Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO SAMPAIO | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS LOCAÇÃO FINANCEIRA RESOLUÇÃO DO CONTRATO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - No âmbito do contrato de locação financeira, procedendo o locador à resolução do contrato, cinco anos após o incumprimento e quando todas as rendas já estão vencidas, sabendo-se que as rendas acordadas absorviam a quase totalidade da amortização do capital e dos juros inerentes ao crédito concedido por via da locação, deve proceder a resolução contratual, com a restituição do bem, mas limitar os efeitos da mesma, no que tange ao conteúdo puramente pecuniário da resolução, ao momento em que se verifica a falta de pagamento da renda. II - Com efeito, quando o locador se apresta a resolver o contrato cerca de cinco anos após a data do incumprimento, e quando todas as rendas já estão vencidas, a aplicação da cláusula resolutiva não pode, sob pena de clamoroso abuso de direito, conduzir a uma solução que permita ao locador exigir do locatário as prestações que coincidem com a quase totalidade do cumprimento do contrato e, simultaneamente, manter-se proprietário do bem objeto de locação financeira. III - A situação enquadra-se no abuso de direito na modalidade de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, traduzido no exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO Por apenso aos autos de execução comum n.º 2197/23...., que EMP01..., LD.ª move a EMP02..., SA, foram reclamados os seguintes créditos titulados por: a) EMP03..., SA: crédito no valor de 280.947,21€, acrescido de juros vincendos e imposto de selo até o efetivo e integral pagamento, a graduar por reporte à hipoteca de que dispõe, para garantia do mesmo, sobre as frações autónomas designadas pelas letras ... e ..., integrantes do prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...01, juntando, como título executivo, um contrato de consolidação (acordo de pagamento) [ref.ª ...33 (20/06/2023)] e; b) EMP04..., STC, SA: crédito de 486.518,96€, acrescido de juros e imposto de selo respetivo até o efetivo e integral pagamento, a graduar por reporte à hipoteca de que dispõe, para garantia do mesmo, sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 328/20..., oferecendo como título executivo duas livranças subscritas pela executada [ref.ª ...46 (22/06/2023) e ...11 (27/06/2023)]. * Cumprido o disposto no artigo 789.º do CPC, o crédito reclamado por EMP03..., SA não foi impugnado, ao passo que o crédito reclamado pela credora EMP04..., STC, SA foi impugnado pela executada EMP02..., SA.Invoca, para tanto e em síntese, que a reclamante não é a legítima portadora das livranças fornecidas como título executivo, o preenchimento abusivo das mesmas (por nelas terem sido incluídos valores não devidos, juros alegadamente prescritos e juros sobre juros), como também que a reclamante deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.º 716.º do CPC, iniciando incidente de liquidação tendente ao apuramento dos montantes devidos. Por sua vez, no que tange especificamente à livrança no valor de 468.495,87€, para além do já referido, invocou, em síntese, que a posição manifestada pela reclamante configura uma situação de abuso de direito, dado que, subjacente a esta livrança, está um contrato de locação financeira que, tendo sido resolvido por incumprimento, determinou a restituição do imóvel ao primitivo credor, sendo, por isso, ilegítimo o preenchimento da livrança no segmento em que se reclama a totalidade das renda vencidas [ref.ª ...53 e ...50 (15/09/2023)]. * Respondeu a reclamante (art.º 790.º do CPC), impugnando os termos da reclamação apresentada, concluindo pela exigibilidade da totalidade do valor reclamado [ref.ª ...52 e ...52 (02/10/2023)].* A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:«Pelo exposto, julgo a presente reclamação, verificação e graduação de créditos parcialmente procedente, por provada apenas em parte e, consequentemente, decido: A) Julgar verificado o crédito reclamado pelo EMP03..., SA, no valor de 280.947,32€, sendo a quantia de 183.002,65€ relativa a capital, acrescida de juros convencionados à taxas de 6,374% (taxa de juros remuneratórios de 3,374%, acrescida de 3% de sobretaxa), que na data da reclamação ascendiam a 86.544,77€, bem como Imposto de Selo cálculos sobre estes no valor de 3.461,79€, tudo acrescido de juros vincendos e Imposto de Selo desde a data da reclamação até efetivo e integral pagamento; B) Julgar verificado o crédito reclamado pela EMP04... – STC, SA no valor global de 175.452,73€ (cento e setenta e cinco mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e setenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, calculados desde 22/06/2023 até efetivo e integral pagamento, bem como de Imposto de Selo devido sobre estes juros. C) Graduar o crédito verificado a EMP03..., SA referido em a), no confronto com o crédito exequendo, por referência às frações designadas pelas letras ... e ..., integrantes do prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...40, do seguinte modo: 1.º Crédito do EMP03..., SA, até ao limite máximo garantido de 295.690,50€ (duzentos e noventa e cinco mil seiscentos e noventa euros e cinquenta cêntimos); 2.º Crédito exequendo D) Graduar o crédito verificado à EMP04..., STC, SA referido em b), no confronto com o crédito exequendo, por referência ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 328/20..., do seguinte modo: 1.º Crédito da EMP04..., STC, SA até ao limite máximo garantido de 27.400,00€ (vinte e sete mil e quatrocentos euros); 2.º Crédito exequendo As custas da reclamação formulada pelo EMP03..., SA são suportadas pela executada EMP02..., SA e as da reclamação apresentada pela EMP04..., STC, SA são da responsabilidade desta e da executada EMP02..., SA, na proporção do decaimento que, respetivamente, se fixam em 63,94% e 36,06% (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 e 528.