Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3819/22.8T8BRG.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE PERMANENTE
PERÍCIAS MÉDICAS DIVERGENTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A perícia por junta medica, conquanto parca, contém suficiente fundamentação permitindo a apreensão da razão de ser das suas conclusões, estando juntos aos autos elementos bastantes à avaliação da situação clinica do sinistrado.
II - A conclusão da junta médica (não atribuindo ao sinistrado qualquer grau de incapacidade permanente e considerando que este sofreu apenas uma lombalgia de esforço transitória) concorda com os meios de diagnóstico complementares existentes dos autos, convergindo na ausência de sequelas relacionáveis ao acidente de trabalho.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

Nesta acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA e entidade responsável “EMP01..., S.A.”, apelou o sinistrado da sentença na parte em que foi considerado curado sem qualquer incapacidade permanente.
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Processado anterior:
A acção prosseguiu da fase conciliatória para a contenciosa em razão da discordância da seguradora, a qual não aceitou a ocorrência do evento, nem a sua caracterização como acidente de trabalho, nem o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, nem que o sinistrado padecesse de qualquer incapacidade permanente (IP).
O sinistrado apresentou então petição inicial pedindo a condenação da ré a pagar-lhe capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de € 378,35, indemnização por incapacidade temporária para o trabalho no valor de € 136,12 correspondente ao remanescente em dívida, e reembolso de despesas realizadas com deslocações para comparência a actos de realização obrigatória, no montante de € 20,00, além de juros de mora.
Alega que quando se encontrava a desempenhar actividade profissional por conta da empregadora, mormente a proceder ao encaixe de um banco de manobrador, realizou esforço causador de lesões determinantes de incapacidade temporária e permanente para o trabalho.
A ré contestou e, no essencial, impugnou a verificação do evento alegado pelo autor, atribuindo as queixas por ele manifestadas a patologia prévia degenerativa de que o mesmo já padecia, sem qualquer relação com ocorrência traumática de que tenha tido lugar no tempo e local de trabalho.
Proferiu-se despacho saneador.
Determinou-se o desdobramento do processo para fixação de incapacidade para o trabalho- 118º CPT. A senhora juiz formulou quesitos para a junta médica responder - 139º, 6, CPT. As partes não os formularam.
Realizou-se junta médica, sendo o relatório pericial notificada às partes sem que fossem apresentadas reclamações.
Seguidamente, no apenso de incapacidade para o trabalho, foi proferida decisão nos seguintes termos:
i. Esteve afectada por ITA, desde 06.04.2022 até 02.05.2022;
ii. Não apresenta sequelas atribuíveis ao evento alegadamente ocorrido aos 05.04.2022. “
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento e proferiu-se a seguinte sentença objecto de recurso:

“Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, termos em que se decide:
a). Condenar a ré EMP01..., S.A., a pagar ao autor AA 
i. A quantia de € 260,32 [duzentos e sessenta euros e trinta e dois cêntimos], a título de indemnização, que remanesce por liquidar, por incapacidade temporária para o trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 03.05.2022;
ii. O valor de € 20,00 [vinte euros], a título de reembolso de despesas de transporte, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 26.06.2023;
b). Absolver a ré do mais peticionado.
Custas a cargo do autor e da ré, na proporção de 2/10 e 8/10, respectivamente.
Valor da causa: € 280,32 - cfr. artº 120º do CPT. “
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O SINISTRADO RECORREU: discorda da não atribuição de IP.
CONCLUSÕES:
...D. Refere ainda o seguinte: Tendo resultado apurado que o autor ficou curado, sem qualquer desvalorização, da lesão que, em decorrência do evento sob consideração nos autos, sofreu, sendo que deste não resultou agravamento da patologia prévia que apresentava já, não lhe é devida qualquer reparação, sob a forma de pensão anual e vitalícia, que, como é sabido, se destina a reparar a afectação permanente da capacidade de trabalho/ganho, não verificada no caso.”
E. É precisamente neste concreto ponto em que o Recorrente está em total desacordo com a decisão proferida.
F. Em suma a decisão ora recorrida assentou na violação de disposições legais e princípios basilares do processo, pois o exame por junta médica padece de vícios que a tornam inválida, designadamente: Inobservância dos requisitos legais obrigatórios para a perícia médico-legal, ausência de inquérito profissional, análise e estudo do posto de trabalho, história clínica e exames complementares eventualmente necessários e maior abrangência multidisciplinar do corpo clínico em junta médica de avaliação.
