Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | ANIZABEL SOUSA PEREIRA | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL ACIDENTE DE VIAÇÃO COLISÃO DE VEÍCULOS CONCORRÊNCIA DE CULPAS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | Ocorrendo o acidente entre duas viaturas no momento em que os respetivos condutores efetuavam manobras de condução, ambos violando preceitos regulamentares de trânsito, não podem ambos deixar de ser civilmente responsabilizados, a título de culpa, pelo mesmo acidente. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: * I- RELATÓRIO ( que se transcreve):“A) Identificação das partes e dos pedidos AA instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra EMP01..., S.A. – Sucursal em Portugal pedindo que se condene a Ré pagar-lhe a indemnização global líquida de € 96.304,00 [considerando entretanto a liquidação efectuada quanto a um dos pedidos], acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento.--- Alega, para tanto e em síntese, que: o acidente de trânsito que deu origem à presente acção se ficou a dever a culpa, única e exclusiva, do condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-DG, segurado pela Ré, cujo condutor iniciou manobra de ultrapassagem sem ter assegurado que poderia realizá-la em segurança, infringindo a al. c) do n.º 1 do art.º 38º do Código da Estrada, tendo vindo a embater no veículo ciclomotor, marca ..., com matrícula ..-CX-.., propriedade de BB e por ele tripulado, o qual acabou por falecer.--- * Regularmente citada, a Ré contestou, tendo desde logo, arguido as excepções de ilegitimidade activa, de formulação ilegal de pedido genérico e de prescrição, para além de ter impugnado os factos alegados pela Autora designadamente referentes à dinâmica do acidente, defendendo antes que foi o condutor do ciclomotor ..-CX-.. que deu causa ao acidente em apreço nos presentes autos, do qual resultou o seu falecimento.---* Em sede de saneamento dos autos, entendeu o Tribunal que os autos não tinham complexidade que justificasse a convocação de audiência prévia, tendo proferido despacho saneador no seio do qual, desde logo, foram julgadas improcedentes as excepções arguidas pela Ré, tendo ainda sido fixados o objecto do litígio e os temas da prova.Realizou-se a audiência final, com observância do pertinente formalismo legal.---.” * Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em conformidade, absolveu a Ré dos pedidos contra si formulados.* A A. interpôs recurso desta decisão e formulou as seguintes conclusões ( que se transcrevem):a) A sentença recorrida reflete uma apreciação incorreta da matéria e facto e de direito. b) Pois não reflete a dinâmica do acidente tal como o mesmo ocorreu. c) A testemunha CC, quando questionada ao minuto 10:22 do seu depoimento sobre se ele (o condutor do DG, DD) teria condições de ver o ciclomotor, respondeu que “era essa a dúvida.” d) A mesma testemunha, quando questionada ao minuto 16:42 do seu depoimento sobre se quando o ligeiro inicia a manobra de ultrapassagem o ciclomotor ainda não tinha iniciado a manobra de mudança de direção, a testemunha respondeu “ou ainda não tinha finalizado”. e) Ora, a testemunha não afirmou que quando o ciclomotor iniciou a manobra de direção à esquerda, já o veículo ligeiro havia iniciado a manobra de ultrapassagem, encontrando-se na faixa esquerda. f) Pelo que não poderia ter sido dado como provado o facto de “3.7. Quando o DG se encontrava a realizar a manobra de ultrapassagem, nomeadamente,quando já seencontrava paralelamenteao veículo que pretendia ultrapassar, o condutor do CX, que circulava no mesmo sentido ... / ..., imediatamente à frente do veículo que o condutor do veículo DG ultrapassara, súbita e inopinadamente, sem qualquer sinalização prévia, pretendendo aceder a um parque de estacionamento de um estabelecimento comercial do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito, mudou de direção à esquerda, sem se aproximar do eixo da via, realizando a manobra na diagonal e cortando a linha de marcha do DG.” g) O douto tribunal recorrido afirma que a vítima não se aproximou do eixo da via. h) Contudo, a testemunha DD, a única pessoa que além do falecido presenciou o acidente porque nele interveio, afirmou, ao minuto 04:37 da gravação do seu depoimento, que o condutor falecido se aproximou do eixo da via. i) Quando questionada pela Ilustre Advogada Estagiária da Autora (ao minuto 11:55 do seu depoimento) sobre se considerava que entre o início da sua ultrapassagem e a mudança de direção do motociclo em que bateu foi ali pouca diferença de início, se iniciaram os dois quase em simultâneo as manobras, a testemunha respondeu que “Podemos dizer momentâneo”. j) A manobra de ultrapassagem não se iniciou, assim, anteriormente à de mudança de direção à esquerda. k) Devia, deste modo, ter sido dado como provado o facto que foi dado como não provado de que “O condutor do CX iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda ao mesmo tempo que o DG iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo que se apresentava a circular entre ambos.” l) O condutor e testemunha DD afirmou que o seu carro não tinha aderência e que circulava a 50/60 km por hora. m) Ainda que o tribunal a quo excluísse a existência de responsabilidade civil extracontratual, é hoje entendimento uniforme tanto na doutrina como na jurisprudência o de que é admissível concurso de culpa e risco do veículo, ou seja, um concurso nos artigos 570.