pela sua improcedência. * 5. Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.* Efetuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.* II – FundamentaçãoDelimitação do Objeto do Recurso Como é pacífico (Cfr. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior. Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pela recorrente, as únicas questões suscitadas no recurso prendem-se com: - A medida de segurança aplicada; - O valor da indemnização fixado. * DecidindoSão os seguintes os factos considerados provados e não provados, bem como a motivação de direito relativa à medida de segurança da decisão impugnada e ao pedido de indemnização civil formulado. (Transcrição) (…) «III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A. Factos provados Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. O assistente BB, nascido em ../../1965, e a arguida AA, nascida em ../../1964, casaram no dia ../../1986, tendo estabelecido residência comum na Rua ..., ..., ..., ..., em .... 2. Do casamento nasceu, em ../../1987, CC, a qual padece de défice cognitivo e reside na habitação dos seus progenitores. 3. O referido casamento foi dissolvido por divórcio no dia ../../2018. 4. Não obstante o divórcio, o assistente e a arguida mantêm coabitação, fazendo vida em separado. 5. Após o divórcio, em datas não concretamente apuradas, no interior da habitação comum, por inúmeras ocasiões, a arguida dirigiu-se ao assistente e disse-lhe: “malandro”, “vai trabalhar”, “andas a roubar o Estado”, “vai te embora”, “podes morrer”, “filho da puta”, “vai para casa da tua amante”, “dou-te com o pau”, “espeto-te uma faca no bucho”. 6. Em data não concretamente apurada do ano de 2024, a arguida desferiu dois golpes com um pau de madeira, similar a um cabo de vassoura, nas cabeça da vítima, provocando-lhe dores. 7. Em data não concretamente apurada no ano de 2024, no interior da habitação comum, a arguida disse ao assistente que lhe iria arremessar um prato em direcção à cabeça ao mesmo tempo que segurava tal objecto e perseguia a vítima pelo interior da habitação, obrigando a vítima a fechar-se no interior da casa de banho. 8. Com as condutas supra descritas, a arguida causou a BB sofrimento psíquico e físico, constrangimentos e vergonha, fazendo com que o mesmo vivesse num constante estado de mal-estar, de ansiedade e de tristeza, receando pelas atitudes que a arguida pudesse tomar em relação a si, nomeadamente, que atentasse contra o seu corpo e vida. 9. Ao actuar pelo modo descrito, teve a arguida o propósito conseguido e reiterado de, no interior da habitação comum, lesar a saúde da vítima, humilhá-la e condicionar a sua liberdade, actuando sempre de modo a atingir a sua dignidade, pese embora não ignorasse que devia à vítima dos seus actos, na qualidade de ex-cônjuge, respeito e consideração. Mais se provou que: 10. A arguida não tem antecedentes criminais. 11. Apresenta um atraso mental que a incapacitou de realizar uma aprendizagem escolar, social e profissional. 12. Quando actuou a arguida, embora tivesse querido praticar tais factos, devido à anomalia psíquica de que padece, estava incapaz de avaliar e consciencializar de que os mesmos eram proibidos e punidos por lei. 13. Em consequência da anomalia psíquica de que padece existe fundado receio que a arguida volte a praticar factos da mesma espécie, o que poderá ser minorado com manutenção de tratamento psiquiátrico. 14. A dinâmica conjugal do casal foi descrita como disfuncional ao longo de todo período de relacionamento, dada a ocorrência de comportamentos desajustados e conflituosos de ambas as partes, com padrões de interação desadequados, recíprocos, que comprometeram a estabilidade da relação. 15. A habitação onde reside o agregado é própria, sem encargos bancários, mas encontra-se significativamente degradada e no limiar da salubridade. A arguida e a filha partilham uma cama na sala de jantar e o assistente pernoita no único quarto da habitação. 16. O padrão de comunicação observado entre mãe/filha caracteriza-se também como disfuncional, marcado por dificuldades na expressão e recepção de ideias, na expressão de sentimentos e necessidades de forma clara e respeitosa. Predominam interacções de natureza conflituosa, com recorrência de mal-entendidos, interrupções, tons acusatórios e/ou ausência de estratégias eficazes de resolução de divergências, contribuindo para o agravamento das tensões na relação, promovendo um ambiente familiar tenso e instável. 17. A arguida é oriunda de um agregado de 6 elementos, constituído pelos progenitores e 4 filhos. Não foram referenciados neste contexto familiar quaisquer situações de violência conjugal ou maus tratos. 18. A arguida é a única descendente com problemas de saúde mental. Conserva boa relação com todos os irmãos, contudo apresenta maior proximidade à irmã DD da qual beneficia de alguma rectaguarda e apoio, ainda que dificultada pela frágil saúde da mesma. 19. Habilitou-se com o 4º ano do ensino básico, tendo sido sinalizado pela irmã um percurso pautado por muitas dificuldades (na aprendizagem, desenvolvimentais e comportamentais), colmatadas pelo apoio dos professores que foram manifestando alguma comiseração e tolerância para com a mesma. 20. A nível profissional a arguida apresenta um percurso pouco significativo, tendo exercido actividade laboral durante poucos anos e em áreas distintas (confecção, limpezas e cultivo de terras). O seu último enquadramento laboral ocorreu há mais de 20 anos, tendo sido dispensada por já nessa altura manifestar alterações comportamentais que comprometiam o seu desempenho e as suas interacções sociais e profissionais. 21. Inactiva desde então, beneficia de uma pensão de invalidez (328€), que em conjunto com a prestação social de inclusão da filha (880€) contribuem para assegurar a subsistência de ambas e fazer face aos encargos mensais, nomeadamente com a água, eletricidade, gás e serviços de televisão e internet (160€) e despesas com medicação para ambas (250€/mês). Ainda, por serem utentes do Centro Social Paroquial de ... e beneficiarem do serviço de apoio domiciliário (refeições, alguns serviços de higiene e apoio psicossocial), têm uma despesa acrescida de 310€ mensais. 