G. Falta de fundamentação técnico-científica adequada no relatório pericial da Junta, limitando-se este a conclusões não clarificadas, devidamente fundamentadas ou explicadas;
H. Violação dos princípios do contraditório e da imparcialidade, bem como do direito à prova pericial adequada, na medida em que o procedimento adotado impediu o efetivo esclarecimento pericial e a plena participação das partes.
I. Mais grave ainda, a irregularidade da constituição e formação dos elementos que integraram e realizaram a Junta Médica.
J. Conforme o previsto na legislação a junta médica deve integrar um especialista em Medicina do Trabalho ou outro perito médico qualificado que pudesse avaliar adequadamente as condições do posto de trabalho e as repercussões das sequelas sobrevindas pós sinistro, ainda que, não traduzam uma lesão tecidular apreciável.
K. O Sinistrado não ficou curado, e sem valorização sequelar, pois não foram devidamente apuradas as disfunções e sequelas em sede de junta médica por uma maior abrangência clínica multidisciplinar.
L. Ora, em 28 de abril de 2023, resultou do relatório do IML de ... que o Sinistrado referia queixas ao nível funcional e álgicas permanentes.
M. Referia fenómenos dolorosos nomeadamente a lombalgia que lhe dificultava a condução de veículos e ainda a dificuldade em pegar em pesos ou em trabalhar agachado.
N. O Sr. Perito Médico, Dr. BB, exarou no relatório o Sinistrado ficou a padecer de incapacidade permanente parcial resultante do acidente de trabalho fixando a incapacidade em 2%.
O. Em 13 de dezembro de 2023, em nova avaliação, resultou do relatório do IML da ..., que o Sinistrado referia as mesmas queixas que descreve como fenómenos dolorosos, nomeadamente a lombalgia residual, com agravamento após esforços e com necessidade de analgesia em SOS.
P. Referia ainda queixas ao nível funcional como hipostesia do membro inferior esquerdo, com agravamento após esforços.
Q. No que à actividade profissional ou de formação diz respeito, referiu que o agravamento da lombalgia coincidia diretamente com os períodos de condução de veículos e nos movimentos corporais quando tinha de se agachar, rotinas diárias e constantes no seu trabalho.
R. O Perito Médico do IML, Dr. CC que o avaliou atribuiu e fixou uma incapacidade permanente parcial, de 2% conforme o estatuído TNI.
S. Em 14.03.2024, em exame por junta médica esta concluiu que o Sinistrado sofreu lombalgia de esforço de carácter transitório progredindo para a cura sem agravamento da patologia prévia.
T. O Recorrente com o devido respeito manifesta o seu total desacordo com esta conclusão, desde logo, porque pós sinistro não está curado e apresenta quadro álgico e de mobilidade claramente incapacitante ao exercício da sua actividade laboral.
U. Manifestando de forma expressiva as sequelas atrás descritas e evidenciadas com muitas dificuldades e dores na execução funcional do seu trabalho com impacto significativo na sua profissão habitual.
V. O Recorrente não concorda com a avaliação e a conclusão apresentada no exame por junta médica, considerando-a desajustada às condições concretas em que está a exercer a sua actividade laboral.
W. Pelo que, impugna a junta médica realizada por não respeitar o vertido no artigo 13.º da Tabela Nacional de Incapacidades.
X. Além disso, impõe obrigatoriamente este artigo para permitir o maior rigor na avaliação das incapacidades resultantes de acidente de trabalho e doença profissional,
Y. bem como a garantia dos direitos das vítimas e a apreciação jurisdicional, que o processo constituído para esse efeito deve conter obrigatoriamente os seguintes elementos:
Z. Inquérito profissional: desde logo, não foi realizado inquérito profissional nomeadamente para efeito de história profissional.