º e 505.º do CC, respetivamente. n) Assim sendo, ainda que o douto tribunal entendesse existir um certo grau de mera culpa por parte da vítima consideramos que tal não justifica a subsunção, sem mais, da responsabilidade pelo acidente ao falecido. o) Se o doutro tribunal recorrido tivesse formulado o juízo de adequação e proporcionalidade que cita na sentença proferida , chegaria à conclusão de que, mesmo que entendesse ser a vítima parcialmente responsável pelo acidente (o que, de modo nenhum, admitimos), DD seria responsável pelo risco de utilização do veículo. * A R apresentou contra-alegações e sustentou, em síntese, a manutenção da decisão de facto e de direito.* O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto. Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido. II- FUNDAMENTAÇÃO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. A) Do recurso da A: A.1. – Da alteração da decisão da matéria de facto, quanto à dinâmica do acidente; A2- Em face da alteração de facto pretendida, qual o enquadramento jurídico do caso vertente. * III-Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes: A) Da matéria de facto provada Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:--- [Da dinâmica do acidente] 3.1. No dia ../../2019, pelas 09:55 horas, na freguesia ..., concelho ..., distrito ..., ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ciclomotor, marca ..., com matrícula ..-CX-.., propriedade de BB e por ele tripulado e o veículo automóvel ligeiro de passageiros ..., matrícula ..-..-DG, conduzido por DD.--- 3.2. O local do acidente configura uma reta, sendo a faixa de rodagem composta por duas vias de circulação, uma para cada sentido de trânsito, delimitadas por uma linha longitudinal descontínua demarcada no pavimento.--- 3.3. No momento do embate, fazia sol e o piso estava seco.--- 3.4. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, quer o CX quer o DG seguiam na EN ...01 no sentido ... – ..., pela via de trânsito da direita da respectiva faixa de rodagem, o primeiro mais à frente e de permeio seguindo uma outra viatura ligeira, à frente do segundo, ambos a uma velocidade de cerca de 50 km/hora.--- 3.5. Entretanto, ao chegar ao Km 6,300 da mencionada EN ...01, o condutor do DG iniciou uma manobra de ultrapassagem ao veículo que circulava imediatamente à sua frente.--- 3.6. Para o efeito, o condutor do DG acionou a luz indicativa de mudança de direção à esquerda e, após verificar que se encontravam reunidas todas as condições de segurança, deu início à referida manobra.--- 3.7. Quando o DG se encontrava a realizar a manobra de ultrapassagem, nomeadamente, quando já se encontrava paralelamente ao veículo que pretendia ultrapassar, o condutor do CX, que circulava no mesmo sentido ... / ..., imediatamente à frente do veículo que o condutor do veículo DG ultrapassara, súbita e inopinadamente, sem qualquer sinalização prévia, pretendendo aceder a um parque de estacionamento de um estabelecimento comercial do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito, mudou de direção à esquerda, sem se aproximar do eixo da via, realizando a manobra na diagonal e cortando a linha de marcha do DG.--- 3.8. O condutor do DG não conseguiu evitar o embate entre a parte frontal direita do seu veículo e a parte lateral esquerda do CX.--- 3.9. Em consequência do embate, o condutor do CX, BB, sofreu lesões traumáticas meningo-encefálicas, vertebro-meningo-medulares e torácicas, que foram a causa directa da sua morte, declarada no próprio local do acidente, pelas 10h50m, após terem sido efectuadas manobras de suporte intensivo de vida durante 20 minutos.--- 3.10. A Autora era casada e é única herdeira de BB, falecido em ../../2019 na sequência do sinistro em causa nos autos.--- [Da culpa/responsabilidade na produção do acidente] 3.12. O acidente deu-se por culpa única e exclusiva do condutor do veículo ciclomotor com matrícula ..-CX-.., BB, que efetuou uma manobra de direção à esquerda sem qualquer sinalização prévia e sem verificar se estavam reunidas as condições de segurança necessárias à realização da manobra que pretendia executar.--- 3.13. Estava transferida para a Ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-DG, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº ...30, em vigor à data da ocorrência dos factos que estão na origem da presente ação.--- [Do pedido formulado pela Autora] 3.15. BB sofreu dores, desde o momento do embate até à sua morte.--- 3.16. À data do embate, BB tinha 68 anos e era casado com a Autora, com quem mantinha uma relação de muita união, amor e carinho.--- 3.17. A Autora sofreu uma grande dor e desgosto com a morte de BB.