22. As dinâmicas diárias encontram-se predominantemente centradas no contexto doméstico, com limitações na diversificação de experiências ou no envolvimento em actividades externas que favoreçam o desenvolvimento pessoal, social ou profissional. 23. Entre maio e novembro a arguida e a filha integraram o centro de dia do Centro Social e Paroquial de ..., no entanto as alterações comportamentais da arguida com a adopção de uma abordagem hostil para com a filha e para com outros utentes do Centro Social, comprometeram a qualidade das relações interpessoais e dificultou a criação de um ambiente comunicativo saudável e respeitoso, pelo que foram expulsas desta resposta social. 24. A arguida apresenta também comportamentos marcadamente conflituosos nas interacções com os membros da sua comunidade de residência. Contudo, tais comportamentos têm sido tolerados pelos demais, que aparentam adoptar uma postura compreensiva, atribuída em grande parte ao reconhecimento das limitações cognitivas decorrentes do seu estado de saúde mental. 25. Apresentou no passado problemas relacionados com abuso de álcool, tendo realizado tratamento adequado e cessado estes consumos. 26. Revela necessidade do apoio de terceiros para as actividades instrumentais da vida diárias e supervisão nos cuidados básicos da vida diária. 27. Encontra-se medicada com antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos. O cumprimento do regime medicamentoso pela arguida requer supervisão e orientação contínuas, uma vez que não demonstra capacidade plena para a gestão autónoma desta responsabilidade. Este apoio é actualmente assegurado pela filha, que, apesar das suas próprias limitações, consegue prestar assistência suficiente para garantir a adesão ao tratamento prescrito. * B. Factos não provadosNão se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. Designadamente não se provou que: a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 5., a arguida se tenha dirigido ao assistente dizendo “não fazes aqui falta nenhuma”, “já devias ter morrido”, “a casa é minha”, “tu aqui não tens nada”. b) Aquando do mencionado em 6. a arguida tenha atingido o assistente nas costas. (…)” *-* IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOA arguida vem acusado da prática de um crime de violência doméstica. Dispõe o artigo 152.º do Código Penal que: “1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2. No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.” A protecção conferida ao cônjuge ou equiparado radica na tutela e protecção da saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser ofendido por toda a multiplicidade de comportamentos que afectam a dignidade pessoal do cônjuge – cfr., neste sentido, Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, pág. 332, a propósito do crime de maus tratos na lei antiga; no mesmo sentido, já no domínio da lei nova, vide Plácido Conde Fernandes, Violência Doméstica, Novo quadro penal e processual penal, Revista do CEJ, n.º 8, 1.º semestre, pág. 305. A dimensão de garantia, que é corolário da dignidade da pessoa humana, fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para o preenchimento do tipo legal. “O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus-tratos.” – cfr. Plácido Conde Fernandes, idem, pág. 305. A tutela do bem jurídico é projectada numa relação de afectividade ou coabitação, que pode materializar-se em casamento, relação análoga ou namoro, com ou sem coabitação, ou em mera coabitação quando a vítima seja pessoa particularmente indefesa. Sempre pressupondo um nexo relacional, presente ou pretérito, de vida em comum, numa acepção ampla do termo, sendo em certos casos para tutela do seu património afectivo comum. Por conseguinte, o crime de violência doméstica é um crime específico, na medida em que exige a verificação de determinadas qualidades pessoais do agente. Relativamente à factualidade típica do crime de violência doméstica, à semelhança da anterior redacção do crime de maus-tratos, continua a exigir-se que sejam infligidos a outra pessoa maus-tratos físicos ou psíquicos. Trata-se de um crime de execução não vinculada, podendo os maus-tratos físicos ou psíquicos consistir nas mais variadas acções ou omissões. Atente-se que, no que concerne ao anterior crime de maus-tratos, foi adicionada uma referência à comissão alternativa de modo reiterado ou não, quando do anteprojecto e da proposta de lei constava, ao invés, a alternativa de modo intenso ou reiterado. A alteração original visava, de acordo com a exposição de motivos do anteprojecto, pôr cobro ao dissídio doutrinal e jurisprudencial, sobre a exigência ou não da reiteração como elemento objectivo típico de verificação obrigatória. Seguindo a corrente jurisprudencial maioritária e mais recente dos nossos tribunais superiores, à realização do crime de maus tratos (lei antiga) não bastava, por regra, uma acção isolada do agente, sendo necessária uma acção plúrima e reiterada, com uma proximidade temporal entre os vários actos ofensivos, embora não se exigisse uma situação de habitualidade. Ainda sobre o crime de maus-tratos, escrevia Taipa de Carvalho (ob.cit.) que “segundo a ratio da autonomização deste crime, [o mesmo pressupunha] uma reiteração das respectivas condutas. Um tempo longo entre dois ou mais referidos actos afastará o elemento reiteração ou habitualidade pressuposto, implicitamente, por este tipo de crime”. Todavia, a regra era excepcionada pela verificação de uma única acção agressiva se ela fosse suficientemente grave para afectar de forma marcante a saúde física, emocional ou psíquica da vítima. Em suma, para a realização do crime era necessário, pois, que o agente reiterasse o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo, admitindo-se, porém, que um singular comportamento bastaria para integrar o crime quando assumisse uma dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal do cônjuge ou equiparado – neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 6 de Abril de 2006, Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, Tomo II, págs. 166 e segs.; acórdãos do Tribunal da Relação do Porto datado de 29 de Setembro de 2004, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIX, tomo IV, pág. 210 e segs.; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 13 de Janeiro de 2004 (processo n.