Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6539/24.5T8GMR.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O prazo de prescrição de três anos a que alude o nº 1 do art. 498º do CC conta-se a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, o que equivale ao momento temporal em que sejam conhecidos do lesado os pressupostos da ação de indemnização, traduzidos nos seus elementos fácticos, - facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano - e não do reconhecimento judicial da verificação do facto lesivo e da sua qualificação como facto ilícito em ação que para este efeito tenha sido proposta.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA propôs, em 23.10.2024, contra EMP01..., LDA. ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 1 591 084,63, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da citação até pagamento final.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que a ré intentou uma providência cautelar contra a sociedade portuguesa EMP02..., Unipessoal, Lda., a sociedade espanhola EMP03... SL, Unipersonal e contra a ora autora e o seu marido BB, já falecido.
O arresto foi decretado e foram removidos das instalações da EMP02... todos os bens que aí se encontravam, o que levou à paralisação da atividade comercial desta sociedade.
Como também foram arrestados dois imóveis da autora e do seu falecido marido, estes viram-se impossibilitados de obter financiamento bancário que pudesse permitir a continuação da laboração da EMP02..., cujo capital social era, na altura, detido na íntegra pela autora.
Consequentemente, a sociedade EMP02... foi declarada insolvente.
A EMP01..., de forma voluntária e consciente, manipulou factos e fez interpretações erradas dos factos verdadeiros para requerer e conseguir que o tribunal decretasse o arresto.
Ao conseguir que fosse decretado o arresto, com remoção de todos os bens das instalações da EMP02..., por efeito dos seus esforços e intenção abusivos e ilegais, intencionais, voluntários e exclusivos, a EMP01... destruiu a empresa EMP02... e impediu-a de continuar a exercer a sua atividade comercial, o que provocou e esteve na origem da insolvência da EMP02... e dos prejuízos sofridos e a sofrer pela autora.
Após o arresto, a EMP01... instaurou a ação principal nº 4085/15.7T8GMR contra todos os requeridos.
Esta ação veio a ser julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, quanto às sociedades, na sequência da sua insolvência, tendo prosseguido unicamente contra AA e BB, este, entretanto, falecido.
Na referida ação apreciou-se se BB e AA assumiram pessoalmente perante a EMP01... alguma dívida das sociedades EMP02... e EMP03... e, depois de concluir que os mesmos não prestaram qualquer garantia pessoal às sociedades, a ação foi julgada improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido.
Esta decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 28.10.2021 e já transitado em julgado.
O único facto e acontecimento que esteve na origem e provocou a declaração de insolvência e encerramento da EMP02... foi a procedência da providência cautelar de arresto que foi ilegalmente instaurada pela EMP01... contra a EMP02..., a autora e o seu falecido marido.

Em consequência do encerramento da EMP02... e da sua consequente insolvência, provocada pelo arresto ilegal que a EMP01... requereu, a autora sofreu diversos prejuízos, nomeadamente:
- o não recebimento de remunerações, enquanto gerente-trabalhadora da EMP02..., desde maio/junho de 2015 até setembro de 2024, no valor de € 404 796,20;
- o desaparecimento do valor económico da sua participação social na EMP02... que ascendia a € 536 288,43;
- a impossibilidade de acesso a pensão de velhice, visto que deixou de poder contribuir para a Segurança Social, o que a impede de vir a beneficiar de reforma desde os 67 anos e 9 meses até aos 84/85 anos (esperança média de vida), devendo a ré pagar a esse título a quantia mínima de € 350 000,00.
- danos não patrimoniais decorrentes de dores, mazelas e problemas psicológicos, que estima em € 300 000,00.
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Citada para a ação em 28.10.2024, a ré apresentou contestação na qual, além do mais, deduziu a exceção de prescrição, alegando que o arresto foi decretado por sentença e acórdão transitados em julgado em 01.07.2016 e a insolvência da sociedade EMP02... foi decretada em 14.03.2016, transitada em julgado em 04.04.2016 e encerrada em 21.10.2019, pelo que já decorreram mais de três anos sobre estes factos e dos danos que a autora pretende ver ressarcidos.
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Notificada, a autora respondeu, concluindo pela improcedência da exceção, alegando que o direito à indemnização por todos os prejuízos só emerge com o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou a sentença que julgou improcedente a ação 4085/15.7T8GMR (ação principal de dívida, que prosseguiu apenas contra a autora), o que se verificou em novembro de 2021.
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Foi proferido saneador-sentença com o seguinte teor decisório:

“Pelo exposto, julgo a ação improcedente, por verificada a exceção de prescrição e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos.
Custas pela Autora – artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Valor da ação: 1.591.084,63 €.”
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A autora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:


“1. A Apelante foi alvo de providência cautelar de arresto em 2015, promovida pela Apelada, que a considerava, erradamente, solidariamente responsável pelo crédito que esta detinha sobre uma sociedade espanhola.
2. Em decorrência dessa providência, foram arrestados os dois apartamentos da Apelante e os bens da sociedade portuguesa EMP02... Unipessoal, Lda de que era sócia-gerente, levando à insolvência desta sociedade;
3. Em 2 de novembro de 2021, a Apelante foi notificada do Acórdão do TRGuimarães de que havia sido totalmente absolvida, decisão esta que transitou em julgado, na ação principal movida pela EMP01..., sendo reconhecida a inexistência de responsabilidade da Apelante quanto ao crédito da Apelada;
4. Em 23 de outubro de 2024, dentro do prazo de três anos a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo 4085/15.7T8GMR, a Apelante intentou a presente ação de responsabilidade civil, pedindo a condenação da Apelada pelos danos materiais e morais sofridos pela Autora por virtude do arresto que a Ré EMP01... lhe fez dos 2 apartamentos e desta ação que lhe foi instaurada pela Ré EMP01...;
5. O Tribunal a quo, porém, considerou que o direito da Apelante se encontrava prescrito, por ter decorrido mais de três anos desde os factos ocorridos em 2015.
6. O prazo de prescrição da ação de indemnização nº 6539/24.5T8GMR não havia decorrido quando a ação foi intentada pela Autora AA na data de 23 de outubro de 2024;
7. A decisão recorrida enferma de erro de julgamento quanto ao prazo de prescrição aplicável à ação da Apelante, violando o disposto no artigo 498.º do Código Civil e os princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cfr artigo 20 da CRP).
8. O prazo para a contagem da prescrição só se iniciou com o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo 4085/15.7T8GMR.G1, na data de 28-10-2021, que ilidiu a ilicitude da conduta da EMP01... perante a Autora AA, pois os três anos são contados a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete e
9. Esse conhecimento não se refere ao conhecimento dos factos materiais, mas sim à perceção da existência de um direito juridicamente tutelado;
10. No caso concreto, a Apelante apenas teve certeza jurídica da ilicitude da atuação da Apelada e da sua inocência quanto à dívida em causa com a decisão transitada em julgado finais de novembro de 2021;
11. Seria manifestamente prematuro intentar a ação de responsabilidade civil antes dessa decisão, sob pena de se ver a mesma rejeitada por carecer de certeza quanto ao facto gerador do dano.
12. Parte dos danos invocados pela Apelante (perda de rendimentos, contribuições sociais, danos morais) são de natureza continuada, consolidando-se ao longo do tempo e em especial com o acórdão do TRGuimarães que encerrou a ação que confirmou a irresponsabilidade da Autora Apelante face à pretensão da Apelada EMP01...;
13. É também entendimento jurisprudencial pacífico que, quando o lesado só pode utilmente exercer o seu direito após uma decisão judicial anterior, o prazo de prescrição só se inicia com tal decisão.
14. A interpretação feita pela Sra Dra Juiz a quo na decisão recorrida, afronta o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
15. O direito da Autora encontra-se em tempo e plenamente justificado nos termos do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 20 da CRP;
16. A Sra Juiz a quo violou o disposto no artigo 498º, nº. 1 do Código Civil e o artigo 20º da CRP, pelo que deve ser ordenado o prosseguimento dos autos para apreciação de mérito.”