--- * Os factos não provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:--- a) O condutor do CX iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda ao mesmo tempo que o DG iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo que se apresentava a circular entre ambos.--- b) Antes de iniciar a manobra de mudança de direcção, condutor do CX procedeu com a devida sinalização para o efeito, acionando o pisca do lado esquerdo do ciclomotor, tomando o seu lado mais à esquerda da sua faixa de rodagem e sinalizando ainda a sua intenção com o braço esquerdo, esticando-o na perpendicular ao seu corpo.--- c) O veículo que seguia atrás do CX e à frente do DG abrandou e chegou a parar.--- d) O acidente deu-se por culpa única e exclusiva do condutor do veículo ligeiro com matrícula ..-..-DG, DD, que efetuou uma manobra de ultrapassagem sem verificar se estavam reunidas as condições de segurança necessárias à realização da mesma.--- e) BB teve a perceção da sua morte.—“ * IV-A.1- Como se vê das alegações de recurso, desde logo, e além do mais, a recorrente questiona basicamente a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido no que respeita à dinâmica do acidente de viação. Em específico, a recorrente impugna a decisão proferida em relação ao facto provado no ponto n. 3.7. com a seguinte redação:” Quando o DG se encontrava a realizar a manobra de ultrapassagem, nomeadamente, quando já se encontrava paralelamente ao veículo que pretendia ultrapassar, o condutor do CX, que circulava no mesmo sentido ... / ..., imediatamente à frente do veículo que o condutor do veículo DG ultrapassara, súbita e inopinadamente, sem qualquer sinalização prévia, pretendendo aceder a um parque de estacionamento de um estabelecimento comercial do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito, mudou de direção à esquerda, sem se aproximar do eixo da via, realizando a manobra na diagonal e cortando a linha de marcha do DG.”. Pretende que seja dado como não provado. E ainda pretende que seja dado como provado o facto da alínea a) dos factos dados como não provados e que tem a seguinte redação: “ a) O condutor do CX iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda ao mesmo tempo que o DG iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo que se apresentava a circular entre ambos”. Alicerça a sua fundamentação no depoimento do condutor do DG, DD e no depoimento da testemunha CC –GNR, investigador do NICAV e autor do relatório final do inquérito criminal. Vejamos. Os pontos concretos da matéria de facto cuja decisão vem impugnada são aqueles que têm a ver com a dinâmica dos veículos e a simultaneidade ou não das manobras dos condutores antes da colisão e quanto ao cumprimento ou não das regras estradais pelo condutor do ciclomotor a respeito da aproximação do eixo da via antes de mudar de direção e sinalização da manobra, aludida no ponto provado 3.7 ( ora impugnado) e ainda na al. b) dos factos não provados ( e não impugnado). Assim sendo, basicamente o tribunal julgou não provada a versão do acidente alegada na petição inicial pela autora ( cônjuge do falecido) e provada a versão do acidente alegada pelo condutor do veículo seguro na Ré (seguradora do veículo “DG”), e relatada pela própria testemunha condutor do DG e ouvida em audiência, única que assistiu ao acidente por ter sido nele interveniente. Em resumo, estava em discussão saber se o condutor do CX iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda ao mesmo tempo que o DG iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo que se apresentava a circular entre ambos e se DD ( condutor do DG), que efetuou uma manobra de ultrapassagem, o fez sem verificar se estavam reunidas as condições de segurança necessárias à realização da mesma ( versão da autora) ou se quando o veículo DG se encontrava a realizar a manobra de ultrapassagem, nomeadamente, quando já se encontrava paralelamente ao veículo que pretendia ultrapassar, o condutor do ciclomotor “CX”, que circulava no mesmo sentido ... / ..., imediatamente à frente do veículo que o condutor do veículo DG ultrapassara, súbita e inopinadamente, sem qualquer sinalização prévia, pretendendo aceder a um parque de estacionamento de um estabelecimento comercial do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito, mudou de direção à esquerda, sem se aproximar do eixo da via, realizando a manobra na diagonal e cortando a linha de marcha do DG ( versão do condutor da R seguradora). A Mma. Juíza a quo julgou a favor desta última versão, levando em consideração basicamente a prova testemunhal produzida, ou seja, e desde logo, o depoimento da testemunha DD, condutor do DG e única testemunha que assistiu ao acidente por ter sido interveniente. E o depoimento desta testemunha não foi infirmado, nem pelo seu próprio depoimento nem pela restante prova produzida, nomeadamente pelo depoimento da testemunha CC, GNR e investigador criminal do núcleo de investigação criminal da GNR, conforme pretendia fazer crer a recorrente. Bem pelo contrário. Com efeito, esta testemunha nada poderá dizer sobre a