º do CPC). Registe e notifique.» * Não se conformando com a decisão, veio o credor EMP04..., STC, SA dela interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:A. Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos na qual foi reconhecido parcialmente o crédito reclamado pela ora Recorrente; B. A Recorrente apresentou reclamação de créditos relativa a dois contratos de financiamento no montante global de € 486.518,96; C. Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos na qual foi reconhecido parcialmente o crédito reclamado pela ora Recorrente, no que respeita ao contrato de locação financeira imobiliária n.º ...04; D. O qual não foi reconhecido em conformidade com o reclamado em sede de sentença proferida em 23/02/2024; E. Não obstante, e se o tribunal bem andou no que se reporta ao reconhecimento e graduação do contrato de financiamento n.º ...21, o mesmo, salvo melhor entendimento não aconteceu relativamente ao contrato de locação financeira imobiliária n.º ...04. F. O qual não foi reconhecido em conformidade com o reclamado em sede de sentença proferida em 23/02/2024. G. Conforme resulta da própria sentença e da qual é interposto o presente recurso, por decisão proferida em 13/08/2017 e, H. na sequência da reclamação à lista provisória de credores no âmbito do processo especial de revitalização que correu termos sob o n.º 4385/17...., no ... Juízo do Juízo de Comercio de ..., foi reconhecido a ora Recorrente um crédito no valor total de € 442.514,18. I. Pelo que, tratando-se do mesmo crédito, as mesmas partes, não se entende e porque transitado em julgado e já consolidado no ordenamento jurídico, sem oposição àquela data, o reconhecimento do crédito que, seja agora reconhecido diferente montante. J. À data da apresentação dos planos especiais de revitalização os valores reclamados correspondiam ao valor em dívida aquela data, e que o aludido contrato foi objecto de várias alterações. K. Importa igualmente referir que o imóvel objecto de locação financeira era um armazém, necessário e indispensável à actividade da empresa e essencial para a sua eventual revitalização. L. Mais se esclarece que, contrariamente ao mencionado na sentença, o Banco Cedente não aguardou pelo término do contrato para operar a resolução, até porque, conforme consta do próprio clausulado contratual, em caso de incumprimento sempre teria direito ao valor das rendas contratadas. M. O imóvel objecto de locação apenas foi entregue de forma coerciva, porquanto o aqui recorrente instaurou uma providência cautelar para o efeito em 08/06/2022 e que correu termos sob o processo n.º 3129/22...., e no âmbito do qual ocorreu a entrega do imóvel, não tendo sido entregue de forma voluntária N. Foram violadas, violadas, entre outras disposições, o previsto nos artigos 580º e 788º e seguintes do Código de Processo Civil, e ainda o diploma DL n.º 149/95 de2 4 de Junho artigo 3º n.ºs 1 e 2, artigo 6º, 7º e 281º todos do Código de Processo Civil. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOO objeto do presente recurso reconduz-se a saber se deve ser reconhecido pela totalidade o crédito reclamado pela recorrente. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO1. Na execução apensa, intentada pela exequente EMP01..., LD.ª contra a executada EMP02..., SA, foram penhorados os seguintes bens imóveis, penhoras essas registadas através da Ap. n.º 1034, de 28/04/2023; 1.1. Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 328/20...; 1.2. Fração autónoma designada pela letra ... integrante do prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...01, e; 1.3. Fração autónoma designada pela letra ... integrante do prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...01; 2. Na execução foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 786.º e 788.º do CPC, citando-se os credores titulares de garantias reais inscritas sobre os prédios referidos em 1), bem como a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP; 3. No dia 20/06/2023, o Banco 1..., SA reclamou um crédito no valor total de 280.947,32€, sendo a quantia de 183.002,65€ relativa a capital, acrescida de juros convencionados à taxas de 6,374% (taxa de juros remuneratórios de 3,374%, acrescida de 3% de sobretaxa), que, na data da reclamação, ascendiam a 86.544,77€, bem como Imposto de Selo calculados sobre estes no valor de 3.461,79€, tido acrescido de juros vincendos e Imposto de Selo desde a data da reclamação até efetivo e integral pagamento. 4. O crédito referido em 3) resulta do acordo escrito, designado de «contrato de consolidação (acordo de pagamento)», celebrado entre o Banco 2..., SA, atualmente Banco 1..., SA, e a executada EMP02..., SA, datado de 26/07/2023, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 5. Para garantia do crédito referido em 3) e 4), a executada EMP02..., SA constituiu hipotecas voluntárias sobre as frações referidas em 1.2) e 1.3), a favor do Banco 2..., SA, até ao montante máximo garantido de 295.690,50€, registadas através da Ap. n.º 2218, de 26/07/2013 e, entretanto, averbadas a favor do Banco 1..., SA através da Ap. n.º 128 de 16/04/2018; 6. O crédito reclamado pelo Banco 1..., SA, descrito de 3) a 5), não foi objeto de impugnação por nenhum dos sujeitos processuais; 7. No dia 22/06/2023, EMP04... – STC, SA formulou reclamação de créditos no valor total de 486.518,96, ao qual acrescem os juros peticionados vincendos e respetivo imposto, resultando os mesmos dos créditos melhores descritos de 12) a 16); 8. Por deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária, no dia 03/08/2014, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 145-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, foi aplicada uma medida de resolução ao Banco 3..., SA e, nessa sequência, constituído o Banco 4..., SA, nos termos da qual os créditos que eram da titularidade do Banco 3... foram transferidos para o Banco 4..., SA; 9. Por escritura pública outorgada a 07/04/2022, celebrada no Cartório Notarial da Sr.