AA. A referida Junta Médica não efetuou uma análise detalhada e concreta do posto de trabalho habitual do Requerente, identificando e caracterizando os riscos profissionais e a sua quantificação sempre que tecnicamente possível para concretizar e quantificar o agente causal de AT ou DP;
BB. Obrigatoriamente ainda, como elemento de análise da história clínica referindo não apresentou os antecedentes médico-cirúrgicos relevantes ainda os exames complementares de diagnóstico apropriados por maior abrangência de especialidades.
CC. Tal omissão compromete a adequada caracterização das exigências físicas e funcionais do posto de trabalho, essenciais para uma avaliação rigorosa da incapacidade.
DD. Além disso constata-se aqui uma Ausência ou insuficiência da história profissional e deste modo o relatório apresentado pela Junta Médica não inclui um inquérito profissional adequado, que permita avaliar a trajetória laboral do Recorrente.
EE. Constatando-se pela junta médica uma falta de rigor na consideração da capacidade funcional residual sendo que a decisão não teve em conta:
FF. As limitações práticas decorrentes da incapacidade na execução de tarefas específicas da profissão habitual sobretudo a nível álgico;
GG. É determinante, a Falta de fundamentação médica e técnico-científica, que fundamenta a decisão desde logo porque faltam especialidades eventualmente fundamentais resultando diagnóstico insuficiente.
HH. Ora, perante o supra expendido, impugna-se a aludida junta médica devendo o Tribunal “ad quem” determinar a realização de nova avaliação por uma junta médica pluridisciplinar, composta em conformidade com a legislação aplicável, garantindo desde já,
II. declarar nula ou sem efeito a decisão proferida pela junta médica realizada em 14.03.2024 com todos os efeitos legais daí decorrentes ordenando a realização de nova junta médica para fixar a incapacidade do Recorrente.
JJ. Ora, impõe-se aqui a revogação da Sentença ora colocada em crise relativamente ao todo o supra expendido sobre a ausência de incapacidade permanente do Sinistrado e quanto à formação e integração dos elementos que integraram a junta por exame médico.
KK. À excepção do exarado quanto à caracterização dos factos ocorridos como acidente de trabalho e de acordo como tudo o supra expendido, não se concorda assim, com o vertido no Douto Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
LL. Tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o despacho ora recorrido, substituindo-o por outro que determine a procedência do recurso do Recorrente e determinando a realização de nova avaliação por exame por junta médica pluridisciplinar, composta em conformidade com a legislação aplicável conforme todo o supra expendido no presente recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido por tempestivo, bem como cumprir os formalismos impostos pela lei de processo, e, nessa sequência serem as presentes alegacões e conclusões de recurso acolhidas pelos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, impondo-se a revogação da Douta Sentença aqui colocado em crise tal como expendido supra nas motivações e conclusões, concedendo-se assim, provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida nos termos supra pugnados, devendo determinar-se a realização de nova avaliação por exame de junta médica.

CONTRA-ALEGAÇÕES: sustenta-se a improcedência do recurso.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO - não houve pronúncia sobre o desfecho da acção.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR[1]: apreciação de nulidades/irregularidades da junta médica; saber se o sinistrado é portador de incapacidade permanente.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:
FACTOS PROVADOS:
a). À data de 05.04.2022, o autor AA, nascido aos ../../1990, exercia funções sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade EMP02..., Ldª., mediante o pagamento da retribuição ilíquida de € 1.200,00x 14 meses, acrescida de € 104,94x 11 e de € 9.070,55/ano, a título, respectivamente, de subsídio de alimentação e de prémio de produtividade, a perfazer o valor anual global de € 27.024,89.
b). Cerca das 14h30m do dia referido em a), o autor encontrava-se, no desenvolvimento da respectiva actividade profissional, nas instalações da sociedade aí referida, a proceder, no interior de uma máquina, ao encaixe do banco do manobrador, que ostentava peso não inferior a 17kg.
c). Por efeito de esforço associado à tarefa que se encontrava a executar, o autor sofreu lombalgia de esforço.
d). A lesão que esteve na origem da manifestação aludida em c), foi determinante de ITA, desde 06.04.2022 até 02.05.2022.
e). À data da descrita ocorrência, o autor apresentava já procidência discal ao nível de L4-L5 e protusão discal ao nível de L5-S1.
f). A lesão que sofreu ficou clinicamente curada aos 02.05.2022, data da alta, sem qualquer desvalorização ou agravamento da patologia prévia aludida em e).
g). Nas deslocações que, em resultado da pendência dos presentes autos, teve que realizar às instalações do GML e deste Juízo do Trabalho, o autor despendeu a quantia de € 20,00.
h). Na data referida em a), a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho de que o autor fosse vítima encontrava-se transferida para a ré EMP01..., S.A, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...48 e pelo ali valor mencionado.
i). A ré pagou ao autor a quantia de € 1.139,09, a título de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho.