dinâmica efetiva e concreta do acidente por não ter assistido ao mesmo. O seu depoimento já releva em termos de identificação dos elementos recolhidos e sua interpretação, e neste particular releva em termos de identificação dos danos e local de embate/ colisão dos veículos, elementos esses que já decorriam da participação criminal. E destes elementos poderemos ainda dizer que afinal corroboram a versão do condutor do veículo DG, porquanto o embate ocorreu entre a parte lateral esquerda do ciclomotor e a parte frontal direita do veículo seguro ( ponto 3.8 provado e não impugnado), o que indica que o acidente de viação ocorreu já quando o veículo seguro se encontrava a metade da sua manobra de ultrapassagem, pois de outra forma não se concebe a localização dos danos ocorridos em ambos os veículos. Daí a testemunha CC – investigador do NICAV, o qual pese embora não tenha assistido ao acidente, conclua em face daqueles elementos que recolheu e que não estão impugnados nesta fase do processo quanto aos danos e local de embate dos veículos, o seguinte: “ “Certo e o ciclomotor não tomaria a trajetória que tomou (…) até porque o veículo ligeiro quando bate no ciclomotor não lhe bate na traseira, mas no lado. (…) Ao bater de lado, o ciclomotor como faz a manobra na diagonal, não faz a perpendicular. Se fizesse a perpendicular o carro batia na lateral, projetava o ciclomotor para a frente e o condutor rolava pelo capot.”(...) “O ciclomotor quando vai na diagonal, o veículo embate num ângulo que nem vinca o capot, ele só bate mesmo no sítio do pisca e no guarda-lamas e na parte do para-choques e foi quando ele rebenta e vaza o pneu (…) que o ciclomotor vai ligeiramente para a direita, de rojo pela faixa de rodagem.”. Assim sendo, podemos também nós concluir que a versão do condutor do DG é corroborada pelos danos em ambos os veículos, pelo que atenta a prova produzida, e sem grande apelo às regras da experiência e lógica e da física aplicada ao caso, apenas uma hipótese se perfila: quando o ciclomotor efetua a manobra de mudança de direção, já o veículo seguro circulava na faixa da esquerda e a ultrapassar a viatura ligeira que se encontrava anteriormente à sua frente. Por isso, concordamos com a sentença quando ali se lê que de toda a prova se conclui “de forma consonante, que quando o ciclomotor iniciou a manobra de direção à esquerda, tendo aliás feito de forma irregular porque não a efetuou de forma perpendicular, já o veículo ligeiro havia iniciado a manobra de ultrapassagem, encontrando-se na faixa esquerda, pelo menos ao lado da viatura que seguia à sua frente, não tendo portanto o decesso acautelado que poderia iniciar a sua manobra sem perigo.” Ora, tendo em conta os demais elementos constantes dos autos, desde a participação policial, onde constam além do mais, as medições, posições dos veículos e descrição do local, e ainda os danos dos veículos ( ponto 3.8 provado e não impugnado) e confirmados pelo depoimento do subscritor do relatório final- CC, o que inculca que ambos os veículos estavam em movimento e o embate entre a parte frontal direita do seu veículo e a parte lateral esquerda do CX, apenas uma hipótese se perfila, dentro das regras da lógica e da física aplicada ao caso concreto: quando o ciclomotor efetua a manobra de mudança de direção, já o veículo seguro circulava na faixa da esquerda e a ultrapassar a viatura ligeira que se encontrava anteriormente à sua frente. Não se diga, conforme faz a recorrente, que o condutor do veículo DG afirma o contrário quando diz “ foi momentâneo”, olvidando a sua descrição pormenorizada do acidente quando relata que “ Eu vou a ultrapassar, ligo o pisca, vou a ultrapassar um carro e quando vou a ultrapassar está um senhor a atravessar na frente. Sai da frente do carro que vou ultrapassar e a atravessar a estrada para o lado esquerdo”. Obviamente que quando diz “foi momentâneo” significa claramente que se refere ao tempo em que inopinadamente surge à sua frente o ciclomotor, mas em plena manobra de ultrapassagem, aludindo a mesma testemunha à comparação da situação similar de “ quando o veículo vai na estrada e um peão atravessa à frente do veículo”. A testemunha repetidamente refere “ bateu-me no carro”, “ só o vi quando aparece á minha frente” “ estava a ultrapassar veículo e já ao lado do carro saí de repente a mota” “ só o vi quando se meteu na frente do carro”, “ foi tudo momentâneo”. Ou seja, tudo descrições que apenas se compadecem com o facto dado como provado no sentido de que o condutor do DG já estava em plena manobra de ultrapassagem, quando de repente, lhe surge à sua frente o ciclomotor em manobra de mudança de direção para a esquerda, pelo que nunca se poderia concluir que ambas as manobras ocorreram em simultâneo, conforme sustentado pela recorrente. Não se diga, conforme sustenta a recorrente, que a testemunha DD afirmou que o condutor do ciclomotor ao ter mudado de direção se aproximou do eixo da via com antecedência. Com efeito, a testemunha quando se refere “ na minha opinião, o senhor deveria de estar no eixo da via… ou na