ª Notária Dr.ª AA, o Banco 4..., SA cedeu à reclamante EMP04... – STC, SA um conjunto de créditos, com inclusão dos direitos, garantias e direitos acessórios a eles, entre os quais os detidos sobre a executada EMP02..., SA, resultando dos créditos melhores descritos de 12) a 16), nas condições que aqui se dão por reproduzidas; 10. No dia 09/05/2022, a cessionária EMP04... – STC, SA notificou a executada EMP02..., SA da cessão de créditos referida em 9), nos seguintes termos: «Notificação de cessão de créditos–Cessão dos créditos relativos ao(s) contrato(s) de financiamento n.º(s) ...29,...88 / Application ID ...05,...43 (…). Para os efeitos do artigo 583.º do Código Civil, serve a presente para informar V/ Exa. que, no dia 07/04/2022, o Banco 4..., S.A. (…)(doravante, “Banco”) e a sociedade EMP04... STC, S.A. (doravante, “Cessionário”), celebraram um contrato nos termos do qual os créditos resultantes do(s) supramencionado(s) contrato(s) de financiamento foram cedidos ao Cessionário (“Créditos”). Mais informamos que nos termos do artigo 582.º do Código Civil, a referida cessão de créditos inclui a transmissão ao Cessionário de todos os direitos e garantias associadas aos Créditos, incluindo a posição de beneficiário nos seguros associados, quando aplicável (…)»; 11. A executada EMP02..., SA recebeu a notificação referida em 10), no dia 10/05/2022; 12. A reclamante EMP04... – STC é portadora da livrança da livrança n.º ...10, no valor de 15.602,60€, vencida a 22/06/2023 e subscrita pela executada EMP02..., SA, a qual foi emitida em branco, aquando da celebração do contrato de financiamento n.º ...21, destinado Apoio de Tesouraria, celebrado em ../../2013, objeto de posterior reestruturação a 12/06/2015, nas condições que aqui se dão por reproduzidas; 13. No contrato de financiamento referido em 12), consta, entre o mais, o seguinte: «(…) Condições Particulares: 1 . Garantias de crédito: Livrança subscrita pelo cliente e avalizada – Hipoteca sobre imóvel identificado na escritura pública de constituição de hipoteca, junta ao presente contrato de financiamento; (…) Condições Gerais 17. Garantias/Disposições Comuns: §1. Para efeitos do presente contrato, considera-se abrangida pelas estipulações referentes às garantias a livrança entregue ao Banco com data de preenchimento e valor em branco, esteja ou não avalizada. §2 Todas as garantias constituídas e indicadas nas condições particulares, destinam-se a garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para o cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação resultante do contrato, bem como de suas alterações, prorrogações, aditamentos ou reestruturações , nomeadamente, e entre outros, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais, honorários de advogados, solicitadores e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações resultantes do contrato.18. Livrança §1. O banco poderá acionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo cliente no caso de incumprimento das obrigações assumidas no contrato. §2. O banco fica autorizado pelo cliente e pelos avalistas, caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrato (…). 32. Hipoteca §1. A hipoteca rege-se pela respetiva escritura pública. §2. Beneficiando o Banco de hipoteca destinada a garantir todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair pelo cliente junto do Banco, ou determinada categoria de responsabilidades onde o contrato se inclua, consideraram-se automaticamente abrangidas as contraídas ao abrigo do contrato, sem necessidade de qualquer menção nas condições particulares ou da prática de qualquer formalidade adicional»; 14. A reclamante EMP04... – STC é portadora da livrança da livrança n.º ...03, no valor de 468.495,87€, vencida a 22/06/2023 e subscrita pela executada EMP02..., SA, a qual foi emitida em branco aquando da outorga do contrato de locação financeira imobiliária n.º ...04, celebrado a ../../2012, relativo ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...59-..., nas condições que aqui se dão por reproduzidas, obrigando-se a executada a pagar as rendas e demais valores, nos montantes unitários e nas datas de vencimento se acham plasmados no extrato junto sob a ref.ª ...52 (02/10/2023); 15. No contrato de locação financeira imobiliária referido em 14), consta, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte: «Condições Particulares IX- Garantias acessórias: livrança subscrita pela locatária (…)»; 16. Por declaração escrita designada de «autorização», datada de 19/07/2012, a executada EMP02..., SA declarou, entre o mais, o seguinte: «Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do contrato de locação financeira imobiliária (…), à data do seu vencimento, ou das sua eventuais prorrogações, compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, juros moratórios, indemnizações e quaisquer outros despesas que o Banco 3... tenha sido obrigado a realizar para a cobrança do seu crédito, junto remetemos livrança subscrita por EMP02..., Sa (…) com o montante e data de vencimento em branco, para que o Banco 3... os fixe, completando o preenchimento do título quando considerar oportuno proceder ao seu desconto, o que, desde já, e por esta, se autoriza»; 17. Por escritura pública celebrada a ../../2013, no Cartório Notarial de BB, a executada EMP02..., SA constitui a favor do Banco 3..., SA hipoteca voluntária sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 328/20..., destinada a garantir «as obrigações que advêm ou possam advir para a EMP02... em virtude de quaisquer contratos de natureza bancária em direito permitidos já celebrados ou que