Terminou pedindo a revogação do despacho saneador-sentença recorrido, com o consequente prosseguimento dos autos.
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A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“I. A douta sentença recorrida revela-se juridicamente irrepreensível, operando uma correta e rigorosa subsunção dos factos ao direito aplicável, com clareza expositiva e inatacável coerência jurídica.
II. Toda a construção argumentativa da recorrente assenta num único evento determinante: o decretamento, em 2015, de uma providência cautelar de arresto requerida pela EMP01... sobre os bens da sociedade EMP02..., Unipessoal, Lda. que provocou a respetiva insolvência da sociedade, privando, imediatamente, a recorrente da sua quota, dos seus rendimentos – presentes e futuros - enquanto gerente e sócia, afetando também a sua vida familiar e profissional, e estando, portanto, na origem dos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados.
III. É aquele evento: arresto sobre a sociedade EMP02... e concomitante insolvência que baliza todas as pretensões petitórias da recorrente.
IV. É com o arresto e insolvência da sociedade EMP02... que a recorrente (i) sabe que perdeu a sua (alegada) remuneração como gerente porquanto a sociedade encerrou a atividade (pedido 1); (ii) sabe que perdeu a sua quota porquanto a sociedade foi encerrada, liquidada e extinta (pedido 2); sabe que em virtude da insolvência deixou de receber o seu (alegado) vencimento e de (alegadamente) descontar para a Segurança Social por esse mesmo vencimento, porquanto a sociedade, como dito, foi encerrada, liquidada e extinta (pedido 3); e (iv) sabe que, pelo «abusivo e ilegal arresto que lhe acusou todas as dores e mazelas», poderia ter peticionado uma indemnização (pedido 4).
V. Atendendo à moldura factual delineada, cumpre identificar os marcos temporais relevantes para a determinação do momento em que se iniciou o prazo de prescrição aplicáveis: (i) O arresto foi declarado procedente por sentença e posterior douto acórdão transitado em julgado em 1.07.2016; (ii) a EMP02... foi declarada insolvente por sentença proferida em 14.03.2016, transitada em 4.04.2016, tendo o processo sido encerrado, após liquidação, em 21.10.2019; (iii) foi declarada a inutilidade da lide e da instância, no arresto, quanto à EMP02... por decisão datada de 15.01.2019, transitada em 20.02.2019; (iv) a instância nos autos principais, quanto à EMP02..., foi extinta por inutilidade superveniente da lide em 21.04.2016, transitada em julgado em 25.05.2016.
VI. Na ação principal, subsistiu unicamente em discussão o arresto de dois imóveis pertencentes à recorrente e ao seu marido, restringindo-se o objeto da causa à questão de saber se ambos haviam assumido, ou não, a obrigação de garantia do pagamento da dívida da sociedade EMP03... à EMP01..., não se discutindo já quaisquer questões relacionadas com a sociedade EMP02..., os seus bens, a sua insolvência, a relação de grupo ou a dependência da mencionada sociedade EMP03..., dando-se por assente, por conseguinte, a insolvência/extinção das sociedades EMP02... e EMP03..., facto que resulta do despacho saneador de 2.06.2016 e da fixação do correspondente objeto do litígio que se reproduz: «Fiança modo e forma de obrigar; Fiança verbal; Admissibilidade e validade; Obrigação garantida; Pagamento; Pagarés; Não apresentação ao banco emissor na data estipulada nos mesmos; Consequências; Vencimento da dívida.».
VII. Resulta evidente que o facto lesivo que serve de fundamento à presente ação – o arresto decretado sobre os bens da EMP02... e a sua consequente insolvência – se consumou, com efeitos jurídicos definitivos, pelo menos desde 04.04.2016, data do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, momento em que, mesmo segundo uma interpretação favorável à tese da recorrente, se completaram todos os pressupostos do alegado direito indemnizatório, sendo, por isso, inatendível a alegação de que tal direito apenas se teria consolidado com o acórdão posterior do Tribunal da Relação, o qual, aliás, não alterou nem criou ex novo o facto originador invocado na petição.
VIII. Ainda que, por mera hipótese académica, se considerasse como termo inicial do prazo de prescrição uma data posterior à da insolvência — designadamente, o trânsito em julgado do acórdão do arresto em 01.07.2016, a extinção da instância em 25.05.2016, a declaração de inutilidade da lide em 20.02.2019 ou mesmo o encerramento do processo de insolvência em 21.10.2019 — sempre se verificaria que, à data da propositura da ação (22.10.2024), já havia decorrido, em qualquer dos cenários, um período superior a três anos, pelo que a prescrição do direito invocado se mostra, de forma inequívoca, consumada.
IX. Nos termos do artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, o prazo de prescrição inicia-se quando o direito puder ser exercido, ou seja, quando estejam verificados os respetivos pressupostos, i.e., (i) a existência do direito e (ii) a possibilidade do seu exercício. Nos casos de responsabilidade civil, rege o artigo 498.º, n.º 1 do mesmo diploma, que estabelece um prazo de três anos a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
X. A aplicação destas normas exige a sua articulação com a concreta factualidade alegada, sendo certo que, no caso dos autos, a prescrição se iniciou quando a recorrente teve conhecimento do dano que invoca.
XI. Perante este enquadramento, aquando da propositura da presente ação, em 22.10.2024, já havia decorrido, em qualquer das hipóteses admissíveis, um prazo superior a três anos desde o momento em que o direito invocado podia e devia ter sido exercido.
XII. A Sentença deve, portanto, ser confirmada.”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão a decidir consiste em saber se o direito invocado pela autora se encontra, ou não, prescrito.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