º 7506/2003-5) e do Tribunal da Relação de Coimbra datados de 13 de Junho de 2007 (processo n.º 426/05.3GAMMV.C1) e de 26 de Junho de 2007 (processo n.º 256/05.2GCAVR.C1), estes publicados, em texto integral, no sítio da internet www.dgsi.pt. Conforme resulta do aresto do Tribunal da Relação do Porto datado de 3 de Julho de 2002, e disponível em www.dgsi.pt “a respectiva incriminação, decorrente da lei penal, de condutas agressivas, mesmo que praticadas por uma só vez, sempre ocorrerá quando a gravidade intrínseca das mesmas se assumir como suficiente para poder ser enquadrada na figura dos maus tratos físicos ou psicológicos, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afectação da sua saúde”. Do mesmo modo, lê-se em acórdão do mesmo Tribunal, datado de 30 de Maio de 2000, in www.dgsi.pt: “discutida a questão sobre se o crime de maus tratos a cônjuge pressupõe implicitamente a reiteração dos respectivos actos ou condutas, entende-se que a respectiva incriminação, decorrente da lei penal, de condutas agressivas, mesmo que praticadas uma só vez, sempre ocorrerá quando a gravidade intrínseca das mesmas se assumir como suficiente para poder ser enquadrada na figura dos maus tratos físicos ou psíquicos, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afectação da sua saúde”. No que concerne à reiteração, colhemos na abundante doutrina e jurisprudência espanholas, facilmente transponíveis para o nosso ordenamento jurídico-penal neste aspecto, elementos para estabelecer um critério seguro de interpretação. Este há-de assentar num conceito fáctico e criminológico de reiteração por parte do sujeito activo, que dê lugar a um estado de agressão permanente, sem que as agressões tenham que ser constantes, embora com uma proximidade temporal relativa entre si. É o estado de agressão permanente que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou de poder, proporcionada pelo âmbito familiar ou quase-familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante. Ora, pese embora a supressão da distinção entre maus-tratos reiterados e intensos operada em processo legislativo, entende-se que um único acto ofensivo – sem reiteração – para poder ser considerado maus-tratos e, assim, preencher o tipo objectivo, continua, na redacção vigente, a reclamar uma intensidade do desvalor, da acção e do resultado, que seja apta e bastante a molestar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde física, psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana. No caso, resultou provado que o assistente BB, nascido em ../../1965, e a arguida AA, nascida em ../../1964, casaram no dia ../../1986, tendo estabelecido residência comum na Rua ..., ..., ..., ..., em .... Do casamento nasceu, em ../../1987, CC, a qual padece de défice cognitivo e reside na habitação dos seus progenitores. O referido casamento foi dissolvido por divórcio no dia ../../2018. Não obstante o divórcio, BB e a arguida AA mantêm coabitação, fazendo vida em separado. Após o divórcio, em datas não concretamente apuradas, no interior da habitação comum, por inúmeras ocasiões, a arguida dirigiu-se a BB e disse-lhe: “malandro”, “vai trabalhar”, “andas a roubar o Estado”, “vai te embora”, “podes morrer”, “filho da puta”, “vai para casa da tua amante”, “dou-te com o pau”, “espeto-te uma faca no bucho”. Em data não concretamente apurada do ano de 2024, a arguida desferiu dois golpes com um pau de madeira, similar a um cabo de vassoura, nas cabeça da vítima, provocando-lhe dores. Em data não concretamente apurada no ano de 2024, no interior da habitação comum, a arguida disse a BB que lhe iria arremessar um prato em direcção à cabeça ao mesmo tempo que segurava tal objecto e perseguia a vítima pelo interior da habitação, obrigando a vítima a fechar-se no interior da casa de banho. Mais se provou que com as condutas supra descritas, a arguida causou a BB sofrimento psíquico e físico, constrangimentos e vergonha, fazendo com que o mesmo vivesse num constante estado de mal-estar, de ansiedade e de tristeza, receando pelas atitudes que a arguida pudesse tomar em relação a si, nomeadamente, que atentasse contra o seu corpo e vida. Ao actuar pelo modo descrito, teve a arguida o propósito conseguido e reiterado de, no interior da habitação comum, lesar a saúde da vítima, humilhá-la e condicionar a sua liberdade, actuando sempre de modo a atingir a sua dignidade, pese embora não ignorasse que devia à vítima dos seus actos, na qualidade de ex-cônjuge, respeito e consideração. Aqui chegados e considerando todo o exposto, temos como certo a globalidade das condutas levadas a cabo pela arguida e supra expostas nos permitem concluir por uma intensidade do desvalor da acção e do resultado, apta e bastante a molestar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde física, psíquica e emocional do assistente o que se mostra de todo incompatível com a dignidade da pessoa humana, colocando a vítima sem defesa e numa situação humanamente degradante. Sem prejuízo do que melhor infra se explanará, concluímos, face ao exposto, que se encontram preenchidos todos os elementos objectivos do tipo de ilícito acima descrito. No mais, considerando que todas as condutas foram levadas a cabo no interior da residência comum do ex-casal, facilmente se conclui pelo preenchimento do ínsito na al. a) do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal. *-* V- DAS CONSEQUÊNCIAS JURIDICAS DOS FACTOS(…)” Dispõe o artigo 91.º, do Código Penal “quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie”. A declaração de inimputabilidade exclui a culpa do agente e, portanto, a possibilidade de se lhe aplicar uma pena. Mas pode suceder que o agente de um crime, declarado inimputável, revele um grau de perigosidade tal que a sociedade tenha de defender-se prevenindo o risco da prática futura de factos criminosos (veja-se preâmbulo da proposta de lei n.