venham a ser celebrados com o Banco 3..., como por exemplo os relacionados com quaisquer garantias, como sejam fianças ou garantias bancárias de qualquer tipo, os relacionados com letras, livranças, operações de futuros e derivados, bem como todas e quaisquer forma de financiamento ou concessão de crédito, regulado, ou não, em legislação especial, como sejam mútuos, aberturas de crédito, descobertos em conta, financiamentos externos, bem como as restantes operações financeiras nas quais a EMP02... seja ou venha a ser interveniente (…)», e, bem assim que «(…) o montante máximo assegurado é de vinte e sete mil e quatrocentos euros, correspondentes a: a) Vinte mil euros, relativos ao limite máximo de capital; b) Seis mil e seiscentos euros, relativos a três anos de juros remuneratórios, contabilizados à taxa máxima de nove por cento ao ano, bem como de juros moratórios, correspondentes àquela taxa acrescida da sobretaxa anual máxima legalmente permitida que, no momento da celebração da presente escritura, é de dois por cento ao ano, a título de cláusula penal; c) Oitocentos euros, relativo a despesas judiciais e/ou extrajudiciais que o Banco 3... tenha de efetuar em causa de incumprimento, como, por exemplo, os montantes despendidos em juízo, seja qual for a natureza do processo a que recorre, com vista a manter, assegurar ou haver o capital e/ou juros a que tenha direito e que se encontrem garantidos pela presente hipoteca, incluindo honorários de advogados, solicitadores ou outros mandatários, bem como quaisquer outras despesas que se venham a mostrar necessário a este fim (…)»; 18. A hipoteca referida em 17) foi registada através da Ap. n.º 514 de ../../2013, com a inscrição o de que a mesma tem como montante máximo assegurado o valor de 27.400,00€ e, bem assim, para a mesma destina-se a «garantia das obrigações que advêm, ou possam advir para a EMP02... em virtude de quaisquer contratos de natureza bancária em direito permitidos já celebrados ou que venham a ser celebrados com o Banco, relacionados com quaisquer garantias, como sejam fianças ou garantias bancárias de qualquer tipo, os relacionados com letras, livranças, operações de futuros e derivados, bem como com todas e quaisquer formas de financiamento ou concessão de crédito, regulado, ou não, em legislação especial, como sejam, mútuos, aberturas de crédito, descobertos em conta, financiamentos externos, bem como as restantes operações financeiras nas quais a EMP02... seja ou venha a ser interveniente, juro anual de 9%, acrescido de 2% nos casos de mora, despesas-800,00 Euros»; 19. A hipoteca referida em 17) e 18) foi averbada a favor do Banco 4..., SA através da Ap. ...69 de 23/04/2015 e, após a cessão de créditos referida em 9), averbada a favor da EMP04..., STC, SA através da Ap. n.º 419 de 04/05/2022; 20. Por carta datada de 22/06/2023, rececionada pela executada EMP02..., SA, a reclamante EMP04..., STC, SA comunicou-lhe o seguinte: «Na qualidade de mandatária da credora EMP04..., Stc, Sa, venho (…) reiterar a V. Exas que, por contrato de cessão de créditos, o Banco 4..., Sa cedeu à M/Constituinte um conjunto de créditos vencidos de que era titular. A mencionada cessão incluiu a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes. Entre os créditos cedidos pelo Banco 4... Sa para a M/ Constituinte EMP04..., Stc, Sa, encontra-se o contrato de financiamento n.º ...21, celebrado em ../../2013 e, posteriormente, alvo de restruturação em 12/06/2015, titulado pela operação n.º ...88 (…), Sucede que, em face do incumprimento registado do sobredito contrato e já comunicado anteriormente pelo Banco cedente a V. Exas, fui incumbida pela M/ Constituinte de proceder à cobrança coerciva do débitos titulados por V. Exas. Com efeito, decorrendo o prazo concedido na missiva de 02/06/2020 que remeteu o Banco cedente e mantendo-se o incumprimento por parte de V. Exas, de acordo com as cláusulas contratuais, encontra-se vencida a totalidade dos valores em dívida, decorrentes do mencionado contrato, dado o incumprimento do mesmo. Nos termos das cláusulas daquele contrato, V.ª Ex.ª, na qualidade de subscritor, entregou ao Banco livrança em branco, para garantia e segurança do cumprimento de todas as obrigações emergentes do mesmo, autorizando-o o seu preenchimento, fixando-lhe o respetivo montante e vencimento, em caso de incumprimento. Assim, informamos que, (…), procedemos ao preenchimento da livrança subjacente ao sobredito contrato em incumprimento (n.º da operação ...88), fixando-lhe o vencimento em 22 de junho de 2023, pelo valor de €15.602,60 (…), referente às seguintes parcelas vencidas: capital em dívida no valor de €10.604,60; juros moratórios devidos desde 01/01/2017 à taxa de 7% e imposto de selo que sobre os mesmos incidente, no valor de 4.998,00€; sobre o valor facial das livrança vai ser cobrada a quantia de 78,01€, correspondente à verba 23.2TGIS. Deste modo, o valor global em dívida perfaz o montante de €15.680,61 (quinze mil seiscentos e oitenta euros e sessenta e um cêntimos) (…)»; 21. Por carta datada de 28/06/2023, rececionada pela reclamante EMP04..., STC, SA, a executada EMP02..., SA comunicou-lhe o seguinte: «Contrato de Financiamento Operação ...88. Serve a presente para acusar a receção da V/ Carta de 22 de junho de 2023, que nos causou total surpresa. Isto porque, V. Exas unilateralmente decidiram fixar o valor a pagar e preencheram a livrança, com data de vencimento de 22 de Junho de 2023, sem nos notificarem de que iriam proceder ao preenchimento e quais os cálculos feitos para o apuramento do valor a preencher, vedando-nos assim a oportunidade de nos pronunciarmos quanto ao modo de preenchimento, nomeadamente o montante e data de vencimento. Por outro lado, referem que o montante apurado de 10.604,60€ diz respeito a capital, mas não indicam quando é que a mesma se venceu. Por outro lado, V. Exas