Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
| Descritores: | ACÇÃO SUB-ROGATÓRIA REPÚDIO DA HERANÇA PROCESSO DE EXECUÇÃO COMPETÊNCIA MATERIAL | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. O credor que queira sub-rogar-se aos herdeiros repudiantes do devedor falecido, para poder aceitar a herança em nome destes e executar os bens da mesma (art. 2067º CC) deve intentar uma acção sub-rogatória, prevista no art. 1041º CPC, a qual em concreto é tramitada de acordo com as regras de jurisdição voluntária (arts. 986º e 1041º CPC). Isto significa que lhe são aplicáveis as disposições dos artigos 292º a 295º CPC, que regem para os incidentes da instância e criam uma modalidade processual simplificada. 2. Quando está pendente a acção executiva, e ocorre o falecimento dos executados e o repúdio da herança pelos sucessores, a acção de sub-rogação (prevista no art.º 1041º do CPC) constitui um verdadeiro incidente da acção executiva. 3. De acordo com o art. 91º,1 CPC, “o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”. 4. Assim, quando intentada por apenso à acção executiva, o juízo de execução é competente para apreciar e julgar a acção sub-rogatória, ex vi dos arts. 91º CPC e 129º,1 LOSJ. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório Banco 1..., Crl., pessoa colectiva nº ...93, com sede na Praça ..., ..., freguesia ..., concelho ..., veio por apenso a processo executivo pendente no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – J... sob o nº 4425/23.5T8VNF, instaurar acção sub-rogatória, nos termos do disposto no art. 1041º do CPC, contra AA e vários outros, alegando em síntese que em 04/02/2014 os mutuários BB e CC foram declarados insolventes por sentença, já transitada em julgado, sendo que a exequente embora tenha logrado ali ver reconhecido o seu crédito resultante do empréstimo e títulos dados aqui à execução, nada recebeu. Entretanto o garante e avalista DD faleceu no dia ../../2016 e mais tarde, em 22/07/2020, faleceu a também a garante e avalista EE, viúva daquele. Assim a obrigação é actualmente das suas heranças, aqui representadas pelos seus sucessores. Porque não foi intentada a habilitação de herdeiros da executada EE atempadamente, em 03/12/2021 foi declarada extinta a execução nº 5380/14.8T8VNF, com fundamento na deserção da instância por falta de impulso processual há mais de seis meses. Ainda não se procedeu à partilha dos bens que compõem o seu acervo hereditário, mas já se procedeu à habilitação judicial de herdeiros do falecido DD e mais tarde de EE. A Exequente/Autora intentou nova execução, à qual foi atribuído o nº 4425/23.5T8VNF e corre termos neste Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juiz 1, desta feita contra os Réus em representação da herança ilíquida e indivisa de DD e mulher, EE, representada por os ali identificados e todos executados. Até esta data a exequente, aqui Autora, não recebeu qualquer quantia do que lhe é devido. Foi penhorado o acervo hereditário que compõe a herança ilíquida e indivisa por óbito dos pais dos executados/garantes, composto unicamente por um prédio urbano, que tem um valor de mercado de € 50.000,00. Porém, os herdeiros/executados AA e mulher FF repudiaram a herança, por si e em nome e representação das menores suas filhas. O único bem/direito hipotecado – aquele imóvel, é manifestamente insuficiente para liquidar a quantia exequenda e acréscimos. E são desconhecidos outros bens das referidas heranças representada pelos executados/habilitados. Os Executados/Réus/repudiantes tiveram como único fito evitar a execução deste seu património, ou seja, evitar a execução do direito à herança de que os mesmos passaram a ser titulares após o decesso de seus pais. A Exequente/Requerente/Autora está impossibilitada de satisfazer integralmente o seu crédito, e verificam-se os pressupostos ou requisitos para o exercício da acção sub-rogatória a que se refere o art. 1041º do Cód. Processo Civil (cfr.2067º do Cód. Civil). Pede pois que a presente acção seja julgada procedente e, em consequência: 1. Declarar-se o direito da Exequente/Requerente aceitar a herança em nome dos 1ºs, 2ª, 3ª, 4ª, 5º e 6º Requeridos e por eles repudiada, ficando sub-rogada na posição destes, nos termos do artigo 2067º do Código Civil e artigo 1041º do Código de Processo Civil, condenando-se os Réus a reconhecê-lo; 2. Condenarem-se solidariamente os Requeridos, enquanto herdeiros habilitados da referida herança, a pagarem à Requerente o seu crédito no montante actual de €403.063,99 (quatrocentos e três mil e sessenta e três euros e noventa e nove cêntimos), acrescido dos juros vincendos à mesma taxa de Eur. 06TM+2%, actualmente de 6,065%, acrescida da sobretaxa de 3% de mora e respectivo imposto de selo, tudo até efectivo e integral pagamento, de modo a que a Requerente na procedência da acção possa executar a sentença contra a herança referida/repudiada pelos 1ºs RR., pagando-se à custa dos bens que a integram. O Tribunal proferiu despacho de indeferimento liminar desta acção, nos seguintes termos: “-INDEFERIMENTO LIMINAR- Veio a requerente Banco 1..., por apenso à execução n.