B) NULIDADE DA JUNTA MÉDICA, IRREGULARIDAES E FIXAÇÃO DE INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
O recorrente mistura a arguição de irregularidades da junta médica com a sua eventual menor força probatória, pelo que faremos uma análise conjunta das questões.
A discordância do recorrente incide sobre a conclusão da junta médica de que está curado sem desvalorização.
A este propósito invoca as seguintes razões relacionadas, ou com vícios que inquinarão a junta médica, ou relacionadas à discordância sobre o juízo feito (síntese): inexistência de inquérito profissional e de análise concreta do posto de trabalho; desrespeito do vertido no artigo 13º da Tabela Nacional de Incapacidades; irregularidade na formação da Junta Médica, faltando um especialista em Medicina do Trabalho ou outro perito médico qualificado;  falta de realização de exames complementares; falta de fundamentação do relatório de junta médica; no mais, sustenta a atribuição de IPP ao sinistrado após realização de nova junta médica com peritos doutras especialidades.
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Arguição de “Irregularidade da formação dos elementos que integraram a Junta Médica, faltando um especialista em Medicina do Trabalho ou outro perito médico qualificado”:
Segundo o disposto no art. 139º, 2, CPT “Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades.”
No caso, o senhor perito antes de elaborar o relatório de perícia médica (105º CPC) solicitou um parecer da área de ortopedia (realizado a 13-02-2023), pelo que, considerando que na junta médica subsequente não intervieram médicos dessa especialidade, será de concluir que a norma acima referenciada não foi observada.
Contudo, tratando-se de uma mera irregularidade processual resultante de “ omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve”, deveria ter sido arguida perante o juiz a quo no prazo geral de 10 dias a contar da data da notificação, em 14-03-2023, do relatório de junta médica (ou, numa visão mais generosa, nos  10 dias subsequentes à notificação da decisão que fixou a IPP no apenso, expedição postal de 24-04-2024), momento a partir do qual estava seguramente em condições de se aperceber do sucedido se agisse com a devida diligência.[2] -  195º e 199º CPC.
(199º cPC “ - Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.”

Ora, o sinistrado somente reagiu aquando do recurso da sentença final, volvido que estava bem mais de um ano sobre as referidas notificações, pelo que há muito estava esgotado o prazo geral para arguir a nulidade.
Uma nota final relativa à referência que o recorrente faz sobre a necessidade de “equipa pluridisciplinar” para dizer que esta é prescrita pela TNI apenas quando está em causa uma incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH), o que não é caso - 5.A, b, das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades[3] (TNI).
Improcede a arguição de irregularidade.
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A suposta falta de realização de inquérito profissional e/ou da análise concreta do posto de trabalho:
Sem muita delonga, a afirmação do recorrente não respeita a verdade. Os elementos em causa da autoria da entidade empregadora podem ser consultados no Citius, com referência à data de 6-09-2022. Ou seja, foram elaborados e constam dos autos, inclusive muito antes da realização da perícia médica singular, permitindo a sua consulta pelos diversos peritos que intervieram ao longo das fases conciliatória e contenciosas, bem como pelas partes e pelo tribunal.
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O eventual “Desrespeito do vertido no artigo 13.º da Tabela Nacional de Incapacidades”:
A norma refere:
“13 - A fim de permitir o maior rigor na avaliação das incapacidades resultantes de acidente de trabalho e doença profissional, a garantia dos direitos das vítimas e a apreciação jurisdicional, o processo constituído para esse efeito deve conter obrigatoriamente os seguintes elementos:
a) Inquérito profissional, nomeadamente para efeito de história profissional;
b) Análise do posto de trabalho, com caracterização dos riscos profissionais e sua quantificação, sempre que tecnicamente possível (para concretizar e quantificar o agente causal de AT ou DP);
c) História clínica, com referência obrigatória aos antecedentes médico-cirúrgicos relevantes;
d) Exames complementares de diagnóstico apropriados.”