1. A Ré instaurou arresto contra EMP03..., S. L. Unipersonal, EMP02..., Unipessoal, Lda., AA e BB, em 17 de maio de 2015, que correu termos na Instância Central Cível de Guimarães, sob o n.º 3365/15.6T8GMR.
2. Deferida a providência, a 5 de junho foi efetivado o arresto dos bens móveis da EMP02... e deduzidas oposições, foi proferida decisão a 12 de novembro de 2015, mantendo o arresto e que aqui se dá como reproduzida (doc. 2 da contestação).
3. A EMP02... foi declarada insolvente por sentença proferida em 14.03.2016, transitada em 4.04.2016 – que aqui se dá como reproduzida –, tendo o processo sido encerrado, após liquidação, em 1.10.2019.
4. Em razão da insolvência, foi declarada a inutilidade da lide e da instância, no arresto, quanto à EMP02... por decisão datada de 15.01.2019.
5. A instância nos autos principais, quanto à EMP02..., foi extinta por inutilidade superveniente da lide em 21.04.2016, transitada em julgado em 25.05.2016, seguindo apenas contra a aqui Autora e declarada improcedente por sentença transitada em julgado em novembro de 2021, que aqui se dá como reproduzida.
6. A Autora intentou a presente ação a 23 de outubro de 2024.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se o direito da autora se encontra prescrito.
Não há controvérsia nos autos de que o pedido indemnizatório formulado pela autora se funda na responsabilidade civil por factos ilícitos e que o prazo de prescrição aplicável é o de três anos, previsto no nº 1 do art. 498º do CC.
O dissenso existente cinge-se ao início da contagem desse prazo e ao que se deve entender por data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
A decisão recorrida considerou que “não se pode dizer que a Autora apenas teve conhecimento do seu direito aquando do trânsito em julgado da ação. Com a instauração dos dois processos de arresto e insolvência infundados, na versão da Autora, nasceria o direito reclamado e poder-se-ia ver a Ré como responsável pelos danos provocados pela sua conduta ilícita”. Consequentemente, julgou verificada a prescrição e absolveu a ré do pedido.

A recorrida acompanha a decisão do tribunal a quo argumentando, em síntese, que:
- a pretensão indemnizatória da recorrente decorre do decretamento, em 2015, de uma providência cautelar de arresto sobre os bens da sociedade EMP02..., que levou à sua declaração de insolvência, situação que lhe provocou danos, presentes e futuros;
- com o arresto e subsequente insolvência da EMP02..., a autora tem conhecimento do seu direito;
- na ação principal, subsistiu apenas a questão do arresto de dois imóveis pertencentes à autora e ao seu falecido marido e do apuramento da responsabilidade destes na qualidade de garantes da dívida da sociedade EMP03..., não se discutindo nada relativamente à sociedade EMP02... porque a ação foi declarada extinta quanto à mesma, por impossibilidade superveniente da lide.
- assim, o prazo de prescrição deve contar-se de 4.4.2016, data do trânsito em julgado da decisão que decretou a insolvência a sociedade EMP02..., pois nesse momento completaram-se todos os pressupostos do direito indemnizatório que a autora quer exercer.

A autora entende que o prazo se conta “do momento (...) em que teve a certeza jurídica de que o arresto e a atuação da EMP01... foram injustificados – ou seja, apenas com o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 28.10.2021”.
Em abono desta posição argumenta:
- que “[o] “conhecimento do direito” pressupõe certeza jurídica quanto à ilegitimidade do ato causador do dano – o que, no caso, só se confirmou com a decisão definitiva que afastou a responsabilidade de AA, ou seja, aquando do trânsito em julgado do Acórdão”.
- que “no que respeita a danos continuados e prejuízos de natureza sucessiva, a lesão invocada pela Autora AA (privação de rendimentos, inexistência de contribuições para a Segurança Social, impossibilidade de hipotecar imóveis e danos morais) só se consolidou ao longo do tempo, sendo que a violação foi mantida até à decisão final da ação principal”, por isso, entende que, tratando-se de “dano continuado ou sucessivo, o prazo de prescrição pode ser contado a partir da consolidação dos prejuízos ou do facto ilícito originador ser declarado por sentença.” Apesar de referir que existe jurisprudência neste sentido, não identificou qualquer acórdão que acolha esta posição.
- antes da prolação do acórdão da Relação de Guimarães existia uma impossibilidade de exercício do direito, pelo que o prazo se suspende ou não se inicia enquanto o lesado não puder utilmente exercer o seu direito, o que se aplica a situações de dependência de decisão anterior. Apesar de referir que a jurisprudência do STJ tem acolhido este entendimento, não identificou qualquer acórdão que corrobore esta orientação.
- a interpretação de que a autora tinha que exercer o seu direito antes de lhe ser reconhecida a sua inocência no processo de arresto e no processo principal viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20º da CRP.

Vejamos, então, no caso concreto, a partir de quando se inicia a contagem do prazo prescricional.

Dispõe o nº 1 do art. 498º, do CC que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

O estabelecimento deste curto prazo de prescrição relativamente à responsabilidade civil por factos ilícitos justifica-se para evitar que “as circunstâncias do acto ou omissão danosos tenham de ser apreciadas judicialmente muito tempo após a prática desse acto ou omissão” (...) dadas as dificuldades de produção de prova que se podem suscitar, em especial quanto à prova testemunhal” (Gabriela Páris Fernandes, citando Vaz Serra, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, pág. 374).
“Mas porque a fixação de um prazo curto de prescrição do direito de indemnização – justificada pelas vantagens de uma discussão rápida da questão -, não deve desatender ao interesse legítimo do credor da indemnização a não ver prescrito o seu direito antes de o poder ter exercido, o legislador determinou que este prazo se conta a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete e não, como estabeleceu quanto ao prazo ordinário, a partir do facto danoso” (Gabriela Páris Fernandes, in ob. cit., pág. 375).