fixaram o valor dos juros em 4.4498,00€, sem que nos informem o modo como foram calculados, referindo apernas que o início do seu cálculo é de 01/01/2017 e incluíram, na livrança juros prescritos, o que manifestamente não aceitamos. Por outro lado, os valores reclamados por V. Exas., quer a título de capital, quer de juros, que se venceram há mais de cinco anos, estão prescritos, nos termos do estabelecido no artigo 310 do Código Civil, prescrição esta que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. Assim informamos V. Exas que o preenchimento da livrança, feito do modo em que o foi e por valor indevidamente calculados e prescritos, constitui um preenchimento abusivo que não aceitamos, sendo assim V. Exas não podem proceder à execução da referida livrança, por não serem dela legítimos portadores. Por outro lado, a invocação da prescrição dá-nos o direito de recusar o pagamento, o que expressamente invocados para todos os efeitos legais. Assim, informamos V. Exas que, tal como cima referimos, não aceitamos o preenchimento da livrança, nos termos em que o foi, por constituir preenchimento abusivo e que não iremos proceder ao seu pagamento»; 22. Por carta datada de 22/06/2023, rececionada pela executada EMP02..., SA, a reclamante EMP04..., STC, SA comunicou-lhe o seguinte: «Na qualidade de mandatária da credora EMP04..., Stc, Sa, venho (…) reiterar a V. Exas que, por contrato de cessão de créditos, o Banco 4..., Sa cedeu à M/Constituinte um conjunto de créditos vencidos de que era titular. A mencionada cessão incluiu a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes. Entre os créditos cedidos pelo Banco 4... Sa para a M/ Constituinte EMP04..., Stc, Sa, encontram-se os créditos vencidos emergentes do contrato de locação financeira imobiliária n.º ...04, celebrado em ../../2012, titulado pelo n.º de operação ...88 (…). Sucede que, em face do incumprimento registado do sobredito contrato e da resolução contratual já comunicada anteriormente pelo Banco cedente a V. Exas em 03 de Julho de 2020, são devidas as rendas vencidas e não pagas desde Agosto de 2015 e inerentes juros de mora, pelo que fui incumbida pela M/ Constituinte de proceder à cobrança coerciva do débitos titulados por V. Exas. Nos termos das cláusulas daquele contrato, V.ª Ex.ª, na qualidade de subscritor, entregou ao Banco livrança em branco, para garantia e segurança do cumprimento de todas as obrigações emergentes do mesmo, autorizando-o o seu preenchimento, fixando-lhe o respetivo montante e vencimento, em caso de incumprimento. Assim, informamos que, (…), procedemos ao preenchimento da livrança subjacente ao sobredito contrato de locação financeira imobiliária (n.º da operação ...88), fixando-lhe o vencimento em 22 de junho de 2023, pelo valor de €468.495,87 (…), referente às seguintes parcelas vencidas: rendas vencidas desde 20 de Agosto de 2015, no valor de €379.252,13, juros moratórios devidos desde 20 de Agosto de 2015, à taxa de 3%, no valor de €89.243,74; - Sobre o valor facial da livrança vai ser cobrada a quantia de €2.342,48 correspondente à verba 23.2. da TGIS. Deste modo, o valor global em dívida perfaz o montante de €470.838,35 (quatrocentos e setenta mil oitocentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos) (…)»; 23. A carta referida em 22) fazia-se acompanhar de missiva expedida pelo Banco 4..., SA à EMP02..., SA, datada de 03/07/2020, por esta recebida a 13/07/2020, com o seguinte teor: «Assunto: Resolução do Contrato de locação financeira imobiliária n.º ...04, que tem como bem locado o seguinte imóvel: prédio urbano composto de armazém, atividade industrial e logradouro, sito na Rua ..., ..., freguesia ... (…) Conservatória do Registo Predial n.º ...59 (…). Tendo em visto o decurso do prazo estipulado na nossa carta de 02/06/2020, e a continuação do não cumprimento por parte de V. Exas, vimos por este meio comunicar que consideramos o contrato resolvido nos termos da cláusula 13.ª das Condições Gerais do supra citado contrato, com as consequências previstas nos n.ºs 1, 2 e 3 da referida cláusula. Uma das consequências da resolução do contrato de locação financeira consiste na restituição imediata, livre e devoluta de pessoas e bens, e em bom estado de conservação, do imóvel à locadora. Assim, informamos V. Exas que, até ao próximo dia 15/07/2020, devem V. Exas. Entregar as respetivas chaves»; 24. Por carta datada de 28/06/2023, rececionada pela reclamante EMP04..., STC, SA, a executada EMP02..., SA comunicou-lhe o seguinte: «Contrato de Financiamento Operação ...88. Serve a presente para acusar a receção da V/ Carta de 22 de junho de 2023, que nos causou total surpresa. Isto porque, V. Exas unilateralmente decidiram ficar o valor a pagar e preencheram a livrança, com data de vencimento de 22 de Junho de 2023, sem nos notificarem de que iriam proceder ao preenchimento e quais os cálculos feitos para o apuramento do valor a preencher, vedando-nos assim a oportunidade de nos pronunciarmos quanto ao modo de preenchimento, nomeadamente o montante e data de vencimento. Por outro lado, referem que o montante apurado de 379.252,13€ diz respeito rendas vencidas desde 20 de Agosto de 2015, mas não indicam até quando, sendo certo que, desde 2015, até às rescisão do contrato não se venceram 379.252,13€. Por outro lado, V. Exas fixaram o valor dos juros em 89.243,74€, sem que nos informem o modo como foram calculados e incluíram, na livrança juros prescritos, o que manifestamente não aceitamos. Por outro lado, os valores reclamados por V. Exas., quer a título de capital, quer de juros, que se venceram há mais de cinco anos, estão prescritos, nos termos do estabelecido no artigo 310 do Código Civil, prescrição esta que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. Assim informamos V. Exas que o preenchimento da livrança, feito do modo em que o foi e por valor indevidamente calculados e prescritos, constitui um preenchimento abusivo que não aceitamos, sendo assim V. Exas não podem proceder à execução da referida livrança, por não serem dela legítimos portadores. Por outro lado, a invocação da prescrição dá-nos o direito de recusar o pagamento, o que expressamente invocados para todos os efeitos legais. Assim, informamos V. Exas que, tal como cima referimos, não aceitamos o preenchimento da livrança, nos termos em que o foi, por constituir preenchimento abusivo e que não iremos proceder ao seu pagamento»; 25. Por decisão proferida a 28/06/2022, no âmbito do procedimento cautelar n.