º 4425/23.5T8VNF, intentar a acção sub-rogatória a que se reportam os artigos 2067.º do CC e 1041.º do CPC. Alegou, para tanto e em síntese, que no seguimento do falecimento dos avalistas DD e EE, ambos solidariamente responsáveis com os mutuários BB e mulher CC pelo pagamento da quantia exequenda reclamada nos autos principais, a obrigação passou a ser das suas heranças, representadas pelos seus sucessores. Nesse seguimento, e face ao repúdio da herança por parte de AA e mulher FF (e das filhas destes, GG e HH), bem como, II, JJ e KK pretende através da presente acção ver reconhecido o direito de aceitar a referida herança, em sub-rogação dos acima referidos herdeiros. Determina o art. 590º,1 CPC, que, nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quanto o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepção dilatórias insupríveis de que o juiz deva conhecer oficiosamente. Ora, dispõe o nº 1 do artigo 2067º do Código Civil que «os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos do artigo 606.º e seguintes» e, nos termos do disposto no artigo 606.º do Código Civil, para o qual remete o regime anteriormente enunciado, «sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular» (n.º 1). «A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor» (n.º 2). Por sua vez, estabelece o artigo 1041.º, n.º 1 do CPC, com a epígrafe “Acção subrogatória”, que «a aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio» avançando o seu n.º 2 que «obtida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança». A este respeito refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/03/2022, (processo n.º 80/20.2T8ALJ.G1, relator José Cravo), que «a aceitação da herança pelos credores do repudiante produz um relevante efeito na situação patrimonial do devedor e dos herdeiros subsequentes: o primeiro, na medida da satisfação dos créditos pela herança, fica liberto das correspondentes dívidas, sem que tal ocorra à custa do seu património; os segundos, por seu lado, não recebem o património tal como, em princípio, o repúdio lhes facultaria, pois percebem-no desfalcado dos bens necessários para pagar aos credores do repudiante, em virtude da perturbação sofrida pelo fenómeno sucessório». Por seu turno, exarou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/12/2012, (processo n.º 1022/03.5TBMTJ.L1-7 relatora Ana Resende) que «em causa está a faculdade concedida no art.º 2067, do CC, aos credores pessoais do sucessível, no desde logo necessário pressuposto que este repudiou a herança, aceitando aqueles a herança em nome deste último, configurando-se, desse modo como um meio de tutela do direito comum de garantia dos credores, consubstanciado na designada acção sub-rogatória, de harmonia com o disposto no art.º 606, também do CC.». No entanto esta acção sub-rogatória, para efeito de aceitação da herança em nome do devedor repudiante, deverá ser feita em acção declarativa de condenação em processo comum, ao abrigo da conjugação dos artigos 10.º, 546.º, 548.º e 1041.º, todos do CPC (cfr., neste sentido, ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, Maio, 2020, p. 484.) Ora, de acordo com o disposto no artigo 65º do CPC «as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada.», sendo que os juízos de execução são juízos de competência especializada [cfr. artigo 81º, n.º 3, alínea j), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (na versão dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro)]. Preceitua o artigo 129º da Lei da Organização do Sistema Judiciário que: «1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil. 2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível. 3 - Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor.». Assim, conforme resulta deste normativo legal, os juízos de execução apenas têm competência para a tramitação dos processos de execução de natureza cível, que não sejam excluídos por lei. Por outro lado, os juízos de execução serão ainda competentes para a tramitação dos incidentes da acção executiva, conforme previsto no artigo 91º do CPC, sendo certo, porém, que a acção sub-rogatória não constitui um incidente, mas antes uma acção declarativa de condenação autónoma, que deverá seguir a forma de processo comum, não estando abrangido pela competência dos juízos de execução a tramitação de acções declarativas. O tribunal competente para a tramitação e apreciação desta acção não é, pois, o juízo de execução, o qual carece de competência material para a sua apreciação, mas sim os juízos cíveis. A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, a qual constitui uma excepção dilatória, que é de conhecimento oficioso, pode ser conhecida nesta fase do processo e, neste caso, implica o indeferimento liminar da petição inicial (cfr. artigos 96º, alínea a), 97º, n.ºs 1 e 2, 99º, n.º 1, 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, alínea a) e 590.