º 221/I e Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 3a Ed., Coimbra, 1986, pág. 183). Porém, a ideia da utilidade e da necessidade não pode justificar sempre a defesa da sociedade, nem autorizar a utilização de quaisquer espécies de medidas. Não se pode compreender uma segregação ilimitada de um inimitável só porque ele revela o perigo, de no futuro, vir a praticar crimes de pequena gravidade. Aqui importa ter presente que o inimputável continua a ser um homem em particular estado de necessidade a que importa auxiliar sendo, muitas das vezes, a melhor forma de defender a sociedade é precisamente com o tratamento e a cura, até onde for possível, desses delinquentes. Feita esta breve exposição prévia apuremos então dos requisitos necessários à aplicação da medida propugnada e ponderemos da sua verificação no caso dos autos. Só o inimputável que cometeu um facto descrito num tipo legal de crime pode ser sujeito a internamento. Isto é, a medida de segurança é post delitual. Na verdade, “somente a prática de uma acção criminosa evidencia a efectiva capacidade de delinquência, sem a qual o juízo de periculosidade arrisca-se a não ser mais que precária hipótese ou simples conjectura” (Nelson Hungria citado por Leal Henriques e Simas Santos, O Código Penal de 1982, Lisboa, 1986, Lisboa, 1986, vol. 1°, pág. 463). No que toca a este requisito dúvidas não restam que a arguida praticou factos descritos do tipo legal do crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 al. a) do Código Penal. Contudo, não basta qualquer facto típico criminalmente previsto para desencadear a aplicação da medida de internamento. Apenas os factos que revestem certa gravidade têm essa potencialidade. Tal resulta da parte final do n.º 1 do citado artigo 91º que impõe que se atenda à “gravidade do facto praticado”. É neste particular âmbito que surge o princípio da proporcionalidade das medidas de segurança abrangendo este duas vertentes, ou seja, a de que as medidas de segurança não devem ser aplicadas quando outras menos onerosas constituam uma protecção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente e a da proibição do excesso, no sentido de que a medida deve ser a estritamente necessária à situação em apreço. Por fim é necessário ainda a formulação de um juízo de prognose desfavorável, ou seja, o fundado receio de que a arguida venha a praticar outros factos ilícitos típicos graves, e que esse juízo surja como consequência da anomalia psíquica de que padece. No caso presente atentos os factos provados, que resultaram também da prova pericial efectuada, conclui-se estarem preenchidos os requisitos para aplicação da medida de segurança de internamento: a arguida praticou factos ilícitos típicos graves, sendo que, face à estádio da sua doença e características desta o juízo de prognose a fazer leva-nos a concluir pela existência de um fundado receio da prática de futuros ilícitos típicos, sendo que, além do mais o internamento é a que se afigura proporcional face à situação em apreço. No caso presente uma vez que não estamos perante uma situação integrável no nº 2 do artigo 91.º do Código Penal não haverá que determinar a fixação de qualquer limite mínimo ao internamento, sendo todavia necessário, face ao princípio da proporcionalidade acima explanado e ainda ao preceituado no artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa a fixação de um limite máximo, já que, não são admissíveis penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpetuo ou de duração ilimitada ou indefinida. Este limite máximo não pode exceder, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 2 do Código Penal o limite máximo correspondente ao tipo de crime cometido pela inimputável, no caso, um crime de violência doméstica, ou seja, cinco anos. *-* VI – DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVILDe acordo com o artigo 483.º n.º 1 do Código Civil (CC), «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». É este o princípio geral no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, que estabelece como pressupostos da obrigação de indemnização, o facto voluntário, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (entre outros, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 525 ss). Como decorre do já decidido, o arguido foi declarado inimputável, nos termos do artigo 20°, n° 1 do Código Penal. Tal circunstância, também, no que respeita à responsabilidade civil, determina a aplicação de um regime especial. Com efeito, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.04.2016, proferido no âmbito do processo n.º 152/14.2 GAMMV.C1, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt “Nos termos do art. 483.°, n.º 1, do CC, só é obrigado a indemnizar pelos danos causados aquele que agir com dolo ou mera culpa.(...) sendo inimputável, não pode em princípio responder pelos danos que causou com a sua actuação, conforme decorre do art. 488.°, do CC. Porém, uma vez reunidos todos os pressupostos de ordem objectiva da responsabilidade civil - facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano - sendo a demandada inimputável, o tribunal, por motivos de equidade, pode condená-la a reparar, total ou parcialmente os danos, uma vez verificados os requisitos exigidos do art. 489.° do CC. “. Ora, dispõe o artigo 489.° do Código Civil, o seguinte: “1. Se o acto causador do dano tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivos de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância. 2. A indemnização será, todavia calculada de forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos”. Verificamos, assim, desde logo que a lei admite a possibilidade de a pessoa inimputável ser condenada a indemnizar, total ou parcialmente, desde que não seja possível obter a reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância, quando razões de equidade assim o imponham. O inimputável pode ser responsabilizado pelos danos que causar, quando os factos objectivos sejam integradores de um tipo de ilícito, justificando a sua responsabilidade como medida de protecção do lesado e não na culpa do agente (vide, neste sentido, entre outros acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.09.2008, Proc. 512/04.7TAACB.Cl, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt). As razões de equidade residem na justificação de haver necessidade de proteger a vítima ou lesado dos danos sofridos, desde que tal não represente um sacrifício insuportável para o inimputável. No caso em apreço, pela matéria fáctica provada, não existem dúvidas de que estamos perante um facto ilícito praticado pela arguida, em condições de ser considerado reprovável - se nas mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável - sendo inquestionável o nexo de causalidade adequado entre o facto e os danos causados na vítima. Temos também por líquido que razões de protecção da vítima – especialmente vulnerável e que goza de tutela especial -, pela gravidade dos factos cometidos e pelas consequências danosas que provocaram na mesma, sem que seja afectada a subsistência do inimputável, impõe o arbitramento de uma quantia a ser suportada pela arguida. Ante a exigência inserta no artigo 489°, n.