º 3139/22...., que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Guimarães, intentado pelo Banco 4..., SA contra a executada EMP02..., SA, foi ordenada a «entrega imediata ao Requerente do Imóvel correspondente ao prédio urbano, destinado a armazém e atividade industrial, composto por prédio de cave, ..., andar e logradouro, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...87 (corresponde ao anterior artigo n.º 3447) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59, em bom estado de conservação»; 26. Na sequência da decisão cautelar referida em 25), no dia 23/06/2023, a executada EMP02..., SA restituiu o imóvel aí identificado ao Banco 4..., SA; 27. No dia 03 de Junho de 2015, a executada EMP02..., SA requereu processo especial de revitalização n.º 4700/15.... (Juízo de Comércio de ... - J...), tendo sido relacionado, em lista provisória de credores apresentada a 06/10/2015, um crédito do Banco 4... SA, no valor de 387.438,43 (379.252,62€ capital e juros à data no valor de 8.185,81€) por conta do conta de locação financeira n.º ...04 e outro no valor de 18.573,45€ (17.914,50€ juros à data de 658,95€), por conta do financiamento n.º ...21; 28. No dia 09/10/2015, após ter deduzido impugnação a tal crédito, a executada EMP02..., SA veio declarar naqueles autos o seguinte: «EMP02... (…) Vem aos autos desistir da impugnação que apresentou aos créditos reclamados e reconhecidos ao credor “Banco 4..., S.A.”, visto que a lista de credores já foi alterada em conformidade, não tendo a Devedora interesse no prosseguimento da referida impugnação que concerne ao mencionado credor»; 29. Por sentença proferida a 14/12/2015, confirmada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 02/06/2016, foi proferida sentença homologatória do plano de recuperação apresentado nesses; 30. A decisão referida em 29) transitou em julgado a 20/06/2016; 31. No dia 28 de Junho de 2017, a executada EMP02..., SA requereu (novo) processo especial de revitalização n.º 4385/17.... (Juízo de Comércio de ... – J...), no qual o Banco 4... reclamou, entre o mais, um crédito no valor total de 170. 688,53€ [166.700,33€ (capital) e 3.988,20€ (juros)] por conta do contrato de locação financeira n.º ...04 e um outro no valor de 10.865,26€ [10.604,60 (capital) + 260,66€ (juros)] conta do contrato de financiamento n.º ...21 32. Por decisão proferida a 13/08/2017, na sequência de reclamação à lista provisória de credores formulada pelo Banco 4..., SA, foi-lhe reconhecido um crédito no valor total de 442.514,18€, sendo comum no montante de 415.114,18€ e garantido no valor de 27.400,00€; 33. O plano de recuperação apresentado no processo n.º 4385/17.... não foi aprovado pelos credores, tendo o processo sido encerrado por decisão de 19/03/2018, transitada em julgado a 12/04/2018; 34. No dia 02/06/2020, o Banco 4..., SA expediu carta registada à executada EMP02..., SA, com o seguinte teor: «Assunto: Interpelação para pagamento – Plano de recuperação e processo especial de revitalização (PER) 4700/15.... (…) O plano de recuperação de V. Exas, homologado e transitado em julgado no dia 20 de Junho de 2016, no âmbito do PER referido em epígrafe está em incumprimento para com o Banco 4..., Sa, desde essa data. Assim, vimos, pela presente carta e nos termos e para os efeitos do disposto no al. a), do n.º 1, do art.º 218.º do (…) CIRE, ex vi do disposto no art.º 17.º-F, do n.º 5, do mesmo diploma, interpelar V. Exas para, no prazo de trinta (30) dias, procederem à regularização das prestações em atraso, até à presente data, no valor total de 262.532,88€, respeitante a (i) capital: 219.232,87€, (ii) juros e IS: 42.842,32€ (iii) outros encargos: 457,70€. Após o decurso o prazo fixado para o pagamento da quantia em ´divida, sem que o mesmo se verifique, informamos V. Exas., desde já, que consideraremos o plano de recuperação definitivamente incumprimento, com as consequências daí advenientes, como, entre outras, a ineficácia das medidas previstas no plano de recuperação de V. Exas, em relação ao Banco 4..., Sa e a verificação do facto previsto na al. f) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE, que poderá fundamentar a dedução de pedido de declaração de insolvência de V. Exas (…)»; 35. A executada EMP02..., SA recebeu a notificação referida em 34), efetuada ao abrigo do art.º 218.º do CITRE, no dia 04/06/2020. * IV - APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOA questão posta no recurso consiste em saber se deve ser reconhecido à recorrente a totalidade do crédito reclamado relativo ao contrato de locação financeira n.º ...04. Defende a recorrente que o crédito deve ser integralmente reconhecido na medida em que o foi no âmbito do processo especial de revitalização que correu termos sob o n.º 4385/17...., do Juízo de Comercio de .... Podemos desde já adiantar que não lhe assiste razão. O plano de recuperação apresentado no processo n.º 4385/17.... não foi aprovado pelos credores, tendo o processo sido encerrado por decisão de 19/03/2018, transitada em julgado a 12/04/2018. O ali decidido não tem efeito de caso julgado no presente processo. Ademais, à data, o contrato de locação financeira estava em vigor, e o crédito que agora é reclamado pela cessionária é o que emerge da resolução do contratual. Importa, pois, apreciar se as razões substantivas que estiveram na base do reconhecimento (apenas) parcial do crédito na decisão em crise mantêm o seu fundamento. A questão convoca, no caso particular, os efeitos da resolução do contrato de locação financeira. O contrato de locação financeira n.