valeta, não sei, o carro encobriu-me”, só o vi quando se meteu à frente do carro”, apenas uma hipótese se perfila: a testemunha apenas vê o ciclomotor quando de repente se mete à frente do seu carro, então não poderia ver antes o que o seu condutor fez, pelo que quando se refere “ deveria de estar no eixo da via” é a sua opinião acerca da conduta que deveria ter sido tomada corretamente e numa situação normal pelo condutor da mota e não a que efetivamente ocorreu e foi por si visualizada. Em verdade, a que ocorreu, tendo em conta a forma inopinada em que a mota surge à frente do veículo DG, apenas poderia ser uma: mudou de direção sem ter tomado as precauções devidas com a antecedência necessária, nomeadamente a aproximação do eixo da via com antecedência. Acresce dizer que atentos os pontos de embate e colisão dos veículos também se retira que fez tal manobra na diagonal e não na perpendicular. Por outro lado, e dentro daquela lógica prevalecente e que preside aos casos de acidente de viação, também se poderá concluir que o condutor do ciclomotor faz aquela manobra de forma irregular porque não a efetuou de forma perpendicular, atenta a localização dos danos e da colisão entre os veículos. Já o mesmo não se poderá dizer a respeito da ocorrência ou não da sinalização prévia da manobra com o pisca-pisca, porquanto a mesma testemunha DD não sabia dizer se o ciclomotor tinha ou não o pisca ligado, pelo que deverá ser eliminado esse facto dos factos provados 3.7 e do ponto b) dos factos não provados. No mais, manter-se-á a resposta dada aos pontos impugnados. Com efeito, um dos casos apontados em que se deve aplicar o standard da probabilidade lógica prevalecente é o caso das ações emergentes de acidente de viação, desde que seja ultrapassado o limite mínimo de probabilidade Também se dirá que quando o condutor se refere à “ falta de aderência” do veículo que conduzia terá de se ter em conta o contexto em que fala da mesma: sentiu a mesma, após o embate, e após o qual rebentou o pneu e quando travou para se tentar desviar do ciclomotor, sendo certo que não consta da alegação aduzida pelas partes como sendo uma concausa do acidente, daí não constar dos factos provados ou não provados e daí a sua irrelevância quiçá porque ocorre após o embate. Quanto à velocidade a que seguia o DG, a mesma não foi sequer impugnada, pelo que não se impõe a sua apreciação ( cfr. ponto 3.4 provado e não impugnado). Ou seja, o depoimento da testemunha DD não tem a virtualidade de se contradizer e de sustentar a pretensão da apelante. Por tudo, e conforme a decisão da Mª Juiz, o depoimento do condutor do DG traduziu-se em depoimento credível e compatível com as regras da física atenta a posição dos veículos após o acidente e constante do croquis e localização dos danos e embate e colisão entre os veículos. E, com o devido respeito, analisadas aquelas provas neste Tribunal não encontramos razões sérias para discordar daquela convicção, que é igualmente a nossa. Na verdade, não vemos como “ultrapassar” a probabilidade lógica prevalecente do acidente se ter originado conforme o depoimento do condutor do DG, atentos os restantes elementos probatórios, sendo esta versão da dinâmica do acidente compatível com a posição final dos veículos e localização dos danos e embate e colisão entre os veículos. Assim sendo, concluiu-se, sem grande esforço, pela verosimilhança e credibilidade daquele depoimento do condutor do DG, única testemunha presencial do acidente, por ter sido nele interveniente e que não foi infirmado pela restante prova produzida. Por tudo o exposto, procede parcialmente a impugnação de facto, em relação à referência ao acionamento da sinalização prévia com o pisca da manobra de mudança de direção pelo ciclomotor no ponto 3.7 dos factos provados e, em consonância, no ponto b) dos factos não provados, devendo tal referência ser eliminada. Assim passam a ter a seguinte redação: Ponto 3.7 provados: “ Quando o DG se encontrava a realizar a manobra de ultrapassagem, nomeadamente, quando já se encontrava paralelamente ao veículo que pretendia ultrapassar, o condutor do CX, que circulava no mesmo sentido ... / ..., imediatamente à frente do veículo que o condutor do veículo DG ultrapassara, súbita e inopinadamente, pretendendo aceder a um parque de estacionamento de um estabelecimento comercial do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito, mudou de direção à esquerda, sem se aproximar do eixo da via, realizando a manobra na diagonal e cortando a linha de marcha do DG.”; Ponto b) dos factos não provados: “ b) Antes de iniciar a manobra de mudança de direcção, condutor do CX tomou o seu lado mais à esquerda da sua faixa de rodagem e sinalizando ainda a sua intenção com o braço esquerdo, esticando-o na perpendicular ao seu corpo.