A definição do conceito de “conhecimento do direito que lhe compete por parte do lesado” em alguns casos reveste-se de complexidade. Daí que, a “jurisprudência, revelando a preocupação de ater-se a um critério que apele a um mínimo de objetividade (...) tem decidido que o prazo curto de prescrição estabelecido no nº 1 do art. 498º se conta a partir da data em que o lesado “conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu” (Ac. STJ 27.11.1973 (...) e Ac. STJ 06.10.1983), mais esclarecendo que o momento em que se inicia o prazo curto de prescrição é aquele em que sejam conhecidos do lesado os pressupostos da ação de indemnização, traduzidos nos seus elementos fácticos, e não o do reconhecimento judicial da verificação do facto lesivo e sua qualificação, v.g., como facto ilícito, em ação que, para este último efeito, tenha sido proposta (cfr. Acs. STJ 18.04.2002, 03.112005, 4.11.2008, 23.02.2010). Assim, por ex., se alguém adquire a propriedade de um determinado imóvel e outrem – ilicitamente, porque sem título e sem consentimento – o ocupa, é a partir do conhecimento dessa situação que se conta o prazo de prescrição do direito à indemnização pelo dano sofrido com a ocupação e não a partir do trânsito em julgado de uma eventual ação de posse judicial avulsa que, com esse mesmo fundamento, tenha sido proposta contra o ocupante” (Gabriela Páris Fernandes in ob. cit., pág. 375, com sublinhado e bold nossos).

Em consonância com o entendimento expendido e com o exemplo dado, o acórdão do STJ de 3.11.2005 (P 04B4235 in www.dgsi.pt), sumariou que:

1 - Se alguém adquire a propriedade de um determinado imóvel e outrem - ilicitamente, porque sem título e sem consentimento - o ocupa, é a partir do conhecimento dessa situação que se conta o prazo de prescrição do direito à indemnização pelo dano sofrido com essa ocupação.
2 - O prazo de prescrição de três anos inscrito no art. 498, nº1 do CCivil conta-se a partir dessa data e não do trânsito em julgado de uma eventual acção de posse judicial avulsa que, com esse mesmo fundamento, tenha sido interposta contra esse outrem.”
E, explica esse acórdão, na sua fundamentação, que “se alguém entra na propriedade de um determinado imóvel e outrem - ilicitamente, porque sem título e sem consentimento - o ocupa (o que provoca o correspondente dano ao proprietário) esse alguém conhece, a partir do momento em que toma contacto com essa violação ilícita daquilo que é seu, o seu direito a ser indemnizado pelo prejuízo que está a sofrer, embora desconheça ainda designadamente a extensão integral do seu "sofrimento".
Este direito a ser indemnizado existe ou não existe, mas se existe, existe e é conhecido a partir desse preciso momento. Não passa a existir e a ser conhecido apenas no momento - posterior - em que vier a ser reconhecido por decisão judicial transitada.
Basta pensar, até, que uma decisão de tal tipo tem natureza declarativa e não natureza constitutiva: ela declara, se vier a tornar-se necessária, a existência de um direito e não é ela que faz nascer um direito (que, já existente, se limitou a declarar)” (bold e sublinhados nossos).

Na mesma linha de entendimento, o acórdão do STJ de 4.11.2008 (P 08A3127 in www.dgsi.pt), sumariou que:

III) – No âmbito da responsabilidade civil extracontratual o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, pelo que se os ora AA. tiveram consciência que os factos alegados nos processos contra si intentados, virtualmente, violavam seus direitos de índole patrimonial e moral e eram causadores de danos, nada os impedia de, desde logo, intentarem acção ressarcitória, não carecendo, sequer, de indicar o valor exacto dos danos – nem esperar por decisão judicial que, naqueloutras acções lhes desse ganho de causa.
IV) – O lesado tem conhecimento do direito que invoca – para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – art.498º,nº1, do Código Civil – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil – [facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano].

Também o acórdão do STJ de 23.2.2010 (P 3165/08.OTBPRD.P1.S1 in www.dgsi.pt) sufragou entendimento análogo, constando do seu sumário que:
I. O prazo estabelecido no art. 498.º-1 do CC. conta-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e o pode exercer.
II. Numa acção de indemnização, o momento em que o direito pode ser exercido é aquele em que sejam conhecidos do lesado os pressupostos da acção, traduzidos nos seus elementos fácticos, e não o do reconhecimento judicial da sua verificação e qualificação” (bold e sublinhados nossos).