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil). Pelo exposto, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria e, em consequência, indefere-se liminarmente a petição inicial. Custas pelo autor, fixando-se à causa o valor de 403.063,99€ (art.º 306.º, n.º 1 e 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Registe e notifique, incluindo ao Ministério Público (cfr. artigo 252º do CPC)”. A exequente, inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC). Termina com as seguintes conclusões: 1. Se na sequência da penhora determinada nos autos de execução os executados repudiam a herança, e se o exequente credor, preenche os requisitos e tem os fundamentos para intentar acção sub-rogatória, esta deve correr por apenso a essa execução e, por conseguinte, é este Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1 (onde correm os autos de execução) o materialmente competente. 2. Estipula o art. 91º do CPC, inserto no capítulo IV do mesmo diploma e que tem por epígrafe “da extensão e modificação da competência“, “o Tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que os réus suscitem como meio de defesa“. 3. Socorrendo-se até na sua tramitação do princípio ou prerrogativa da adequação formal às especificidades da causa e adoptando o conteúdo e a forma dos actos processuais, fazendo até juz ao princípio da economia processual. 4. De resto, sem esquecer o disposto no art. 100º do CPC, também sobre esta questão o Juízo Local Cível de Amares, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, se declarou materialmente incompetente, donde resultaria que afinal nenhum era competente e estaríamos perante um conflito negativo de competências. 5. De facto, atentos os factos alegados e o tipo de acção – processo de jurisdição voluntária – acção sub-rogatória – é este Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1 (onde correm os autos de execução) o materialmente competente, pois que aquela deve correr onde corre a execução, onde a questão – repúdio – foi suscitado e deve correr por apenso, por economia até processual, 6. Só assim não seria se não corresse ainda nenhuma acção executiva. 7. A competência do Juízo de Execução encontra-se balizada: ela restringe-se aos processos de execução de natureza cível (nos quais se englobam, necessariamente, os respectivos apensos, ainda que de natureza declarativa). 8. A decisão desta acção sub-rogatória não está excluída das competências dos juízos de execução, pois que nos termos do nº 2 do art. 129º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro e pelo DL 86/2016, de 27 de Dezembro apenas “estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível. 9. Inúmeras acções sub-rogatórias seguiram por apenso às respectivas execuções, são exemplo os Acórdãos, que com todo o respeito se juntaram e que aqui se anunciam e invocam: a. Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. 128/10.9TBAMR-B.G1, de 25-03-2021, cuja relatora foi a Exma. Sra. Juíza Desembargadora Raquel G. C. Batista Tavares – proferido na sequência de um processo igual que também por este Juízo correu seus termos (cfr. doc 10 junto com a PI) (doc. 3) b. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, Processo 44/05-3, de 06-10-2005, cujo relator foi a Exma. Srº. Juiz Desembargadora Maria Alexandra Santos; c. Sentença do Juiz 1 deste Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, relativamente ao processo nº 128/10.9TBAMR-B. 10. No caso dos autos, correndo acção executiva para cobrança dos créditos da autora contra os repudiantes, é nesta que se pede a aceitação da herança (do bem penhorado) que os devedores/executados rejeitaram; pois que, de acordo com o disposto pelo artigo 129.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro e pelo DL 86/2016, de 27 de Dezembro, - e que estabeleceu as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário, criando, dentro dos novos tribunais de comarca, as instâncias centrais de competência especializada; como os Juízos de Execução -, a estes cabem, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil. 11. O despacho recorrido viola, nomeadamente, o preceituado no artigo 40º e 129º da lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei 40-A/2016, de 22 de Dezembro e pelo DL 86/2016 de 27 de Dezembro e art. 91º do CPC. Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido para subir, como apelação [art. 644º, nº 2, al. b) do CPC, “ex vi” do disposto no artigo 853º, nº1, do CPC), com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo [art. 645º,1,a), 647º,1 CPC, “ex vi” do disposto no artigo 853º,1 CPC). II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se os Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão são materialmente competentes para tramitar a presente acção. III Estamos perante uma questão de competência, tão típica dos sistemas jurídicos da Europa Ocidental, em que em vez de se discutir qual a solução para o litígio que as partes trouxeram perante o Tribunal, se vai passar uma considerável parte do tempo a discutir qual o Tribunal que irá poder apreciar essa questão. Prossigamos pois. Qualquer pretensão trazida a Juízo define-se por dois elementos fundamentais: o pedido e a causa de pedir. Não vale a pena perder tempo a definir longamente cada um destes conceitos, pois são por demais conhecidos: o pedido é o efeito jurídico concreto que o autor pretende obter com o processo, e a causa de pedir é a norma ou conjunto de normas jurídicas que, funcionando, produzem esse efeito jurídico pretendido (vertente normativa), ou, de outro prisma, é o conjunto dos factos do mundo do ser que, quando subsumidos às normas jurídicas pertinentes, produzem o efeito jurídico pretendido (vertente fáctica). Não oferece controvérsia que a pretensão da autora nestes autos consiste em sub-rogar-se aos herdeiros repudiantes, para poder aceitar a herança em nome destes (art. 2067º CC). Logo, veio intentar uma acção sub-rogatória, prevista no art. 1041º CPC, que tem como objectivo a aceitação da herança por parte dos credores do repudiante, e nela os aceitantes deduzem o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio, de forma que, obtida sentença favorável, os credores possam executá-la contra a herança. Esta acção de sub-rogação em concreto é tramitada de acordo com as regras de jurisdição voluntária (arts. 986º e 1041º CPC). Isto significa que lhe são aplicáveis as disposições dos artigos 292º a 295º, que regem para os incidentes da instância e, em síntese, criam uma modalidade processual simplificada, em que no requerimento inicial e na oposição que lhe for deduzida devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova, a oposição é deduzida no prazo de 10 dias, a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere, a parte não pode produzir mais de cinco testemunhas, os depoimentos prestados antecipadamente ou por carta são gravados nos termos do artigo 422º, e finda a produção da prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 607º. Passando agora para a questão de saber em que Tribunal deve ser intentada a acção sub-rogatória, a primeira coisa a dizer é que essa pergunta não tem uma resposta universal. Para a solução do caso concreto não nos interessa saber qual o Tribunal competente para uma acção de sub-rogação em geral, mas sim apenas para a acção sub-rogatória prevista no art. 1041º CPC, quando intentada no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa (por apenso à mesma), e que tem como objectivo a aceitação da herança por parte dos credores do repudiante, para poder executar os bens da herança. Nesta situação, como já deixámos antever, a acção de sub-rogação (prevista no art.º 1041º do CPC) constitui um verdadeiro incidente da acção executiva. De acordo com o art. 91º,1 CPC, “o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”. Assim, impõe-se a conclusão de que quando intentada por apenso à acção executiva, o juízo de execução é competente para apreciar e julgar a acção sub-rogatória, ex vi dos arts. 91º CPC e 129º,1 LOSJ. Solução idêntica foi adoptada no Acórdão do TRL de 21 de Maio de 2024 (Diogo Ravara), em situação em tudo semelhante à destes autos, com pesquisa de doutrina e jurisprudência que aqui iremos reproduzir, em parte: “pronunciando-se sobre a matéria da acção sub-rogatória sob o ponto de vista jurídico-processual, à luz do CPC 1961 art.º 1469º deste código, que tem redacção correspondente à do art.º 1041º do CPC2013, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES (“Da aceitação da herança pelos credores do repudiante”, Quid Juris, 2010, pp. 85-86) sustentou que aquela acção poderia revestir as seguintes vestes: “a) se tratar de crédito beneficiário de direito real de garantia sobre bens já penhorados, o meio próprio para o exercer é a acção executiva movida por credores da herança repudiada ou dos herdeiros subsequentes […]; b) se tiver havido declaração de insolvência do repudiante, o meio próprio para invocar o crédito é o processo de insolvência (…); c) se, entretanto, o repudiante tiver falecido e estiver em curso inventário relativo à sua herança, é este o meio próprio para os credores reclamarem os seus créditos […]. Não ocorrendo qualquer destes casos, ou outros com meios processuais específicos, a acção declarativa de condenação apresenta-se como meio próprio”. Mais recentemente ISABEL ALEXANDRE (Acção sub-rogatória (artigos 606.º a 609.º do Código Civil) in "Código Civil - Livro do cinquentenário", vol. I, Almedina, 2019, pp. 695-730.cial pp. 712-719) analisou este tema no contexto do CPC2013, nos seguintes termos: “a acção sub-rogatória não é necessariamente exercida por via judicial, podendo o credor substituir-se ao devedor no exercício de direitos que a este competem fora de um processo judicial (por exemplo, interpelando o devedor do seu devedor para cumprir, nos termos do n.º 1 do artigo 805.º do CC) ou num processo judicial que por si não foi instaurado (por exemplo, invocando, nos termos do n.º 1 do artigo 305.