º 2 do Código Civil afigura-se-nos que resulta da factualidade provada as possibilidades económicas de a arguida para o pagamento de um valor a título de reparação, uma vez que o mesmo aufere uma pensão de invalidez e não apresenta despesas mensais de relevo. Pelo exposto, decide-se fixar em € 500,00 (quinhentos euros) o valor da compensação a atribuir ao assistente pelos danos não patrimoniais causados pela conduta da arguida. Sobre o montante determinado a título de compensação deve a demandada pagar juros à taxa legal a contar da notificação da presente decisão, uma vez que não se trata de uma dívida de valor. *-* VII – CUSTASA arguida é responsável pelo pagamento da taxa de justiça, nos termos dos artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1, todos do Código Processo Penal, artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e da tabela III anexa, a qual se fixa em 3 (três) UC´s. Relativamente às custas do pedido de indemnização civil, as mesmas serão suportadas pelo demandante e pela demandada na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que beneficia o demandante ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1 al. z) do Regulamento das Custas Processuais. *-* VIII - DECISÃOTendo em conta o exposto, o Tribunal decide: a) Julgar a acusação do Ministério Público provada e, em consequência julgar provada a prática pela arguida AA a materialidade de factos integradores do ilícito típico de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 al. a) do Código Penal; b) Declarar a mesma arguida inimputável perigoso em razão de anomalia psíquica, a abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal; c) Determinar a aplicação a este da medida de internamento em estabelecimento de psiquiátrico de segurança, que perdurará enquanto persistir o estado de perigosidade criminal ou até que se completem cinco anos desde o seu início; d) Condenar a arguida no pagamento das custas penais, fixam-se em 3 (três) UC’s a taxa de justiça; e) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, parcialmente procedente e, em consequência condenar a arguida AA a pagar a BB de a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por este sofrido, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da presente sentença até efectivo e integral pagamento; f) Quanto ao pedido cível, custas na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que beneficia o demandante ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1 al. z) do Regulamento das Custas Processuais. Fixo ao enxerto cível o valor de € 3.000,00 (três mil euros).» (…)” * III – Apreciando o Recurso.Da Medida de Segurança O recurso interposto pela recorrente tem como escopo o reexame da matéria de direito. Sem vir questionada a solução jurídica encontrada no tribunal recorrido relativamente à imputabilidade da arguida para a prática dos factos que foram apurados, à integração criminal destes, à declaração como inimputável perigoso e à sanção que lhe foi aplicada pela prática do ilícito penal que lhe foi imputado, medida de segurança de internamento, a insurgência da recorrente reporta-se à duração dessa medida fixada na sentença sob escrutínio, que considera excessiva, e à condenação no pagamento ao demandante de uma indemnização civil, e respetivo valor, que entende não ser devida e o valor fixado muito elevado, como resulta das conclusões de recurso a que estamos circunscritos. E aqui chegados, sufragando o entendimento manifestado pela Srª Procuradora Geral Adjunta no parecer que emitiu, vamos aqui transcrever, com a devida vénia, parte do mesmo, que tem toda a pertinência no caso concreto, perante a motivação e conclusões vertidas no recurso em apreciação: “(…) Porém, versando matéria de direito (o que é o caso, quando se alega uma excessividade da medida de segurança aplicada), deve incluir nas conclusões da motivação de recurso: - As normas jurídicas violadas; - O sentido em que, no entendimento da recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e - Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento da recorrente, deve ser aplicada. Tais exigências legais resultam do disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, assim se compreendendo a necessidade de a recorrente estar representada em juízo por profissional do foro, porque a justiça é alcançada mediante operações processuais com uma componente técnica necessária ao rigor que a administração da justiça impõe. Neste caso, segundo nos parece, foram negligenciadas as citadas exigências técnicas subjacentes à formulação de um recurso ordinário em processo penal. Não se pode revogar uma sentença com base em manifestações de discordância subjetiva como a expressão da opinião valorativa desfavorável a respeito de uma medida de segurança aplicada. A mesma tem de ser objetivada mediante a indicação dos erros – por exemplo, quanto à alegada excessividade da medida de segurança, indicando a(s) norma(s) jurídica(s) supostamente violada(s), o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela(s) devia(m) ter sido interpretada(s), ou, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento da recorrente, deveria ter sido aplicada. A recorrente não procedeu ao menor esforço de subsunção jurídica dos factos provados, de modo a formular uma tese jurídica que se oponha à decisão fundamentada vertida na sentença – cujos fundamentos também são completamente