---“. Mais: deverá ser eliminado dos factos provados o ponto 3.12, pois para além de já se ter respondido à matéria do acionamento prévio da sinalização da manobra de mudança de direção, conforme supra, acresce que este ponto além dessa matéria contém juízos e conclusões de direito. O mesmo se diga da alínea d) dos factos não provados, a qual deverá ser eliminada. * Mais: ao abrigo ainda do art. 662º do CPC ordena-se o aditamento do seguinte facto, e com numeração 3.18, uma vez que ressuma do teor do documento junto aos autos ( fatura) e que não foi impugnado:“- as despesas com o funeral cifraram-se na quantia de € 1.304,00” IV Deste modo, deverá atender-se à matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada e descrita em III, com as eliminações supra descritas nos pontos 3.7 dos factos provados e b) dos factos não provados e ainda do ponto 3.12 dos factos provados e alínea d) dos factos não provados, e ainda com o aditamento do facto supra, com número 3.18. * V- Reapreciação de direito.Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação da A/apelante- decidindo-se pela improcedência da ação. Como resulta das conclusões do recurso da A/apelante, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia essencialmente da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, o que não ocorreu, com exceção da eliminação do facto da ausência de sinalização luminosa prévia da manobra de mudança de direção com o pisca. Contudo e apesar de não se provar que o ciclomotor não sinalizou previamente a manobra, na verdade também não se provou que a tivesse sinalizado com o pisca. Por outro lado, da restante matéria de facto dada como provada resulta que não cumpriu o condutor do ciclomotor com as regras de segurança que se lhe impunham aquando da realização da sua manobra, pois efetuou a manobra de mudança de direção de forma inadequada, seguindo trajetória enviesada – em diagonal – para a esquerda, em vez de circular em perpendicular, não se aproximando com antecedência do eixo da via, pelo que o condutor do ciclomotor acabou por cortar a trajetória do veículo seguro que se encontrava na faixa da esquerda, em plena manobra de ultrapassagem do veículo que o precedia, encurtando a distância entre as viaturas intervenientes no sinistro, contribuindo, assim, para a eclosão do presente sinistro. Ou seja, no caso dos autos, apurou-se que o condutor do ciclomotor muda de direção para a esquerda quando o veículo de passageiros DG se encontrava a ultrapassar o veículo que seguia à sua frente ( e nas traseiras do ciclomotor) e de forma repentina, sem se aproximar do eixo da via com antecedência, cortando a marcha do DG, ocorrendo assim o sinistro. Em verdade, ao condutor que muda de direção para a esquerda, são impostos os cuidados enunciados no artigo 44.º, n.º 1 do Código da Estrada: aproximação com a necessária antecedência do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação; observando-se, também, o n.º 2 do preceito referido – efetuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro da intersecção das duas vias, se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar, o trânsito se efetuar nos dois sentidos. Ora, atenta a matéria dada como provada, o condutor do ciclomotor não cumpriu com as regras estradais que se lhe impunham, ao realizar a manobra de mudança de direção à esquerda seguindo uma trajetória enviesada, cortou a trajetória do veículo DG, o qual se encontrava em plena manobra de ultrapassagem. O tribunal a quo imputou a eclosão do acidente a culpa exclusiva do condutor do ciclomotor por haver iniciado a manobra de mudança de direção para a esquerda sem prévia certificação da inexistência de perigo para o trânsito e nas condições necessárias para o fazer em segurança, quando o veículo DG já se encontrava em plena manobra de ultrapassagem do veículo que o precedia e estava no permeio. Sem dúvida que, por este motivo, a sua condução não pode escapar ao juízo de censura ético-jurídica. Sem embargo, entendemos que o tribunal recorrido não atentou à totalidade dos factos que considerou como provados, factos que no seu conjunto conduzem à conclusão de que existiu por parte dos dois condutores intervenientes no acidente violação de normas estradais, que deram causa ao acidente e aos danos que dele resultaram. Para além da violação daquelas normas estradais por parte do ciclomotor, é igualmente certo que o condutor do DG violou idênticas regras de diligência e cuidado e respeito pelas normas estradais ao iniciar, por sua vez, uma ultrapassagem do veículo que seguia à sua frente, quando no mesmo sentido e à frente do veículo a ser ultrapassado seguia o ciclomotor em causa, pelo que não se certificou de que podia retomar a direita sem perigo para o veículo ultrapassado e ciclomotor que seguia à frente deste, atuando assim em clara violação do disposto no artº 38, nº1 e 2, al. c) do Código da Estrada. É bem certo o ciclomotor lhe surge de repente, em plena manobra de ultrapassagem, porventura por o não ter visto quando iniciou a ultrapassagem. Ora, se bem que deste facto não se pode deduzir que o condutor do veículo DG não poderia tê-lo visualizado e tal circunstância não foi sequer alegada, pelo menos, podemos concluir que quando iniciou a manobra de ultrapassagem não se certificou de que o poderia fazer em segurança, ou seja, não se certificou