Já referimos que o “Inquérito profissional” e a “Análise do posto de trabalho” encontram-se juntos aos autos.
O mesmo acontece com a história clinica que está referenciada, como é habitual nos acidentes de trabalho, no relatório da primeira perícia médica singular de 28-04-2023 (106º PT). Dela consta uma rubrica denominada “Antecedentes Clínicos”, referenciando, em suma, que o sinistrado nega problemas de saúde (antecedentes). A história clínica dependerá naturalmente da idade do sinistrado, neste caso jovem com 31 anos, das informações que este presta ao perito e da pertinência que este encontre em maiores ou menores desenvolvimentos face à informação prestada, ao tipo de acidente e de queixa, circunstâncias do caso e demais informações clínicas dos autos.
Idem quanto aos exames complementares de diagnóstico, que se encontram nos autos, como o relatório de ressonância magnética (RM) datado de 12-04-2022 (recorda-se que o acidente ocorreu em 5-04-22), informação clínica do Hospital ... referente a assistência no dia de acidente onde consta a realização de RX com os dizeres “sem evidência de lesão osteoarticular aguda”- citius 15-06-2022 e 18-08-2022.
Ao contrário do que parece entender o recorrente, estes elementos não tem de ser realizados ou ordenados pela junta médica, apenas têm de constar dos autos para servirem de base de trabalho dos peritos, das partes, e do tribunal.
*
A “Falta de realização de exames complementares eventualmente necessários”:
O recorrente, além do RX realizado no hospital no dia do acidente, e no qual não se assinala nenhuma lesão traumática osteoarticular, foi ainda submetido a uma ressonância magnética sete dias logo após a ocorrência do acidente, meio complementar de diagnóstico de elevada precisão, sem que do mesmo constem menções a lesões traumáticas.
O recorrente não identifica que exames se impunham, nem os requereu quando foi notificado do relatório de junta médica. Os peritos não entenderam que tal era necessário, repare-se que nenhum dos quatro que intervieram os solicitou, nem o especialista que emitiu parecer. Nem o tribunal o descortina.
Perante este quadro não lhe assiste razão.
***
A eventual falta de fundamentação da junta médica e a fixação de IPP
A senhora juiz formulou quesitos a serem respondidos pela junta médica[4] questionando, em suma, se o autor sofria de alguma “doença natural” ao nível da coluna, se ficou afectado de sequelas em decorrência do acidente, quais, e se estas agravaram lesão pré-existente.
A junta médica respondeu assim:
“1° - Sim. O Sinistrado apresentava procidência discai ao nível L4 - L5 e protusão discai ao nível de L5 - S1, de acordo com o resultado da RMN realizada a 12-04-2022.
2° - Não.
3° - O Sinistrado sofreu lombalgia de esforço, de caracter transitório. Atendeu-se aos registos clínicos constantes dos autos do Serviço de Urgência do Hospital ... e à compatibilidade da lesão com o relato do Sinistrado.
4º:i - Não, a alteração ocorrida foi transitória progredindo para cura, sem agravamento da patologia prévia.
ii - Sim. Condicionaram um período de ITA de 06-04-2022 a 02-05-2022. A data da alta ocorreu a 02-05-2022.
iii- Não.”
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A necessidade de fundamentação do relatório pericial é uma exigência da TNI, Instruções Gerais, ponto 8 O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões.”
A mesma exigência consta da lei processual civil (484º, 1CPC ” O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respetivo objeto.”)
No caso, conquanto parca, a fundamentação do relatório de junta médica contém o bastante para se perceber a avaliação e, como referimos, nos autos constam os elementos complementares exigidos por lei ao dispor dos peritos e capazes de coadjuvarem ao diagnóstico.
Ademais, já referimos por diversas vezes - a propósito das sucessivas irregularidades arguidas- que o sinistrado foi notificado do relatório pericial e dele não reclamou.
(485 CPC “reclamações contra o relatório pericial”:
 1 - A apresentação do relatório pericial é notificada às partes.2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado.)