ignorados em toda a motivação do recurso. Pelo exposto, a recorrente não concretiza de forma processualmente admissível as razões da sua discordância em relação à fundamentação jurídica da sentença recorrida.» Não obstante esta irregularidade recursiva, o que poderia levar à rejeição do recurso, vamo-nos debruçar sobre as questões aventadas no mesmo. Vejamos a primeira questão. Duração da medida de segurança Tendo ficado decidido que os factos praticados pela arguida eram suscetíveis de integrar a prática do ilícito de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 al. a) do Código Penal, a sentença recorrida declarou a mesma arguida inimputável perigoso em razão de anomalia psíquica, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal, e determinou a aplicação a esta da medida de internamento em estabelecimento de psiquiátrico de segurança, que perdurará enquanto persistir o estado de perigosidade criminal ou até que se completem cinco anos desde o seu início. Como consabido, para os casos em que o agente praticou um facto ilícito mas é incapaz de culpa, a lei não deixa de sancionar a sua conduta. Essa sanção não será uma pena, mas sim uma medida de segurança, que tem como pressuposto a perigosidade do agente. Quanto às medidas de segurança, ao internamento de inimputáveis, prescreve o artigo 91.º, do CP: Pressupostos e duração mínima 1 - Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie. 2 - Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Por sua vez, dispõe o artigo 92.º, diploma legal, no que concerne à “Cessação e prorrogação do internamento”: 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, o internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem. 2 - O internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável. Segundo o disposto no art.º 40.º n.º 3 do Código Penal “a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”. Há, pois, que atender à gravidade do ilícito típico cometido e do que se espera que o arguido venha a cometer, bem como o grau de probabilidade de cometimento de novos crimes. Este princípio da proporcionalidade (em sentido amplo) cumpre nesta matéria uma função protetora similar à desempenhada pelo princípio da culpa em matéria de penas (art.º 40.º n.º 2 do mesmo Código). Efetivamente, tal como as penas, a medida de segurança de internamento está sujeita ao princípio da proporcionalidade presente nos artigos 40º, nº3, 91º e 92.º do Código Penal e nos artigos 18º, nº 2 e 30º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, revelando o seu regime jurídico certas particularidades emergentes da sua razão de ser. Integrando a conduta do arguido os elementos objetivos de um crime contra as pessoas (crime de violência doméstica agravado) mas punível, somente, com uma pena de 2 a 5 anos de prisão – sendo, portanto, não superior a cinco anos -, o internamento não tem a duração mínima de três anos prevista no artigo 91º, nº 2, a contrario sensu, do Código Penal. Não estando em causa a prática de crime contra as pessoas ou de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, tem-se entendido que o limite mínimo do internamento é o limite mínimo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável, isto é, o limite mínimo da moldura penal (Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, págs. 286 e 28913] o que, no caso vertente, significa dois anos (ex vi do artigo 152.º, n.ºs 1 e 2 alíneas a), do Cód. Penal). De qualquer forma, isso não significa que o fim do internamento não possa ocorrer antes desse prazo, caso o tribunal (de execução de penas) verifique que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, conforme resulta do disposto no artigo 92º, nº 1, parte final, do Código Penal. Quanto ao limite máximo do internamento: sendo o internado submetido a um tratamento, este só deveria terminar, em princípio, quando a perigosidade criminal em causa tiver cessado. Porém, o legislador fixou, como regra, um prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade - tenha ou não cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem -, em obediência ao princípio constitucional consignado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. A duração máxima do internamento encontra-se assim prevista no número 2 do artigo 92º do Código Penal, correspondendo ao limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável, ou seja, é de cinco anos no caso em apreço (ex vi do artigo 152.º, n.º 1 a) e n.º 2 a), do Cód. Penal). Pelo exposto, entre o limite mínimo de dois anos e o máximo de cinco anos, o internamento poderá sempre findar quando o tribunal de execução de penas verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, sendo essa apreciação obrigatória decorrido um ano sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido, se entretanto não for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento – artigo 93.º, números 1, 2 e 3, do Código Penal. Por esse motivo, tal como sustentado por Figueiredo Dias, o Tribunal da condenação não poderá fixar um período fixo para a medida de internamento. (Cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 475. A arguida e recorrente teria assim de ser sujeita, como foi, a medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico de tratamento e cura durante um período entre dois e cinco anos, a qual poderá sempre findar quando o Tribunal de Execução de Penas verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, sendo essa apreciação obrigatória decorrido um ano sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido, se entretanto não for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento, conforme resulta do disposto no citado artigo 93.