de que podia retomar a direita sem perigo para o veículo ultrapassado e ciclomotor que seguia à frente deste, atuando assim em clara violação do disposto no artº 38, nº1 e 2, al. b) do Código da Estrada. Na realidade, para além do veículo que circulava à sua frente, no imediato, e que iria ultrapassar, cumpria-lhe ter atenção a todo o demais tráfego que naquela ocasião circulava na via estradal, nomeadamente à frente do veículo que estava a ultrapassar, de modo a assegurar-se de que poderia retomar a direita sem perigo para o veículo ultrapassado e demais veículos que seguiam na frente deste no mesmo sentido, como era o caso do ciclomotor CX, pelo que não o tendo feito foi muito imprudente. Em verdade, ao condutor que efetua uma manobra de ultrapassagem, são impostos os cuidados enunciados no artigo 38.º do Código da Estrada, nomeadamente não deve iniciar a manobra sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com o veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário e que pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitem, tudo de acordo com o princípio geral do art 35º do CE, nos termos do qual só pode efetuar tal manobra de ultrapassagem em local e por forma que a sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito. Ora, no âmbito dos acidentes de viação a violação de normas estradais pelo condutor do veículo constitui presunção prima facie de culpa na produção do sinistro e dos danos dele resultantes (...), que só deve ser afastada “nos casos em que a norma violada não se destine a proteger o interesse em concreto ofendido, uma vez que, nesse caso, não haverá causa adequada entre os danos e a violação daquela norma.” (...) Neste caso, ocorrendo a violação de normas estradais por ambos os condutores, caberia a estes provar que não tiveram culpa (nos termos previstos no artº 350, nº2 do C.C.) e que, pese embora a violação de normas de direito rodoviário, estas não foram causa adequada do acidente, que se teria produzido, ainda que cumpridos os deveres impostos por estas normas. Ora, no caso sub judicio, ocorre concorrência de culpa de ambos os condutores dos veículos intervenientes. Aliás, foi esta a posição extrajudicial da ré seguradora, quando envia o email com data de 23-12-2020 e junto com a petição inicial, nos termos da qual assume a responsabilidade do condutor do veículo seguro no acidente, em 50 por cento, por “ entender que ambos os condutores contribuíram , na percentagem indicada, para os danos do acidente ocorrido em 24-02-2019”. Assim sendo, não existindo nem tendo sido alegada qualquer causa de exclusão de culpa concorrencial de ambos os condutores, do motociclo e do veículo DG, resta-nos fixar a medida em que cada um contribuiu para a produção do acidente e dos danos que dele resultaram. Com efeito, dispõe o artº 570 do C.C., que quando um facto culposo do lesado tiver contribuído para a produção ou agravamento dos danos, ao tribunal caberá apreciar, com base na gravidade da culpa de ambas as partes e nas consequências resultantes, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. Assim, para aferir a medida de responsabilidades de ambos os condutores, há que considerar que se provou que o condutor do ciclomotor fez a manobra de mudança de direção para a esquerda, de modo repentino, e sem se aproximar do eixo da via com antecedência, não se tendo provado se sinalizou ( com pisca) ou não previamente tal manobra, e foi embater no veículo ligeiro de passageiros que seguia na faixa de rodagem da esquerda em plena manobra de ultrapassagem do veículo que o precedia, mas, por sua vez, este veículo fez a manobra de ultrapassagem sem se assegurar das condições de segurança para retomar a direita sem perigo para o veículo ultrapassado e demais veículos que seguiam na frente deste no mesmo sentido, tal como o ciclomotor em causa, tornando a sua manobra, já de si perigosa, com um grau acrescido de perigosidade, tendo resultado do acidente a morte do condutor do ciclomotor. Tal circunstancialismo levar-nos-á a fixar a contribuição para o deflagrar do acidente, em 50% para cada um dos intervenientes, aliás, tal como foi inicialmente cogitado pela seguradora. * Vejamos os danos a indemnizar.Do dano da morte: É consabido que, no caso particular do dano morte, assume particular dificuldade quantificar a perda do direito à vida, por estar em causa a supressão de um bem único e irrepetível, que é a vida humana, o que explica as disparidades na determinação do respetivo quantum indemnizatório. São, porém, visíveis os esforços que a jurisprudência vem fazendo no sentido determinar tais disparidades, havendo mesmo quem na doutrina defenda que «a forma mais justa, e obviamente a única dotada de certeza, para avaliar o dano moral da morte seria padronizá-lo» (Álvaro Dias, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Coleção Teses, Almedina. P. 359-360). A este respeito importa ponderar que a vida é o bem supremo de cada indivíduo, não devendo a sua perda ser indemnizada em termos miserabilistas, por isso cedo se afirmando jurisprudencialmente que nunca abaixo do preço normal de um veículo automóvel de gama média alta (Ac. da RL, de 17.03.1992, CJ, Tomo 1, p. 170, e Ac. da RL, de 07.07.1992, CJ, Tomo 4, p. 198). Assim, a indemnização pela perda da vida foi sendo fixada entre € 50.000,00 e € 70.000,00 (conforme exaustivamente discriminado no Ac. do STJ, de 10.07.2008, Fonseca Ramos, Processo nº 08P1853). Este último valor de referência foi entretanto elevado para € 75.000,00 (v.g. Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo nº 875/05.7TBILH.C1.S1); e para € 80.000,00 (v.g. Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo nº 1380/13.3T2AVR.C1.S1, e Ac. do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1) e mais recentemente para 100.000,00 ( cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.2021 , in dgsi no qual se lembra também que já no Ac. do STJ, de 22-2-18, 33/12, Secção Criminal, se fixou a mesma indemnização no valor de € 120.000,00) No caso sub judicio, pelo dano do direito à vida foi peticionada a indemnização de 60.000 €. No caso em apreço, a vítima tinha 68 anos e era casada com a A., com quem vivia. Perante esta facticidade, a culpa dos condutores e verificados que estão os pressupostos legais do recurso à equidade para a fixação do valor da indemnização, entende-se na ponderação do caso concreto fixar em € 60.000,00 a indemnização pela perda do direito à vida, conforme peticionado e atento o princípio da limitação do pedido ( cfr. art. 609º do CPC). - Dano não patrimonial sofrido pela vítima entre o momento do acidente e o momento da morte (dano intercalar). Pelo sofrimento que a vítima suportou durante o período em que antecedeu a sua morte (concretizado no dano intercalar), foi peticionado a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros). O dano intercalar, porque medeia entre o momento em que ocorre o ato lesivo e a morte da vítima resultante desse evento, abrange o sofrimento, designadamente pela perceção da iminência da própria morte, e dores físicas sentidas pela vítima durante o período em causa. Esse dano é atendível em termos compensatórios, de acordo com o disposto no artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil, sendo entendimento uniforme da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que os valores indemnizatórios devem ser calculados em função do caso concreto, ponderando, designadamente, a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período de tempo durante a qual as dores se prolongam e eventual pressentimento da morte ( Neste sentido, e entre muitos outros, cfr. os acórdãos do STJ, de 08.09.2011 (proc. nº 2336/04.2TVLSB.L1.S1); de 27.09.2011 (proc. nº 425/04.2TBCTB.C1.S1); de 24.10.2013 (proc. nº 225/09.3TBVZL.S1); de 29.10.2013 (proc. nº 62/10.2TBVZL.C1.S1); de 28.11.2013 (proc. nº 177/11.0TBCP.S1) de 15.09.2016 (proc. nº 492/10.0TBBAO.P1.S1) e de 02.03.2017 (proc. nº 36/12.9TBVVD.G1.S1 www.dgsi.pt.). No caso em apreço, apurou-se que a vítima, após a colisão teve dores e até à sua morte, declarada no próprio local do acidente, pelas 10h50m, após terem sido efetuadas manobras de suporte intensivo de vida durante 20 minutos, pelo que é indubitável o sofrimento. Assim sendo, fixa-se em € 10.000 a quantia que se nos afigura adequada, tendo em conta os factos dados como provados nos pontos 3.9 e 3.15, para compensar tais danos ( cfr. art. 496º do CC). - E pelos danos não patrimoniais da Autora, peticiona a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros). Neste particular, tem-se por indesmentível que a Autora terá grandes dificuldades em ultrapassar a experiência traumática resultante da sua viuvez, numa fase da vida em que também ela é reformada. Atendendo aos critérios supra referidos, e perante os factos dados como provados nos pontos 3.16, 3.17, e verificados que estão os pressupostos legais do recurso à equidade para a fixação do valor da indemnização, e critérios jurisprudenciais em casos semelhantes, entende-se, na ponderação do caso concreto, como adequado e proporcional, fixar em € 25.000,00 a indemnização do dano não patrimonial da autora, conforme peticionado ( cfr. art. 496º do CC). - No que respeita à quantia despendida no funeral-€1.304,00, deverá a mesma ser paga, por se tratar de um dano patrimonial a ressarcir ( cfr. art. 562º e 566º do CC). * V- Decisão:Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes que compõe a 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães decidem julgar parcialmente procedente a apelação e, revogam a decisão da primeira instância e, em sua substituição, condenam a Ré seguradora, tendo em conta a proporção de 50% da culpa do seu segurado, a pagar à autora as seguintes quantias: - € 30.000 pela indemnização pelo dano da morte; - € 5.000 pela indemnização pelo dano ( intercalar) da própria vítima; - € 12.500 pela indemnização dos danos não patrimoniais da autora; - € 652 pela indemnização do dano patrimonial ( despesas do funeral). Custas em partes iguais na ação e na apelação. Notifique. Guimarães, 25 de setembro de 2025 Anizabel Sousa Pereira José Manuel Flores e Paula Ribas |