E, explica o acórdão na sua fundamentação, que ” [a] lei não exige que o início do prazo prescricional se dê com o momento em que o direito fique definido ou judicialmente reconhecido, mas tão só e apenas que seja conhecida do lesado o direito à indemnização pela produção dos danos e possa ser exercido:
Ora o direito de indemnização previsto no art. 498.º-1 (responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos quando não tenha na sua fonte um crime), pode ser exercido logo que conhecidos do lesado os respectivos factos pressupostos.
Com efeito, os pressupostos preenchem-se com factos e todos os factos eram já conhecidos dos AA.. O que não era conhecida era a qualificação que o Juiz iria atribuir ao acto promovido pelos Recorrentes que levou ao decretamento da penhora de seus bens.
A prosseguir-se o entendimento dos Recorrentes, não podia instaurar-se nenhuma acção de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, sem que houvesse outra acção anterior, de simples apreciação, que definisse a natureza do acto (lícito ou ilícito).
É este o entendimento maioritário sufragado no Supremo, expresso designadamente nos Acs. do STJ nas datas e processos seguintes:
- 2005.11.03 (Pires da Rosa, Custódio Montes e Neves Ribeiro) no processo 04B4235; (2)
- 2005.11.29 (Salvador da Costa, Ferreira de Sousa, Armindo Luís) no processo 05B3557,
- 2007.05.29 (Ribeiro de Almeida, Nuno Cameira, Sousa Leite) no processo n.º 07A1340;
- 2009.09.22 (Alves Velho, Moreira Camilo e Urbano Dias), no processo n.º180/2002.S2.
- todos eles in www.dgsi.jstj.pt” (sublinhado nosso).

Neste último acórdão citado (de 2009.09.22 P n.º180/2002.S2 in www.dgsi.pt) esclarece-se, de forma muito elucidativa, que “[o] início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização (arts. 306º-1 e 498º-1 cit.).
Consequentemente, como a própria lei consagra, o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano e, apesar disso, não tenha agido judicialmente, reclamando o reconhecimento e efectivação da indemnização. Se e enquanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo trienal a partir do momento desse conhecimento.
Como vem sendo entendido, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização “pelos danos que sofreu” (cfr. Ac. STJ, de 12/3/96, BMJ 455º-447; MENEZES CORDEIRO, “Direito das Obrigações”, 2º vol., 1994, pg. 431; RODRIGUES BASTOS, “Notas ao Código Civil”, II, 298; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 649).
Daí decorre que, a partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento no triénio anterior.
Ao prever a aplicação do prazo de prescrição ordinário relacionando-a com o facto ilícito danos, reservando o prazo trienal para os casos de conhecimento do direito, a lei despreza, no prazo curto, a relevância data do facto ilícito danoso, como início do prazo extintivo, fazendo-a depender apenas do conhecimento do dano.
Prazo que, então, se justificará por o lesado, conhecendo o dano, estar de posse de todos os pressupostos de reparabilidade. Não sendo esse o caso, aplicar-se-á o prazo de prescrição ordinário, a contar da data do facto danoso, que será o elemento relevante.”

Transpondo estas considerações gerais para o caso concreto, verifica-se que a autora pretende exercer o seu direito a ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu com a declaração de insolvência da sociedade EMP02..., da qual detinha a integralidade do capital social. A causa de pedir em que alicerça esse pedido consiste na realização de um arresto requerido pela EMP01..., de forma ilegal e sem fundamento, o qual teve como consequência a completa impossibilidade de continuação da atividade da sociedade, por terem sido removidos todos os bens existentes nas instalações em que laborava, e por não ser viável a obtenção de financiamento bancário, por também terem sido arrestados dois imóveis pertencentes à autora e ao seu falecido marido necessários para garantir a obtenção de crédito.
Em consequência do encerramento da EMP02... e da sua consequente insolvência, provocada pelo arresto ilegal que a EMP01... requereu, a autora sofreu diversos prejuízos, nomeadamente:
- o não recebimento de remunerações, enquanto gerente-trabalhadora da EMP02..., desde maio/junho de 2015 até setembro de 2024, no valor de € 404 796,20;
- o desaparecimento do valor económico da sua participação social na EMP02... que ascendia a € 536 288,43;
- a impossibilidade de acesso a pensão de velhice, visto que deixou de poder contribuir para a Segurança Social, o que a impede de vir a beneficiar de reforma desde os 67 anos e 9 meses até aos 84/85 anos (esperança média de vida), devendo a ré pagar a esse título a quantia mínima de € 350 000,00;
- danos não patrimoniais decorrentes de dores, mazelas e problemas psicológicos, que estima em € 300 000,00.