Mais, o sinistrado não formulou quesitos próprios, podendo fazê-lo, o que permitiria alargar o objecto da perícia, no caso de o julgar necessário.
Alude o recorrente a relatórios periciais não concordantes. Entramos na análise do mérito da prova.
Efectivamente na fase conciliatória o perito médico (relatório de 28-04-2023), alicerçado em parecer de ortopedia, atribui ao sinistrado 2% de IPP, por sequelas de “raquialgia residual “- I.1.1.1.b) da TNI.
Já os três peritos médicos que integraram a junta médica da fase contenciosa, por unanimidade, apontam 0% de IPP, considerando que o autor apenas sofreu uma incapacidade temporária de cerca de um mês por lombalgias de esforço.
A força probatória das perícias das juntas médicas é valorada livremente pelo juiz segundo a sua livre convicção (489º CPC e 389º CC), sem força probatória vinculada. Também importa referir que não existe uma hierarquia legal entre perícias/pareceres técnicos - neste sentido, ac. STJ de 6-02-2019, (“A força probatória das perícias das juntas médicas é fixada livremente pelo tribunal e estes não estão impedidos de atribuírem maior força probatória a outros meios de prova”).
Havendo pareceres em sentido diferente deve optar-se pelo que melhor mostre adequação ao circunstancialismo do caso, ponderação e ancoramento em outros elementos objectivos do processo, mormente exames complementares de diagnóstico.
No caso, merece-nos maior concordância o relatório pericial elaborado pela junta médica, porque está mais de acordo com os outros meios objectivos de diagnóstico já referenciados. Efectivamente, o RX realizado no dia do acidente refere “sem evidência de lesão traumática” e a ressonância magnética igualmente não assinala lesões traumáticas, não obstante ter sido realizadas pouco após o acidente (7 dias), apenas referindo lesões de origem degenerativa (protusão discal), às quais a perícia da fase conciliatória não deu particular atenção.
Ademais, do relatório da E.M.G aos membros inferiores junto pelo sinistrado em audiência de julgamento também não resulta a confirmação de sequela resultante de um trauma, assinala sim lesões degenerativas. Veja-se a conclusão que nele consta concordante, aliás, com a perícia por junta médica: “Ausência de sinais patológicos no repouso e actividade voluntária nos músculos explorados, não permitindo um sofrimento radicular motor lombo-sagrado correspondente. Alterações ligeiras dos parâmetros de latência do reflexo de HOFFMAN evocada no musculo Solear esquerdo, em consequência possível com um compromisso da raiz de S1 esquerda (raz posterior), ou sua sequela...
Por tudo o exposto, é de manter o decidido, ademais não sendo perceptível onde possa ter havido a apontada genérica violação do contraditório, tendo o sinistrado sido notificado sucessivamente dos actos realizados e nada reclamado e/ou requerido.   
                                       
I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
25-09-2025

Maria Leonor Barroso (relatora)
Antero Veiga
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
[2]  O sinistrado apenas juntou procuração aos autos em 1-10-2024. No entretanto foi patrocinado pelo MP.
[3] DL 352/2007, de 23 de Outubro.
[4]1º - À data de 05.04.2022, o autor apresentava já doença natural/patologia prévia ao nível da coluna? Em caso de resposta afirmativa, em que é que a mesma se traduzia, e quais os elementos que a evidenciam? 2º - As queixas apresentadas pelo autor foram/são mera manifestação da patologia pré-existente, sem qualquer relação com evento traumático que, com reporte a 05.04.2022, tenha ocorrido? Ou 3º - O autor sofreu lesões que se apresentem compatíveis com a narrativa do evento em causa nos autos? Se sim, em que é que as mesmas se traduziram, ou como se objectivam, e quais os elementos que as evidenciam? 4º - Em caso de resposta afirmativa ao quesito 3º,i. Essas lesões agravaram a doença natural/patologia prévia que o autor apresentava já? ii. Foram as lesões que o autor sofreu determinantes de incapacidade temporária para o trabalho? Se sim, em que termos e por que períodos? Qual a data da alta? iii. O autor apresenta sequelas em decorrência das lesões que sofreu? Se sim, em que é que se traduzem, ou como se objectivam? Qual o enquadramento, em natureza e grau de desvalorização, que lhes corresponde, de acordo com a TNI?”