º do CC, a prescrição da dívida cujo pagamento está, por um terceiro, a ser exigido ao seu devedor). Mas, quando o seja – isto é quando o credor proponha uma acção judicial que tenha como objecto a sua substituição ao devedor – e, quando para ela a lei não preveja processo especial (exemplo deste processo especial é o previsto no artigo 1041.º do CPC para a aceitação da herança pelos credores em nome do repudiante, a ele sendo feita referência no ponto seguinte), a acção sub-rogatória pode traduzir-se numa acção declarativa de condenação com processo comum, na qual se peça ao terceiro (devedor do devedor do autor), não a satisfação do crédito do devedor do autor perante este, uma vez que a sub-rogação, aproveitando a todos os credores, implica a entrada do correspondente montante no património do devedor, mas a satisfação do crédito do devedor do autor perante o devedor.” E, mais adiante, acrescenta: “No ponto anterior foram considerados os casos em que para a acção sub-rogatória a lei processual civil não predispõe um processo especial. Na verdade, apenas um processo especial se encontra um particular caso de acção sub-rogatória; trata-se da já várias vezes mencionada acção sub-rogatória de aceitação da herança pelos credores em nome do repudiante, prevista no artigo 2067.º do CC e sujeita a um regime substantivo especial de prazo e de efeitos. Esta acção segue também processo especial, que se encontra regulado no artigo 1041.º do CPC e está sistematicamente enquadrado nos processos de jurisdição voluntária. Tal processo especial, porém, não corresponde a uma acção especialmente intentada pelo credor para a aceitação da herança: diz o nº 1 do artigo 1041.º do CPC, na verdade, que tal aceitação “faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio”. Tal significa que a acção sub-rogatória prevista no artigo 2067.º do CC constitui incidente de uma acção proposta pelo credor, não possuindo autonomia em relação a esta e, justamente, por dela depender, sendo de exercício necessariamente judicial (diversamente do que sucede na generalidade das acções sub-rogatórias). A acção a propor pelo credor, na qual será deduzido o aceitação da herança que a lei qualifica como processo especial acção de cumprimento ou uma acção executiva, no sentido dos artigos 817.º e segs. do CC, uma vez que o n.° 1 do artigo 1041.º do CPC alude a uma dedução de pedido de créditos; não parece poder ser uma acção constitutiva nem de simples apreciação [previstas nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 10.º do CPC], conclusão que é reforçada pelo n.° 2 do artigo 1041.º do CPC, que alude a uma execução contra a herança [execução que, se assente em sentença, sempre pressuporá uma sentença condenatória, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 703.º do СРС]. Assim, o incidente de aceitação da herança não poderá ser deduzido em processo de inventário referente à herança repudiada pelo devedor (…). Mas a acção na qual será deduzido o incidente de aceitação da herança contemplado no artigo 1041.º do CPC pode ser, nomeadamente, e segundo a jurisprudência: -Uma acção declarativa emergente de contrato de o trabalhador formule o pedido de créditos laborais contra o empregador repudiante da herança; -Uma acção declarativa com processo comum, na qual o mutuante formule o pedido de restituição da quantia mutuada contra o mutuário repudiante da herança, a qual será proposta também contra as pessoas para as quais os bens passaram em virtude do repúdio com a finalidade de estas pessoas serem condenadas no reconhecimento do crédito do autor sobre o seu devedor ou, numa formulação inteiramente coincidente e a nosso ver menos feliz (porque o pagamento não pode ser exigido dessas pessoas), no mesmo pagamento desse mesmo crédito.(…) -Uma acção executiva instaurada contra o repudiante da herança, na qual se tenha penhorado o quinhão hereditário do executado, abrigo do n.° 1 do artigo 781.º do CPC, e tendo a pessoa a favor de quem os bens passaram em virtude do repúdio deduzido oposição à penhora.” (…) Do referido preceito decorre, pois, que quando intentada por apenso a ação executiva, nos termos atrás descritos por Isabel Alexandre, haverá que concluir que o juízo de execução é competente para apreciar e julgar a acção subrogatória, nos termos conjugados dos arts. 91º do CPC e 129º, nº 1 da LOSJ”. Veja-se ainda, no mesmo sentido, a decisão sumária desta Relação de 25.3.2021, junta ao requerimento de recurso. Em conclusão, a decisão recorrida não se pode manter, e o recurso procede. Sumário: … IV- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente procedente e em consequência, revogando a decisão recorrida, declara o Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juiz 1 competente para tramitar a acção sub-rogatória supra identificada, que corre por apenso ao processo de execução, devendo assim tal acção prosseguir os seus termos. Sem custas. Data: 16.10.2025 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (Raquel Baptista Tavares) 2º Adjunto (Alcides Rodrigues) |