Perante o pedido e causa de pedir invocados, conclui-se que a autora teve conhecimento dos pressupostos fácticos relativos à responsabilidade civil logo que foi realizado o arresto que reputa ilegal ou, o mais tardar, quando foi declarada a insolvência da sociedade EMP02..., pois todos os danos peticionados decorrem da insolvência da sociedade causada pelo arresto.
O que significa que, no limite, a autora teve conhecimento do seu direito em 4.4.2016, data em que transitou em julgado a decisão que declarou a insolvência da sociedade EMP02... (facto 3).
Consequentemente, a contagem do prazo de prescrição de três anos previsto no nº 1 do art. 498º do CC iniciou-se nesta data e completou-se em 4.4.2019.
O que significa que, quando a ação foi proposta, em 23.10.2024, o direito da autora já se encontrava prescrito.

Relativamente à concreta argumentação da autora para defender que o seu direito não se encontra prescrito, a mesma considera que o prazo prescricional se conta “do momento (...) em que teve a certeza jurídica de que o arresto e a atuação da EMP01... foram injustificados – ou seja, apenas com o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 28.10.2021”.
Em abono desta posição sustenta que “[o] “conhecimento do direito” pressupõe certeza jurídica quanto à ilegitimidade do ato causador do dano – o que, no caso, só se confirmou com a decisão definitiva que afastou a responsabilidade de AA, ou seja, aquando do trânsito em julgado do Acórdão”.

Já acima referimos abundantemente as considerações doutrinais e a jurisprudência sufragada pelo STJ que afastam este entendimento, pois o que releva para efeitos de início do prazo prescricional de três anos é o conhecimento dos pressupostos fácticos da responsabilidade civil (facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo causal entre o facto e o dano) e não o reconhecimento judicial da sua verificação e qualificação.
Por assim ser, não é com o trânsito em julgado da decisão proferida na ação nº 4085/15.7T8GMR (ação principal de dívida, que prosseguiu apenas contra a autora), que a autora tem conhecimento do seu direito, visto que já em data anterior tinha conhecimento de todos os pressupostos fácticos da responsabilidade civil extracontratual.
A autora argumenta que, “no que respeita a danos continuados e prejuízos de natureza sucessiva, a lesão invocada pela Autora AA (privação de rendimentos, inexistência de contribuições para a Segurança Social, impossibilidade de hipotecar imóveis e danos morais) só se consolidou ao longo do tempo, sendo que a violação foi mantida até à decisão final da ação principal”, por isso, entende que, tratando-se de “dano continuado ou sucessivo, o prazo de prescrição pode ser contado a partir da consolidação dos prejuízos ou do facto ilícito originador ser declarado por sentença.”

No caso em apreço, atentos os danos invocados estamos perante danos futuros. O nº 1 do art. 498º do CC refere de forma clara e expressa que, para efeitos de prescrição, não releva o conhecimento da extensão integral dos danos. Assim, desde que exista conhecimento fáctico do dano, a prescrição trienal inicia-se, mesmo que ainda não se conheça a integralidade do dano.
Por um lado, esta solução legal harmoniza-se com o regime constante do nº 2 do art. 564º do CC onde se prevê que se atendam aos danos futuros previsíveis e que, se os mesmos não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, e ainda com o regime constante do art. 567º do mesmo diploma, onde se prevê que, atendendo à natureza continuada dos danos, o tribunal possa dar à indemnização a forma de renda, vitalícia ou temporária.
Por outro lado, esta solução articula-se com a faculdade concedida pelo art. 569º do CC, de o lesado não ter de indicar a importância exata em que avalia os danos e de, apesar de ter peticionado determinado quantitativo, poder, no decurso da ação, reclamar quantia mais elevada caso se revelem danos superiores aos que foram inicialmente previstos; e com a possibilidade de formulação de um pedido genérico, por se tratar de uma situação em que não é ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito (art. 556º, nº 1, al. b) do CPC). Neste caso, o pedido é formulado de forma genérica e será concretizado, através de incidente de liquidação, nos termos do disposto no art. 358º (art. 556º, nº 2, do CPC).
No caso sub judice, não obstante parte dos danos peticionados se irem consolidando com o passar do tempo, os mesmos têm origem num mesmo facto ilícito (arresto ilegal do qual decorreu a insolvência da EMP02...) e o facto ilícito originador de responsabilidade não tem, ele próprio, natureza duradoura ou continuada.
Assim, a contagem do prazo inicia-se no momento do conhecimento do direito, que, no caso concreto, se reporta a 4.4.2016, data em que transitou em julgado a decisão que declarou a insolvência da sociedade EMP02... (facto 3).
A autora argumenta ainda que, antes da prolação do acórdão da Relação de Guimarães existia uma impossibilidade de exercício do direito, pelo que o prazo se suspende ou não se inicia enquanto o lesado não puder utilmente exercer o seu direito, o que se aplica a situações de dependência de decisão anterior.
Já explicámos anteriormente, de forma que pensamos suficiente, que assim não é, e não existe nenhuma impossibilidade de exercício do direito, podendo a autora exercê-lo a partir do momento em que teve conhecimento dos pressupostos fácticos da responsabilidade civil, formulando um pedido genérico, sujeito a posterior liquidação, quanto aos danos futuros, não exigindo a lei a existência de qualquer decisão judicial prévia.
Por último, a interpretação de que a autora tinha que exercer o seu direito antes da decisão proferida na ação nº 4085/15.7T8GMR (ação principal de dívida, que prosseguiu apenas contra a autora), não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20º da CRP.
O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20º da CRP é um dos princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais com consagração constitucional.