º do Código Penal. Pelo que, não se entende bem qual a posição da recorrente relativamente ao período de duração que foi fixado na sentença recorrida, o qual, por imposição legal, não poderá ser inferior ao mínimo da pena abstratamente aplicável ao crime em causa, ou seja dois anos, e não poderá exceder o limite máximo da mesma pena, os cinco anos, sem prejuízo de, entretanto, se verificar uma causa justificativa da cessação desse internamento, o que poderá determinar a cessação dessa medida. É que, contrariamente ao alegado em sede de recurso, o limite mínimo a considerar no caso concreto é o de dois anos, não sendo aqui aplicável o disposto no nº 2 do art. 91º, do CP, e a medida de internamento fixada só se manterá, tal como a recorrente pretende, enquanto perdurar a sua situação clínica e o estado de perigosidade que condiciona o seu comportamento. E, relativamente ao limite máximo não vislumbramos que assista razão à recorrente na sua pretensão. Repisamos que o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo delinquente – 92.º, n.º 2, e que, uma vez que no caso é imputado um crime à arguida com pena máxima não superior a 5 anos, não se aplica o limite mínimo previsto no n.º 2, do artigo 91.º, ambos do Código Penal. Dentro dessa moldura pressuposta pelo princípio da proporcionalidade, atuam as razões de prevenção geral positiva, destinadas a tutelar as expectativas da comunidade quanto à manutenção da norma violada, com as quais se define uma submoldura cujo limite inferior coincidirá com a duração ainda suportável pela comunidade com vista à tutela daquelas expectativas. Para se perceber a ratio legis nesta matéria, vamos aqui recordar o ficou exarado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Outubro de 1998 (processo nº 98/P894), disponível e www.dgsi.pt: "O internamento de inimputável perigoso tem em vista por um lado (…) por outro e o mais relevante fazer cessar no internado o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento, fazendo regressar ao convívio da comunidade um cidadão apto a respeitar os direitos dela". Por sua vez, como se escreveu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9.3.2011, disponível in www.dgsi.pt, “Na aplicação de uma medida de segurança são relevantes a segurança da comunidade e a reintegração do agente no meio social e familiar. A aplicação de uma medida de segurança deve respeitar os princípios da proporcionalidade, de subsidiariedade e da intervenção mínima” – neste sentido também Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 675. Ora, nos presentes autos o tipo crime em apreciação tem como moldura penal a pena de prisão entre dois e cinco anos. A gravidade da conduta da arguida é elevada, atenta a duração do seu comportamento, teve início no ano de 2018, e tem-se traduzido em ofensas físicas, verbais, psíquicas e ameaças. A arguida não apresenta antecedentes criminais. A prevenção especial situa-se também num nível elevado, atento o tempo em que perdurou a sua conduta, e a sua condição de ordem psíquica, não obstante a medicação que toma e o acompanhamento médico de que beneficiou. O juízo de prognose sob o comportamento da mesma é de que há manifesto perigo de reincidência, necessitando urgentemente de tratamento adequado à sua doença. Em relação às exigências de prevenção geral positiva, são muito intensas, atendendo a que os nossos Tribunais são diariamente confrontados com sucessivas acusações por violência doméstica, tratando-se de um flagelo social. A este título ficou na sentença recorrida: “(…) «No caso presente atentos os factos provados, que resultaram também da prova pericial efectuada, conclui-se estarem preenchidos os requisitos para aplicação da medida de segurança de internamento: a arguida praticou factos ilícitos típicos graves, sendo que, face à estádio da sua doença e características desta o juízo de prognose a fazer leva-nos a concluir pela existência de um fundado receio da prática de futuros ilícitos típicos, sendo que, além do mais o internamento é a que se afigura proporcional face à situação em apreço. No caso presente uma vez que não estamos perante uma situação integrável no nº 2 do artigo 91.º do Código Penal não haverá que determinar a fixação de qualquer limite mínimo ao internamento, sendo todavia necessário, face ao princípio da proporcionalidade acima explanado e ainda ao preceituado no artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa a fixação de um limite máximo, já que, não são admissíveis penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpetuo ou de duração ilimitada ou indefinida. Este limite máximo não pode exceder, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 2 do Código Penal o limite máximo correspondente ao tipo de crime cometido pela inimputável, no caso, um crime de violência doméstica, ou seja, cinco anos. Urge, agora, ponderar da possibilidade de aplicação da suspensão da execução no internamento nos termos do disposto no artigo 98.º do Código Penal, a qual desde já avançamos que não se mostra apta a assegurar a alcançar a finalidade da medida. Na verdade, realçamos, desde logo, que a probabilidade de que a arguida pratique factos da mesma espécie pode ser minorado – e não totalmente evitado – com a manutenção de tratamento psiquiátrico. No mais, a arguida e o assistente residem na mesma habitação, com uma filha incapaz. A relação da arguida com a filha é vista como disfuncional, marcada por dificuldades na expressão e recepção de ideias, na expressão de sentimentos e necessidades de forma clara e respeitos, predominando interacções de natureza conflituosa, com recorrência e mal-entendidos, interrupções, tons acusatórios e/ou ausência de estratégias eficazes de resolução de divergências, contribuindo para o agravamento das tensões na relação e promovendo um ambiente familiar tenso e instável. Pese embora não tenha antecedentes criminais, a arguida apresenta comportamentos marcadamente conflituosos nas interacções com os membros da sua comunidade de residência, tendo integrado o centro de dia do Centro Social e Paroquial de ..., do qual foi expulsa, por adoptar uma abordagem hostil para com a filha e para com outros utentes do centro social, o que comprometeu a qualidade das relações interpessoais e dificultou a criação de um ambiente comunicativo e respeitoso. Revela necessidade de apoio de terceiros para as actividades instrumentais da vida diária e supervisão nos seus cuidados básicos. Encontra-se medicada com antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos. No entanto, o cumprimento do regime medicamentoso requerer supervisão e orientação contínuas, na medida em que não demonstra capacidade plena para a gestão autónoma desta capacidade, apoio