º ...04, celebrado a ../../2012, foi resolvido, por incumprimento, pelo credor primitivo Banco 4... SA, na sequência da declaração de resolução expedida à executada a 03/07/2020 e que por esta foi recebida a 13/07/2020. Analisando os termos do contrato de locação financeira, estipula-se na cláusula 13.º-§3 que «em caso de resolução do contrato, o locador tem direito à restituição imediata do imóvel por parte da locatária (…), a conservar as rendas vencidas e pagas e, ainda: a) a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora devidos, bem como de todos os encargos suportados pelo locador, por força da resolução do contrato; b) A receber uma indemnização, a título de perdas e danos, de montante igual a 30% da soma das rendas vincendas e do valor residual, sem prejuízo da integral reparação de todos os prejuízos causados (..) ». Na sequência da resolução contratual, decorre para o locatário a obrigação de restituir ao locador o imóvel objeto da locação financeira, tendo no caso a entrega do imóvel ocorrido no dia 23/06/2023 perante o primitivo credor, por força do procedimento cautelar intentado contra a executada. Por sua vez, resultando da cessão de créditos acertado com a reclamante, que a esta foram cedidos os direitos de créditos decorrentes do contrato de locação financeira (e não o direito de propriedade sobre o bem objeto do contrato), resta saber qual o exato conteúdo dos créditos cedidos, sendo certo que o devedor poderá sempre esgrimir perante o cessionário os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, ainda que daquele desconhecidos (art.º 585.º do CC). A livrança relativa ao contrato de locação financeira n.º ...04 foi preenchida pelo valor de 468.495,87€, respeitando a quantia 379.252,13€ às rendas vencidas desde 20/08/2015 e a de 89.243,74€ a juros moratórios, contabilizados desde aquela data. A quantia inscrita no título foi-o tendo por fundamento os efeitos da resolução convencionada entre as partes na cláusula 13.º §3, al. a), segundo a qual, em caso de resolução, o locador tem direito a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora devidos. Ora, apesar de o incumprimento da executada remontar à prestação de Agosto de 2015, o locador (primitivo) só se apresentou a resolver o contrato em Julho de 2020, numa altura em que todas as rendas já se encontravam vencidas. Tal significaria, como bem se concluiu na sentença, que a aplicação acrítica da resolução convencional positivada na cláusula 13.º§3 determinaria, por um lado, que a reclamante pudesse exigir a totalidade das rendas vencidas e não pagas (no valor de 417.769,70€) e, já por outro, que o locador financeiro/proprietário do imóvel pudesse exigir (como já sucedeu) a restituição do imóvel (pelo qual pagou a quantia de 379.000,00€, conforme escritura junta ao próprio contrato de locação). Ou seja, prosseguimos com a conclusão da sentença, a executada para além das rendas já pagas até ao momento do incumprimento, teria de suportar todas as rendas vencidas desde Agosto de 2015 até ../../2019, sendo, assim, responsabilizada pelo pagamento total de 494.604,44€ [valor total das rendas (502.709,84€) – deduzido o valor residual (8.186,40€)] e, para além de tudo isso, teria de restituir o próprio imóvel. Impõe-se de modo inelutável a consideração de que a cláusula 13.ª§3 do contrato de locação financeira foi, manifestamente, idealizada para as situações em que, no decurso do contrato, ocorre o incumprimento do locatário financeiro no pagamento de uma renda (por um prazo superior a 60 dias), altura em que o locador financeiro procede à resolução do contrato e, nessa ocasião, adquire o direito a obter: a (1) restituição do imóvel, (2) a fazer suas as rendas já pagas, (3) a reclamar as rendas vencidas (e não pagas e respetivos juros) desde o incumprimento e o momento da resolução, e, por fim, (4) uma indemnização de montante igual a 30% da soma das rendas vencidas e do valor residual. Conformemente, quando o locador se apresta a resolver o contrato cerca de cinco anos após a data do incumprimento, e quando todas as rendas já estão vencidas, a aplicação da cláusula resolutiva não pode, sob pena de clamoroso abuso de direito, conduzir a uma solução que: (i) na ótica do locador financeiro, lhe permita exigir do locatário financeiro as prestações que coincidem com a quase totalidade do cumprimento do contrato e, simultaneamente, manter-se proprietário do imóvel objeto de locação financeira; (ii) na perspetiva do locatário financeiro, a cláusula resolutiva responsabilizá-lo-á pelo pagamento da totalidade das rendas e, concomitantemente, não lhe atribua o bem objeto da locação financeira. A justificação do instituto do abuso do direito, normativamente previsto no artigo 334.