Dispõe o referido artigo que:

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

Os direitos consagrados neste artigo não são direitos absolutos e irrestritos, havendo situações em que o legislador infraconstitucional os pode limitar de forma legal e justificada nomeadamente para salvaguardar outros direitos, obtendo entre eles uma concordância prática
Assim, por exemplo, pese embora o aludido princípio, é pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência, mormente na do Tribunal Constitucional, que o legislador ordinário pode limitar o direito ao recurso.
Ora, a consagração legal de que o prazo de prescrição trienal se conta do conhecimento por parte do lesado dos pressupostos fácticos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, e não de uma decisão judicial que os declare total ou parcialmente verificados, não integra uma violação inconstitucional do princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, mas sim uma opção do legislador ordinário quanto aos termos concretos de exercício de um direito e à contagem do respetivo prazo de prescrição. Opção essa motivada, como já supra exposto, pelas vantagens de uma discussão rápida da questão e para evitar as dificuldades de produção de prova que se podem suscitar, particularmente no que toca à prova testemunhal.

De tudo quanto se acaba de expor resulta que a contagem do prazo de prescrição de três anos previsto no nº 1 do art. 498º do CC iniciou-se em 4.4.2016 e completou-se em 4.4.2019.
O que significa que, quando a ação foi proposta, em 23.10.2024, o direito da autora já se encontrava prescrito.
Nestes termos, improcede o recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
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De acordo com o disposto no art. 6º, nº 1, do RCP, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa.
A taxa de justiça é, pois, “a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço” (Salvador da Costa in “Regulamento das Custas Processuais”, 2ª ed., 2008, p. 6).
Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B anexa ao RCP (art. 6º, nº 2, do RCP), a qual contém como último escalão o correspondente a ações de valores compreendidos entre € 250 000,01 e € 275 000,00.
Para além dos € 275 000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25 000 ou fração, 1,5 UC, no caso da col. B.
Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 529º, nº 2, do CPC, e 6º, nº 1, do RCP, os critérios de ponderação na fixação do montante da taxa de justiça são o valor e a complexidade da causa.
Dispõe o art. 6º, nº 7, do RCP, que, nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
O referido normativo visa, excecionalmente, atenuar a obrigação de pagamento da taxa de justiça em ações de valor mais elevado visando o legislador “estabelecer mecanismos de correção de eventuais efeitos decorrentes da aplicação da regra da proporcionalidade entre o valor da causa e o valor da taxa de justiça, tendo em consideração os princípios da proporcionalidade, da igualdade e o direito ao acesso aos tribunais (artigos 18º, nº2, 13º e 20º, todos da Constituição da República Portuguesa), porquanto, em algumas das situações, não havia qualquer correspondência ou justificação entre a utilização da máquina judiciária e os valores finais que as partes tinham de suportar” (Acórdão do STJ, de 24.10.2019, Relator Pedro Lima Gonçalves in www.dgsi.pt).
Portanto, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ocorrer quer em função da complexidade da causa, quer em função da conduta processual das partes, numa análise feita sob a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Ora, no caso em análise, não existe uma correspondência entre o elevadíssimo valor da ação (€ 1 591 084,63) e a complexidade do recurso e a sua tramitação processual. Por outro lado, a conduta processual das partes pautou-se por critérios objetivos e de rigor, limitando-se a apresentar as peças processuais legalmente previstas para defesa dos direitos de que se arrogam e sustentação das posições jurídicas que sufragam, sendo que as alegações não são prolixas ou extensas. Assim, numa análise feita sob a ponderação do princípio da proporcionalidade, considera-se verificada a previsão do art. 6º, nº 7, do RCP, justificando-se, por isso, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente ao recurso.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando o saneador-sentença recorrido.
Custas da apelação pela recorrente, dispensando-se o pagamento da taxa de justiça remanescente.
Notifique.
*
Guimarães, 25 de setembro de 2025

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Carlos Pereira Duarte
(2º/ª Adjunto/a) Susana Raquel Sousa Pereira