este assegurado pela filha, de quem é tutora, o que se nos afigura de todo insuficiente. No caso presente considerando que a finalidade da medida de segurança é orientada acima de tudo por um propósito socializador e de humanidade, afigura-se-nos, num juízo de prognose – que tem a ver com a previsibilidade e determinabilidade do comportamento humano – que não é razoável de esperar que com a suspensão do internamento, fosse alcançada a finalidade desta medida, não sendo a permanência da arguida em liberdade compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social e não sendo possível concluir que, em liberdade, pelas limitações que a mesma padece, desde logo, no que concerne ao cumprimento autónomo do regime medicamentoso e a ausência de pessoa capaz que a auxilie em tal desiderato, que a mesma mantivesse o acompanhamento assíduo e regular do tratamento que lhe vier a ser prescrito.» Face ao supra exposto, com o que concordamos em absoluto, tem-se como necessária, adequada e proporcional às circunstâncias do caso em apreço a duração da medida de internamento fixada, pelo período de cinco anos, com a duração mínima de dois anos. Esta solução justifica-se tendo em vista as finalidades da medida de segurança aplicada, designadamente de prevenção especial, concretamente o tratamento e recuperação da arguida, tanto em termos pessoais como sociais, visando alcançar a sua ressocialização e reintegração na sociedade, o que só se torna viável através do internamento em instituição adequada a esse tratamento, uma vez que a mesma não apresenta capacidade para gerir autonomamente o cumprimento dos cuidados médicos ou medicamentosos que lhe forem prescritos. Mas também ao lado da finalidade principal de prevenção especial, releva ainda de forma autónoma uma finalidade de prevenção geral positiva. Esta posição, defendida pelo Prof. Figueiredo Dias, é contraditada pela da Prof. Maria João Antunes, que entende que esta última finalidade não tem qualquer intervenção neste campo e o período de duração mínima da medida de segurança se justificava através de uma presunção legal de duração de perigosidade, para os termos da polémica (cfr. Maria João Antunes, Medida de Segurança de Internamento e Facto de Inimputável em Razão de Anomalia Psíquica, 2002, pág. 481 e autores aí referidos (164) e F. Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 2001, pág. 121]) e a consideração da proibição de excesso ou da proporcionalidade. Como refere F. Dias [Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 446] a matéria relativa à aplicação de medidas de segurança deve subordinar-se estritamente ao princípio da subsidiariedade: uma medida de segurança não deve ser aplicada quando outras medidas menos onerosos constituam uma protecção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente.) E assim sendo, afigura-se-nos que a preocupação da recorrente carece de justificação, uma vez aquele limite mínimo de internamento terá de ser cumprido (art. 93º, nº 3), e o limite máximo fixado, não podendo ser ultrapassado, poderá sempre ser reduzido, uma vez que o prazo de duração não é fixo. Para além disso, este último limite mostra-se adequado e proporcionado para a situação concreta da recorrente, ao seu tratamento e recuperação, que poderá vir a ser abreviado. Do pedido de indemnização civil A recorrente questiona ainda o decidido quanto ao pedido de indemnização formulado pelo assistente/demandante. No seu entendimento, para além de se expressar no sentido de que não deveria ser condenada no pedido de indemnização civil, pugnando no sentido de que “seja revogado o dever por parte da arguida de efetuar pagamento do montante de € 500,00, ao assistente, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, face à sua carência económica e por forma a não privar dos alimentos necessários à sua subsistência.” Ora, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 400 do CPP, resulta que, sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º do mesmo diploma, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. Daqui resulta que a admissibilidade do recurso, nesta parte, está dependente da verificação cumulativa de um duplo requisito: a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; e, b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre. Assim sendo, sempre seria de rejeitar o conhecimento desta questão, para além de tudo o mais, face à não cognoscibilidade, em recurso, da quantificação da indemnização arbitrada no âmbito de um pedido de indemnização civil, quando o valor do pedido não exceda a alçada do tribunal de primeira instância ou não se verifique o requisito da sucumbência. O art. 44º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), fixou a alçada dos tribunais de primeira instância em € 5.000,00 mantendo inalterado o valor fixado pelo art. 24º, n.º 1, da anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro). O valor peticionado pelo demandante civil é de € 3.000,00 acrescido de juros legais até integral pagamento, sendo, pois, inferior ao da alçada fixado para este tipo de processos. E o valor que a arguida/demandada foi condenada a pagar ao assistente, de € 500,00, também não excede metade da alçada do tribunal de primeira instância, pelo que também nunca estaria verificado o requisito da sucumbência. Impõe-se, pois, a rejeição do recurso na parte relativa à questão em apreço, por a mesma ser irrecorrível, não se conhecendo dela. * Daí improcederem todas as pretensões invocadas pela recorrente no presente recurso, incluindo a respeitante ao pedido de indemnização civil.* III – DISPOSITIVO* Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em: - Rejeitar o recurso interposto pela arguida/recorrente AA, respeitante ao pedido de indemnização civil; - Julgar improcedente o recurso interposto pela mesma quanto à decisão penal, mantendo-se a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs, [art. 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie. Notifique. * (O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do C. P. P.)* Guimarães 30 de setembro de 2025 Os Juízes Desembargadores Relator - José Júlio Pinto 1ª Adjunta – Cristina Xavier da Fonseca 2º Adjunto – Fernando Chaves |