º da lei civil, assenta em razões de justiça e de equidade, podendo-se afirmar que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um direito, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante. As situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, assenta em diferentes tipologias as quais permitem, em termos jurídicos, enquadrar parâmetros de atuação aptos a concretizar os conceitos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito. Uma dessas tipologias é o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas. O abuso de direito na modalidade de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas está já bem sedimentado na dogmática jurídica, sendo definido como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício. Este tipo de comportamento abusivo diz respeito à desproporcionalidade que se pode verificar entre o exercício de posições jurídicas e os seus efeitos. Esta categoria pode ser preenchida pelos seguintes subtipos: a) O exercício danoso e inútil, segundo o qual será abusivo, por contrariedade à boa-fé, todo o comportamento que tem como propósito causar dano a outrem sem que o titular exercente dele tire qualquer utilidade. Este tipo de comportamento abusivo resulta da associação entre o exercício inútil (atos chicaneiros) e a intenção de prejudicar (os emulativos), e manifesta-se abusivo porque contrário a valores fundamentais do sistema. b) O dolo agit, age com abuso aquele que exige algo que terá de restituir imediatamente. c) A desproporção entre a vantagem do titular e o sacrifício imposto a outrem, integrando esta submodalidade de abuso o exercício jurídico subjetivo sem consideração por situações especiais – Neste sentido, Gorki Salvador, “O exercício inadmissível de posições jurídicas: a exegese do artigo 334.º do Código Civil”. p. 210 e segs e Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Volume VV, pp. 345 e segs. Em todos estes casos verifica-se uma desproporção entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuem as posições jurídicas e o resultado prático do exercício das mesmas. O desequilíbrio no exercício requer-se, em áreas de comportamentos danosos, ainda que dotados de legitimidade formal, o atender redobrado às dimensões cinéticas implicadas como forma privilegiada de controlar, em toda a sua extensão e não apenas a nível constitutivo, a compatibilidade dos exercícios com a ordem jurídica no seu todo” - Ob. cit. p. 211. A propósito desta tipologia de abuso de direito, escreveu-se no Acórdão do STJ, de 24.02.2015, que “na sua variante de exercício em desequilíbrio – desproporção grave entre o exercício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem – o abuso de direito resultará da prática de uma acção que pelas circunstâncias ultrapasse os limites razoáveis do exercício de um direito, provocando danos a um terceiro - apresenta-se, desta forma, como um resultado do princípio da proporcionalidade conatural à própria ideia de justiça, intuída como proporção ou justa medida” – acórdão proferido no processo n.º 283/2002.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 15.06.2023 refere que “I- A figura do abuso de direito tem subjacente a intenção de assegurar que na aplicação do Direito, das normas positivas, se encontre uma ideia de justiça, que deve observar-se sempre em função das concretas circunstâncias de cada caso, observadas as especificidades da vida, sem que porém se entre numa ideia de discricionariedade; a aplicação da figura do abuso de Direito deve orientar-se por um critério objectivo, pela aplicação dos princípios gerais de direito, em especial o princípio geral da boa-fé, para que o resultado ou solução a que se chega possa servir melhor esse ideal de justiça. II – O desequilíbrio no exercício do direito caracteriza-se pela desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem, sem que se ponha em causa o direito do titular. III - A questão é saber se o exercício desse direito se revela, no caso concreto, desproporcionado; desequilibrado, em termos que ofendam outros princípios e valores validamente vigentes no nosso ordenamento jurídico, observada a situação material subjacente, ponderação que se tem de fazer através da análise das concretas circunstâncias de cada caso” - acórdão proferido no processo nº 147/06.0TCSNT-B.L1-6, disponível em www.dgsi.pt. Em face das concretas circunstâncias do caso, em que o locador primitivo procedeu à resolução do contrato, quando todas as rendas já estavam vencidas e, ademais, sabendo-se que no contexto daquele contrato de locação financeira, as rendas acordadas absorviam a quase totalidade da amortização do capital e dos juros inerentes ao crédito concedido por via da locação financeira (veja-se que o valor residual final era apenas de 8.186,40€), bem andou o tribunal a quo ao considerar autorizada a resolução contratual, mas limitar os efeitos da mesma, no que tange ao conteúdo puramente pecuniário da resolução ao momento em que se verifica a falta de pagamento da renda que justifica e autoriza a resolução: renda de Agosto de 2015. É, pois, de manter o decidido. Por consequência, improcede o recurso. * SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)I - No âmbito do contrato de locação financeira, procedendo o locador à resolução do contrato, cinco anos após o incumprimento e quando todas as rendas já estão vencidas, sabendo-se que as rendas acordadas absorviam a quase totalidade da amortização do capital e dos juros inerentes ao crédito concedido por via da locação, deve proceder a resolução contratual, com a restituição do bem, mas limitar os efeitos da mesma, no que tange ao conteúdo puramente pecuniário da resolução, ao momento em que se verifica a falta de pagamento da renda. II - Com efeito, quando o locador se apresta a resolver o contrato cerca de cinco anos após a data do incumprimento, e quando todas as rendas já estão vencidas, a aplicação da cláusula resolutiva não pode, sob pena de clamoroso abuso de direito, conduzir a uma solução que permita ao locador exigir do locatário as prestações que coincidem com a quase totalidade do cumprimento do contrato e, simultaneamente, manter-se proprietário do bem objeto de locação financeira. III - A situação enquadra-se no abuso de direito na modalidade de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, traduzido no exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício. * IV – DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida. Custas a cargo do Recorrente ((artigo 527.º, nº 1 do CPC). Guimarães, 27 de Junho de 2024 Assinado digitalmente por: Rel. - Des. Conceição Sampaio 1º Adj. – Anizabel Sousa Pereira 2º Adj. - Des. Paula Ribas |